Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7674/2003-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: INJUNÇÃO
DOMICÍLIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/12/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O art. 2º, nº 1, do Dec. Lei nº 269/98, aditado pelo Dec. Lei nº 383/99 de 23/9, veio permitir que nos requerimentos de injunção referentes a contratos com domicílio convencionado, a notificação/citação possa ser efectuada por via postal simples. Tal convenção há-de constar de contrato escrito.
Domicilio convencionado é o fixado para efeitos de poder ser demandado judicial ou extra-judicialmente para dele ser exigido o cumprimento da obrigação por si assumida com a outorga do contrato.
Uma coisa é o contrato de prestação de serviços, neste caso, o mandato, nos termos do art. 1157º do CC, outra, a procuração, definida no art. 262º do CC como um negócio jurídico unilateral, ou seja, o acto pelo qual alguém, unilateralmente, confere o poder a outrem de celebrar determinados actos jurídicos em seu nome.
A morada que consta da procuração não pode ser considerada como domicilio convencionado, para efeitos do citado 2º, nº 1 do Dec. Lei nº 269/98 de 1/9.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
          I – RELATÓRIO
          Isabel deduziu embargos de executado, por apenso à execução para pagamento de quantia certa contra Maria de Lurdes, alegando, em síntese, que a acção executiva funda-se em requerimentos de injunção, no âmbito dos quais não foram cumpridas as formalidades relativas à notificação da aí requerida, já que a carta expedida para o efeito "foi depositada na sua caixa de correio, sem se dar cumprimento a todo o anterior e obrigatório formalismo legal, previsto nos números 2 e 3 do art. 1º- A, ex-vi do art. 12º do Dec. Lei 269/98" (...) ou sequer (...) com a notificação nos termos dos arts. 236º e 238º do C.P.C., ex-vi do art. 12º do Dec. Lei 269/98", o que determina a nulidade das notificações, sendo que as não recebeu, nem delas teve conhecimento, tudo levando a crer que o depósito efectuado não o tenha sido na sua caixa de correio, como já tem sucedido.
Alega, ainda, a prescrição do crédito da exequente, nos termos do artigo 317º aI. c), do Código Civil, uma vez que a dívida peticionada data de 15/7/98 e os requerimentos de injunção foram apresentados em juízo em 8/1/01.
Conclui pedindo a procedência dos embargos.

Opôs-se a embargada, pugnando pela total improcedência dos embargos, por infundados, devendo considerar-se regularmente notificada e existindo facto interruptivo da invocada prescrição.

Considerando que os autos forneciam todos os elementos necessários, o Tribunal a quo conheceu do mérito da causa e julgou os embargos procedentes com fundamento na inexequibilidade dos títulos dados à execução.
Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a exequente/embargada, tendo formulado, em resumo, as seguintes conclusões:
(...)

Contra-alegou a executada/embargante concluindo:
(...)
          Corridos os Vistos legais,
                              Cumpre apreciar e decidir.

São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que importa decidir se os documentos dados à execução constituem ou não títulos executivos.

          II – FACTOS PROVADOS
1. Maria de Lurdes intentou acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra Isabel Maria, dando à execução os requerimentos de injunção nºs 2/2001 e 13/3001, nos quais foi aposta fórmula executória.
2. Os requerimentos de injunção deram entrada em Tribunal em 8/1/2001, constando dos mesmos que se reportam a contrato de prestação de serviços de 15/7/98;
3. Deles consta, igualmente, que foi convencionado domicílio, sendo o local para notificação na Rua Comandante Joaquim Teotónio Segurado, n° --, --Bairro da ---, Cascais (cfr. fls. 94 e segs. dos autos).
4. Foram expedidas cartas para notificação para a indicada morada, enviadas por via postal simples, tendo o distribuidor postal lavrado nota de depósito das cartas, com indicação das datas e locais do depósito.

