Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1115/13.0TTLSB.L1-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: CTT
CRÉDITOS LABORAIS
JUROS DE MORA
PRESCRIÇÃO
CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. À prescrição dos créditos dos trabalhadores dos CTT vencidos entre 1980 e 1991 aplica-se o disposto no art. 38.º, nº 1 da LCT.
2. - Os juros de mora relativos a tais créditos encontram-se submetidos ao regime da prescrição dos créditos laborais estabelecido no citado preceito que constitui um regime especial e, nessa medida, um desvio ao regime geral ao estabelecido no art. 310.º, alínea d) do Cód. Civil.
3. E são devidos desde a data em que cada um desses créditos deveria ter sido posto à disposição do autor visto tratar-se de um caso de iliquidez aparente, em que o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, contemplada na 1.ª parte do nº 3 do art. 805.º do Cód. Civil.
4. O facto de o trabalhador apenas passados mais de 30 anos vir a juízo reclamar esses créditos não configura abuso do direito.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

      Relatório
AA instaurou contra CTT – Correios de Portugal, SA ação declarativa de condenação com processo comum pedindo a condenação do réu a pagar ao autor, a título de diferença na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal nos anos de 1980 a 1992, a quantia de € 3566,77, acrescida de juros, à taxa legal, desde as datas em que cada prestação se venceu até integral pagamento, computando-se os vencidos o montante de € 6709,37, no total de € 10 279,14.
  Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, o seguinte:
- foi admitido para prestar serviço por conta e sob a autoridade do réu em 16.07.1975, mantém-se ao seu serviço ininterruptamente até à presente data;
- em 20.04.1977 foi transferido para a Rede de Ambulâncias Postais (RINTER) – Sector Sul, com serviços instalados no Cais 1 da Estação da CP de Santa Apolónia;
- o réu sempre pagou até ao presente, a retribuição de férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal apenas com base na retribuição fixa (vencimento base mais vencimento de diuturnidades), nunca incluindo naquelas prestações a retribuição variável que o autor sempre auferiu, periódica, regular e continuadamente, quer em todo o tempo em que exerceu funções na RINTER quer posteriormente, nomeadamente um abono de viagem que englobava quatro componentes, constituídas ajudas de custo, coeficiente de esforço e penosidade, trabalho suplementar, e trabalho noturno;
- o réu nunca contabilizou nem integrou o abono de viagem na retribuição das férias, respetivo subsídio, nem no subsídio de natal, pagos ao autor;
- desde que o réu foi transformado em empresa pública, a relação laboral do seu pessoal passou a ser regulada pelo regime de contrato individual de trabalho, com exceção das matérias de natureza disciplinar e de natureza previdencial;
- os diferenciais de retribuição peticionados na ação são do conhecimento do réu desde o momento em que se venceram, pelo que se existisse, ou a existir liquidez, ela é imputável exclusivamente ao réu;
- o prazo de prescrição só começa a contar do dia seguinte àquele em que cessar o contrato de trabalho, o qual no caso do autor não só ainda não decorreu, como nem sequer se iniciou.
      O réu foi citado para a ação em 17.04.2013.
     Realizada a audiência de partes e, não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da ré para contestar a que ela fez, concluindo pela improcedência da ação com a sua absolvição.
      Para tal, alegou que:
- aos créditos laborais reclamados nestes autos não se aplica o art. 38.º da LCT, mas sim a conjugação dos arts. 310.º g) e 306.º do Cód. Civil e tal significa que o autor teria o prazo de cinco anos, até 1997, para exercer o seu direito, estando os juros vencidos há mais de cinco anos prescritos, em virtude do decurso de tal prazo;
- para que uma prestação paga ao trabalhador assuma a qualificação de retribuição é necessário que a mesma seja paga onze meses no ano a que se refere, sendo por isso considerada regular e periódica;
- o que define o carácter retributivo das prestações devidas a este título não é o seu carácter regular e periódico mas sim a especificidade das condições ao abrigo das quais o trabalho foi desenvolvido;
- não existindo a prestação específica do trabalho não pode existir a retribuição especial daí resultante;
- nem o autor nem nenhum outro trabalhador do réu podem afirmar que existia na sua convicção a expectativa de receber as prestações retributivas de carácter especial peticionadas caso o trabalho, com base no qual são especificamente estatuídas, não fosse prestado já que nunca as mesmas foram reclamadas.
   Instruída e julgada a causa foi proferida sentença cujo dispositivo se transcreve:
  Face ao exposto, julga-se improcedente a presente acção intentada pelo Autor AA contra o Réu CTT – Correios de Portugal, SA e, consequentemente, mais se decide absolver o Réu do pedido contra si formulado pelo Autor.
      Custas pelo Autor.
   Inconformado com a decisão da mesma interpôs o autor recurso, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(...)
      O réu contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.
     Juntou extenso parecer elaborado pelo Prof. Menezes Cordeiro corroborando, embora por razões não coincidentes, o entendimento acolhido pela 1.ª instância.
  Nesta Relação, o Exmo. Magistrado do M.P. teve vista nos autos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 87.º, nº 3 do Cód. Proc. Trab..
      Colhidos os demais vistos legais cumpre apreciar e decidir.
   Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
      Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
  A questão colocada no recurso delimitado pelas respetivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 635.º, nº 3 e 639.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil – consiste em saber se os créditos reclamados são exigíveis.
      Fundamentação de facto
      Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objeto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil.
    Por conseguinte, face ao disposto nos artigos 663.º, nº 6 do Cód. Proc. Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem discriminados, pontualmente, aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do objeto do recurso.
      Fundamentação de direito
     A ação foi julgada improcedente por ter sido julgada procedente a exceção de prescrição invocada, entendimento contra o qual o autor se insurge pelas razões que constam das transcritas conclusões do recurso.
      Vejamos, então, se razão lhe assiste.
   Quando o autor foi admitido ao serviço dos CTT, em 16 de junho de 1975, os CTT eram então uma empresa pública por força do Decreto-Lei nº 49368, de 10.11.1969, constando o respetivo regime - Estatuto dos Correios e Telecomunicações - do Anexo I a este Decreto-Lei.
      Esse Estatuto instituiu um regime privativo de direito público para o pessoal dos CTT, que constará de regulamentos especiais, lendo-se nos nºs 1 a 3 do art. 26.º inserido no Capítulo III (“Do Pessoal”) o seguinte:
1. O pessoal dos CTT considera-se abrangido pelas disposições do artigo 36.º do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei n.º 23548, de 23 de Setembro de 1933) e o seu regime jurídico será definido em regulamentos especiais.
2. Os referidos regulamentos serão elaborados pelo conselho de administração e estabelecerão para o pessoal um regime jurídico que se adapte às actividades específicas dos CTT e tenha em conta a diversidade de tarefas a que tais actividades obrigam. A aprovação desses regulamentos será dada em portaria conjunta dos Ministros das Comunicações e das Corporações e Previdência Social.
3. O pessoal dos CTT será integrado nos escalões seguintes:
a) Escalão I - Constituído pelos funcionários admitidos até 31 de Dezembro de 1969 nos quadros permanentes. Estes servidores manterão todos os direitos e deveres e passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão II, com idênticos horários de trabalho e regime fiscal;
b) Escalão II - Constituído por servidores admitidos por tempo indeterminado, mas susceptíveis de despedimento, não só por motivos disciplinares, como por conveniência de serviço. Ingressará neste escalão o pessoal existente em 31 de Dezembro de 1969 das modalidades seguintes: o do quadro de reserva; o admitido ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 36155, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 47488; e o do artigo 7.º daquele mesmo Decreto-Lei n.º 36155, quando possua carácter de continuidade e esteja sujeito a qualquer dos horários semanais especificados nas alíneas a), b) e c) do artigo 26.º deste último diploma;
c) Escalão III - Constituído pelos servidores temporários, admitidos por prazo limitado, ainda que prorrogável. Ingressará neste escalão o pessoal dos CTT existente em 31 de Dezembro de 1969 não considerado nos escalões anteriores.
O art. 52.º desse Estatuto (“Disposições diversas e transitórias”) determina que:
1. A gestão da empresa reger-se-á pelo presente Estatuto e pelas leis e regulamentos que o venham a completar, aplicando-se nos casos omissos, nomeadamente quanto a capacidade jurídica, competência da administração e regime dos actos desta e ao dos seus membros, o disposto na lei comum para as sociedades comerciais, com as necessárias adaptações aos casos.
2. As normas deste Estatuto que constituem direito excepcional só poderão ser revogadas ou alteradas mediante revogação ou alteração expressa, com menção precisa das disposições afectadas.
E o art. 66.º comete ao conselho de administração a tarefa de apresentar ao Governo, por intermédio do Ministro das Comunicações, propostas fundamentadas de alterações ao Estatuto, decorridos no máximo três anos após a sua entrada em vigor, contemplando designadamente [a] evolução do regime jurídico do pessoal do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho sem prejuízo das características do serviço público de correios e telecomunicações - alínea a).
      O primeiro dos regulamentos referidos no transcrito nº 1 do art. 26.º - Regulamento Geral do Pessoal dos CTT - que passou a constituir a base do regime jurídico dos servidores da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal foi aprovado pela Portaria nº 706/71, de 18 de dezembro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1972 (art. 100.º) e consta do respetivo anexo.
      Lê-se no preâmbulo desse anexo o seguinte:
1. É deveras axiomático o papel relevante de elemento humano adentro da empresa. Daí a importância e delicadeza do estatuto do pessoal que disciplina a relação jurídica de emprego e as demais nela filiadas.
(...)
De todo o exposto resultou a necessidade de combinar o Estatuto Geral da Função Pública, sob cuja tutela se encontrava o funcionalismo dos CTT (...) com o direito comum do trabalho (...)
2. O presente regulamento abrange, fundamentalmente, a relação jurídica de emprego, (...).
3.
(...)
A participação do pessoal nos lucros da empresa; a integração, em princípio, de todos os profissionais em carreiras, (...); os benefícios de obras sociais (...); a admissão de indivíduos com deformidades físicas, (...) e a preferência, até, de que gozam os mutilados em determinadas circunstâncias; a garantia de promoção, (...); o regime de trabalho a meio tempo, (...); a limitação do tempo diário e semanal do serviço, mesmo no capítulo do trabalho extraordinário; a extensão muito sensível do período de doença remunerada (...); a licença para casamento; o sistema de cálculo da licença para férias; os abonos aos aposentados desligados do serviço, e o regime de despedimento do pessoal dos escalões II e III - na medida em que pode ser da iniciativa do empregado ou dá direito, em certos casos, a indemnização - constituem, porventura, os aspectos socialmente mais salientes deste Regulamento, e muitos deles traduzem aproximação ao direito comum do trabalho, (...).
5. Deste modo se observou o espírito do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, que manda aplicar às empresas públicas o regime do contrato individual de trabalho com as adaptações exigidas pelas características destes serviços, não obstante tal diploma não ser aplicável ao pessoal da empresa pública CTT, uma vez que o mesmo continua, por força do estatuto da empresa, sujeito ao regime de direito público, tal como sucede, aliás, com outras empresas públicas, (...). Mas a recepção dos princípios informadores do diploma fundamental do direito comum do trabalho é tão desejável que o próprio estatuto CTT - lei específica da empresa - a preconiza, de certo modo, na alínea a) do seu artigo 66.º
E bem pode afirmar-se, analisando-se este Regulamento, que tais princípios só não foram recebidos quando tal se revelou de todo inviável; e, que, por outro lado, também, por vezes, foram largamente ultrapassados.
      Refira-se aqui que o Decreto-Lei 49408 de 24 de novembro de 1969 que aprovou o novo regime jurídico do contrato de trabalho a ele anexo (LCT), que começou a vigorar em 1 de janeiro de 1970 – art. 2.º-, revogando a legislação anterior em tudo o que lhe for contrário, designadamente o Decreto-Lei nº 47032, de 27 de maio – art. 3.º- dispõe no seu art. 11.º o seguinte:
1. Ressalvada a legislação em vigor, o regime do contrato individual de trabalho aplica-se às empresas concessionárias do serviço público, mas poderá vir a sofrer as adaptações exigidas pelas características destes serviços mediante decretos regulamentares referendados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos Ministros competente.
2. O disposto no número anterior é aplicável às empresas públicas.
      E adiante-se que o art. 38.º do Decreto-Lei nº 47032, de 27 de maio consagrava em matéria de prescrição de créditos laborais solução em tudo semelhante à que veio a ser acolhida pelo art. 38.º da LCT.
 O Capítulo I do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT (“Disposições preliminares”) estabelece no nº 1 do seu art. 1.º (“Regime jurídico do pessoal”) o seguinte:
1. O pessoal dos CTT passa a reger-se por um estatuto privativo constituído pelas normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, deixando, em consequência, de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público.
      O subsequente art. 2.º (“Espécies de pessoal”) diz-nos que:
1. Os servidores dos escalões I e II, a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 26.º do estatuto da empresa, abrangem os profissionais CTT com carácter de permanência.
2. Os profissionais CTT com carácter temporário, admitidos por tempo limitado, ainda que prorrogável, a que alude a alínea c) do n.º 3 do citado artigo 26.º do estatuto, constituem o escalão III, que abrange, designadamente:
a) Os artífices assalariados por certo tempo;
b) Os indivíduos de outras qualificações profissionais eventualmente admitidos por determinado período.
3. Por não serem profissionais CTT, não são abrangidos pelas disposições deste Regulamento, mas sim pelo seu anexo que dele faz parte integrante, os assalariados acidentalmente e os indivíduos em regime de contrato de prestação de serviço, compreendendo o mandato, o depósito, a empreitada e outras modalidades a que são extensivas as regras do mandato. Ficam subordinados, assim, ao regime constante do anexo os indivíduos que prestem serviço:
a) Acidentalmente, como assalariados;
b) Encarregados de postos dos CTT;
c) Em sistema de avença;
d) Por tarefa;
e) Como arrematantes de conduções de malas.
  Os arts. 3.º a 6.º ocupam-se, sucessivamente, dos lugares, cargos, categorias, grupos, carreiras e carreiras-tipo, da hierarquia do pessoal, da forma e produção de efeitos dos atos que constituam, modifiquem ou extingam a relação de emprego ou alterem a situação dos servidores e cometem ao conselho de administração da competência para a prática de tais atos.
      Os capítulos seguintes tratam dos deveres, incompatibilida-des, direitos e prerrogativas (Capítulo II), do preenchimento de lugares e cargos (Capítulo III), das situações do pessoal (Capítulo IV), da efectividade do pessoal e sua apreciação (Capítulos V e VI), da formação e aperfeiçoamento profissional (Capítulo VII), dos prémios e recompensas (Capítulo VIII) da responsabilidade (Capítulo IX) da cessação de funções (Capítulo X) e de disposições finais e transitórias (Capítulo XI).
  O anexo a este Regulamento dispõe, no que aqui releva, o seguinte:
Artigo 2.º
(Legislação subsidiária)
Os casos omissos neste anexo serão integrados pelas disposições do Código Civil, salvo quanto aos servidores abrangidos pela secção II.
SECÇÃO II
Assalariados com carácter acidental
Artigo 3.º
(Admissão)
Os servidores a que se refere esta secção são recrutados por escolha livre, designados por mero ajuste verbal, e entram ao serviço sem qualquer outra formalidade.
Artigo 4.º
(Regime de trabalho)
A relação de emprego deste pessoal é regulada, salvo estipulação expressa em contrário, pelo direito comum do trabalho.
