Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7520/13.5TBOER-A.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: COMPENSAÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A compensação enquanto facto extintivo da obrigação pode ser invocada pelo executado na oposição/embargos à execução.
- Para que tal suceda necessário é que o contra-crédito invocado esteja reconhecido judicialmente.
- O reconhecimento do contra-crédito invocado não pode ter lugar em sede de embargos/oposição ao requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO:

H... deduziu oposição ao requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, sustentando a existência de um contra crédito sobre o exequente resultante de incumprimento contratual (contrato de arrendamento) nomeadamente, 50% do valor das rendas (mora) - € 4.650,00 acrescidos dos juros respectivos, não pagamento das facturas relativas à água no montante de € 253,52, arranjo do motor da piscina no valor de € 279,56, o que perfaz € 5.183,08 acrescido dos juros de mora no montante de € 2.941,80, com vista a obter a compensação de créditos, ex vi arts. 729 h) e 857/1 CPC.

Foi proferida decisão que indeferiu liminarmente os embargos de executado (oposição à execução) com fundamento de que “os alegados créditos decorrentes da falta de pagamento de facturas ou de avarias a questão não se mostra decisiva sendo que a indemnização por incumprimento contratual exorbita completamente o âmbito de uma defesa por impugnação ou excepção, envolvendo a apreciação de um juízo de imputação de culpa contratual e respectiva condenação só admissíveis em reconvenção, figura não admissível em sede de oposição à execução” – fls. 53.

Inconformado apelou o opoente, alegando e formulando as conclusões que se transcrevem:
1ª. O disposto no art. 266/2 c), referente à admissibilidade da reconvenção, ao autonomizar a compensação como fundamento da reconvenção reconhece a dedução da mesma no âmbito de embargos de executado.
2ª. A excepção da compensação é sempre permitida, seja como objecção, seja como excepção propriamente dita.
3ª. O executado deduziu a excepção da compensação nos termos do art. 729 g).
4ª. Apenas pediu a compensação de créditos fundamentada nos contra créditos que detém sobre o exequente, nos termos do art. 729 g), ex vi art. 857/1 CPC, até ao limite da quantia exequenda.
5ª. Assim sendo, a sentença do tribunal a quo viola a norma contida na 1ª parte do art. 266/2 c), ao considerar o contra crédito do executado como matéria de reconvenção “inadmissível no processo executivo e declarativo que a ele funcionalmente se subordinam” e “exorbita completamente o âmbito de uma defesa por impugnação ou excepção”.
6ª. Neste sentido o Ac. STJ de 26/4/2012 evidencia que “ A compensação reveste indiscutível natureza de reconvenção (e, então será inadmissível na acção executiva) quando o réu pretenda fazer valer contra o autor um crédito superior ao deste e na parte em que se verifica o excesso”.
7ª. No caso concreto, é admissível a injunção, pois estamos perante um requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações, a que se refere o nº 1 do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo   DL 32/2003 de 17/2”.
8ª. Assim, deve a sentença ser revogada e decidir-se conforme o explanado.

Não foram deduzidas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cabe decidir.

Atentas as conclusões do apelante que delimitam como é regra o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – a questão a decidir consiste em saber se, em sede de oposição à execução, resultante de injunção à qual foi aposta fórmula executória, é ou não admissível a dedução da compensação (créditos) enquanto excepção peremptória e/ou reconvenção.
 
Vejamos:

A acção executiva visa, como se sabe, a reparação material coactiva do direito do exequente (art. 10/4 CPC), tendo de ser fundada num dos títulos enumerados no art. 703 do CPC, através do qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 10/5).
O título executivo determina o tipo de acção, o seu objecto, definindo a legitimidade activa e passiva das partes (art. 53 CPC) – cfr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3º ed.-116, Lebre de Freitas, Acção Executiva à luz do Cód. Revisto, 2ª ed.-31, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 1999 -37.
No caso sub-judice, o título executivo apresentado no processo executivo consiste no requerimento de injunção ao qual foi aposto a fórmula executória (arts. 703/1 d) CPC e arts. 7 e 14 DL 269/98 de 1/9 e DL 32/2003 de 17/2 que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/35CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 29/6, estabelecendo um regime especial relativo a atrasos de pagamento em transacções comerciais, alargou a aplicação do procedimento de injunção às obrigações nele previstas, ou seja, obrigações emergentes de transacções comerciais).
A injunção é a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art. 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo   DL 32/2003 de 17/2 – cfr. art. 7 do anexo ao DL 269/98 de 1/9. 
A Doutrina e a Jurisprudência defendem que o requerimento executivo no qual foi aposto a fórmula executória, não é equiparável a uma sentença condenatória, mas sim, um título executivo criado por lei e, como tal, o executado pode deduzir oposição à execução e à penhora, ex vi art. 728 CPC (art. 813 LV), com os fundamentos constantes no art. 731 CPC (art. 816 LV) – cfr. entre outros, Acs. RL de 6/7/2009, relator Tomé Gomes, de 28/3/2013, relatora Maria da Graça Araújo, in www.dgsi.pt., Lebre de Freitas, in Acção Executiva – Depois da Reforma. 4ª ed., Coimbra, 2004 – 64 e 182, Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 6ª ed., Coimbra, 2004 – 39 -46 e 152/153, -16, Miguel Teixeira de Sousa, in A Reforma da Acção Executiva, Lisboa, 2004 – 69, Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 2º ed., Coimbra, 2002 -172, Remédio Marques in Curso de processo executivo Comum à Face do Código Revisto, Porto, 1998 – 79/80.
Não obstante o estipulado no art. 857 CPC (Lei 41/2013 de 26/6), sob a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção” ao qual foi aposto fórmula executória, entendemos que a argumentação extractada supra não é beliscada.
Um dos fundamentos de oposição à execução de que o executado pode lançar mão, através de embargos (art. 732 CPC), consiste na existência de um contra-crédito sobre o exequente, com vista à obtenção da compensação de créditos – cfr. art. 729/1 g) CPC.
Daqui se extrai que a oposição à execução pode ser fundada num facto extintivo da obrigação, como seja a compensação.
Há lugar à compensação quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados que sejam certos requisitos: ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade – cfr. art. 847/1 a) e b) CC.
“A compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse insolvência da outra parte” – cfr.Ac. STJ de 14/3/2013, relator Granja da Fonseca, in www.dgsi.pt.
Assim, através da compensação o devedor livra-se da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha contra o seu credor.
A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, podendo denominar-se negócio potestativo porque, através dela, é exercido o direito potestativo do declarante.
Consequentemente, traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de acção ou de defesa por excepção, ou por reconvenção, conforme a situação.
Logo, a compensação pode ser exercida, em sede de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo – cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4ª ed. – 178/179 e Ac. STJ de 26/4/2012, relatora Maria dos Prazeres Beleza, in www.dgsi.pt.
No entanto, tal como supra referido, um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por excepções, ou seja, o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido.
“Permitir que o executado utilize os embargos para através deles, ver reconhecido o seu contra-crédito, seria abrir caminho para entorpecer ou até inviabilizar a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa” – cfr. Ac. STJ proferido, em 27/11/2003 no recurso 7520/03, e Ac. STJ de 14/12/2006, relator João Camilo, in www.dgsi.pt.
In casu, o apelante na oposição à execução sustentou ser titular de um contra-crédito sobre o exequente concluindo pela compensação dos créditos e extinção da execução.
Fundamentou o contra-crédito invocado em incumprimento contratual relativo a um contrato de arrendamento, traduzido em € 4.650,00 correspondente a 50% do valor das rendas (mora), não pagamento das facturas de água e arranjo do motor da piscina.

Ora, face ao extractado supra, está bem de ver que o contra – crédito invocado para a obtenção da compensação não está judicialmente reconhecido, é controvertido.
Na verdade, o contra-crédito está relacionado com o alegado incumprimento contratual, subjacente a um contrato de arrendamento.
Ora, a apreciação desta matéria (reconhecimento do contra-crédito resultante de incumprimento contratual), deve ter lugar em sede de acção declarativa e não em sede de acção executiva.
Assim, tal como exposto, a utilização da compensação em processo de embargos/oposição à execução tem que ter como fundamento um contra-crédito do executado já reconhecido judicialmente, não sendo, de todo, admissível que o reconhecimento judicial do contra-crédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução.
Destarte, soçobra a pretensão do apelante.

Em suma:

1 - A compensação enquanto facto extintivo da obrigação  pode ser invocada pelo executado na oposição/embargos à execução.
2 – Para que tal suceda necessário é que o contra-crédito invocado esteja reconhecido judicialmente.
3 – O reconhecimento do contra-crédito invocado não pode ter lugar em sede de embargos/oposição ao requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão.


Lisboa, 7/5/2015

Carla Mendes
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes