Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
546/25.8PHSNT-A.L1-9
Relator: MARIA DE FÁTIMA R. MARQUES BESSA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REQUISITOS
FORTES INDÍCIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da Relatora)
I. As medidas de coacção devem obedecer aos requisitos e princípios enunciados nos art.º s 3.º e 9.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DHDH), 5º, nº 1, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), e 13.º, 18.º, 29.º, n.º1, 27.º, n.º3, 28.º, n.º 2 e 32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), dos quais resulta que a lei processual penal sujeita a sua aplicação aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade, bem como da subsidiariedade e excepcionalidade, no caso da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva.
II. A aplicação de prisão preventiva encontra-se sujeita às condições gerais contidas nos artigos 191.º a 195.º, do CPP, em que se destacam os princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da subsidiariedade, às quais se somam os requisitos gerais previstos no artigo 204.º e os requisitos específicos da medida de coacção prisão preventiva, previstos no artigo 202º, ambos do CPP em especial o da excepcionalidade.
III. Os princípios da legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e excepcionalidade previstos no art.º191.º, 193º, 202.º, n.º 1 do CPP, devem considerar-se conceptualizados da seguinte forma:
a. Legalidade: (art.º 191.º, do CPP): A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.
b. Necessidade (art.º 193.º, n.º1 do CPP): consiste em que o fim visado pela concreta medida de coação decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido, estando essas medidas de coacção previstas, em harmonia, numa escala de crescente gravidade a partir do TIR, passando por outras não privativas da liberdade até às duas mais graves obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva (art.ºs 196.º a 202.º, do CPP).
c. Adequação (art.º 193.º, n.º1 do CPP): Consiste em que as medidas de coação devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer.
d. Proporcionalidade (art.º 193.º, n.º1 do CPP): Consiste em que as medidas de coação devem ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
e. Subsidiariedade(art.º 193.º, n.ºs 2 e 3 do CPP): Consiste em que a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação, devendo ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
f. Excepcionalidade da prisão preventiva: Significa que só deve ser aplicada, se todas as restantes medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais de natureza cautelar que o caso requeira.
IV. Os perigos (pericula libertatis) previstos no art.º 204º, do CPP (requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção) que justificam e suportam a necessidade de aplicação de quaisquer medidas de coacção ao arguido, têm que se verificar “em concreto”, decorrendo da situação do caso e tem que se verificar “no momento da aplicação da medida”, com actualidade, portanto.
V. O perigo de fuga (al. a) do art.º 204.º, do CPP) resulta de um juízo de prognose sobre comportamentos futuros e corresponde a um perigo real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, decorrente da ponderação da factualidade conhecida no processo, relativa ao ilícito indiciado e sua gravidade e, bem assim, a outros factores atinentes ao arguido, como sejam a personalidade revelada, o tipo de vida (pessoal, económica, profissional e familiar) e o contexto social em que se insere.
VI. O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (al. b) do art.º 204.º, do CPP) decorre de um juízo de prognose baseado em indícios que permitem supor que o arguido poderá intervir ilicitamente no decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente de sabotar a investigação, alterar ilicitamente a aquisição processual da prova, nomeadamente destruindo documentos, sonegando elementos ou produtos do crime, intimidando testemunhas, sendo maior nas fases preliminares do processo, diminuindo com o decurso do tempo e a realização das diligências probatórias mais importantes, sendo que a manutenção do perigo de perturbação da instrução probatória pode ser justificada pelo tipo de crime(s) imputado(s) e pela extrema complexidade da investigação.
VII. O perigo de continuação da actividade criminosa (al. c) do art.º 204.º, do CPP) traduzido no juízo de prognose de perigosidade social do arguido, decorre da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, respeita apenas à continuação da actividade criminosa que se mostra indiciada no processo, o que se verificará com a execução do mesmo ilícito e bem assim com outros análogos ou da mesma natureza, e não se analisa apenas em relação às vítimas nos autos, mas também em relação a quem venha a estar em situações semelhantes.
VIII. O perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas (al. c) do art.º 204.º, do CPP) tem de resultar da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, só sendo relevante o perigo baseado em factos capazes de revelar que a libertação do arguido poderá alterar negativamente a ordem pública e tranquilidade públicas, que prejudique ou cause dano grave à ordem pública e não apenas a mera alteração ou inquietação gerada no meio social.
IX. A conclusão da existência de “fortes indícios” ( alíneas a) a e) do nº 1 do art.º 202º do CPP (Código de Processo Penal) terá que corresponder a uma alta probabilidade de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena, assentando numa base indiciária disponível no momento da aplicação da medida de coacção em que é possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição, tratando-se de um juízo provisório, sujeito a alterações decorrentes da investigação subsequente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadores, na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I Relatório
1.No âmbito do processo de inquérito n. 546/25.8PHSNT-A.L1, após a realização do primeiro interrogatório judicial (artigo 141.º, do CPP) foi aplicada ao arguido AA, para além do TIR, as medidas de coacção de prisão preventiva e de proibição de contactos, por qualquer meio, com a vítima, por o Juiz de Instrução Criminal entender mostrar-se fortemente indiciada, a prática, pelo arguido, de um crime de violação agravada p.º previsto e punido pelo artigo 164.º, nº 2, alínea a) do Código Penal, com pena de prisão de 3 a 10 anos e fortemente verificados os perigos de fuga, de perturbação do inquérito ou da instrução, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova, de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas (cfr. art.204º, n.º1 e 193º nº2 ambos do C.P.P.);
2.O arguido, por não se conformar com esse despacho, vem interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
1.ª O presente recurso tem como objeto sindicar o douto despacho proferido pelo Tribunal “a quo” em ... de ... de 2025, o qual aplicou como medida de coação a mais gravosa, rectius prisão preventiva;
2.ª Com o devido respeito que nos merece o Tribunal “a quo”, o Recorrente não se conforma com a medida de coação concretamente aplicada; Isto porque,
3.ª Pese embora o devido respeito pelo Tribunal “a quo” entende a defesa quanto à vexatio quaestio, que, a decisão da medida de coação aplicada no despacho ora recorrido foi contra legem;
4.ª id est, não foi atendido in casu o princípio da proporcionalidade, do princípio da legalidade, mas sobretudo, do princípio da necessidade, violando assim os Arts. n.º 191.º n.º 1, 1.ª parte e 193.º n.º 1, 1.ª parte, e o 204.º do CPP;
Porquanto,
5.ª Sopesados e cotejados concomitantemente os factos, assentes num juízo de prognose, verificamos que existiam outras medidas de coação mais ajustadas ao caso que tutelassem e garantissem os fins pretendidos e sobretudo considerando a prova dos autos;
6.ª A mera prova indiciaria, rectius os ‘indícios suficientes’ que não são fortes para o Tribunal “a quo”, não têm correspondência com a prova existente nos autos;
7.ª Observamos que o Tribunal valida o depoimento da alegada vitima como credível quando resulta dos relatórios clínicos existentes nos autos que esta padece de patologia diagnosticas mentais e, que, para esse efeito toma medicação para a esquizofrenia e para a bipolaridade, bem como, resulta do exame toxicológico que esta no dia em causa tinha uma elevada dose no sangue de cocaína, portanto intoxicação, e ainda, não ser plausível o alegado a qualquer comum mortal porquanto a reação natural de qualquer pessoa é a resistência e in casu não é coerente e idóneo a descrição efetuada;
Sendo assim,
8.º Em face da prova existente nos autos esta não corroborada pelos depoimentos da alegada ofendida, pelo que, não é credível em face das regras da experiência;
Ademais,
9.ª Sempre se diria, que a medida de última ratio é a prisão preventiva e não se aplica ao caso concreto por ser excessiva às exigências cautelares e estatuídas quer no Código de Processo Penal e quer na Constituição e maxime, face à prova existente;
Por último,
10.ª Cumpre ainda arguir, que, avaliando além do caso sub Judice, o ora Recorrente, percebemos facilmente pela sua integração na sociedade e com laços familiares, nomeadamente dois filhos menores que estão a estudar e este é quem os acompanha, pelo que, também, não se verifica os pressupostos para aplicação da medida de coação mais gravosa, não se verificando o chamado “fumus comissi delicti”, nem o “periculum libertatis”;
11.ª Em face do supra exposto e atentas a alegações, para quais repristina in totum, somos de crer que no presente caso sub Judicio andou mal o Tribunal “a quo” e, maxime que a medida de coação é manifestamente desproporcional por que assenta em não factos e que o sustente indiciariamente para efeitos de audiência de julgamento à final;
Assim, o despacho proferido e notificado a ... de ... de 2025 ora recorrido violou, entre outras, as seguintes estatuições legais:
- Do Código Penal- Art. 1.º e 40.º, 164.º e 201º
- Do Código do Processo Penal - Art.s 2.º, 97.º n.º 5, 191.º, 193.º, 204.º e 283.º
- Da Constituição da República Portuguesa - Art.s 13.º, 18.º n.os 1 e 2, 20.º, 27.º, 28.º, 32.º, 205.º n.º 1 2.ª parte, 219.º.
Assim, nestes termos e nos melhores em Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Exa.s, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, com as legais consequências.
Fazendo-se desse modo a já acostumada e sã Justiça!
3. o recurso foi admitido com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea b), 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, alínea c), 408.º, n.º 1, “a contrario”, 411.º, n.º 1, e 414.º, nº 1, todos do Código de Processo Penal).
4.O Ministério Público veio responder ao recurso, extraindo da resposta as seguintes conclusões (transcrição):
1.O despacho judicial em recurso encontra-se devidamente fundamentado de facto e de direito, não padece de qualquer nulidade e cumpre o dever legal e constitucional de fundamentação da decisão.
2.As eventuais circunstâncias de a vítima padecer de debilidade do foro mental ou de na noite anterior à ocorrência dos factos ter consumido produtos estupefacientes não lhe retiram credibilidade.
3.O depoimento da vítima é coerente e consentâneo com os das demais testemunhas, nomeadamente, com o da primeira pessoa que a viu segundos depois da ocorrência dos factos.
4. O recorrente está fortemente indiciado da prática, em autoria material, de um crime de violação agravada, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 164.º, nº 2, alínea a) do Código Penal, com pena de prisão de 3 a 10 anos, crime esse que se integra no conceito de criminalidade especialmente violenta nos termos do art.º 1.º alínea l) do Código de Processo penal.
5.O douto despacho recorrido que aplicou a medida de coação de prisão preventiva considerou existirem, em concreto perigos perigos de fuga, de perturbação do inquérito na vertente de conservação e veracidade da prova, de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas (cfr. art.204º, n.º1 e 193º nº2 ambos do C.P.P.) estando os pressupostos assentes em factos concretos que justifica, a aplicação da referida medida.
6.Os mencionados perigos não ficam acautelados pela aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, mesmo com vigilância eletrónica, porquanto o recorrente não interiorizou o mal da conduta.
7.A medida de coação de prisão preventiva a que o recorrente ficou sujeito é adequada e proporcional às exigências cautelares que o caso requer, proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser-lhe aplicada em sede de julgamento, inexistindo qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da necessidade e da presunção de inocência ou do direito à liberdade ou das disposições legais invocadas do Código Penal, do Código de Processo penal e da Constituição da República Portuguesa.
Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão proferida, nos seus precisos termos, por ser totalmente conforme à lei, no que farão Vªs Ex.ªs Justiça.
5.Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público formulou parecer acompanhando a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
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6.Foi cumprido o n.º2 do art.º 417.º, do CPP e não houve resposta.
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Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
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II-Questões a decidir no recurso:
Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação dos recorrentes (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).(cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito v.g. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt)
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente… não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente” e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).
Assim, atentas as conclusões, por referência à motivação, formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
1.ª Da (in) verificação de forte indiciação da prática pelo arguido do crime de violação agravada que determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva;
2.ª da (in) verificação, em concreto, dos perigos que fundaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva (art.204º nº1 do C.P.P.);
3.ª Se a medida aplicada de prisão preventiva é desproporcionada e se viola o disposto nos art.s 13.º, 18.º n.os 1 e 2, 20.º, 27.º, 28.º, 32.º, 205.º n.º 1 2.ª parte, 219.º da CRP e os art.ºs 191.º, 193.º do CPP, devendo ser revogada e substituída por medida de coação não privativa da liberdade.
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III – Fundamentação
III.1- No dia .../.../2025 foi o arguido recorrente sujeito a interrogatório judicial conforme auto de interrogatório que, nas partes relevantes, a seguir se transcreve:
AUTO DE INTERROGATÓRIO DE ARGUIDO
(1º Interrogatório Judicial de arguido detido – Art.º 141º C. P. Penal)
Aos trinta dias do mês de ..., pelas 17,00 horas, nesta Comarca de Lisboa Oeste - Sintra, onde se encontrava a Mma Juiz de Instrução Criminal, Dra. BB, a Digna Magistrada do Ministério Público, Dra. CC, a Ilustre Defensora do arguido, Dra DD (Céd. Profissional n.º 13535L), que se encontrava de escala presencial neste Tribunal e comigo, Escrivã de Direito, EE, procedeu-se ao Primeiro Interrogatório Judicial do arguido, no âmbito do Processo de Inquérito n.º 546/25.8PHSNT. (…)
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Seguidamente, pela Mma Juiz que preside ao interrogatório, deu por início a gravação do presente interrogatório, tendo sido o arguido advertido de que a falta de resposta às perguntas que lhes vão ser feitas sobre a sua identificação ou falsidade das mesmas, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal, do que ficou ciente e respondeu:
ARGUIDO
NOME: FF
FILIAÇÃO: GG e HH
NATURALIDADE: ...
DATA DE NASCIMENTO: ...-...-1986
ESTADO CIVIL: Solteiro
PROFISSÃO: ...
RESIDÊNCIA: ...
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Nos termos do disposto no art.º 141.º, n.º 4, al. a), do CPP, a Mma Juiz de Instrução Criminal informou o arguido dos direitos referidos no art.º 61.º, n.º 1, do referido diploma legal, explicando-lhe os mesmos.
*
Informou-o ainda, nos termos das al. c), d) e e), do n.º 4, do citado art.º 141.º do CPP.
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Motivos da Detenção:
1. Pelas 00h00 do dia ... de ... de 2025, II, nascida a ...-...-2008 (16 anos de idade), dirigiu-se à residência de JJ também conhecido por KK, seu namorado, sita na ..., onde pernoitou.
2. No dia ...-...-2025, pelas 17h00, II e o seu namorado acordaram tendo este último saído da residência para ir comprar comida, deixando a porta no trinco.
3. Pelas 17h20, desse dia, o arguido AA entrou na residência mencionada em 1. e dirigiu-se ao local onde se encontrava II, ainda deitada no sofá, totalmente despida, mas coberta por um edredão.
4. Ao se aperceber da presença do arguido II apenas teve tempo de vestir umas calças e, com receio do mesmo, sentou-se num canto do sofá.
5. De seguida, o arguido dirigiu-se a II e apalpou-lhe o seio direito.
6. Depois de baixar as calças que vestia, em tom sério, o arguido, dirigindo-se a II e disse-lhe “eu vou enfiar, vira para te enfiar bem, eu enfio bem, melhor do que o KK” e, em simultâneo, agarrou-lhe a mão direita e colocou-a sobre o seu pénis ereto.
