Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
268/14.5TBCLD.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CUSTAS
ISENÇÃO DE CUSTAS
INSOLVENTE
MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Uma sociedade comercial cuja insolvência foi já judicialmente declarada, constituindo-se a respetiva massa insolvente, não beneficia da isenção de custas prevista na alínea u) do art.º 4.º do RCP em ação supervenientemente proposta pelo administrador de insolvência contra um alegado devedor da massa insolvente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 07.02.2014 A intentou no Tribunal Judicial de Caldas da Rainha ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra B
A A. alegou ser a massa insolvente da sociedade comercial A, a quem sucedeu em todos os direitos e obrigações, por sentença de insolvência datada de 07.8.2012. No exercício da sua atividade a A vendeu à R. vários bens, que a R. não pagou, apesar de interpelada para o efeito.
A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 5 988,91, acrescida de juros de mora.
Em virtude de a A. não ter procedido ao pagamento de taxa de justiça, a secretaria recusou a petição inicial.
A A. pronunciou-se contra tal recusa, invocando enquadrar-se na previsão do disposto no art.º 4.º n.º 1 alínea u) do Regulamento das Custas Processuais, por estar insolvente, beneficiando assim de isenção de custas.
Em 18.02.2014 foi proferido despacho em que se entendeu que a A. não beneficiava de isenção de custas e consequentemente decidiu-se nada mais determinar.
A A. apelou deste despacho, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida considerou que a Recorrente - A - não beneficia de isenção de custas, porquanto não poderá ser considerada uma sociedade em situacão de insolvência, nos termos e para os efeitos previstos na al. u) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP.
2. No entanto, a lei não pode deixar de incluir entre as sociedades em situação de insolvência, aquelas que após a declaração de insolvência constituem uma pessoa colectiva ou património cujo passivo é manifestamente superior ao activo e por isso são consideradas em situação de insolvência, nos termos do art.º 3. do CIRE.
3. Cabendo ao Administrador de Insolvência prover conservação e frutificação dos direitos do insolvente – art.º 55.º, n.º 1, al.b) do CIRE - não poderá ver esse dever funcional limitado devido à comprovada escassez de meios económicos para o seu cumprimento.
4. A isenção de custas que se considera prevista na lei, não impede o Estado de receber a sua quota parte nos créditos que lhe são devidos por custas, dado o disposto no art.º 304.º do CIRE quanto à responsabilidade da massa insolvente pelas custas do processo de insolvência.
5. A defesa do interesse público e a garantia de acesso à Justiça determina que a massa insolvente seja isenta de custas.
6. A excepção relativa às acções laborais apenas se compreende se a sociedade já declarada insolvente não se encontrasse isenta de custas, nos termos da al. u) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP.
7. A massa insolvente como sucessora da sociedade cuja insolvência foi decretada, deverá nos termos e para os efeitos da lei ser considerada como uma sociedade em situação de insolvência, não se justificando a restrição devido à circunstância de ter sido proferida a respectiva sentença de insolvência.
A apelante terminou pedindo que fosse proferido acórdão decidindo que a recorrente goza do benefício de isenção de custas para os presentes autos, ordenando-se o seu prosseguimento.
Não houve contra-alegações.
O recurso foi admitido, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão a apreciar neste recurso é se uma sociedade cuja insolvência foi já judicialmente declarada, constituindo-se a respetiva massa insolvente, beneficia da isenção de custas prevista na alínea u) do art.º 4.º do RCP em ação supervenientemente proposta pelo administrador de insolvência contra um alegado devedor da massa insolvente.
O factualismo a levar em consideração é o seguinte, para além do que decorre do Relatório supra:
Por sentença proferida em 07.8.2012 pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha na sequência de apresentação à insolvência por parte da devedora, foi declarada a insolvência da sociedade A.
O Direito
Contrariamente ao que ocorre quanto à saúde (art.º 64.º n.º 2 alínea a) da CRP) e ao ensino (art.º 74.º n.º 2 alíneas a ) e e) da CRP), o legislador constitucional não consagrou a (tendencial) gratuitidade no acesso à justiça (art.º 20.º da CRP). Num sistema em que o acesso aos tribunais comporta a imposição de custos às partes respetivas, a eventual insuficiência de meios económicos deverá ser suprida por um regime de proteção jurídica adequado, em ordem a garantir aos cidadãos mais carecidos o apoio necessário à concretização do imperativo constitucional do acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP). Atualmente o sistema de acesso ao direito e aos tribunais está previsto na Lei n.º 34/2004, de 29.7 (alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28.8, com republicação integral).
