Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4142/14.7TCLRS.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: SIMULAÇÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA
Sumário: I.– Sobre quem invoca a simulação impende o ónus de provar a existência
de tais requisitos, porque constitutivos do seu direito

II.– A indemnização peticionada só é devida, no que à habilitada concerne
a partir da data em que foi citada para a habilitação porquanto, só
nessa data é que a ré teve conhecimento da nova proprietária das
fracções.


SUMÁRIO: (elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


João e Rogério Almeida, Lda. demandou LTE – Electricidade de Lisboa e Vale do Tejo pedindo a condenação da ré a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o imóvel constituído pelas fracções E, F, G, H, I, J, L e M, identificadas na p.i. e a restituí-las imediatamente, livre e desocupadas de pessoas e bens e de quaisquer outras limitações e a pagar à autora uma indemnização pelas perdas e danos no valor de Esc. 52.500.000$00 e mais o valor a apurar em liquidação de sentença pelo posterior tempo que decorrerá até à efectiva entrega.

Alegou, em suma, que é proprietária das fracções identificadas do prédio denominado Alvogar, sito em Loures, na Rua 4 de Outubro, nºs, 4, 4-A, 4-B, 4-C, 4-D, 4-E e 4-F, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures, sob a ficha 850913 da freguesia de Loures, prédio este constituído em regime de propriedade horizontal.

As fracções foram adquiridas à Sociedade Construções Vicente e Godinho, Lda., por escritura de 12/12/96 e encontram-se registadas a favor da autora.

A ré detém as fracções de forma abusiva, privando a autora de obter das mesmas a respectiva remuneração, sendo que o rendimento de cada uma delas é de mais de Esc. 350.000$00 por mês.

Na contestação, a ré solicitou a intervenção principal da Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda., deduziu reconvenção, impugnou o alegado pela autora e concluiu pela absolvição do pedido, pela procedência da reconvenção declarando-se nulo ou ineficaz o negócio celebrado entre a chamada e a autora, restituindo-se as fracções objecto dos autos ao domínio patrimonial da chamada com a consequente inoperância em relação à ré/reconvinte do registo da inscrição predial nº G – 19970116008 a favor da autora, condenação da autora e chamada a reconhecer à ré/reconvinte o direito de praticar os actos de conservação das fracções que a lei permite para garantia da satisfação do seu crédito e ainda a apensação aos autos do processo 598/98 do 1º Juízo Cível deste Tribunal.

Alegou, para tanto, que a ré por si e antecessora nos direitos e obrigações da EDP – Electricidade de Portugal, S.A., era proprietária e é legítima possuidora das fracções objecto dos autos.

Por escritura, de 27/7/94, a antecessora da ré permutou com a Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda., as fracções com o prédio sito em Loures, o qual se encontrava em construção, por esta sociedade, um edifício na fase de estrutura.

A titularidade das fracções passou para a Sociedade de Construções e a do edifício em construção para a EDP, agora LTE.

Ficou estabelecido que a EDP/LTE manteria a posse e o uso normal das fracções, sem quaisquer restrições ou encargos, até 3 meses após a conclusão das obras de edificação do prédio recebido até que a sociedade efectuasse os arranjos exteriores a que contratualmente estava obrigada.

A sociedade nada fez.

A ré ao reiniciar as obras de construção do edifício detectou vários vícios de construção (estrutura e fundações) tendo, em 18/7/95, notificado a Sociedade para corrigi-los, o que não aconteceu.

Assim, a ré procedeu à correcção dos vícios despendendo a quantia de Esc. 314.395.413$00.

A ré intentou acção judicial contra a sociedade, em 16/5/96, para cobrar aquele valor (proc. 346/94 2º Juízo Cível).

Como a sociedade não cumpriu com as obrigações contratuais de que dependia a entrega das fracções a ré mantém-se na sua posse  (direito de retenção).

Impugnou o alegado pela autora sustentando que esta nunca teve a posse e fruição das fracções reivindicandas, sendo que a venda foi simulada com o intuito de a prejudicar – fls. 30 e sgs.

Na réplica, a autora impugnou o alegado pela ré/reconvinte concluindo pela absolvição do pedido reconvencional, opôs-se à apensação do processo e pelo indeferimento do pedido de intervenção principal provocada – fls. 181 e sgs.

A ré respondeu pugnando pela admissão da intervenção principal da sociedade Construções Vicente & Godinho e pela apensação das acções – fls. 200 e sgs.

A ré requereu a ampliação do pedido formulado na reconvenção – cancelamento do registo de propriedade, G – 19970116008, por aquisição das fracções E, F, G, H, I, J, L e M – 245 da freguesia de Loures a favor da sociedade autora – pelo facto e, por lapso, tal pedido não ter sido formulado aquando da reconvenção – fls. 237.
Opôs-se a autora – fls. 246 e 249 e sgs.

Foi admitida a reconvenção, a intervenção principal da sociedade Construções Vicente & Godinho e a ampliação do pedido – fls. 277.

Inconformada a autora agravou deste despacho, tendo o recurso sido admitido como de agravo com subida diferida – fls. 297 – formulando as conclusões que se transcrevem:

1ª.– A ré na reconvenção não articulou quaisquer factos, mesmo indiciários, para se poder sustentar a simulação do negócio.
2ª.– Nestes articulado desenvolvesse, ainda que conclusivamente, a figura da impugnação pauliana.
3ª.– Por várias vezes refere um assustador crédito e uma garantia que, eventualmente, lhe conviesse para satisfação do seu crédito inexistente.
4ª.– Requer a inoperância do registo de transmissão – por compra e venda, a favor da aqui autora – em relação a ela, ré.
5ª.– Esta inoperância ou ineficácia, opera sem a nulidade dos negócios, a verificarem-se os requisitos da impugnação pauliana, dá ao credor a faculdade de satisfazer o seu crédito, pelo bem alienado. No património do adquirente.
6ª.– Violou o Mmo. Juiz com o seu despacho o art. 273/2 CPC, bem como o art. 240 e sgs., 605 e 610 e sgs. CC, para além de outros.
7ª.– Assim, deve o recurso ser provido e revogar-se o despacho recorrido e, consequentemente declarar-se nulo e de nenhum efeito o registo levado a efeito por aquele despacho – fls. 306 e sgs.

A ré agravada pugnou pela manutenção da decisão – fls. 317 e sgs.

Foi indeferida a apensação dos processos – fls. 386 e sgs.

Suscitado conflito de competência foi declarada competente para conhecer da acção o 3º Juízo Cível – fls. 435 e sgs.

Citada, a interveniente nada disse.
 
A autora e a interveniente requereram a alteração do pedido, ex vi art. 273/2 CPC, concluindo pela condenação da ré e reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o imóvel, constituído pelas fracções já identificadas, livres e desocupadas de pessoas, bens e de quaisquer outras limitações; a pagar à interveniente a indemnização correspondente a Esc. 350.000$00/mês (€ 1.745,79), por fracção, desde Janeiro de 96 a Dezembro de 96 e a pagar os juros de mora, à taxa comercial, vencidos e vincendos, desde essa data até efectivo reembolso, a pagar à autora desde 1/1/97 até efectivo reembolso a quantia de Esc. 350.000$00 (€ 1.795,79) por mês e por cada fracção até efectiva entrega das mesmas, desde Janeiro de 2009, a pagar à autora um adicional de € 1.795,79 por cada fracção e por mês até à entrega e ainda nos juros vencidos e vincendos, à taxa comercial, desde 1/1/96, desde 1/1/96 até efectivo pagamento – fls. 584 e sgs.

Pugnou a ré pela impossibilidade de alteração do pedido –  fls. 592 e sgs.

Foi proferido despacho que admitiu a ampliação do pedido relativamente à alínea d) com a seguinte redacção “a pagar à autora a quantia de €sc. 350.000$00 (€ 1745,79) por mês e por cada fracção, desde 1/1/97 até efectiva entrega das mesmas”, manter o pedido formulado em a) e indeferir a ampliação relativamente aos pedidos formulados em b), c) e) e f) – fls. 814 e sgs.

Inconformada a autora agravou tendo o recurso, apesar de admitido, ter sido julgado deserto por falta de alegações - fls. 826, 828 e 853.
 
Foi admitida a modificação subjectiva da instância relativamente à ré por esta ter sido incorporada pela sociedade anónima EDP Distribuição – Energia, S.A. – fls. 618 e 627.
 
Posteriormente, a autora pediu a condenação da ré numa sanção pecuniária compulsória, no valor de um 30 avos/dia do rendimento mensal de cada uma das 8 fracções autónomas que não foram e deviam ter sido entregues atempadamente, desde Janeiro de 1996, uma vez que a acção intentada pela ré contra a autora, na qual era peticionado o reconhecimento pela autora do direito de retenção daquela sobre as fracções, foi julgada improcedente – fls. 840 e sgs.

Tal pedido foi admitido – fls. 1634.

A denominação social da autora foi alterada para ICRA II, Lda. tendo esta sido declarada insolvente – fls. 957 e sgs.

Noivos Construções, Lda. foi habilitada no lugar da primitiva autora - fls. 1635.

Após julgamento foi prolatada sentença que julgando a reconvenção improcedente e a acção parcialmente procedente absolveu a autora do pedido e condenou a ré:
a)- A reconhecer a autora como proprietária das fracções E, F, G, H, I, J, L e M do prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº.245/850913, da freguesia de Loures e a restituir-lhas livres e devolutas;
b)- A pagar à autora a quantia de € 502 201,01 (quinhentos e dois mil duzentos e um euros e um cêntimo) a título de indemnização pela privação de uso das fracções no período de 13.12.1996 a 31.1.2017;
c)- e ainda, por cada mês que decorra após 31.1.2017, a pagar à autora a quantia € 354,00 (trezentos e cinquenta e quatro euros) até efectiva entrega de cada uma das fracções E e I e por cada uma delas; a quantia de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros) até efectiva entrega das fracções F e J e por cada uma delas; a quantia de € 348,00 (trezentos e quarenta e oito euros) até efectiva entrega das fracções G e L e por cada uma delas; e a quantia de € 235,00 (duzentos e trinta e cinco euros) até efectiva entrega das fracções H e M e por cada uma delas;
d)- Absolvendo, no mais, a ré.

Inconformada, a ré apelou formulando as seguintes conclusões: 
III.1– Quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
No entendimento da ré, devia ter sido decidido quanto à Matéria de Facto da seguinte forma:
- III.1.1 - O facto descrito sob o nº 27 “Que a Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda. não tenha efectuado quaisquer arranjos exteriores, designadamente os aludidos em 6)”, devia ter sido dado como provado de acordo com a prova documental e testemunhal produzida nos autos pois:
- A sentença recorrida faz apelo à normalidade das coisas para concluir que é aceitável que os arranjos exteriores não estivessem concluídos no momento da escritura de permuta referida em 6), momento em que ainda decorria a obra de construção do edifício e é isso mesmo que resulta da dita escritura cujo teor se encontra acima reproduzido quanto a este aspecto particular.
Foram os próprios outorgantes, representantes da aqui interveniente, a afirmar na escritura que havia arranjos exteriores que seriam para fazer mais tarde, pelo que nem seria preciso fazer apelo à normalidade das coisas.
Assim, torna-se claro que, ainda que houvesse alguns arranjos exteriores já realizados, outros estariam por realizar (os mencionados em 6) como se pergunta no ponto 27) da Matéria de Facto) e seriam para ser efectuados após a construção do edifício.

Tendo em consideração também a prova testemunhal gravada, designadamente o testemunho de Teresa Maria Neto Moreira Maia, atrás reproduzido, a resposta ao ponto 27) da matéria de facto deve ser positiva, ainda que restritiva. Isto é, deve ser dado como provado que a Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda. não efectuou os arranjos exteriores, aludidos em 6).
É de salientar que estes arranjos – os aludidos em 6) – são precisamente aqueles de cuja realização os próprios outorgantes, aqui intervenientes, fizeram depender a entrega das fracções à ré.
- III.1.2 - Os factos descritos sob os nºs 28, 31 e 33 deveriam ter sido dados como provados pois:
- A presente acção foi intentada em 1998.
Logo nessa data, mais precisamente em 11.11.1998, em sede de reconvenção, a ré invocou a simulação do negócio celebrado entre a interveniente e a primitiva autora e alegou que o pagamento das fracções no âmbito deste negócio nunca ocorreu, o que se encontra vertido no ponto 33 da Matéria de Facto e foi dado como não provado:
- 33) Que a primitiva autora não tenha pago à interveniente a quantia de Esc. 80 000.000$00 (€ 399 038,72) indicada como preço da transmissão referida em 3).
Naturalmente, esta prova só poderia ser feita com recurso a documentos em poder da autora primitiva e da interveniente, o que a ré requereu e foi judicialmente ordenado, ao abrigo do artigo 429 do CPC, na actual numeração.

Contudo, a autora, alegando o decurso do tempo, disse ter destruído tais documentos por não ter obrigação de os manter tendo em consideração as regras fiscais que se reportam ao tempo mínimo de guarda de documentação.
Ora, salvo melhor opinião, esta argumentação não colhe, pois a autora (primitiva), pelo menos desde 11.11.1998, data em foi alegada a inexistência do referido pagamento, tinha conhecimento da importância da conservação de tais documentos e da possibilidade de inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344 CC e 417/2 CPC.
Acresce que frustrada a obtenção dos referidos documentos através da primitiva autora, a ré requereu e foi judicialmente deferida a notificação das instituições financeiras a operar em Portugal à data da transacção para que juntassem os extractos bancários a partir dos quais fosse possível a prova da passagem de dinheiro da primitiva autora para a interveniente. Tendo sido invocado o sigilo bancário por algumas das notificadas, designadamente a fls. 1034 dos autos, a ré requereu a notificação da primitiva autora e da interveniente para libertar as instituições bancárias de tal sigilo, o que obteve resposta negativa daqueles sujeitos processuais (uma das quais já representada pelo Administrador de Insolvência que mesmo nessa condição não viu interesse em contribuir para a descoberta da verdade (!).
Nestas circunstâncias, mal andou a sentença recorrida ao não proceder à inversão do ónus da prova e dar como provado que 33) Que a primitiva autora não tenha pago à interveniente a quantia de Esc. 80 000 000$00 (€ 399 038,72) indicada como preço da transmissão referida em 3), com o que violou o artigo 344 CC e 417/2 CPC.
Esta inversão de ónus da prova, por imperativo legal, teria permitido, por presunção, nos termos dos artigos 349 a 351 CC, e também com apoio nos factos provados enunciados nos pontos 10, 14 e 15 da Matéria de Facto, dos quais resulta que as pessoas colectivas nos presentes autos (autora e interveniente) são formadas pelas mesmas e
únicas pessoas físicas, dar como provados os pontos 28 e 31 da Matéria de Facto:
- 28) Que a escritura referida em 3) tenha sido o expediente encontrado pela primitiva autora e pela interveniente, conluiadas entre si, para esta se desfazer do património e não pagar à ré a dívida de Esc.314.395.413$00 (€ 1.568.197,71) por ela reclamada no âmbito da acção mencionada em 8).
31) Que a venda dita em 3) tenha sido concretizada com o objectivo deliberado dos outorgantes de prejudicar a ré.
- III.1.3 - O facto descrito sob o nº 37 deveria ter sido dado como provado, pois:
- Tendo em consideração a prova testemunhal gravada, designadamente o testemunho de Carlos Alberto Domingos Rosa, atrás analisado e igualmente, tendo em consideração que foi dado como provado que 25) “A primitiva autora nunca entrou nas fracções referidas em 1)”, devia ter sido igualmente dado como provado, com base na mesma prova oferecida pela ré e na ausência de prova em contrário pela autora que 37) “Que a primitiva autora, antes de intentar a presente acção, não tenha dado conhecimento à ré de que era a nova proprietárias das fracções, nem lhe tenha solicitado a entrega das mesmas.
- III.1.3.4 - Quanto aos factos descritos sob os nºs 17 a 24 e dados como provados e que se reportam aos montantes apurados, deveria ser diferente o valor apurado pois:
- Segundo a fundamentação da decisão proferida quanto à Matéria de Facto, foi levada em consideração a perícia colegial ordenada pelo Tribunal e que se encontra a fls. 1297 e 1349 e que corresponde ao Relatório Pericial subscrito por unanimidade e ao Esclarecimento dos Peritos, prestado por escrito e este último subscrito pelo perito nomeado pelo Tribunal e pelo Perito nomeado pela ré.
Ora, do esclarecimento prestado, resulta que ao valor apurado na perícia há que deduzir um valor resultante da aplicação de um coeficiente de ocupação efectiva (93,75%) que traduz a situação de um imóvel colocado no mercado de arrendamento não estar arrendado de forma ininterrupta.
Isto é, está estudado pela doutrina e resulta numa fórmula objectiva de cálculo a probabilidade de o imóvel, estar, ou não, a produzir rendimento em cada momento.
Nestes termos deve ser dado como provado que os montantes descritos nos pontos 17 a 24 da Matéria de Facto são os que resultam da aplicação daquele coeficiente e se encontram descritos no quadro da página 3 dos Esclarecimentos dos Peritos.

Ao afastar, sem qualquer justificação, este segmento da prova pericial produzida, cometeu o tribunal a quo a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 651 CPC.
Por outro lado, mesmo que não seja alterada a resposta ao ponto 37, não estando provado que a primitiva autora tenha solicitado a entrega das fracções ou sequer que tenha dado conhecimento da sua aquisição à ré (e esta prova, nos termos do artigo 342 CC, competia à autora para efeitos de determinação do momento em que era devida a
entrega das fracções), só a partir da data da citação da presente acção, 13.10.1998, se pode considerar a ré interpelada para fazer tal entrega, razão pela qual, não é devida qualquer compensação por indisponibilidade das fracções anterior a essa data.
E isto só é válido no que respeita à autora primitiva e para o caso de proceder o recurso interposto da decisão de habilitação. Pois, caso improceda aquele recurso, a actual à autora neste processo só poderá ser conferida compensação a partir de 13.01.2012, data em que a ré foi citada para contestar a habilitação e tomou conhecimento da existência de uma nova proprietária das fracções.
Também neste segmento ao não apresentar qualquer fundamento para a decisão quanto ao início do período a que respeita a compensação dos autos, cometeu o tribunal a quo a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 651 CPC.

III.2 – Quanto ao Direito:
III.2.1 – Da simulação e da impossibilidade do cumprimento
Provada a simulação, com base nos factos atrás defendido como provados, nos termos do nº 2 do artigo 240 CC, é nulo o negócio celebrado entre a primitiva autora e a interveniente, donde “reentrando”, nos termos do artigo 289 CC, as fracções no património da interveniente, sua única e constante “proprietária” que todavia nunca as reivindicou e a quem a ré não podia na realidade fazer a sua entrega por tal entrega carecer de fundamento legal uma vez que se encontravam, desde 16.01.1997, inscritas no Registo Predial em nome da aqui primitiva autora, fica assim demonstrada a impossibilidade objectiva do cumprimento da obrigação de entrega das fracções e a consequente inexistência da obrigação de indemnizar a aqui autora, primitiva e actual.
III.2.2 – Da condição a que ficou sujeita a obrigação de a ré entregar as fracções
Provado que a primitiva autora não efectuou os arranjos exteriores a que se obrigou na escritura de permuta celebrada em 1.08.1994 (pontos 5 e 6 da Matéria de Facto), como atrás defendido, não se verificou a condição de que dependia a entrega das fracções, pelo que a ré não procedeu à sua entrega, legitimamente, razão pela qual não há lugar a qualquer compensação nos termos do artigo 1284 CC, cuja invocação aliás não se compreende pois não ocorreu qualquer esbulho ou turbação da posse, nem nos termos de qualquer outra disposição legal.
Por outro lado, tendo a ré provado a existência de uma condição (facto 6) de que dependia o direito da autora, incumbia a esta provar a verificação de tal condição, nos termos do nº 3 do artigo 343 CC e a autora não fez essa prova.
III.2.3 – O direito da autora e o direito da primitiva autora caso proceda o recurso interposto da decisão proferida na Habilitação que corre por apenso aos presentes autos.
Consta do elenco dos factos provados (15) que a autora adquiriu as fracções dos autos em 5.11.2010.
Este facto, caso improceda a anterior argumentação, o que só por dever de patrocínio se admite, é sem dúvida adequado a conferir-lhe o direito à entrega das fracções.
Contudo, no que respeita à compensação, por muito que tenha sido habilitada para prosseguir com a presente acção - decisão ainda não transitada - não tendo provado, nem alegado, nem nos presentes autos, nem tão pouco na habilitação apensa, que adquiriu o crédito da primitiva autora, no que respeita à compensação pela indisponibilidade das ditas fracções, evidente se torna que não é titular do direito a tal compensação no que respeita ao período anterior à data em que as adquiriu, nem mesmo naquele anterior à data em que a ré foi citada para contestar tal habilitação – 13.01.2012 – por ser a data a partir da qual a ré teve conhecimento de referida aquisição, não tendo a autora provado outra data, como lhe competia.
Ao condenar a ré a pagar à aqui e agora autora, o valor da compensação desde data anterior à própria aquisição das fracções por este sujeito processual, e sem qualquer prova de que tenha adquirido o direito de crédito da primitiva ré, a sentença recorrida viola o disposto no artigo 611 CPC e nos artigos 562 e 563 CC, pois antes de 5.11.2010 a autora não sofreu, nem podia sofrer, qualquer prejuízo.
Reflexamente, estando pendente recurso da decisão proferida no apenso de Habilitação que admitiu a agora autora como habilitada, desde já se acrescenta que, uma vez e se revogada aquela decisão, o direito à compensação por parte da primitiva autora só poderá ser deferido no que respeita à indisponibilidade das fracções até 5.11.2010, data em que as alienou, o que desde já fica alegado.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida.
Quanto ao efeito do recurso, a ré, aqui recorrente, vem muito respeitosamente requerer a V. Exa. que ao mesmo seja fixado efeito suspensivo, nos termos do nº 4 do artigo 647 CPC.
Estando pendente recurso da decisão proferida nos autos apensos de Habilitação que decidiu habilitar a agora autora e tendo esse recurso por fundamento a absoluta ausência de título aquisitivo do crédito em causa nos presentes autos recursivos, afigura-se prudente e de acordo ao princípio da boa gestão processual não propiciar uma nova frente litigiosa entre todas as partes envolvidas enquanto aquele recurso não for julgado.
O valor da condenação – 502.201,01 euros – que por ser muito elevado é adequado a causar prejuízo considerável à ré que vem requer que seja admitida a prestar caução no montante e pela forma que V. Exa. julgar mais adequada, nos termos art. 647/4 CPC.

Nas contra-alegações, o apelado pugnou pela confirmação da decisão.

Factos dado como provados na 1ª instância:

1- As fracções E, F, G, H, I, J, L e M do prédio urbano denominado Alvogas, situado em Loures, na Rua 4 de Outubro, nºs. 4, 4-A, 4-B, 4-C, 4-D, 4-E e 4-F, com a área total de 409 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha 245/850913, e inscrito na matriz sob o artigo 4544, foram registadas, por compra, em nome de João & Rogério Almeida, Limitada, por apresentação de 16.1.1997.
2- As fracções referidas em 1) ocupam dois pisos, sendo cada piso composto de quatro fracções, tendo as fracções E, G, I e L a área de 108,5 m2 cada e as fracções F, H, J e M a área de 96 m2 cada.
3- Por escritura pública lavrada em 12.12.1996, no 9º Cartório Notarial de Lisboa, epigrafada de “Compra e Venda”, JV e AL, na qualidade de gerentes e em representação da Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda., como primeiros outorgantes, e RA e JMA, na qualidade de gerentes e em representação de João & Rogério Almeida, Lda., como segundos outorgantes, declararam os primeiros que «pela presente escritura e pelo preço global de oitenta milhões de escudos, que já receberam, vendem à sociedade que os segundos outorgantes representam: pelo preço de dez milhões de escudos, cada uma, as seguintes fracções autónomas, destinadas exclusivamente a habitação, designadas pelas letras: “E” (…), “F” (…), “G” (…), “H” (…), “I” (…), “J” (…), “L” (….) e “M” (…). Que todas as fracções fazem parte do prédio urbano sito na Rua 4 de Outubro, n.º 3, na freguesia e concelho de Loures (…)», tendo os segundos outorgantes dito que (…) aceitam a presente venda nos termos exarados, e que a mesma sua representada destina as fracções adquiridas a revenda».
4- EDP Distribuição – Energia, S.A. sucedeu, por fusão, à LTE, Electricidade de Lisboa e Vale do Tejo, S.A., que, por sua vez, sucedeu a EDP – Electricidade de Portugal, S.A.
5- Por escritura pública datada de 1.8.1994, lavrada no 16º Cartório Notarial de Lisboa, epigrafada de “Permuta”, AL e Joaquim André da Silva Vicente, na qualidade de gerentes e em representação da Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda., como primeiros outorgantes, e Manuel Lopes Agostinho e Mário Augusto Saraiva Lima de Almeida e Brito, na qualidade de procuradores, em nome e representação de EDP – Electricidade de Portugal, S.A., como segundos outorgantes, foi dito: «Que entre as sociedades suas representadas é celebrado o seguinte contrato de permuta: Um – sociedade representada pelos primeiros outorgantes dá à sociedade representada pelos segundos outorgantes (…), livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio rústico denominado “Terra do Aqueduto” sito na freguesia e concelho de Loures (…). Dois – em troca, a sociedade representada pelos segundos outorgantes dá à sociedade representada pelos primeiros outorgantes (…)» as fracções identificadas em A).
6- Mais foi dito pelos outorgantes, no mencionado “Contrato de Permuta”: «Que a EDP manterá a posse e uso normal das onze fracções que transmite, uso esse sem quaisquer restrições e sem outros encargos para além das despesas de condomínio que suportará até à efectiva entrega das fracções “C”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L” e “M” à sociedade representada pelos primeiros outorgantes (…). Que esta entrega ocorrerá até ao fim de três meses contados da conclusão das obras do prédio em construção e que agora recebe da sociedade representada pelos primeiros outorgantes. Que aquele prazo de entrega não será, porém, superior a dezoito meses contados da data de hoje, a menos que, então e enquanto a sociedade representada pelos primeiros outorgantes não tiver concluído os trabalhos de arranjos exteriores do mesmo prédio e satisfeito quaisquer outros condicionalismos impostos pela dita Câmara que limitem a regular e definitiva emissão de licença de utilização».
7- No prédio rústico denominado “Terra do Aqueduto”, objecto da permuta, encontrava-se, à data do contrato referido em 5), em construção um edifício pela Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda. 
8- Correu termos no 2º Juízo Cível deste Tribunal, sob o nº 342/96, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, em que foi A. LTE, Electricidade de Lisboa e Vale do Tejo, S.A. e R. Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda., por via da qual aquela pediu a condenação desta na redução, em   314.395.413$00, do preço do prédio rústico denominado Terra do Aqueduto, com a consequente restituição de tal valor, ou o pagamento de tal quantia a título de indemnização e bem assim no pagamento de indemnização pelo prejuízo provocado pelo atraso e paragem na execução das obras, no pagamento de quantia a determinar pelo prejuízo sofrido com a não disponibilização do edifício no prazo previsto, e no cumprimento da prestação em falta.
9- No articulado réplica, apresentado no processo referido em 8) em 2.11.1996, a ali autora invocou e requereu o reconhecimento do direito de retenção das fracções.
10- A Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, primitivamente com o número 62534/860310, tem por objecto a indústria e construção civil e obras públicas e como sócios e gerentes JVe AL, sendo cada um titular de uma quota no valor de PTE 10 000 000$00.
11- A autora tem por objecto a indústria de construção civil e obras públicas, a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
12- Por Acórdão do TRL de 17.5.2007, transitado em julgado em 14.1.2009, proferido no âmbito do processo referido em 8), foi julgada procedente a excepção de caducidade invocada pela ré e absolvida a mesma da totalidade do pedido.
13- Desde 1996 que a ré detém as fracções identificadas em A).
14- A Noivos – Construção, Lda., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, primitivamente com o número 13704/1997-04-17, tem como objecto construção de andares para venda, compra e venda de terrenos e andares e venda dos adquiridos para esse fim, e como sócios e gerentes JVe AL, sendo cada um titular de uma quota no valor de € 24.939,89. 
15- Por escritura pública outorgada em 5.11.2010, JVe AL, na qualidade de procuradores e em representação de ICRA II, Lda., anteriormente designada João & Rogério Almeida, Lda., pelo preço global de € 270.000,00 declararam vender a Noivos – Construções, Lda., também por si representada, que declarou aceitar, as fracções referidas em 1).
16- No acto da escritura referida em 15) foi declarado pelos outorgantes que o preço da venda já havia sido recebido pela vendedora.
17- Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “E”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 229 no ano de 1996; € 236 no ano de 1997; € 242 no ano de 1998; € 248 no ano de 1999; € 254 no ano de 2000; € 261 no ano de 2001; € 272 no ano de 2002; € 282 no ano de 2003; € 291 no ano de 2004; € 298 no ano de 2005; € 305 no ano de 2006; € 314 no ano de 2007; € 322 no ano de 2008; € 330 no ano de 2009; € 328 no ano de 2010; € 332 no ano de 2011; € 344 no ano de 2012; € 354 no ano de 2013 e € 354 no ano de 2014.
18- Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “F”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 178 no ano de 1996; € 183 no ano de 1997; € 188 no ano de 1998; € 192 no ano de 1999; € 197 no ano de 2000; € 203 no ano de 2001; € 211 no ano de 2002; € 219 no ano de 2003; € 226 no ano de 2004; € 231 no ano de 2005; € 237 no ano de 2006; € 244 no ano de 2007; € 250 no ano de 2008; € 256 no ano de 2009; € 254 no ano de 2010; € 258 no ano de 2011; € 267 no ano de 2012; € 275 no ano de 2013 e € 275 no ano de 2014.
19- Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “G”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 225 no ano de 1996; € 232 no ano de 1997; € 237 no ano de 1998; € 244 no ano de 1999; € 249 no ano de 2000; € 256 no ano de 2001; € 268 no ano de 2002; € 277 no ano de 2003; € 286 no ano de 2004; € 293 no ano de 2005; € 300 no ano de 2006; € 309 no ano de 2007; € 316 no ano de 2008; € 325 no ano de 2009; € 322 no ano de 2010; € 326 no ano de 2011; € 338 no ano de 2012; € 347 no ano de 2013 e € 348 no ano de 2014.
20- Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “H”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 152 no ano de 1996; € 156 no ano de 1997; € 160 no ano de 1998; € 164 no ano de 1999; € 168 no ano de 2000; € 173 no ano de 2001; € 180 no ano de 2002; € 187 no ano de 2003; € 193 no ano de 2004; € 197 no ano de 2005; € 202 no ano de 2006; € 208 no ano de 2007; € 213 no ano de 2008; € 219 no ano de 2009; € 217 no ano de 2010; € 220 no ano de 2011; € 228 no ano de 2012; € 234 no ano de 2013 e € 235 no ano de 2014.
21- Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “I”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 229 no ano de 1996; € 236 no ano de 1997; € 242 no ano de 1998; € 248 no ano de 1999; € 254 no ano de 2000; € 261 no ano de 2001; € 272 no ano de 2002; € 282 no ano de 2003; € 291 no ano de 2004; € 298 no ano de 2005; € 305 no ano de 2006; € 314 no ano de 2007; € 322 no ano de 2008; € 330 no ano de 2009; € 328 no ano de 2010; € 332 no ano de 2011; € 344 no ano de 2012; € 354 no ano de 2013 e € 354 no ano de 2014.
22- Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “J”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 178 no ano de 1996; € 183 no ano de 1997; € 188 no ano de 1998; € 192 no ano de 1999; € 197 no ano de 2000; € 203 no ano de 2001; € 211 no ano de 2002; € 219 no ano de 2003; € 226 no ano de 2004; € 231 no ano de 2005; € 237 no ano de 2006; € 244 no ano de 2007; € 250 no ano de 2008; € 256 no ano de 2009; € 254 no ano de 2010; € 258 no ano de 2011; € 267 no ano de 2012; € 275 no ano de 2013 e € 275 no ano de 2014.
23- Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “L”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 225 no ano de 1996; € 232 no ano de 1997; € 237 no ano de 1998; € 244 no ano de 1999; € 249 no ano de 2000; € 256 no ano de 2001; € 268 no ano de 2002; € 277 no ano de 2003; € 286 no ano de 2004; € 293 no ano de 2005; € 300 no ano de 2006; € 309 no ano de 2007; € 316 no ano de 2008; € 325 no ano de 2009; € 322 no ano de 2010; € 326 no ano de 2011; € 338 no ano de 2012; € 347 no ano de 2013 e € 348 no ano de 2014.
24- Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “M”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 152 no ano de 1996; € 156 no ano de 1997; € 160 no ano de 1998; € 164 no ano de 1999; € 168 no ano de 2000; € 173 no ano de 2001; € 180 no ano de 2002; € 187 no ano de 2003; € 193 no ano de 2004; € 197 no ano de 2005; € 202 no ano de 2006; € 208 no ano de 2007; € 213 no ano de 2008; € 219 no ano de 2009; € 217 no ano de 2010; € 220 no ano de 2011; € 228 no ano de 2012; € 234 no ano de 2013 e € 235 no ano de 2014.
25- A primitiva autora nunca entrou nas fracções referidas em 1).