Artigo 5.º
(Hierarquia)
Aos indivíduos a que esta secção se refere é aplicável o disposto no artigo 4.º do Regulamento.
Artigo 6.º
(Remuneração)
A remuneração destes servidores será efectuada, de harmonia com regras estabelecidas pelo conselho de administração, por salário diário ou por hora, com observância dos salários mínimos legalmente fixados.
      A Secção seguinte refere-se aos Encarregados de postos CTT (admissão, regime de serviço, responsabilidade e remuneração), a Secção IV aos indivíduos em regime de avença ou por tarefa (admissão, regime de prestação de serviço, remuneração e termo normal da prestação de serviço) e a Secção V aos arrematantes de conduções de malas.
      Evoluindo para a negociação coletiva, em 3 de agosto de 1976, os sindicatos representativos dos trabalhadores ao serviço dos CTT apresentaram à respetiva administração proposta com vista à celebração de uma convenção coletiva de trabalho.
      Goradas as negociações foi, ao abrigo do disposto do art. 21.º do Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de fevereiro, publicada no BTE nº 28 de 29 de julho de 1977 a PRT que veio estabelecer as condições mínimas de trabalho a observar pelos CTT, revogando todas as disposições regulamentares anteriormente existentes sobre as matéria nela disciplinadas, salvo nos casos previstos expressamente – Base II.
      Posteriormente entrou em vigor o AE/CTT publicado no BTE 1ª, nº 24, de 29 de julho de 1981, sucessivamente alterado.
      A preocupação do Governo em reduzir a dimensão do sector empresarial do Estado e também reforçar a preparação do sector das comunicações para a concorrência interna e externa, na sequência das recentes medidas legislativas nacionais, bem como da legislação comunitária, determinou a transformação de empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT) convertendo-os em pessoa coletiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
  O Decreto-Lei nº 87/92 de 14 de maio veio transformar da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT), criada pelo Decreto-Lei n.º 49368, de 10 de novembro de 1969 em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., abreviadamente designada por CTT, S.A. – art. 1.º - e aprovou os respetivos estatutos anexos a esse diploma – art. 6.º, nº 1.
   Quanto aos trabalhadores e, na parte que aqui interessa,  dispõe o art. 9.º nos seus nºs 1 e 2:
Art. 9.º - 1 - Os trabalhadores e pensionistas da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal mantêm perante os CTT, S. A., todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública.
2 - Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal vigentes nesta data continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no número anterior.
      Note-se que os regimes jurídicos salvaguardados no nº 2 não abrangem o regime disciplinar constante  da Portaria nº 348/87, de 28 de abril mas unicamente os relacionados com o fundo de pensões e regalias de carácter económico e social.
      Como antes dissemos, a decisão sindicada julgou procedente a exceção de prescrição deduzida pelo réu e, em consequência, julgou improcedente a ação.
      Aduziu, para tal, os seguintes fundamentos:
- quando o autor foi admitido ao serviço dos CTT, em 15.06.1975, este era uma empresa pública por força do Decreto-Lei nº 49368, de 10.11.1969;
- segundo o  art. 26.º, nº 1 do Estatuto do réu, anexo àquele diploma legal, o regime jurídico do pessoal do réu será definido em regulamentos especiais;
- o regulamento especial que estabeleceu o regime jurídico dos servidores dos CTT anexo à Portaria nº 706/71, de 18.12 que o aprovou, dispõe no seu art. 1.º, nº 1 que o pessoal dos CTT passa a reger-se por um estatuto privativo constituído por normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, deixando, em consequência, de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público;
- assim, a partir de então, aos trabalhadores do réu deixou de aplicar-se o estatuto do funcionalismo público, passando a aplicar-se-lhes o regime consagrado no “Regulamento Geral do Pessoal dos CTT”;
- por força do art. 2.º do anexo a esse Regulamento, a legislação a ele subsidiariamente aplicável é o Código Civil, exceto relativamente aos assalariados com carácter acidental, aos quais se aplica o direito comum de trabalho;
- O Regulamento referido nada previa sobre a prescrição dos créditos laborais e determinava a aplicação subsidiária do Código Civil e não a LCT então vigente;
- só com a transformação do réu de empresa pública em sociedade anónima de capitais públicos, pelo Decreto-Lei 87/92, de 14.5, o regime jurídico do pessoal dos CTT se modificou;
- tem, pois,  necessariamente de concluir-se que, entre 23.12.1971 e 19.05.1992, período que abrange os créditos reclamados que se reportam aos anos de 1981 a 1991 a prescrição de créditos laborais dos trabalhadores do réu estava sujeita ao prazo de cinco anos fixado no art. 310.º, alínea g) do Código Civil “outras prescrições periodicamente renováveis” e não ao prazo de um ano previsto no art. 38.º da LCT;
- deste modo, uma vez que o preceito legal aplicável não exigia a cessação do contrato de trabalho para que se inicie o prazo prescricional de cinco anos, conclui-se que o prazo de que o autor dispunha para exercer judicialmente o seu direito aos créditos invocados na presente ação, não tendo ocorrido qualquer facto interruptivo ou suspensivo, ocorreu, no máximo em 01.01.1997, isto é, cinco anos após a transformação do ré em sociedade anónima de capitais públicos.
      Não acompanhamos a decisão sindicada.
      Vemos, então, quais as razões da dissensão.
      Como tivemos oportunidade de ver, decorre do nº 3 do art. 2.º do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT que o respetivo anexo se refere apenas aos indivíduos não considerados profissionais dos CTT que prestem serviço:
a) Acidentalmente, como assalariados;
b) Encarregados de postos dos CTT;
c) Em sistema de avença;
d) Por tarefa;
e) Como arrematantes de conduções de malas.
      E o art. 2.º do anexo apenas se refere, como também antes vimos, aos casos omissos nesse anexo, com exceção dos assalariados com carácter acidental, cuja relação de emprego é regulada, salvo estipulação expressa em contrário, pelo direito comum do trabalho e os casos omissos referidos no anexo são apenas os Encarregados de postos CTT, os indivíduos em regime de avença ou por tarefa e os arrematantes de conduções de mala, não se integrando o autor nenhuma dessas previsões.
      É certo que o Regulamento Geral do Pessoal dos CTT nada previa sobre a prescrição dos créditos laborais, o mesmo acontecendo com a PRT de 1977.
      Trata-se, assim, de uma lacuna da lei.
     Como refere Miguel Teixeira e Sousa (“Introdução ao Direito”, Almedina, 2013, pág. 385):
      A lacuna decorre da inexistência de uma regra para regular um caso jurídico, pelo que (...) pode dizer-se que existe uma lacuna quando há caso mas não há regra. (...) Refira-se (...) que não existe nenhuma lacuna se o caso puder ser resolvido por um princípio implícito ou por uma regra derivada: a lacuna não é falta de uma regulamentação expressa, mas a falta de qualquer regulamentação. Para que exista uma lacuna não basta uma lacuna legis, antes é necessário que se verifique uma lacuna iuris. (...) Só existe uma lacuna quando de nenhuma fonte possa ser inferida uma regra para regular o caso.
(...)
A lacuna só surge quando (...) falta, para um caso com relevância jurídica, a respectiva regulamentação. (...) A lacuna pressupõe uma incompletude no ordenamento jurídico quanto a certos casos, pelo que ela decorre da conjugação de dois factores: um factor negativo, que é a ausência de regulamentação legal, e um factor positivo, que é a exigência dessa regulamentação.
      Assim, não contendo a lei qualquer regra aplicável à situação vertente, quando é certo que deveria conter essa regulamentação, a lacuna da lei tem, necessariamente que ser integrada através da analogia.
      E nesta integração jurídica, temos o caminho da analogia legis ou analogia juris, devendo fazer-se chamamento ao que dispõe o art. 10.º do Cód. Civil, com a previsão legal que melhor se adapte às razões justificativas de aplicação concreta.
      E assim, a situação legalmente prevista que melhor se adapta à situação presente é a da que prevê a prescrição de créditos laborais, ou seja o disposto no art. 38.º da LCT, pois é disso que se trata (vide com interesse o Ac. da 1.ª secção do STA de 12.06.80 nº convencional JSTA00008949, disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário se lê que [a] decisão sobre redução do subsidio de residencia do pessoal dos CTT, matéria incluida no ponto 3 da base XCII da respectiva portaria de regulamentação do trabalho, não assume a natureza de acto administrativo definitivo e executorio e antes se integra no âmbito das relações laborais entre recorrente e recorrida).
      De resto, o legislador, no preâmbulo do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT que transcrevemos supra nas partes que nos pareceram relevantes para a resolução desta questão, reconhece que o regulamento abrange, fundamentalmente, a relação jurídica de emprego e que se observou o espírito do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, que manda aplicar às empresas públicas o regime do contrato individual de trabalho com as adaptações exigidas pelas características destes serviços, não obstante tal diploma não ser aplicável ao pessoal da empresa pública CTT, mas que a recepção dos princípios informadores do diploma fundamental do direito comum do trabalho é tão desejável que o próprio estatuto CTT - lei específica da empresa - a preconiza, de certo modo, na alínea a) do seu artigo 66.º.
      Como se viu, esta alínea comete ao conselho de administração a tarefa de apresentar ao Governo, por intermédio do Ministro das Comunicações, propostas fundamentadas de alterações ao Estatuto, decorridos no máximo três anos após a sua entrada em vigor, contemplando designadamente [a] evolução do regime jurídico do pessoal do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho sem prejuízo das características do serviço público de correios e telecomunicações.
      Com efeito, o referido art. 38.º tem por fundamento e considera iniciado o prazo de prescrição logo que cessa a situação de subordinação jurídica e económica, implicando o receio do trabalhador limitativo do exercício dos seus direitos
      Trata-se de um regime em que o início do prazo prescricional só ocorre após a cessação, de facto, da relação laboral, o que se justifica por razões de pacificação social, dando-se assim a possibilidade às partes, durante a vigência do contrato, de não instaurarem ações com vista à reclamação dos seus direitos, para não se envenenar o bom relacionamento entre elas.
      Por outro lado, com o protelamento do seu início para o dia seguinte ao do termo do contrato, visou-se essencialmente proteger o trabalhador, dados os naturais constrangimentos que este pode ter para exigir os seus direitos durante a sua vigência, nomeadamente por receio de retaliações do empregador caso ousasse acioná-lo durante a vigência da relação laboral, e que poderiam atingir o risco do seu próprio despedimento.
      Por estas razões, avisadamente estabeleceu o legislador que o prazo da prescrição dos créditos laborais só começa a correr depois do contrato se extinguir, verificando-se portanto uma suspensão do início do seu curso até esta altura.
      Procedem, assim, as conclusões do recurso, sendo de revogar a sentença recorrida.
*
      Ao abrigo do disposto no art. 665.º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, cumpre, ora, apreciar a questão de saber se o autor tem direito a receber as quantias que reclama na ação, ou seja, as inclusão na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de natal dos anos de 1980 a 1992 da média auferida nos doze meses anteriores a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e abono de viagem.
      Antes de mais importa referir que ao caso é aplicável o regime legal decorrente da LCT, conjugado com o Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de dezembro, (LFFF) e com o Decreto-Lei nº88/96, de 3 de julho, por força do disposto no art. 8.º, nº 1 da Lei nº 99/2003, de 27 de agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, segundo o qual este não se aplica às férias e subsídios de férias e de natal vencidos antes da sua entrada em vigor, ou seja, antes de 1 de dezembro de 2003.
      Há ainda que ter presente a PRT publicada no BTE 1ªserie nº28 de 29.07.77 e AE/CTT publicado no BTE 1ªserie nº24 de 29.06.81.
A retribuição de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efetivo e além desta retribuição os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao da retribuição – art. 6.º, nº 1 e nº 2 do Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de dezembro.
Em 1977 as relações de trabalho entre os CTT e os trabalhadores ao seu serviço regiam-se pela referida PRT, de acordo com a qual os trabalhadores têm direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil e a um subsídio de férias de montante igual ao da retribuição mensal (Bases LIV, nº 1 LXX, nº1).
  Segundo o AE/CTT os trabalhadores tinham direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil, correspondente a 22 dias úteis e a um subsídio de férias de montante igual ao da remuneração mensal do mês de Dezembro nesse ano (cláusulas 163.ª, 166.ª, nº 1 e 150.ª, nº 1).
      O subsídio de natal foi legalmente instituído pelo Decreto-lei nº 88/96, de 3 de julho, cujo art. 2.º, nº 1, preceituava que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano.
      Note-se, no entanto, que o subsídio de natal não era antes da publicação do Decreto-Lei nº 88/96, de 3 de julho, imposto pela lei em termos genéricos, como acontece com o subsídio de férias embora fosse contemplado na generalidade dos instrumentos de regulamentação coletiva como acontece com a Base LXXI da PRT referida, a qual previa que os trabalhadores abrangidos tinham direito a receber um subsídio de montante igual ao da sua retribuição, por altura do Natal e com AE/CTT, nos termos do qual, todos os trabalhadores (...) terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido no caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro (cláusula 151.ª, nº 1).
      E sendo assim, como é, há que averiguar, previamente, se as quantias aqui em causa integram o conceito de retribuição, pois só na afirmativa elas serão devidas na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal.
      Segundo o art. 82.º da LCT, que consagra os princípios gerais sobre a retribuição esta abrange o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) – nºs 1 e 2 - presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador – nº 3.
      A retribuição é, pois, um conjunto de valores expressos ou não em moeda a que o trabalhador tem direito, por título contratual ou normativo, correspondente a um dever da entidade patronal.
A primeira característica da retribuição é a de que ela representa, em princípio, a contrapartida da prestação de trabalho, como tal fixada pela vontade das partes, pelas normas que regem o contrato de trabalho ou os seus usos.
      Mas a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige também uma certa periodicidade ou regularidade no seu pagamento embora possa ser diversa de umas prestações para outras. Nesta característica apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia, quando não se encontre expressamente consignada e assinalada a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
      Com a expressão “regular”, a lei refere‑se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E exigindo carácter “periódico” para a integração da prestação do empregador no âmbito da retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes (Ac. do STJ de 13.01.93 CJ/STJ, Ano I, T. I, pág. 226).
 No que se refere às características da regularidade e da periodicidade e da repercussão que as mesmas importam na expectativa de ganho do trabalhador, afigura-se-nos ser incontornável que, efetivamente, uma atribuição patrimonial que não permita que se infira uma certa cadência no seu pagamento e que não tenha a virtualidade de, precisamente e por essa via, originar na esfera jurídica do trabalhador aquela expectativa não pode ser qualificada como retribuição, para os efeitos a que agora importa atender.
      É, por isso, essencial a busca de um critério orientador que permita aferir o que é e o que não é regular e periódico, sendo certo que a lei o não concretiza.
Estando em causa a determinação do valor de atribuições patrimoniais devidas anualmente correspondentes a um mês de retribuição, como são a retribuição de férias, o respetivo subsídio e o subsídio de natal, defendeu o Supremo Tribunal de Justiça que o critério seguro para sustentar a aludida expectativa, baseada na regularidade e periodicidade, há-de ter por referência a cadência mensal, independentemente da variação dos valores recebidos, o que, de algum modo, tem correspondência com o critério estabelecido na lei para efeito de cálculo da retribuição variável - art. 84.º, nº 2, da LCT - e, assim, considerou regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos em causa, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorre pelo menos durante seis meses do ano (neste sentido pode ver-se o Ac. do STJ de 18.04.2007 doc. nº SJ200704180045574, www.dgsi.pt).
    Este critério, que nós próprios seguimos, viria a ser abandonado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 23.06.2010 (proc. nº 607/07.5TTLSB.L1.S1), cuja orientação foi, entretanto, reafirmada nos Acs. de 15.09.2010 (proc. nº 469/09.4), de 16.12.2010 (proc. nº 2065/07.5TTLSB.L1.S1) e de 5.06.2012 (proc. nº 2131/08.0TTLSB.L1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt, tendo o primeiro acórdão citado explicitado a fundamentação que se passa a transcrever:
       Numa perspetiva global, não se está perante uma diversidade de situações tão esmagadora que impossibilite o estabelecimento de um padrão definidor de um critério de regularidade e periodicidade, pois que se sabe, exatamente, quais são essas situações e, independentemente da maior ou menor frequência com que cada uma ocorra, não se pode afirmar a inexistência de uma certa homogeneidade do circunstancialismo que impõe o pagamento das mesmas atribuições patrimoniais.
      Ainda no que se refere às características da regularidade e da periodicidade e da repercussão que as mesmas importam na expectativa de ganho do trabalhador, afigura-se-nos ser incontornável que, efetivamente, uma atribuição patrimonial que não permita que se infira uma certa cadência no seu pagamento e que não tenha a virtualidade de, precisamente e por essa via, originar na esfera jurídica do trabalhador aquela expectativa não pode ser qualificada como retribuição, para os efeitos a que agora importa atender.
      É, por isso, fundamental estabelecer um critério orientador que permita aferir o que é e o que não é regular e periódico, sendo certo que a lei o não concretiza.
  Estando em causa determinar o valor de atribuições patrimoniais devidas anualmente correspondentes a um mês de retribuição, como são a retribuição de férias, o respetivo subsídio e o subsídio de Natal, afigura-se que o critério seguro para sustentar a aludida expectativa, baseada na regularidade e periodicidade, há-de ter por referência a cadência mensal, independentemente da variação dos valores recebidos, o que, de algum modo, tem correspondência com o critério estabelecido na lei para efeito de cálculo da retribuição variável (artigos 84.º, n.º 2, da LCT e 252.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003), e, assim, considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos em causa, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorre todos os meses de atividade do ano.
  Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação.
      De resto, outra solução não se vislumbra, atento o disposto no art. 152.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, segundo o qual os juízes têm do dever de acatar as decisões dos tribunais superiores.
  No que respeita ao ónus da prova da verificação daqueles pressupostos condicionantes da atribuição de natureza retributiva a qualquer prestação pecuniária paga pelo empregador ao trabalhador, a lei consagrou um regime favorável dos trabalhadores, ao preceituar, no nº 3 do referido art. 82.º que, até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Estabeleceu-se, pois, neste normativo uma presunção “juris tantum” no sentido de que qualquer atribuição patrimonial efetuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição.
      Conforme estatui o nº 1, do art. 350.º do Cód. Civil quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. A existência de presunção legal importa, assim, a inversão do ónus da prova - art. 344.º do Cód. Civil.
   Deste modo, não obstante os aludidos pressupostos constituírem factos constitutivos do direito invocado pelo autor e de, em princípio, lhe caber a prova desses factos, face ao disposto no nº 1, do artigo 342.º, do Cód. Civil - onde se estabelecem os princípios gerais sobre a repartição do ónus da prova -, a existência da citada presunção legal inverte o ónus da prova incumbindo ao réu a demonstração da inexistência de tais pressupostos factuais.
      Ao autor cabe, pois, somente provar a perceção das invocadas prestações pecuniárias, competindo ao réu provar a não verificação dos elementos integrantes do conceito legal de retribuição, maxime o carácter regular e periódico, antes referido a fim de obstar a que lhes seja conferida natureza retributiva.
      Uma vez que nestes instrumentos de regulamentação coletiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui, óbvia e inequivocamente, se têm por equivalentes), sem reserva, então não se pode deixar de considerar que, na ausência de outros elementos interpretativos, se pretendeu e quis abranger todos os segmentos que as integram. Neste sentido vide os Acs. do STJ de 04.12.2002 e de 19.02.2003 (www.dgsi.pt) e de 19.03.2003 (CJ/STJ Ano XXVIII, T. 1, pág. 271).
      Isto dito, vejamos o que se passa relativamente às atribuições patrimoniais cujo pagamento ocorreu todos os meses de atividade do ano, excetuando-se, por conseguinte, as recebidas nos anos de 1980, 1981, 1982, 1983 e 1984, a título de trabalho suplementar, no ano de 1985, a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e abono viagem, nos anos de 1986, 1987, e 1988 a título de trabalho suplementar, no ano de 1989 a título de trabalho suplementar e abono viagem, no ano de 1990 a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e abono de viagem e, no ano de 1992, a título de trabalho suplementar e trabalho noturno, pagos menos de 11 vezes no ano.