Em regra todos os processos estão, por conseguinte, sujeitos a custas, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26.02, sujeito a diversas alterações, as últimas das quais pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, que republicou o RCP integralmente). Para efeitos de custas, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria (art.º 1.º do RCP). As custas processuais compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.º 3.º n.º 1 do RCP, art.º 529.º n.º 1 do CPC).
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado (art.º 529.º n.º 2 do CPC, art.º 6.º n.º 1 do RCP). É paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido (art.º 530.º n.º 1 do CPC). Esse valor deve ser pago por ocasião da prática do ato processual a que se reporta, por vezes em duas prestações (artigos 13.º e 14.º do RCP). Relativamente à propositura da ação, a petição inicial deve ser acompanhada do comprovativo do pagamento da taxa de justiça (n.ºs 3 e 4 do art.º 552.º do CPC). Se o autor não comprovar o pagamento da taxa de justiça ou não comprovar beneficiar de modalidade de apoio judiciário que o dispense de tal pagamento ou estar a aguardar a respetiva decisão, a secretaria recusará o recebimento da petição inicial (art.º 558.º alínea f) do CPC).
Tudo o supra exposto pressupõe que o autor não beneficie de isenção de custas.
Ora, a apelante alega beneficiar de tal isenção, ao abrigo do disposto na alínea u) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP. Tal alínea concede isenção de custas às “sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.”
Esta norma suscitou controvérsia, ao nível da primeira instância, no que concerne às espécies processuais abrangidas: foram proferidas tanto decisões no sentido de que a aludida isenção se aplicava tão só aos processos de insolvência (v.g., acórdão da Relação do Porto, de 06.11.2012, processo 352/11.7TBPVZ-B.P1, in www.dgsi.pt), como decisões no sentido de que dela eram excluídos os processos de insolvência (v.g., acórdão da Relação de Lisboa, de 11.02.2010, processo 1242/09.9TYLSB.L1-2). A jurisprudência das Relações tem-se fixado no entendimento de que a referida isenção, conforme decorre da sua letra, abrange todo o tipo de processos, salvo aqueles expressamente ressalvados, ou seja, litígios relativos ao direito do trabalho (além dos dois acórdãos citados, vide Rel. Lx, 15.6.2011, processo 25489/10.2T2SNT-A.L1-1; Rel. Lx, 16.6.2011, processo 1640/10.5TYLSB-A.L1-8; Rel. Évora, 13.8.2013 589/13.4TBSTR.E1). Na doutrina, constata-se alguma hesitação (vide Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais”, Almedina, respetivamente 4.ª edição, 2012, páginas 205, 206 e 215, em que se propugna a interpretação mais ampla supra citada, e 5.ª edição, 2013, página 176, em que aparentemente se afasta a aplicabilidade da aludida isenção aos casos de apresentação por aquelas entidades à insolvência).
Também no Guia Prático “Custas Processuais”, editado em fevereiro de 2014 pelo CEJ, com a colaboração da Direção Geral da Administração da Justiça (Divisão de Formação), se defende que “a isenção de custas consagrada na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, para uma sociedade comercial em situação de insolvência, destina-se, não só à própria ação em que se verifica a apresentação à insolvência (ou em que é requerida a declaração de insolvência), mas também às restantes ações em que a sociedade seja parte, desde que se verifiquem os pressupostos da situação de insolvência, com exceção das ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho” (obra citada, pág. 53).
Afigura-se-nos ser de seguir a mencionada interpretação literal do preceito, que não aponta nem para a sua restrição aos processos de insolvência, nem para a exclusão destes. A letra da lei, ao excluir do âmbito da isenção os litígios relativos ao direito do trabalho, aponta claramente para a aplicabilidade da isenção a litígios travados fora do processo de insolvência. Por outro lado, a consagração da isenção no âmbito do processo de insolvência (pelo menos até à decisão final sobre a existência da insolvência) harmoniza-se de alguma forma com o dever de apresentação à insolvência imposto pelo CIRE (art.º 18.º n.º 1), a que tão só escapam as pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência (n.º 2 do art.º 18.º do CIRE). A aplicação alargada supra defendida atenua também os efeitos da exclusão do regime de proteção jurídica a que a Lei n.º 34/2004, de 29.7, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28.8, votou as pessoas coletivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada (art.º 7.º n.º 3). Sendo certo que, conforme se estipula no n.º 4 do art.º 7.º do RCP, a parte isenta será responsável pelo pagamento das custas, “nos termos gerais, em todas as acções no âmbito das quais haja beneficiado da isenção, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença.”
Resolvida pela positiva a questão prévia da aplicabilidade em abstrato da referida isenção a este processo, passemos então a analisar se a apelante tem direito à aludida isenção.
Como se viu, têm direito à referida isenção as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.
In casu, a apelante defende enquadrar-se na hipótese de sociedade comercial, em situação de insolvência, demandante em ação que não tem objeto litígio laboral.
Na decisão recorrida procedeu-se à distinção entre sociedade que se apresenta à insolvência e massa insolvente. Ponderou-se que, declarada a insolvência por sentença, a sociedade deixa de existir em situação de insolvência, constituindo-se todo o seu património numa massa patrimonial – a massa insolvente - destinada à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas (art.º 46.º n.º 1 do CIRE). Esta massa insolvente, que sucede à sociedade em situação de insolvência, deixa de beneficiar da isenção de custas prescrita na al. u) do nº 1 do art. 4º do RCT, pois esta isenção visa, específica e literalmente, a sociedade “em situação de insolvência”, e a actual A é diferente e lógica e cronologicamente sucessiva à A em situação de insolvência. Declarado o estado de insolvência as custas processuais passam a ser um, entre outros, dos custos que a massa insolvente deve garantir até ao limite da sua existência, tal como decorre do disposto no art.304.º do CIRE.
Esta visão das coisas tem sido defendida pelas Relações (vide acórdão da Relação do Porto, de 06.11.2012, processo 352/11.7TBPVZ-B.P1, supra citado, e ainda acórdão da Relação de Lisboa, de 18.4.2013, processo 1398/10.8TBMTJ.L1-2, relatado pela ora Exm.ª 1.ª adjunta e subscrito também pelo ora Exm.º 2.º adjunto) e está também consagrada no supra citado Guia Prático sobre Custas Judiciais, editado pelo CEJ (pág. 54: “Por outro lado, a sentença que declara a insolvência de uma sociedade comercial faz cessar a situação de insolvência em que a mesma se encontrava, determinando a constituição de uma massa insolvente à qual já não é aplicável esta isenção subjetiva constante da al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP”).
Não descortinamos razões para nos afastarmos deste entendimento.
É certo que a afirmação de que a sociedade em estado de insolvência deixa de estar nessa situação após a declaração da insolvência tem de ser bem entendida. Como é evidente, a situação de penúria económica e financeira em que se traduz a insolvência (cfr. artigos 3.º e 20.º do CIRE) não desaparece com a sentença que declara a insolvência. Aliás, se a situação de insolvência desaparecer, passando o devedor a ter possibilidade de satisfazer os seus compromissos, o processo de insolvência deve ser encerrado (art.º 230.º n.º 1 do CIRE: “Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento: (…) c) A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento.” O que com aquela afirmação se pretende notar é que a declaração de insolvência produz uma radical transformação no estatuto do devedor, cujo património, designado de massa insolvente, é apreendido (artigos 36.º alínea g), 149.º do CIRE) e passa a estar afetado à satisfação dos credores da insolvência, após serem pagas as próprias dívidas da massa insolvente, e em regra passa a ser administrado por outrem (o administrador da insolvência, com o controle dos credores e do juiz – artigos 81.º, 82.º, 58.º, 55.º), ou sob estreita fiscalização de outrem, nos restritos casos em que o devedor assegure a administração da massa insolvente (art.º 223.º e seguintes do CIRE). No caso das pessoas coletivas, a declaração de insolvência acarreta a sua dissolução, “passando a sua personalidade colectiva a restringir-se à prática dos actos necessários para a liquidação do seu património” (Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 2009, Almedina, pág. 164), embora, tratando-se de sociedades comerciais, a dissolução possa cessar com o regresso da sociedade à atividade, após o encerramento do processo de insolvência, se tal estiver previsto em plano de insolvência aprovado ou por deliberação dos sócios no caso de o processo de insolvência terminar por pedido do devedor (artigos 234.º n.º 1, n.º 2, 230.º n.º 1 alínea c) do CIRE).
A massa insolvente, embora, na definição legal, abranja “todo o património do devedor à data da declaração de insolvência bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo” (n.º 1 do art.º 46.º do CIRE), pode conviver, em especial no caso das pessoas singulares, com bens do devedor que nela não se integrem, como, em princípio, os bens isentos de penhora (n.º 2 do art.º 46.º do CIRE; cfr. também art.º 81.º n.º 8 do CIRE: pelas dívidas contraídas pelo insolvente após a declaração da insolvência que não contrariem o disposto no n.º 1 do art.º 81.º - privação dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador da insolvência, nos casos em que a administração não foi concedida ao devedor – respondem apenas os bens do insolvente não integrantes da massa insolvente – por exemplo, rendimentos do seu trabalho, que não tenham sido apreendidos para a insolvência, vide art.º 84.º n.º 1 do CIRE).