7. De imediato, II retirou aquela mão e disse ao arguido que não o queria e que tinha nojo.
8. Ato contínuo, com uso de força física, o arguido puxou o braço esquerdo de II e, de seguida, dirigiu o seu pénis ereto à boca da mesma, sem uso de preservativo.
9. E, enquanto, com o uso de força física, imobilizava II pelos ombros, o arguido fez movimentos oscilantes durante alguns minutos.
10. Quando o arguido ouviu a voz de JJ a chegar a casa o arguido parou de imediato e vestiu-se.
11. Como consequência direta da descrita atuação do arguido, II sofreu uma equimose no membro superior esquerdo.
12. Como consequência direta da descrita atuação do arguido, II ingeriu comprimidos e tentou suicidar-se nesse mesmo dia.
13. O arguido agiu com o propósito, concretizado, de pela atuação acima descrita, por meio de violência e de uso de força física, constranger II a praticar consigo coito oral com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que feria os seus mais íntimos sentimentos de pudor, o fazia contra a vontade daquela e sem o seu consentimento, ciente de que a sua conduta punha em causa a liberdade sexual daquela, o que quis e conseguiu.
14. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Pelo exposto, resulta indiciariamente do inquérito que o arguido incorreu na prática, em autoria material, nos termos do disposto nos art.º 26.º 1.ª parte do Código Penal, de:
- Um crime de violação agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 164.º n.ºs 1 e 2 alínea a) do Código Penal.
Os factos descritos assentam nos seguintes elementos de
PROVA INDICIÁRIA:
– DOCUMENTAL:
- Auto de notícia de fls. 16-18;
- Aditamento de fls. 19;
- Registos clínicos de fls. 21-52;
- Fotografia de fls. 53;
- Informação da AIMA de fls. 77;
- Informações sociais de fls. 110-112.
– TESTEMUNHAL: - Depoimento de II de fls. 56-61.
- Depoimento de LL de fls. 80-83;
- Depoimento de JJ de fls. 122-126
Seguidamente, a Mma Juiz advertiu o arguido nos termos do disposto no artigo 141.º, n.º 4, al. b), do Código de Processo Penal, que, se não exercer o seu direito ao silêncio, as declarações que prestar podem ser futuramente utilizadas no processo, principalmente em julgamento, embora sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, mesmo que em julgamento não esteja presente ou estando, use do seu direito ao silêncio.
*
Questionado quanto aos factos que lhe são imputados, pelo arguido foi declarado pretender prestar declarações(…)
*
Pela Mma Juiz de Instrução Criminal foi proferido o seguinte:
DESPACHO
"Nos termos conjugado do art.º 141.º n.º 9 e 8 e 101.º, n.º 4 ambos co C. P. Penal, conceder-se-á de seguida a palavra, sucessivamente à Digna Magistrada do Ministério Público e à Ilustre Defensora do arguido, ficando a sua promoção e alegações gravadas através do sistema integrado digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal."
**
Seguidamente, foi dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, ficando a sua promoção e alegações gravadas através do sistema integrado digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal com início pelas 17:32:15 horas e termo pelas 17:39:05 horas, tendo no seu uso dito, por súmula:
"Face a todo ao exposto, requer que sejam aplicadas ao arguido as medidas de coação de:
T.I.R. já prestado;
Prisão preventiva tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 191º nº 1, 192º, 193º, 202º nº 1 al. a) e b) e 204º nº 1 als a), b) e c) do Código Processo Penal»
Seguidamente, foi dada a palavra à Ilustre Defensora do arguido, ficando a sua promoção e alegações gravadas através do sistema integrado digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal com início pelas 17:39:10 horas e termo pelas 17:45:23 horas
**
Seguidamente, foi pela Mma Juiz de Instrução Criminal proferida a seguinte
DECISÃO SOBRE MEDIDA DE COAÇÃO
*
Valido a detenção do arguido porque efetuada ao abrigo do disposto no artigo 257.º do Código de Processo Penal, não tendo decorrido o prazo a que aludem os artigos 141.º, nº 1 e 254.º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal.
Dos elementos probatórios já recolhidos nos autos, nomeadamente do auto de notícia e aditamento, dos registos clínicos, da fotografia, da informação da AIMA, das informações sociais e das declarações prestadas pela ofendida II e pelas testemunhas MM e JJ, estão suficientemente indiciados os factos acima descritos nesta ata, para onde se remete, e que foram integralmente comunicados ao arguido, nos termos do disposto no artigo 141.º do CPP.
*
Sem prejuízo de ulteriores diligências de investigação, os factos indiciados são suscetíveis de integrar a prática, pelo arguido, de um crime de violação agravada, previsto e punido pelo artigo 164.º, nº 2, alínea a) do Código Penal, com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Com efeito, os mesmos resultam suficientemente indiciados desde logo pelo depoimento da ofendida, menor de 16 anos de idade, que descreveu de forma pormenorizada os factos, sendo que as suas declarações se mostram coerentes com os demais elementos já recolhidos, designadamente com as declarações prestadas pelas testemunhas que confirmaram o estado transtornado como encontraram a vítima e o que esta lhes relatou, sendo que a testemunha JJ chegou ao local momentos depois dos factos terem ocorrido.
O arguido negou os factos, apenas tendo admitido que se deslocou à residência do amigo e que viu a vítima semi-nua mas que não se aproximou dela e que já a conhecia.
No entanto, esta sua versão dos factos não mereceu credibilidade.
Em primeiro lugar, porque resultou infirmada pelos demais elementos probatórios constantes do inquérito, designadamente as declarações prestadas pela ofendida que mereceram credibilidade, não só porque estão corroboradas com os demais elementos (lesões documentadas e declarações das testemunhas, concretamente a testemunha JJ que confirmou que a menor não o conhecia e que inclusivamente o arguido lhe disse momentos depois que não sabia quem ela era e que ficou assustado quando percebeu quem era ela), mas também pela forma espontânea como os prestou, tendo inclusivamente declarado estar com medo por ter recebido no dia de hoje chamadas de familiares do arguido a acusá-la de estar a mentir, circunstância que reforça a sua credibilidade pois não obstante tal circunstância prestou declarações.
Acresce o estado psicológico da vítima, que foi relatado pelas testemunhas inquiridas e que culminou numa ingestão de comprimidos pela mesma, sintomático de que alguma coisa aconteceu, e bem assim os elementos clínicos.
E, em segundo lugar, porque as próprias declarações prestadas pelo arguido foram contraditórias e inverosímeis, não tendo sido capaz de explicar a razão pela qual a vítima iria relatar estes factos, inexistindo elementos que permitam colocar em causa a credibilidade da menor como se referiu, mas também porque se encontram contraditados pela demais prova, nomeadamente pelas declarações da testemunha JJ que, sendo amigo do arguido como o próprio referiu, declarou que este não trabalha, não tem residência fixa e se se separou recentemente da mulher.
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Nos termos do disposto no artigo 193.º do Código de Processo Penal, “as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.”
Por sua vez, preceitua o artigo 204.º do mesmo Código, que nenhuma medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência, pode ser aplicada se em concreto não se verificar, no momento da aplicação da medida: i) fuga ou perigo de fuga; ii) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou iii) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Ora, com os elementos probatórios já recolhidos nos autos, face às declarações prestadas pela vítima e à circunstância do arguido já ter tido contactos com a justiça apresentando antecedentes criminais, ao que acresce a postura que assumiu em primeiro interrogatório, tentando eximir-se a qualquer responsabilidade e imputando-a à vítima ao referir que consome produtos estupefacientes, e não demonstrando qualquer auto censura ou desvalor da sua conduta, e o facto das suas declarações não terem infirmado os fortes indícios existentes nos autos, entendemos que existe um concreto e efetivo perigo que o arguido possa aproximar-se novamente da vítima (cujos familiares também conhece) e voltar a praticar atos da mesma natureza aos que estão em causa nestes autos (artigo 204.º, alínea c), do CPP).