Factos Não Provados:
26- Que, dada a sua área, localização e o rendimento que outras em idênticas circunstâncias proporcionam, cada fracção equivalha a mais de Esc. 350.000$00 (€ 1 745,79) mensais.
27- Que a Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda. não tenha efectuado quaisquer arranjos exteriores, designadamente os aludidos em 6).
28- Que a escritura referida em 3) tenha sido o expediente encontrado pela primitiva autora e pela interveniente, conluiadas entre si, para esta se desfazer do património e não pagar à ré a dívida de Esc.314.395.413$00 (€ 1.568.197,71) por ela reclamada no âmbito da acção mencionada em 8).
29- Que, na sequência de tal transacção a interveniente tenha ficado praticamente sem bens penhoráveis.
30- Que a interveniente não tivesse património bastante para pagar ou garantir o crédito da ré.
31- Que a venda dita em 3) tenha sido concretizada com o objectivo deliberado dos outorgantes de prejudicar a ré.
32- Que a interveniente tenha cessado, na prática, a sua actividade.
33- Que a primitiva autora não tenha pago à interveniente a quantia de Esc. 80 000 000$00 (€ 399 038,72) indicada como preço da transmissão referida em 3).
34- Que a primitiva autora e a interveniente tenham colaborado uma com a outra, que tenham construído edifícios nos mesmos locais e que tenham ou tenham tido negócios comuns, por si e seus sócios gerentes.
35- Que os sócios gerentes da primitiva autora e da interveniente sejam amigos de longa data, tenham negócios comuns e partilhem os mesmos interesses.
36- Que a primitiva autora desconhecesse a existência de problemas, dívidas ou litígios entre a ré e a interveniente.
37- Que a primitiva autora, antes de intentar a presente acção, não tenha dado conhecimento à ré de que era a nova proprietárias das fracções, nem lhe tenha solicitado a entrega das mesmas.
38- Que os sócios gerentes da interveniente, com o objectivo de não pagarem a indemnização peticionada no âmbito da acção referido em 8) tenham passado a laborar em nome da actual autora.
39- Que, pela mesma razão, os sócios gerentes da interveniente tenham transferido para a actual autora todos os meios de que dispunham naquela.
40- Que a ré tivesse sobre a interveniente um crédito de      314.395.413$00 resultante do custo dos trabalhos de correcção dos vícios estrutura e construção do edifício que dela recebeu em permuta.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se há lugar:
Agravo.
a)- Ampliação do pedido
Apelação.
a)- Nulidade da sentença
b)- Alteração da decisão de facto
c)- Simulação 
d)- Compensação

Vejamos, então.

a) Ampliação do pedido

Defende a agravante que não há lugar à ampliação do pedido – cancelamento do registo de propriedade, por aquisição G - 19970116008 a favor da autora (João e Rogério Almeida, Lda.) porquanto, tal pedido não constitui ampliação do pedido anterior, mas sim um pedido novo, sendo certo que a ré na reconvenção não articulou factos, nem nada requereu relativamente à simulação.
Pode o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido ou ampliá-lo até ao encerramento e discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo –        art. 265/2 CPC (art. 273/2 LV).

Na contestação apresentada a ré invocou o direito de retenção sobre as fracções com fundamento no não cumprimento contratual da anterior proprietária Sociedade Construções Vicente e Godinho, deduziu incidente de intervenção principal provocada desta sociedade (interesse igual ao da autora) alegando que existência de simulação (negócio simulado).
E na reconvenção fundamentou o seu pedido na simulação e na impugnação pauliana, concluindo pela declaração de nulidade e ineficácia do negócio celebrado entre a autora e a chamada, restituindo-se ao património da chamada as fracções dos autos, com a consequente inoperância em relação à si do registo de inscrição predial G – 19970116008 a favor da autora.
Ora, tendo em atenção o art. citado e o pedido formulado na contestação/reconvenção, constata-se que o pedido de ampliação é consequência/desenvolvimento do pedido anterior.
Destarte, soçobra a pretensão do agravante.

a) Nulidade da sentença

Defende a apelante a nulidade da sentença por falta de fundamentação no segmento respeitante ao início do período a que respeita a compensação, ex vi art. 615/1 b) CPC.
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - art. 615/1 b) CPC.
A nulidade da alínea b) tem lugar quando haja falta de motivação, ou seja, julgador não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.
Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas.
A razão substancial reside no facto de que a sentença/despacho deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando abstracto e geral da lei, o juiz substitui um comando particular e concreto.
No entanto, este comando não se pode gerar arbitrariamente, uma vez que o juiz, não tem, o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa, é a emanação correcta da lei.
As razões práticas residem no facto de que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão a sentença lhe foi desfavorável; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.

Não basta que o juiz decida a questão posta, é necessário e indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. O valor doutrinal da sentença, valor como elemento de convicção, vale o que valerem os seus fundamentos.
Acresce ainda que existe uma distinção entre a falta total de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada.
O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiente ou deficiente motivação, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não acarreta nulidade – cfr. A. Reis CPC Anotado, vol. V – 138 segs., Coimbra Editora, ano 1981.
No caso em apreço a decisão encontra-se devidamente fundamentada - aí foi explanado que a pretensão ressarcitória da autora (privação do uso) abarca não só o período posterior à sua aquisição dos imóveis que ocorreu, em 5/11/2010,  como também a sofrida pela sua antecessora no processo, em cujos direitos processuais sucedeu, computando-se os prejuízos, desde 12/12/96, dar da aquisição pela primitiva autora - pelo que inexiste a nulidade arguida.
Destarte, soçobra a pretensão da apelante.

b)–Alteração da decisão de facto

O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 640 CPC, a decisão com base neles proferida – art. 662 CPC.
Importa desde já referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607 CPC.
No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso – Ac. TC 3/10/2001, in Ac. TC, vol. 51, 206 e Ac. STJ de 4/7/2013, in www.dgsi.pt.
O Tribunal da Relação não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova, com os demais elementos existentes nos autos, pode exibir perante si.
Defende a apelante, a nulidade da sentença sustentando que na decisão de facto porquanto o Tribunal a quo afastou o segmento da prova pericial respeitante à aplicação do coeficiente de ocupação efectiva, ex vi art. 615/1 b). 
No que à nulidade da sentença respeita, atento o explanado supra e o exarado aquando da apreciação da questão anterior, nenhuma nulidade a apontar à motivação da decisão de facto.
Assentando a prova na livre apreciação e análise crítica da mesma, constata-se que o tribunal a quo na motivação da decisão de facto sopesou não só o depoimento das testemunhas e documentos juntos, como também o constante do relatório pericial de fls. 1297 e sgs. e 1349 e sgs., bem como os esclarecimentos prestados pelos  Srs. Peritos (dois) em audiência.
Defende a apelante a alteração da decisão de facto no que concerne aos factos 27, 28, 31, 33, 37 e 17 a 24.
Propugna a seguinte redacção para o facto 27, com base no depoimento da testemunha Teresa Maria Neto Moreira Maia: “A Sociedade de Construções Vicente & Godinho, Lda., não efectuou os arranjos exteriores, aludidos em 6)”.
Os factos 28, 31 e 33 devem ser dados com provados, com fundamento na inversão do ónus da prova (arts. 344 CC e 417/2 CPC), porquanto esta prova só poderia ter sido feita com base em documentos em poder da primitiva autora e da interveniente e, não obstante notificadas para fazer a sua junção (art. 429 CPC), não o fizeram com fundamento na sua destruição atento o decurso do tempo.
O facto 37 deveria ter sido dado como provado com base no depoimento da testemunha de Carlos Alberto Domingos Rosa.
Quanto aos factos 17 a 24 deve ser dado como provado que os montantes aí mencionados são os que se resultam da aplicação do coeficiente e se encontram descritos no quadro da pág. 3 dos esclarecimentos dos Srs. Peritos.
Os factos impugnados (27, 28, 31, 33 e 37) foram considerados Não Provados.
E os factos 17 a 24 foram considerados Provados, dando-se aqui por reproduzido o seu teor.
Da motivação da decisão de facto constata-se que os factos 17 a 24 alicerçaram-se na conclusão pericial contida no quadro de       fls. 1313 do relatório pericial de fls. 1300.
Os factos 27, 28, 31, 33 foram considerados Não Provados por ausência de prova bastante, tendo o Tribunal a quo, relativamente ao facto 27, explanado, minuciosamente, as razões porque o considerou Não Provado.
Assim, atenta a motivação da decisão de facto e o exarado supra relativamente à apreciação da prova, afastada está alteração da decisão no que concerne aos factos impugnados sob os nºs 27, 28, 31, 33.

Quanto ao facto 37, dir-se-á que o depoimento de uma testemunha, por si só, sem a audição dos demais depoimentos prestados, não conduz, sem mais, à alteração pretendida pela apelante, pelo que nada a alterar à decisão da 1ª instância.
No que concerne aos  factos 17 a 24, tendo em conta o relatório pericial e os esclarecimentos dos Srs. Peritos a fls. 1350 e 1351 (coeficiente de ocupação efectiva), altera-se a redacção dos factos, passando estes a ter a seguinte redacção:
17– Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “E”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 215,00 no ano de 1996, € 221,00 no ano de 1997, € 227,00 no ano 1998, € 233,00 no ano 1999, € 238,00 no ano 2000, € 245,00 no ano 2001, € 255,00 no ano 2002, € 264,00 no ano 2003, € 273,00 no ano 2004, € 279,00 no ano 2005, € 286,00 no ano 2006, € 294,00 no ano 2007, € 302,00 no ano 2008, € 309,00 no ano 2009, € 308,00 no ano 2010, € 311,00 no ano 2011, € 323,00 no ano 2012, € 332,00 nos anos 2103 e 2014.
18– Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “F”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 167,00 no ano de 1996, € 172,00 no ano de 1997, € 176,00 no ano de 1998, € 180,00 no ano de 1999, € 185,00 no ano de 2000, € 190,00 no ano de 2001, € 198,00 no ano de 2002, € 205,00 no ano de 2003, € 212,00 no ano de 2004, € 217,00 no ano de 2005, € 222,00 no ano de 2006, € 229,00 no ano de 2007,  € 234,00 no ano de 2008, € 240,00 no ano 2009, € 238,00 no ano de
2010, € 242,00 no ano de 2011, € 250,00 no ano de 2012, € 258,00 nos anos de 2013 e 2014.
19– Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “G”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 211,00 no ano de 1996, € 218,00 no ano de 1997, € 222,00 no ano de 1998, € 229,00 no ano de 1999, € 233,00 no ano de 2000, € 240,00 no ano de 2001, € 251,00 no ano de 2002,€ 260,00 no ano de 2003, € 268,00 no ano de 2004, € 275,00 no ano de 2005, € 281,00 no ano de 2006, € 290,00 no ano de 2007, € 296,00 no ano de 2008, € 305,00 no ano de 2009, € 302,00 no ano 2010, € 306,00 no ano 2011, € 317,00 no ano 2012, € 325,00 no ano 2013, € 326,00 no ano 2014.
20– Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “H”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 143,00 no ano de 1996, € 146,00 no ano de 1997, € 150,00 no ano de 1998, € 154,00 no ano de 1999, € 158,00 no ano de 2000, € 162,00 no ano de 2001, € 169,00 no ano de 2002, € 175,00 no ano 2003, € 181,00 no ano 2004, € 185,00 no ano 2005, € 189,00 no ano 2006, € 195,00 no ano de 2007, € 200,00 no ano de 2008, € 205,00 no ano 2009, € 203,00 no ano de 2010, € 206,00 no ano 2011, € 214,00 no ano de 2012, € 219,00 no ano de 2013 e  € 220,00 no ano de 2014.
21– Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “I”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 215,00 no ano 1996, € 221,00 no ano 1997,  € 227,00 no ano 1998, € 233,00 no ano 1999, € 238,00 no ano 2000, € 245,00 no ano 2001, € 255,00 no ano 2002, € 264,00 no ano 2003, € 273,00 no ano 2004, € 279,00 no ano 2005, € 286,00 no ano 2006, € 294,00 no ano 2007, € 302,00 no ano de 2008, € 309,00 no ano 2009, € 308,00 no ano de 2010, € 311,00 no ano de 2011, € 323,00 no ano 2012, € 332,00 nos anos de 2013 e 2014.
22– Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “J”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 167,00 no ano de 1996, € 172,00 no ano de 1997, € 176,00 no ano de 1998, € 180,00 no ano de 1999, € 180,00 no ano de 1999, € 185,00 no ano 2000, € 190,00 no ano 2001, € 198,00 no ano 2002, € 205,00 no ano 2003, € 212,00 no ano 2004, € 217,00 no ano 2005, € 222,00 no ano 2006, € 229,00 no ano 2007, € 234,00 no ano 2008, € 240,00 no ano 2009, € 238,00 no ano 2010, € 242,00 no ano 2011, € 250,00 no ano 2012, € 258,00 nos anos de 2013 e 2014.
23– Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “L”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 211,00 no ano de 1996, € 218,00 no ano de 1997, € 222,00 no ano de 1998, € 229,00 no ano de 1999, € 233,00 no ano de 2000, € 240,00 no ano de 2001, € 251,00 no ano de 2002, e 260,00 no ano 2003, € 268,00 no ano 2004, € 275,00 no ano de 2005, € 281,00 no ano de 2006, € 290,00 no ano de 2007, € 296,00 no ano de 2008, € 305,00 no ano de 2009, € 302,00 no ano de 2010, € 306,00 no ano 2011, € 317,00 no ano de 2012, € 325,00 no ano de 2013 e € 326,00 no ano de 2014.
24– Pela sua localização e área, em termos líquidos, a fracção designada pela letra “M”, se arrendada, teria mensalmente permitido obter a renda de € 143,00 no ano de 1996, € 146,00 no ano de 1997, € 150,00 no ano de 1998, € 154,00 no ano de 1999, € 158,00 no ano de 2000, € 162,00 no ano de 2001, € 169,00 no ano de 2002, € 175,00 no ano de 2003, € 181,00 no ano de 2004, € 185,00 no ano de 2005, € 189,00 no ano de 2006, € 195,00 no ano de 2007, € 200,00 no ano de 2008, € 205,00 no ano de 2009, € 203,00 no ano de 2010, € 206,00 no ano de 2011, € 214,00 no ano de 2012, € 219,00 no ano de 2013 e € 220,00 no ano de 2014.
Destarte, procede parcialmente a pretensão do apelante.

c)– Simulação e impossibilidade de cumprimento

Defende a apelante a nulidade do negócio celebrado entre a  primitiva autora e a interveniente por simulado.
Estipula o art. 240/1 CC que: “Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
“O negócio simulado é nulo” – nº 2 art. cit.

Este art. exige três requisitos para que haja simulação:
1- Divergência entre a vontade real e a vontade declarada.
O declarante não só sabe que a declaração emitida não corresponde à sua vontade real, é diversa da emitida, mas mesmo assim, quer emiti-la.
Traduz-se numa divergência livre, querida e realizada propositadamente.
2- Intuito de enganar terceiros (animus decipiendi) - não se confunde com o intuito de prejudicar, podendo, no entanto, com ele ser cumulável (animus nocendi).
O terceiro mencionado neste art. não é o terceiro alheio ao negócio, mas sim alguém que seja alheio ao conluio, i. é, aquele que não interveio no acordo simulatório.
3- Acordo simulatório (pactum simulatoris).
A divergência entre a vontade real e a declarada deve proceder de acordo entre declarante e declaratário, i. é, o conluio, a mancomunação, consiste em as partes declararem, intencional e concertadamente, terem realizado um acto, que, afinal, não quiseram realizar – cfr. Ac. STJ de 14-2-08, relator Oliveira Rocha, in www.dgsi.pt; M. Andrade, Teoria Geral Vol. II-169; Galvão Telles, Dos Contratos em Geral, 2ª ed. – 149; P. Lima e A. Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 4ª ed. – 321 e CC Anotado, vol. I, art. 240.  
Quando para além da intenção de enganar existe também a intenção de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta; se apenas existe o animus decipiendi, a simulação é inocente.
                             
A simulação pode ser absoluta ou relativa, no primeiro caso, o acordo simulatório, pressupõe a celebração de um negócio que as partes não querem de todo realizar (nem esse, nem qualquer outro), no segundo caso, o negócio simulado encobre outro acto que se denomina dissimulado (declara-se vender quando o que se pretendia doar). 
Consagrando a nulidade do negócio simulado, a lei quer dizer: a) que a simulação pode ser invocada por qualquer interessado e ser oficiosamente declarada; b) que o vício do negócio pode ser arguido a todo o tempo, tanto por meio de acção como por via de excepção; c) que o vício não pode ser sanado, mediante confirmação da declaração.
Estes três requisitos têm de se verificar simultaneamente sob pena de estarmos em presença de outra situação de qualquer vício de vontade, que não o da simulação.
Sobre quem invoca a simulação, impende o ónus de provar a existência de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito. 
Ora, atentos os factos provados, não logrou a apelante fazer prova dos factos constitutivos do seu direito, de tal tendo o ónus, ou seja, o acordo simulatório, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, bem como o intuito, de o prejudicar (simulação absoluta e fraudulenta).
Assim, não tendo o negócio sido simulado a possibilidade de cumprimento mantém-se, soçobrando a sua pretensão.

d)–Compensação

Defende a apelante que mesmo que não tenha sido considerado provado o facto sob o nº 37, como não foi, competia à autora provar que a primitiva autora tenha solicitado a entrega das fracções ou que tenha dado conhecimento da sua aquisição à ré, pelo que só a partir da data da citação da presente acção, 13/10/98, se pode considerar a ré interpelada para efectuar a entrega, não sendo devida qualquer compensação por indisponibilidade das fracções em data anterior – no que concerne à autora primitiva e para o caso de procedência do recurso interposto da decisão de habilitação porquanto, em caso de improcedência, a actual autora só poderá ser conferida compensação, a partir de 13/1/2012, data em que a ré foi citada para a habilitação e tomou conhecimento de uma nova proprietária das fracções.
A acção de reivindicação foi intentada, em 28/9/98 (cfr. fls.2), por João E Rogério Almeida, Lda.
Posteriormente, para suceder no lugar da autora, foi habilitada Noivos Construções, Lda., decisão confirmada por acórdão desta Relação, prolatado, em 9/5/2017.
A habilitada Noivos e Construções, Lda., passa a ocupar a posição/lugar da primitiva autora, aceitando esse lugar de acordo com o estado da acção, competindo-lhe fazer a prova do que ainda lhe é lícito fazer – arts. 356 sgs. CPC.
A ré foi citada, em 13/10/98 – fls. 29.