Durante a pendência do processo de insolvência o insolvente permanece, pois, titular tanto dos bens que integram a massa insolvente, como daqueles que a não integram, embora esteja adstrito, quanto à massa insolvente, às limitações a que a doutrina tem, mais comummente, qualificado de ilegitimidade ou indisponibilidade relativa (v.g., Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 2.ª edição, 2010, Almedina, páginas 102 a 109).
Caberá à massa insolvente suportar, entre outras, as custas do processo de insolvência (art.º 51.º n.º 1 e 304.º do CIRE) – que serão a cargo do requerente, se a insolvência não for decretada, conforme estabelecido na parte final do art.º 304.º do CIRE -, as remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores, as dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente, as dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (art.º 51.º do CIRE). Dívidas essas cujo pagamento prefere às dívidas da insolvência (artigos 46.º n.º 1 e 172.º do CIRE). Sendo certo que se se constatar que a massa insolvente não chega para pagar as custas do processo e as dívidas previsíveis da massa insolvente, o processo findará, a não ser que algum interessado deposite à ordem do tribunal ou caucione o montante julgado necessário para garantir o pagamento das referidas custas e dívidas (artigos 39.º, 230.º n.º 1 alínea c), 232.º do CIRE).
Será, assim, a cargo da massa insolvente a taxa de justiça devida pelas ações instauradas pelo administrador da insolvência para reclamar o pagamento de dívidas à massa. A simples pendência do processo de insolvência e concomitante instauração de ações judiciais contra os devedores da massa insolvente pressupõe que a massa é suficiente para fazer face aos referidos encargos judiciais, sendo certo, repete-se, que a declaração da insolvência implica que o património do devedor, constituído em massa insolvente, passa a enfrentar a exigibilidade de cumprimento das respetivas obrigações dentro do quadro fortemente regulado do processo de insolvência, no qual se dá prevalência ao pagamento das dívidas da massa. Visando a liquidação da massa insolvente a satisfação dos interesses dos credores, caberá a estes, se nisso virem vantagem e se na massa não houver meios disponíveis para suportar as despesas judiciais atinentes à reclamação de dívidas à massa, evitar o encerramento do processo de insolvência depositando à ordem do tribunal o necessário para cobrir as despesas previsíveis, conforme já supra exposto.
Por último, e reportando-nos à garantia do acesso à Justiça, invocada pela apelante, recorda-se que o Tribunal Constitucional tem, em posição maioritária que obteve consagração no acórdão do Plenário n.º 216/2010, de 01.6.2010, proferido a propósito da exclusão do regime de proteção jurídica a que a Lei n.º 34/2004, de 29.7, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28.8, votou as pessoas coletivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada (art.º 7.º n.º 3), defendido, pronunciando-se pela constitucionalidade de tal norma, que “o direito de acesso aos tribunais como direito fundamental, radica essencialmente na dignidade humana como princípio estruturante da República (artigo 1.º da Constituição), reconhecido no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e igualmente acolhido no artigo 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Não são comparáveis as situações de concessão de apoio a pessoas singulares e a pessoas colectivas, pelo que a promoção das condições positivas de acesso aos tribunais nos casos de insuficiência económica não tem o mesmo significado quanto a pessoas singulares e quanto a pessoas colectivas com fim lucrativo, que devem, por imposição legal, integrar na sua actividade económica os custos com a litigância judiciária que desenvolvem, assim assegurando a protecção dos interesses patrimoniais da universalidade dos credores e do próprio interesse geral no desenvolvimento saudável da economia.” Para o Tribunal Constitucional, “não faz sentido, com efeito, que a existência das pessoas colectivas com fins lucrativos implique a absorção de proveitos económicos gerados globalmente pela comunidade. Caso contrário, o legislador coloca a cargo dos contribuintes uma parte dos custos da actividade das pessoas jurídicas que têm como fim obter lucros, o que dificilmente é sustentável.
Entende-se, pois, que a decisão recorrida deve ser confirmada.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante.

Lisboa, 22.5.2014

Jorge Manuel Leitão Leal

Ondina Carmo Alves

Eduardo José Oliveira Azevedo