Para além deste concreto perigo que necessita de ser acautelado, existe ainda, face às circunstâncias do crime e à personalidade do arguido, manifestada na prática do facto e na ausência de controlo dos seus impulsos libidinosos, perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas, face à repercussão que estes factos têm na sociedade em geral.
Por outro lado, o arguido é ..., não tem residência fixa nem exerce qualquer atividade profissional conhecida pois apesar de ter referido ser ... a verdade é que no processo declarou ser desempregado, e encontra-se em situação irregular em território nacional, pelo que tendo em consideração a gravidade dos factos e a moldura penal do crime em causa, não pode deixar de considerar-se que se verifica um concreto perigo de fuga (artigo 204.º, alínea a) do CPP).
Acresce que não obstante a vítima já tenha sido ouvida em declarações para memória futura, verifica-se igualmente um perigo de perturbação do inquérito por parte do arguido, na vertente da veracidade e manutenção da prova.
Assim, e tendo em conta os princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade face à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente poderão vir a ser aplicadas, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 193.º, 196.º, 200.º, nº 1, alínea d), 202.º, alíneas a) e b) e 204.º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de coação:
- Termo de identidade e residência, que já prestou;
- Prisão preventiva, única que se considera adequada às exigências cautelares que o caso reclama, sendo que a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não satisfaz as necessidades cautelares pois não permitiria pôr termo aos perigos acima elencados face à personalidade do arguido;
- Proibição de contactos, por qualquer meio, com a vítima II. (…)” (fim de transcrição).
III.2- No dia .../.../2025 a Juiz de Instrução Criminal procedeu ao Reexame do estatuto coactivo do arguido, o qual tem o seguinte teor:
Da revisão da medida de coação aplicada ao arguido FF. Por despacho judicial de ...-...-2025 foi aplicadas medidas de coacção de prisão preventiva ao arguido FF , cujo reexame cumpre efectuar nos termos do art.º 213.º, n.º1, al. a), do C.P.P.
No caso vertente, volvidos três meses da aplicação da medida de coacção, não se mostram atenuadas as exigências cautelares que determinaram a aplicação da referida medida coação. As diligências realizadas até ao momento não infirmaram ou esbateram, minimamente, as exigências cautelares que determinaram a aplicação da referida medida de coacção.
Destarte, por considerarmos que se mantêm válidos e actuais os pressupostos que determinaram a sujeição a tal medida, promove-se a sua manutenção, nos termos dos arts. 202.º, n.º 1, 213.º, n.º 1 e 191.º a 194.º, todos do Código de Processo Penal.
***
IV. Fundamentos do recurso e respectiva apreciação:
Apreciando:
1.ª Da (in) verificação de forte indiciação da prática pelo arguido do crime de violação agravada que determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva;
Vejamos:
A Juiz de Instrução Criminal (JIC) considerou que indiciam fortemente os autos a prática pelo arguido, em autoria material de um crime de violação agravada, previsto e punido pelo artigo 164.º, nº 2, alínea a) do Código Penal, cuja qualificação jurídico-penal assentou na prova menciona no auto de interrogatório, dada a conhecer ao arguido no início do seu interrogatório, identificando ainda o despacho o perigo aludido no art.º 204.º, do CPP que se mostra verificado.
Cumpriu o Juiz de Instrução o que preceitua o art.º 194.º, n.º 6, do CPP, que exige que “A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coação ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º”.
Fazendo-o em linha com o disposto no n.º5 do art.º 97.º, do CPP que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”
No despacho de aplicação das medidas de coação a Juiz de Instrução Criminal considerou, assim, fortemente indiciada a factologia constante do despacho de apresentação, fazendo a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, indicando os elementos de prova que corroboram esses factos, dele constando identicamente a qualificação jurídica dos factos imputados.
O conceito de “fortes indícios” da prática de determinado tipo de ilícito, como requisito das medidas de coação proibição e imposição de condutas, prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica (art.ºs 200.º a 202.º do CPP), aponta para um grau de medida que apenas se alcança por referência ao que a lei estatui quanto ao que sejam “indícios suficientes”, verificando-se estes “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança” (artigo 283.º, n.º 2 do CPP).
Neste sentido, os “fortes indícios” que aqui se discutem terão que corresponder a uma alta probabilidade de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena.
No entanto, o grau de exigência probatória para o qual remete o conceito é inferior ao da comprovação para além da dúvida razoável exigido para o juízo de condenação, assentando antes numa base indiciária em que, considerando os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da prisão preventiva, é possível “formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”.
E porque de um juízo provisório se trata, uma vez que se baseia nos elementos disponíveis num determinado momento do processo, está naturalmente sujeito a alterações decorrentes da investigação subsequente que poderá resultar em novos elementos que probatoriamente sustentem um outro sentido.
Assim, a requerida existência de fortes indícios não significa a exigência de uma comprovação categórica e sem dúvida razoável, portanto, da formação do grau de convicção exigível para a condenação, antes impõe que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida, suportem a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido, do que a da sua absolvição (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, 2002, Editorial Verbo, pág. 262, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, pág. 133, Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, Volume I, 3ª Edição, 2008, pág. 1270).
Embora não totalmente equivalentes, o conceito de fortes indícios para efeitos de aplicação das referidas medidas de coacção e o conceito de indícios suficientes a que apela o art. 283º, nº 2 do C. Processo Penal, ambos apontam uma sólida indiciação no sentido de futura condenação, distinguindo-os o ‘tempo’ de cada um, isto é, o momento da decisão no processo, sendo certo que, os mesmos indícios probatórios podem ser suficientes para concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime, no âmbito da aplicação da medida de coacção, e insuficientes para permitirem a dedução da acusação. (cfr. Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Tomo III, 2021, Almedina, pág. 342).
A qualificação dos indícios como “fortes”, deve exigir sempre do decisor uma rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, mas depende também sempre, do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, pelo que pode modificar-se, na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos.
Veja-se, neste sentido parte do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-02-2023, processo 1142/22.7JACBR-B,C1, Relator VASQUES OSÓRIO, in www.dgsi.pt.
“I – Os fortes indícios, das alíneas a) a e) do nº 1 do art. 202º do C.P.P. não equivalem a comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação, antes significam que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida suportam a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido do que a da sua absolvição, ou, noutra formulação, quando deles seja possível inferir como altamente provável a futura condenação do arguido ou, pelo menos, como mais provável, a condenação do que a absolvição ou, ainda, quando impliquem a existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação.
II – O conceito de fortes indícios é equivalente ao conceito de indícios suficientes, do art. 283º, nº 2 do C.P.P., pois ambos assentam numa sólida indiciação de futura condenação, distinguindo-os o momento da decisão no processo.
III – A qualificação dos indícios como fortes, para além da rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, depende também do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, podendo essa qualificação modificar-se na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos.
IV – Os mesmos indícios probatórios podem ser suficientes para concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime no âmbito da aplicação da medida de coacção e insuficientes para permitirem a dedução da acusação.
V –(…)”
A Exma. Juiz de Instrução Criminal em sede de despacho e respectiva fundamentação, considerou que:
Sem prejuízo de ulteriores diligências de investigação, os factos indiciados são suscetíveis de integrar a prática, pelo arguido, de um crime de violação agravada, previsto e punido pelo artigo 164.º, nº 2, alínea a) do Código Penal, com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Com efeito, os mesmos resultam suficientemente indiciados desde logo pelo depoimento da ofendida, menor de 16 anos de idade, que descreveu de forma pormenorizada os factos, sendo que as suas declarações se mostram coerentes com os demais elementos já recolhidos, designadamente com as declarações prestadas pelas testemunhas que confirmaram o estado transtornado como encontraram a vítima e o que esta lhes relatou, sendo que a testemunha JJ chegou ao local momentos depois dos factos terem ocorrido.
O arguido negou os factos, apenas tendo admitido que se deslocou à residência do amigo e que viu a vítima semi-nua mas que não se aproximou dela e que já a conhecia.
No entanto, esta sua versão dos factos não mereceu credibilidade.
Em primeiro lugar, porque resultou infirmada pelos demais elementos probatórios constantes do inquérito, designadamente as declarações prestadas pela ofendida que mereceram credibilidade, não só porque estão corroboradas com os demais elementos (lesões documentadas e declarações das testemunhas, concretamente a testemunha JJ que confirmou que a menor não o conhecia e que inclusivamente o arguido lhe disse momentos depois que não sabia quem ela era e que ficou assustado quando percebeu quem era ela), mas também pela forma espontânea como os prestou, tendo inclusivamente declarado estar com medo por ter recebido no dia de hoje chamadas de familiares do arguido a acusá-la de estar a mentir, circunstância que reforça a sua credibilidade pois não obstante tal circunstância prestou declarações.
Acresce o estado psicológico da vítima, que foi relatado pelas testemunhas inquiridas e que culminou numa ingestão de comprimidos pela mesma, sintomático de que alguma coisa aconteceu, e bem assim os elementos clínicos.
E, em segundo lugar, porque as próprias declarações prestadas pelo arguido foram contraditórias e inverosímeis, não tendo sido capaz de explicar a razão pela qual a vítima iria relatar estes factos, inexistindo elementos que permitam colocar em causa a credibilidade da menor como se referiu, mas também porque se encontram contraditados pela demais prova, nomeadamente pelas declarações da testemunha JJ que, sendo amigo do arguido como o próprio referiu, declarou que este não trabalha, não tem residência fixa e se se separou recentemente da mulher.(…)”
A Exma. JIC considerou que os indícios da prática pelo arguido do crime de violação agravada, são fortes, com base nas declarações da ofendida e da testemunha JJ. Fazendo uma análise critica da prova, a JIC explicou porque valorou as declarações da ofendida que lhe mereceram credibilidade, em detrimento das do arguido que negou a prática dos factos.
Considerando os elementos probatórios constantes dos autos, atendidos pela JIC, podemos concluir pela “forte” indiciação mencionada no despacho de aplicação das medidas de coacção, atendendo para tanto nos elementos do processo, indicados na promoção do Ministério Público de apresentação a primeiro interrogatório judicial, que entendeu sustentarem a indiciação forte em coautoria dos factos imputados e que foram comunicados ao arguido no interrogatório, nos termos do disposto no artigo 194.º, n.º 7 do CPP.
Destarte, analisados os elementos indicados como prova em causa, este Tribunal de Recurso não pode deixar de estar de acordo com o juízo de forte indiciação da prática, pelo arguido recorrente, dos factos constantes da apresentação pelo Ministério Público.
Do exposto se conclui pela verificação, nesta fase processual, de fortes indícios de prática dos factos que estiveram na base da sua qualificação jurídico-penal realizada pelo Juiz de Instrução Criminal, e da apresentação do arguido a primeiro interrogatório judicial, e da aplicação da medida de coação de prisão preventiva.
Improcede, pois, este segmento do recurso.
2.ª da (in) verificação, em concreto, dos perigos de fuga, de perturbação do inquérito, em razão da natureza e das circunstâncias do crime e personalidade do arguido, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da atividade criminosa (art.º 204º nº1 do C.P.P.);
Vejamos:
Os perigos (pericula libertatis) previstos no art.º 204.º, do CPP que justificam e suportam a necessidade de aplicação de quaisquer medidas de coacção ao arguido, têm que se verificar “em concreto”, decorrendo da situação do caso e tem que se verificar “no momento da aplicação da medida”, com actualidade, portanto. Devendo fundar-se em factos extraídos do caso, que inequivocamente fundamentem esses perigos.
“Neste âmbito (das medidas de coacção) impõe-se formular um juízo de prognose em relação a um futuro comportamento do arguido, a partir dos indícios já recolhidos e assente numa “qualificada” probabilidade de verificação das particulares exigências cautelares. Esse Juízo de “prognose” terá necessariamente de encontrar sustentação em realidades tão dispares como a gravidade dos factos indiciados e a moldura penal abstracta aplicável, a forma concreta de actuação, os sentimentos indiciariamente revelados pelo arguido na conduta, o relacionamento e estruturação familiar e afectiva, os meios económicos disponíveis, a existência e natureza de vínculos referentes a actividade profissional, bem como os antecedentes por factos desta natureza (Acórdão TRL de 21.09.2011, proc. n.º 62.11.5PJNT-A.L1, in www.dgsi.pt).
Diferentemente da “fuga”, em relação aos outros perigos, estamos perante um quadro futuro, resultante de um juízo de prognose sobre comportamentos futuros, uma previsão, uma antecipação de acontecimentos futuros, naturalmente incertos mas razoavelmente possíveis. (neste sentido Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal anotado, 4.ª Edição, Almedina, em anotação ao art.º 204.º, do CPP).
Quanto ao perigo de fuga o mesmo decorre de uma prognose baseada em indícios, assentes na capacidade de mobilidade do arguido, sendo que o circunstancialismo do arguido, o seu tipo de vida, o seu desenraizamento, os contactos ou habitações que possui no estrangeiro, que facilitariam a fuga, tudo aliado à gravidade da factualidade indiciada e ao peso das penas que sobre ele pode recair face aos crimes indiciados, podem permitir a antevisão do perigo de fuga.
Entendeu a Exma. JIC que “Por outro lado, o arguido é ..., não tem residência fixa nem exerce qualquer atividade profissional conhecida pois apesar de ter referido ser ... a verdade é que no processo declarou ser desempregado, e encontra-se em situação irregular em território nacional, pelo que tendo em consideração a gravidade dos factos e a moldura penal do crime em causa, não pode deixar de considerar-se que se verifica um concreto perigo de fuga (artigo 204.º, alínea a) do CPP).”
No caso concreto considerando que o arguido é ..., tal evidencia a existência de ligações com territórios de, pelo menos outro continente, encontra-se desempregado, irregular em território nacional, os factos graves indiciados e atendendo à moldura penal do crime concordamos com o juízo de prognose de perigo de fuga.
Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (al. b) do art.º 204.º, do CPP) este perigo em abstracto decorre de uma prognose baseada em indícios que permitem supor que o arguido poderá intervir ilicitamente no decurso da instrução do processo, nomeadamente de sabotar a investigação, alterar ilicitamente a aquisição processual da prova, nomeadamente destruindo documentos, sonegando elementos ou produtos do crime, intimidando testemunhas. Tal perigo é maior nas fases preliminares do processo, diminuindo com o decurso do tempo e a realização das diligências probatórias mais importantes, sendo que a manutenção do perigo de perturbação da instrução probatória pode ser justificada pelo tipo de crimes imputados e pela extrema complexidade da investigação. (neste sentido Fernando Gama Lobo, Obra Citada, em anotação ao art.º 204.º, do CPP).
“O perigo de perturbação da instrução probatória do processo é maior nas fases preliminares do processo diminuindo com o decurso do tempo e com a realização das diligências mais importantes; mas a manutenção do perigo de perturbação e da instrução probatória pode ser justificada pelo tipo de crimes imputados e pela extrema complexidade da investigação- Cfr. P. Pinto e Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (pág. 204)… o inquérito ainda decorre e, resulta dos autos, a investigação também, com outros suspeitos e diligências a decorrer (Ac. TRL de 17.11.2020 proc. 2373/18.0t9BRR-D.L1-5, in www.dgsi.pt, neste sentido também Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal anotado, 4.ª Edição, Almedina, pág. 464).
Considerou a este propósito a Exma. JIC que “Acresce que não obstante a vítima já tenha sido ouvida em declarações para memória futura, verifica-se igualmente um perigo de perturbação do inquérito por parte do arguido, na vertente da veracidade e manutenção da prova, uma vez que poderá abordar a vítima e as testemunhas para que alterem os seus depoimentos”.
Ora, no caso dos autos, encontramo-nos numa fase preliminar do inquérito, em que este perigo é maior, considerando a idade da vítima (ainda menor de 16 anos de idade) e os factos indiciados que estão aqui em causa, consideramos existir um juízo de prognose positivo quanto a este perigo, concordando com o juízo de prognose realizado pela Exma. JIC.
Existe, assim, a nosso ver, um concreto perigo de perturbação do decurso do inquérito na vertente de perigo para aquisição ou conservação da prova (art.º 204, al. b) do CPP).
No que respeita ao perigo de continuação da actividade criminosa decorre de uma prognose baseada em indícios que permitem supor que o arguido poderá continuar a actividade ilícita, de que se encontra indiciado, sendo essencial a natureza e as circunstâncias em que o crime foi indiciariamente cometido, sendo a personalidade do arguido importante revelada na natureza do crime ou crimes praticados.
O perigo de continuação da atividade criminosa decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efetuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta.
Conforme decorre do despacho de aplicação das medidas de coacção, com o que concordamos “com os elementos probatórios já recolhidos nos autos, face às declarações prestadas pela vítima e à circunstância do arguido já ter tido contactos com a justiça apresentando antecedentes criminais, ao que acresce a postura que assumiu em primeiro interrogatório, tentando eximir-se a qualquer responsabilidade e imputando-a à vítima ao referir que consome produtos estupefacientes, e não demonstrando qualquer auto censura ou desvalor da sua conduta, e o facto das suas declarações não terem infirmado os fortes indícios existentes nos autos, entendemos que existe um concreto e efetivo perigo que o arguido possa aproximar-se novamente da vítima (cujos familiares também conhece) e voltar a praticar atos da mesma natureza aos que estão em causa nestes autos (artigo 204.º, alínea c), do CPP), afigurando-se o raciocínio da Exma. JIC totalmente lógico quer em face da actuação fortemente indiciada do recorrente quer das circunstâncias em que os factos ocorreram e personalidade do mesmo aí evidenciada a presença de tal perigo.
Relativamente ao perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, na previsão da al.c) do art.º 204.º, do CPP lê-se o seguinte quanto a ele:
Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.” (sublinhado nosso).
Escreve Paulo Pinto de Albuquerque que “Só é relevante o perigo baseado em factos capazes de mostrar que a libertação do arguido poderia efetivamente “perturbar”, isto é, alterar negativamente a ordem publica. Não basta uma mera alteração da ordem, é necessário que essa alteração prejudique, cause dano à ordem pública. A ordem ou tranquilidade “pública” não é a do grupo social a que pertence o arguido ou o ofendido, mas a ordem ou tranquilidade da sociedade em geral” in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume I, 5.ª Edição Atualizada, pág. 926 e 927.
Para Fernando Gama Lobo “este perigo decorre de uma prognose baseada numa certa compreensão dos fenómenos de massas. Face à natureza do crime indiciado (vg. roubos vários numa pequena comunidade) e às circunstâncias em que foi praticado(…) bem como os antecedentes criminais graves, antecipa-se aqui uma atitude emocional de perturbação popular, susceptível de gerar um efeito negativo no meio envolvente, como sejam a revolta ou a intimidação(…)” in Código de Processo Penal Anotado pág. 465.
Ora, no caso dos autos, a Juiz de Instrução Criminal considerou quanto a este perigo que:
“Para além deste concreto perigo que necessita de ser acautelado, existe ainda, face às circunstâncias do crime e à personalidade do arguido, manifestada na prática do facto e na ausência de controlo dos seus impulsos libidinosos, perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas, face à repercussão que estes factos têm na sociedade em geral”
Ora, quanto ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, parece-nos ser o despacho pouco fundamentado, não assentando o juízo de prognose no perigo de que o arguido se libertado perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas, mas sim nos factos indiciados nos autos e na sua repercussão na sociedade em geral, não sendo tal suficiente para o considerar verificado.
Do exposto se conclui pela existência, em concreto, do perigo de fuga, do perigo de continuação da actividade criminosa bem como no perigo de perturbação do inquérito na modalidade de conservação da prova, que fundaram a aplicação ao arguido/recorrente da medida de coacção prisão preventiva.
Assim, igualmente este segmento do recurso haverá que improceder, ainda que um dos perigos não se mostre suficientemente verificado, considerando que não são cumulativos.
3.ª Se a medida aplicada de prisão preventiva é desproporcionada e se viola o disposto nos Art.s 13.º, 18.º n.os 1 e 2, 20.º, 27.º, 28.º, 32.º, 205.º n.º 1 2.ª parte, 219.º da CRP e os art.ºs 191.º, 193.º do CPP, devendo ser revogada e substituída por medida de coação não privativa da liberdade.
Examinemos.
As medidas de coacção são meias processuais de limitação da liberdade pessoal e têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. II, pág. 254.
Sendo a liberdade um bem fundamental constitucionalmente consagrado, as suas limitações terão necessariamente caracter excepcional e, por isso, só serão admissíveis nos estritos termos definidos na lei.
O direito à liberdade pessoal – liberdade ambulatória- é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual. Proclama ainda no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem/CEDH, no art.º 5º reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal.
Como limitações de direitos fundamentais, as medidas de coacção devem obedecer aos requisitos e princípios enunciados no artigo 18.º da CRP, do qual resulta que a lei processual penal sujeita a sua aplicação aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade [bem como da subsidiariedade, no caso da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva].
O princípio da legalidade ou da tipicidade significa que as medidas de coacção são apenas as que se encontram previstas taxativamente na lei (artigo 191.º, n.º 1 do CPP), sendo certo que, segundo o texto constitucional, só a lei pode restringir direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.os 2 e 3 da CRP).
No que diz respeito ao uso dos meios de coação em processo penal, haverá sempre que respeitar os princípios da legalidade (artigos 29º, nº 1, da CRP, e 191º do CPP), excepcionalidade e necessidade (artigos 27º, nº 3 e 28º, nº 2, da CRP, e 193º do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32°, n° 2 da Constituição.
Neste quadro, é preciso ter bem presente o carácter excepcional das medidas de coacção, perante a restrição que representam nos direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses que resultam do artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Assim, determina desde logo o art.º 27.º, da CRP, que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença penal condenatória”, salvo nos casos definidos nas várias alíneas do seu n.º 3, em que se admite a privação da liberdade, “pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, discriminando cada uma das situações em que tal é possível, entre elas constando a “detenção em flagrante delito” e ainda a “detenção ou prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos” (als. a) e b)).
A prisão preventiva constitui, sem dúvida, uma das mais graves restrições à liberdade, razão pela qual o legislador (constitucional e ordinário) teve o especial cuidado de proceder a uma definição rigorosa e clara dos respectivos pressupostos.
Preceitua o art.º 191.º, do CPP que “1. A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei”.
Salientando-se o caracter excepcional da prisão preventiva, impôs-se a regra de que esta não deve ser “decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei” estando sujeita aos prazos previstos na lei. (n.ºs 2 e 4 do art.º 28.º, da CRP).
Concretizando tal, definiu o legislador ordinário, nos arts. 191.º e seguintes do CPP, as condições de aplicação das várias medidas de coacção legalmente admissíveis, bem como os respectivos pressupostos, sujeitando-as aos princípios da legalidade (art.º 191.º) - só podem ser impostas as medidas de coacção previstas na lei -, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade (art.º 193.º do CPP).
Relativamente à prisão preventiva, o da subsidiariedade, dado que esta só deve ser imposta quando se mostrarem inadequadas e insuficientes as demais medidas menos gravosas, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação, conferindo-lhe um estatuto de “ultima ratio” (arts. 193.º, n.ºs 2 e 3 e 202.º, n.º 1, do CPP) (neste sentido Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª Edição, pág. 428).
É certo, estarmos perante factualidade que não está provada, mas apenas fortemente indiciada, sendo este o circunstancialismo próprio que envolve as condições gerais de aplicação de uma medida de coação, a quem se presume ainda inocente (art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa). Mas por isso mesmo as medidas de coação mais gravosas, para além de temporalmente limitadas, só podem ser aplicadas se a indiciação fáctica for forte e se o ilícito indiciado tiver uma certa gravidade (arts. 200º a 202º do Código de Processo Penal), pressupostos cujo preenchimento aqui estão presentes e sem os quais a restrição de direitos que envolvem não seria tolerável.
Mas por isso mesmo requer o legislador a verificação de um conjunto de requisitos para a sua aplicação, seja em termos de força dos indícios, seja em termos de gravidade do ilícito, seja em termos de exigências cautelares, e sempre assumindo-se que é uma decisão precária assente num juízo indiciário, e não uma decisão definitiva baseada num juízo de prova positiva de factos e de culpa pré-formada, por essa forma procurando e conseguindo um equilíbrio entre interesses marcadamente conflituais ( cfr. art. 27º, nº 3, alínea b) da CRP e o art. 5º, nº 1, alínea c) da CEDH).
Neste quadro, é preciso ter bem presente o carácter excepcional das medidas de coacção, perante a restrição que representam nos direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses que resultam do artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade “As medidas de coacção têm de ser as necessárias e as adequadas às exigências cautelares, devendo realizar os fins pretendidos e serem proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. Assim a decisão assenta numa prognose algo complexa. Em primeiro lugar há que olhar para a factualidade indiciariamente apurada para concluir se ela preenche ou não um crime e que tipo de crime. Em segundo lugar é preciso conferir as condições gerais descritas no artigo antecedente (art.º 192.º, do CPP). Em terceiro lugar, verificar se a quantidade e qualidade das provas já reunidas…são ou serão aptas a uma futura condenação em juízo. Em quarto lugar há que analisar a gravidade do crime e as sanções penais que lhe correspondem, nos termos do art.º 195.º, (…) Em quinto lugar, por fim há que ponderar as exigências cautelares que o caso comporta e optar pela medida de coação que se julgar mais necessária, adequada e proporcional(…)” Fernando da Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, pág. 428.
Efectivamente, e em suma, dispõe o art.º 202º do C.P.P., que a medida em causa só pode ser aplicada caso se verifiquem os seguintes requisitos que importam para o caso, que são cumulativos:
a. Para além da inadequação e insuficiência das outras medidas de coacção;
b. a existência de fortes indícios da prática de crime;
c. que o crime indiciado seja doloso;
d. que o crime indiciado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos ou, correspondente a criminalidade violenta, ou tratando-se de crime de terrorismo, ou altamente organizada, de máximo superior a 3 anos.
No caso dos autos, no que respeita aos requisitos especiais da possibilidade de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, os mesmos mostram-se verificados, dado o crime de violação agravada p.º e p.º pelo art.º 164.º, n.º2, al. a), fortemente indiciado e a moldura penal abstracta que lhe cabe (três a dez anos) e que constitui criminalidade violenta para efeitos do disposto no artº 1º, al. j), do CPP.
Ademais, conforme resulta dos mesmos normativos, tal medida só é de aplicar quando as demais medidas de coacção se mostrarem inadequadas ou insuficientes.
É o que decorre do art.º 202.º, n.º 1, bem como do art.º 193.º, n.º 2, do CPP, neste se determinando que “a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”.
Por outro lado, “as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas” – n.º 1 do mesmo art.º 193.º.
Considerou a Exma.JIC no despacho recorrido que:
Assim, e tendo em conta os princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade face à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente poderão vir a ser aplicadas, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 193.º, 196.º, 200.º, nº 1, alínea d), 202.º, alíneas a) e b) e 204.º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de coação:
- Termo de identidade e residência, que já prestou;
- Prisão preventiva, única que se considera adequada às exigências cautelares que o caso reclama, sendo que a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não satisfaz as necessidades cautelares pois não permitiria pôr termo aos perigos acima elencados face à personalidade do arguido;
- Proibição de contactos, por qualquer meio, com a vítima II. (…)”
Ora, no caso dos autos, concordando-se com a Exma. JIC, a prisão preventiva é a única medida coactiva que se mostra apta a suprimir os já supracitados perigos, que é necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer e que se revela proporcional à gravidade dos factos fortemente indiciados e à sanção que previsivelmente será aplicada.
Na verdade, a obrigação de permanência na habitação prevista no art.º 201.º, do CPP, ainda que com meios técnicos de controlo à distância, não se revela, no presente caso, adequada e suficiente, tal como entendido pela Exma. JIC.
Se é certo que a medida de obrigação de permanência na habitação prossegue um fim concorrente com o da prisão preventiva, coincidindo em alguns dos seus pressupostos e tratamento adjectivo, ainda que com vigilância electrónica, porém, não é, só por si, impeditiva pela sua configuração legal, de suprimir os perigos supra mencionados, nomeadamente os perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa, e de perturbação do inquérito, porquanto não seria impeditiva de o arguido fugir, de poder se aproximar novamente da vítima (cujos familiares também conhece) abordando-os para que alterem os seus depoimentos ou continuar a praticar actos como os fortemente indiciados, o mesmo acontecendo com as medidas de coacção contidas nos arts.º 197.º, 198.º e 200.º do CPP.
A prisão preventiva, na fase processual em que o processo de inquérito se encontrava aquando da prolacção do despacho de aplicação das medidas de coacção, era e é a única medida adequada às exigências cautelares que no caso se fazem sentir e proporcional à sanção que previsivelmente poderá ser aplicada, em caso de condenação.
O Tribunal Constitucional no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 396/2003 decidiu que a norma do art.º 204º, c) do CPP, interpretada no sentido de a invocação em concreto, num certo processo, da verificação dos perigos aí referidos poder servir para fundamentar a opção pela medida de coação de prisão, não é inconstitucional.
“a utilização da prisão preventiva para fazer face aos perigos de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade pública, constituem medidas extra processo que tem mais a ver com a defesa social e prevenção geral.”
Dispõe o artigo 204º, alínea c) do Código de Processo Penal:
“Nenhuma medida de coacção prevista no capítulo anterior, à excepção da que se contém no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar:
(…)
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.”
Como se pode ver, esta norma exige a verificação em concreto do perigo de continuação da actividade criminosa, para a imposição da medida de coacção, incluindo (subordinada aos requisitos específicos do artigo 202º do Código de Processo Penal) a de prisão preventiva.
A imposição desta medida de coacção, com base nos perigos referidos no preceito citado, é apurada, pois, obviamente, num processo concreto, existindo (nos termos do citado artigo 202º, nº 1, alínea a)) “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos” –, indícios, estes, porém, que não são só por si suficientes, sendo ainda necessária, como exigência do princípio da necessidade da medida, a verificação dos requisitos gerais do artigo 204º, alínea c).
Não estão, pois, em causa – nos termos da norma impugnada, que se refere à verificação concreta destes riscos – quaisquer abstractas preocupações, ditas “extra‑processuais”, de defesa social ou de prevenção geral. Assim, por exemplo, no presente caso, foi invocado o concreto perigo de continuação da actividade criminosa – tráfico de estupefacientes – e não qualquer abstracta preocupação de combate ao crime pelo qual estão a ser investigados os recorrentes.
A relevância de tal concreto perigo para a medida de prisão preventiva – verificados os seus restantes requisitos – não é contrária a qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente, aos consagrados nos artigos 27º e 28º da Constituição da República. E a norma do artigo 204º, alínea c) do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de invocação em concreto, num certo processo, da verificação dos perigos aí referidos poder servir para fundamentar a opção pela medida de coacção de prisão não é, pois, inconstitucional”
Igualmente o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 720/97.1, onde se afirma que o art.º 204º, alíneas a) e c), isoladamente analisado, não ofende as normas constitucionais:
“O art. 204º, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, isoladamente analisado, não ofende manifestamente as normas constitucionais.
De facto, o art. 27º, nº 3, da Constituição admite a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, no caso de "detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos", do mesmo modo que o nº 2 do art. 28º dispõe - a partir da entrada em vigor da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, redacção que, acrescente-se, não serviu de parâmetro ao acórdão recorrido, proferido antes daquela data - que a prisão preventiva "tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei".
Ora, é manifesto que não viola a Constituição o disposto nas alíneas a) e c) do art. 204º do Código de Processo Penal quando estatuem que nenhuma medida de coacção, à excepção do previsto no art. 196º (termo de identidade e residência) pode ser aplicada se em concreto se não verificar "fuga ou perigo de fuga" ou "perigo, em razão de natureza e das circunstâncias do crime ou de personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou de continuação da actividade criminosa". Por outro lado, não se vê que haja impedimento constitucional a que possa haver revisão de aplicação das medidas de coacção durante o processo, revisão que é mesmo obrigatória de três em três meses no caso da prisão preventiva, quando, em concreto, se verifique, a partir de certo momento, a existência de fortes indícios de prática de crime doloso que desaconselha a aplicação ou manutenção de caução ou de outra medida mais favorável prevista na lei.”
A nosso ver, bem andou a Mma. Juiz de Instrução ao aplicar ao arguido a medida de coacção prisão preventiva.
Estamos, assim, em crer nos termos expostos, que a prisão preventiva é no caso adequada, necessária e proporcional.
É adequada, no sentido em que permite acorrer em medida de eficácia praticamente máxima às exigências cautelares que se identificaram. É também necessária a debelar os perigos verificados. E é proporcional face à gravidade do crime fortemente indiciado e à sanção que poderá previsivelmente vir a ser aplicada ao arguido.
Há que julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a decisão recorrida de aplicação da prisão preventiva, a qual não viola qualquer das disposições legais e constitucionais invocadas pelo recorrente, sendo manifesta a sua improcedência.

V - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que integram a 9ª secção (Criminal) deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido FF, confirmando a decisão recorrida de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
*
Condena-se o arguido/recorrente no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC nos termos do art.º 420.º, n.º3, do CPP.
Notifique e comunique ao Tribunal de 1.ª Instância.

Lisboa, 25/09/2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pela signatária)
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Ana Paula Guedes
Ivo Nelson Caires B. Rosa (com declaração de voto que segue)

Declaração de voto
Apesar de acompanhar a decisão quanto à manutenção da medida de coação de prisão preventiva, atenta a verificação do concreto perigo de fuga, não acompanho os fundamentos da mesma quanto à presença dos perigos de perturbação do decurso do inquérito na vertente de perigo para aquisição ou conservação da prova e de continuação da atividade criminosa.
Quanto ao perigo de perturbação da investigação para a conservação da prova.
Em relação a este perigo, o mesmo tem de suportar-se em factos que indiciem a atuação do arguido com o propósito de prejudicar a investigação, não bastando a mera possibilidade de que tal aconteça para que possa afirmar-se a existência deste perigo. Assim, perante a existência concreta deste perigo, a aplicação da medida de coação, nomeadamente uma medida restritiva da liberdade, terá como propósito prevenir a ocultação e a adulteração, bem como garantir as disponibilidade e genuinidade de elementos de prova.
O despacho recorrido fundamentou a presença do perigo em causa, quanto ao arguido recorrente, pelo seguinte modo: “Acresce que não obstante a vítima já tenha sido ouvida em declarações para memória futura, verifica-se igualmente um perigo de perturbação do inquérito por parte do arguido, na vertente da veracidade e manutenção da prova, uma vez que poderá abordar a vítima e as testemunhas para que alterem os seus depoimentos”.
Como facilmente se constata, salvo o devido respeito, estamos perante meras especulações, considerações vagas e conclusivas, desacompanhadas de qualquer suporte factual e de elementos probatórios. Com efeito, do despacho recorrido não se alcança, dado que não contém qualquer facto indiciado ou elemento de prova a sustentar esses indícios, em que medida o arguido, aqui recorrente, tem em marcha ou pretende colocar em ação atitudes com vista a destruir ou tornar ineficaz a prova já adquirida e consolidada no processo (perigo para a conservação da prova), ou em que medida pretende neutralizar a aquisição de outros elementos de prova que ainda não constam do processo (perigo para a aquisição da prova).
Os perigos, como resulta claro da lei, têm de ser concretos e não abstratos.
Assim, perante ausência concreta de fundamentos não é possível sustentar a presença do perigo em causa, motivo pelo qual não é possível, à luz deste concreto perigo, justificar a aplicação de qualquer medida de coação para além do TIR.
Vejamos agora o perigo de continuação da atividade criminosa, previsto na alínea c) do artigo 204º do CPP.
Quanto a este perigo, segundo o artigo 204.º, alínea c), do CPP, este decorrerá da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, cumprindo afirmar, desde já, que a aplicação de uma medida de coação não se destina a acautelar a prática de qualquer crime, mas apenas a continuação da atividade criminosa que se mostra indiciada no processo, o que acontecerá com a execução do mesmo ilícito e bem assim com outros ilícitos análogos ou da mesma natureza.
O despacho recorrido fundamentou a existência deste perigo pela seguinte forma: “com os elementos probatórios já recolhidos nos autos, face às declarações prestadas pela vítima e à circunstância do arguido já ter tido contactos com a justiça apresentando antecedentes criminais, ao que acresce a postura que assumiu em primeiro interrogatório, tentando eximir-se a qualquer responsabilidade e imputando-a à vítima ao referir que consome produtos estupefacientes, e não demonstrando qualquer auto censura ou desvalor da sua conduta, e o facto das suas declarações não terem infirmado os fortes indícios existentes nos autos, entendemos que existe um concreto e efetivo perigo que o arguido possa aproximar-se novamente da vítima (cujos familiares também conhece) e voltar a praticar atos da mesma natureza aos que estão em causa nestes autos (artigo 204.º, alínea c), do CPP)”
Tendo em conta o teor do despacho recorrido, verifica-se que o mesmo limita-se a presumir, de forma abstrata e genérica, a partir de juízos de mera possibilidade, sem que os factos apontem no sentido de um risco sério, real e efetivo de o arguido continuar com a mesma atividade delituosa.
Assim, perante a ausência de elementos factuais e probatórios não é possível concluir pela presença, em concreto, deste perigo.
Ivo Rosa