III – O DIREITO
1. Do recebimento dos embargos
Alega a Apelante que a Executada foi notificada em 14/10/2002, para se pronunciar sobre a modalidade de venda do imóvel penhorado, pelo que aí tomou conhecimento da realização da penhora do seu imóvel e, consequentemente, de que contra ela pendiam autos de execução, pelo  que devia então ter deduzido embargos de executado. Não tendo a Executada deduzido embargos de executado aquando do seu requerimento apresentado na execução em juízo em 28/10/2002, em 2/12/2002 - data da entrada dos embargos de executado - há muito tempo já havia decorrido o prazo legal para os deduzir oposição à execução.
A questão agora suscitada é matéria nova que não foi arguida e 1ª instância, razão por que não pode esta Relação tomar posição sobre a mesma.
Na verdade, a Exequente, quando contestou os embargos, nada referiu quanto à suscitada extemporaneidade dos embargos.
Mesmo assim refira-se que os embargos devem ser deduzidos quando a parte seja citada/notificada para esse efeito.
Ora, no caso dos autos, a Executada, alegando incumprimento do disposto no art. 926º do CPC, apenas tomou conhecimento da execução quando foi notificada para se pronunciar quanto à modalidade de venda do imóvel penhorado e, como tal, reagiu, por requerimento apresentado na própria execução, em 28.10.2002.
Decidida a arguida nulidade, oportunamente, veio a Executada deduzir os embargos.

2. Do prazo para arguir a nulidade
Adianta a Apelante que a nulidade deveria ter sido arguida pela executada logo na primeira intervenção e não apenas em sede de embargos.
Trata-se de questões distintas.
A nulidade arguida no requerimento de 28.10.2002 é distinta da que é suscitada nos embargos: aquela respeita à falta de notificação para os termos da execução; esta, à nulidade que afecta os títulos dados à execução, na medida em que não foi dado cumprimento às formalidades da citação para efeitos de existência de título executivo proveniente de injunção, pelo que o Tribunal “a quo" apreciou a arguida nulidade (inexiquibilidade dos títulos dados à execução) no momento próprio.

3. Do título executivo
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, conforme art. 45° do CPC.
No caso sub judice, trata-se de execução fundada em injunção, documento que pode configurar título executivo, nos termos dos artigos 46° aI. d), do Código de Processo Civil, e 21°, do Decreto-Lei n° 269/98, de 1/9.
A injunção e respectiva fórmula executória, nos termos do DL nº 269/98 de 1/9, constituem título executivo bastante para fundamentar acção executiva, não carecendo o exequente de os fazer acompanhar de outros documentos que instruíram o requerimento em que se pediu a referida fórmula executória [1].
Cumpre, pois, apreciar da exequibilidade dos títulos em causa, ou seja, se foram correctamente apostas as fórmulas executórias nos referidos requerimentos.
      
Apresentado requerimento de injunção, o secretário judicial notifica o requerido, no prazo de 5 dias, através de carta registada com aviso de recepção ou de mandatário, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão (cfr. art. 12° n°s. 1 e 5 do DL n° 269/98). Caso se fruste a notificação através de carta registada por aviso de recepção, deverá a mesma ser efectuada por via postal simples, como determina o n° 2 do citado art. 12º e art. 238°, do CPC.
          No entanto, o art. 2º, nº 1 do DL 269/98, aditado pelo DL 383/99 de 23/9, veio estabelecer que, nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de primeira instância, podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeitos da realização da citação ou notificação, em caso de litígio.
E o art. 1º-A do DL 269/98, aditado pelo DL 383/99, com a redacção que lhe foi fixada pelo DL nº 183/2000 de 10 de Agosto, veio permitir que, nos casos de domicílio convencionado - nas acções judiciais destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito a que alude o nº 1 do art. 2º do diploma preambular - a citação efectua-se nos termos do art. 236º-A do CPC.
Vale isto por dizer que, nos requerimentos de injunção referentes a contratos com domicílio convencionado, a notificação/citação pode ser efectuada por via postal simples.

          No caso em apreço foram dados à execução dois requerimentos de injunção, referentes a contratos de prestação de serviços, constando dos mesmos a existência de domicílio convencionado. Recebidos os requerimentos de injunção, foi efectuada a notificação da requerida através de carta, por via postal simples.
Ora, a sentença recorrida considerou que, embora conste dos ditos requerimentos a existência de domicílio convencionado, tal menção é irrelevante, pois inexiste qualquer contrato escrito em que as partes tenham convencionado o local onde se consideram domiciliadas. Daí que fosse necessário observar o formalismo prescrito no citado art. 12º do DL 269/98. Como não foi, a formula executória foi indevidamente aposta.
A Apelante discorda desta posição defendendo que no caso dos autos havia domicílio convencionado, por ser o que vem indicado nas procurações forenses emitidas a favor da Exequente.

Ou seja, a questão a resolver é tão só a de saber se no caso sub judice foi ou não convencionado o domicílio para efeitos do disposto no citado art. 1º A do DL 269/98.
Qual o significado da estipulação de "um domicilia citandi et executandi” convencionado entre as partes em contrato?
Significa que as partes, relativamente a um contrato, convencionaram um domicílio electivo, para efeitos de nele ser demandado o devedor, para aí ser exigido o cumprimento da obrigação que assumiu mediante determinado contrato [2].
Domicilio convencionado é, portanto, o que é fixado para efeitos de poder ser demandado judicial ou extra-judicialmente para dele ser exigido o cumprimento da obrigação por si assumida com a outorga do contrato.
E esta convenção há-de constar de contrato escrito. É o que determina, como vimos, o art. 2º, nº 1 do DL 269/98, aditado pelo DL 383/99 de 23/9.
         
Importa, então, verificar se para efeitos do citado art. 2º, nº 1 se pode concluir se foi convencionado domicílio, em contrato reduzido a escrito.
Pode dizer-se que ao emitir as procurações forenses a que a Apelante alude, as partes estavam, por contrato escrito, a convencionar o domicílio para efeitos da realização da citação/notificação?
Obviamente que não.
Uma coisa é o contrato de prestação de serviços, neste caso, o mandato, que nos termos do art. 1157º do CC, é aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrém e que pode ser com ou sem representação [3].
Outra, a procuração, definida no art. 262º do CC: um negócio jurídico unilateral autónomo [4].
A procuração não é, pois, um contrato de prestação de serviços. A procuração é o acto pelo qual alguém, unilateralmente, confere o poder a outrem de celebrar determinados actos jurídicos em seu nome.
E, como entre as partes não houve redução a escrito dos alegados contratos de prestação de serviços a que se referem os requerimentos de injunção, não pode concluir-se que as partes tenham acordado, tenham convencionado, o local onde se consideram domiciliadas, para efeitos de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.
Bem andou a sentença recorrida ao decidir que, in casu, se mostrava necessário o cumprimento do formalismo previsto no aludido art. 12º, nº 1 do DL nº 269/98 de 1/9, devendo a notificação ter sido efectuada por carta registada com aviso de recepção, o que não foi feito.
Neste circunstancialismo, a fórmula executória a que alude o art. 14º nº 1 do DL 269/98 de 1/9, foi indevidamente aposta, já que a Requerida, ora Apelada não se mostrava notificada em conformidade com as pertinentes normas legais.
Logo, foram dados à execução títulos que carecem de exequibilidade por força do referido vício, pelo que, como conclui a sentença recorrida, “temos uma acção executiva fundada em documentos que não conferem ao credor o direito de execução”, o que nos termos dos arts. 813º a) e 815º do CPC constitui fundamento para deduzir embargos à execução.
Verificada a inexequibilidade dos títulos, não podiam deixar de se julgar, como se julgaram, procedentes os embargos de executado deduzidos, com a consequente extinção da execução.

IV - DECISÃO

Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2004.

Fátima Galante
Manuel Gonçalves
Urbano Dias
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[1] Cfr., entre outros, o Ac. RL de 23.11.2000 (Nunes Ricardo), in www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido o Ac. RL de 14/02/2002 citado pelo Ac. do STJ de 07/11/2002, (Eduardo Batista).

[3] Cfr. Ac. RC de 8.11.1968, in JR 14º-1038.
[4] Vide Ferrer Coreia A procuração na teoria da representação voluntária, em Estudos Jurídicos, II, pags. 19 e segs.