Apurado ficou que, por escritura de 5/11/2010, André da Silva Vicente e AL, na qualidade de procuradores e em representação de ICRA II, Lda., anteriormente designada por João e Rogério Almeida, Lda./primitiva autora), declararam vender a Noivos – Construções, Lda. as fracções referidas, em 1 (facto 14).
Nesta acção (reivindicação) João e Rogério Almeida, Lda., pede a entrega das fracções, bem como uma indemnização pela privação por parte da autora de obter uma determinada remuneração (direito de crédito).
As fracções em causa foram vendidas, posteriormente, pela autora João e Rogério Almeida, Lda., à habilitada Noivos – Construções, Lda.
Não obstante, esta venda (transmissão do direito de propriedade), não contempla a transmissão automática do direito de indemnização para a habilitada.
A transmissão de créditos pressupõe uma manifestação de vontade por parte do transmitente nesse sentido, seja por contrato, seja por negócio unilateral – art. 577 e sgs. CC.
In casu, nada se apurou neste sentido pelo que a transmissão reporta-se tão só ao direito de propriedade e não já ao direito de crédito.
Assim, a indemnização peticionada só é devida, no que habilitada concerne (Noivos – Construções, Lda.) a partir da data em que a ré foi citada para a habilitação, ou seja, 13/1/2012 porquanto, só nesta data é que a ré teve conhecimento da nova proprietária das fracções.
Nesta acção a apelante solicitou que fosse declarada e reconhecido o seu direito de propriedade de determinados imóveis e a condenação da ré na sua restituição e ainda numa indemnização por perdas e danos.
A lide configura uma acção de reivindicação.
Nas acções de reivindicação incumbe ao autor demonstrar que tem o direito de propriedade sobre a coisa reivindicanda e que esse direito se encontra na posse ou detenção de outrem.
Ora, in casu, logrou a autora provar, de tal tendo o ónus        (art. 342/1 CC), os factos constitutivos do seu direito – propriedade das fracções, a sua ocupação por parte da ré.
Logrou também provar que a ocupação das fracções acarreta-lhe prejuízos e, como tal, tem direito a ser ressarcida – arts. 566 e sgs. CC.
Assim, atentos os factos acima dados como provados e o exarado na alínea anterior, 13/1/2012 (citação da ré para a habilitação), é devida uma indemnização à autora/habilitada os seguintes valores, no período de 14/1/2012 a 31/1/2017:
A fracção E teria permitido obter no ano de 2012 o valor de € 3.735,92 (11 meses e 17 dias - € 323,00); nos anos de 2013 (12 meses/renda € 332,00/valor anual de € 3.984,00) a Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017 (€ 332,00), o que perfaz o valor total de          € 20.003,92.

A fracção F teria permitido obter no ano de 2012 - € 2.891,66 (11 meses e 17 dias - € 250,00) e nos anos de 2013 a Dezembro de 2016 (12 meses/ renda € 258,00/valor anual € 3.096,00) e Janeiro de 2017 (€ 258,00), perfaz o total de € 15.553,16.
A fracção G teria permitido obter no ano de 2012 o valor de € 3.666,63 (11 meses e 17 dias - € 317,00), no ano de 2013 o valor de € 3.900,00 (12 meses/ renda € 325,00), nos anos de 2014 a 2016 o valor de € 11.736,00 (12 meses/renda € 326,00) e no ano de 2017 o valor de € 326,00, o que perfaz o total de € 20.628,63.
A fracção H teria permitido obter no ano de 2012 o valor de € 2.475,26 (11 meses e 17 dias/renda 214,00); em 2013 € (12 meses /renda 219,00) € 2.628,00; em 2014 a 2016 (renda € 220,00/3 anos) o valor de € 7.920,00 e em 2017 (1 mês/renda 220,00) € 220,00, o que perfaz o total de € 13.243,26 
A fracção I teria permitido obter no ano de 2012 o valor de  €  3.736,03 (11 meses e 17 dias/renda 323,00); no ano de 2013 a 2016 (renda € 332,00/4 anos), o valor de € 15.936,00 e em 2017 (renda € 332,00/1 mês) € 332,00, num total de € 20.004,03.
 A fracção J teria permitido obter no ano de 2012 o valor de € 2.891,66 (11 meses e 17 dias/renda 250,00), no ano de 2013 a 2016 (renda € 258.00/4 anos) o valor de € 12.384,00 e no ano de 2017 (um mês) € 258,00, o que perfaz o total de € 15.533,66.
A fracção L teria permitido obter no ano de 2012 o valor de € 1.975,93 (11 meses e 17 dias/ renda € 317,00), no ano de 2013 o valor de € 3.900,00  (12 meses/renda € 325,00), no ano de 2014 a 2016 o valor de (renda € 326,00/ 3 anos) € 11.736,00 e no ano de 2017 o valor de € 326,00 (um mês), perfazendo o total de € 17.937,93.
Fracção M teria permitido obter no ano de 2012 o valor de € 2.475,26 (renda € 214,00/ 11 meses e 17 dias), no ano de 2013 o valor de € 2.628,00 (renda € 219,00/12 meses) e no ano de 2014 a 2016 o valor de 7.920,00 ( renda € 220,00/ 3 anos) e no ano de 2017 o valor de € 220,00 (renda € 220,00/1 mês) perfazendo o valor total de € 13.243,26.
Assim, o valor dos prejuízos sofridos pela apelada/habilitada desde 14/1/2012 a 31/1/2017 contabilizam  € 136.167,85.
A este montante acresce ainda o valor mensal de cada uma das facções, desde 1/2/2017, até efectiva entrega das mesmas.
Destarte, procede parcialmente a pretensão do apelante.

Pelo exposto, acorda-se em julgar o agravo improcedente, confirmando-se o despacho e a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revogando-se a sentença nos segmentos relativos ao valor da indemnização e desde quanto a mesma é devida, condena-se a ré a pagar à autora/habilitada o valor de € 136.167,85, a título de indemnização pela privação do uso das fracções, no período compreendido entre 14/1/2012 a 31/1/2017 e ainda, por cada mês, após 31/1/2017 e até efectiva entrega das fracções e por cada uma delas os seguintes valores: fracção E e I - € 332,00, fracção F e J -  € 258,00, fracção G  e L - € 326,00, fracção H e M -  € 220,00, confirmando-se, no mais a sentença.
Custas do agravo pela agravante.
Custas da apelação por apelante a apelada na proporção do vencimento.



Lisboa, 19-04-2018



(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)