Relativamente à remuneração por trabalho suplementar e à remuneração por trabalho noturno que têm por fundamento, respetivamente, a prestação de trabalho para além do horário normal de trabalho e a prestação de trabalho entre as 20h00 de um dia e as 8h00 do dia imediato temos que ter presente o disposto no art. 86.º da LCT que, diretamente, exclui, em princípio, essa atribuição do conceito de retribuição, dispondo que não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário, ou seja, o trabalho suplementar e o trabalho noturno salvo quando deva entender-se que integra a retribuição.
     Com esta fórmula pretende-se dar cobertura a situações em que a habitualidade na prática de horas extraordinárias e a perceção das respetivas remunerações levam o trabalhador a contar com os respetivos quantitativos como complemento salarial.
      Por isso, tem-se defendido que tal remuneração se integra na retribuição do trabalhador, quando pela permanência e regularidade com que é prestada e ainda pelo seu volume, pesa sensivelmente no quantum recebido pelo trabalhador em termos de ele contar com tal remuneração (Lobo Xavier “Regime Jurídico do Contrato de Trabalho”, Coimbra, 1972, pág. 170).
      No mesmo sentido se pronuncia Menezes Cordeiro no seu “Manual do Direito de Trabalho”, Coimbra, 1997 escrevendo na pág. 727:
 A retribuição por maior trabalho equivale a parcelas remuneratórias devidas ao trabalhador por via dos esforços suplementares que lhe são exigidos e que não estejam cobertos pela remuneração-base. Assim sucede (...) com o trabalho suplementar, pago de acordo com acréscimos mínimos fixados na lei (...) e o trabalho noturno (...).
      Também aqui deve ser feita a distinção entre o maior trabalho efetivo, isto é aquele que surge de modo inabitual ou não foi procurado pelas partes quando celebraram o contrato ou que não é permanente e que obriga de facto a entidade empregadora a um pagamento também suplementar e o trabalho regular. Neste último caso a retribuição surge como um complemento à retribuição-base e não como verdadeira retribuição por maior trabalho.
  Em idêntico sentido se pronúncia Júlio Gomes (“Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, pág. 781) que afirma que sempre que o suplemento remuneratório conferido pela prestação de trabalho suplementar se configure como contrapartida do modo específico da execução de trabalho, a correspondente retribuição média deve relevar para o cômputo da retribuição de férias e do subsídio de férias.
      Sobre esta questão pronunciaram-se também, entre outros os Acs. desta Relação de 09.10.85 (BTE, 2ª série nº 5-6/88, pág. 884), de 28.05.03 (www.dgsi.pt), de 21.01.2004 (CJ, Ano XXIX, Tomo I, pág. 145) e de 8.11.2006 (www.dgsi.pt) e os Acs. do STJ de 24.01.90 (AJ, 5º/90, pág. 19), de 11.04.2000 (AD, 471, pág. 478), e 18.06.2002 (www.dgsi.pt) de 19.03.2003 (CJ/STJ, Ano XXVIII, T. I, pág. 271), de 18.01.2006 (CJ/STJ, Ano XIV, Tomo I, pág. 241) e de 17.01.2007 (www.dgsi.pt).
  Em suma: as quantias pagas a título de remuneração pelo trabalho suplementar e pelo trabalho noturno nos anos referidos integram o conceito de retribuição e, por isso, os seus valores também têm de entrar no cômputo da retribuição de férias e nos subsídios de férias e de natal, nos termos antes expostos.
Por definição o abono de viagem visa compensar gastos em deslocações e é atribuído  não para retribuir o trabalho no condicionalismo em que é prestado, mas para o compensar de despesas que se presume que o trabalhador tenha que realizar por não se encontrar no seu domicílio, ou por ter que se deslocar deste e para este para executar o contrato de trabalho (Ac. do STJ de 17.01.2007, www.dgsi.pt).
      No caso em apreço, porém, ficou provado que o montante do abono de viagem recebido mensalmente pelo autor a título de coeficiente de esforço e penosidade, por trabalho suplementar e por trabalho noturno somava entre 50% e 55% do que auferia com retribuição fixa (vencimento base + diuturnidades), era processado no “boletim de pagamento” do vencimento mensal do autor, sob os códigos 373 e 395 sendo os montantes processados sob o Código 373 respeitantes à parte do abono de viagens sujeito a imposto, e os processadas sob o Código 395 respeitantes à parte do abono de viagem não sujeito a imposto.
     Assim, exceto no que concerne à parte processada sob o Código 395 solução é exatamente a mesma: trata-se de subsídios pagos de forma regular e periódica (durante pelo menos onze meses em cada ano), baseados no próprio condicionalismo da prestação do trabalho, correspondendo a particularidades daquela normal prestação.
      Por conseguinte, também as quantias pagas a título de abono de viagem processadas sob o Código 373 devem entrar no cômputo da retribuição de férias e subsídios de férias e de natal nos termos acima expostos.
Concluindo: devem que ser enquadrados no conceito de retribuição e integrar a retribuição de férias e os subsídios de férias e de natal recebidos pelo autor:
   - nos anos de 1981, 1982, 1983, 1984, 1986, 1987 e 1988, a média das quantias recebidas a título de trabalho noturno e abono de vigem – neste caso tão só as processadas sob o Código 373, nos doze meses  anteriores;
  - no ano de 1989, a média das quantias recebidas a título de trabalho noturno, nos doze meses  anteriores;
  - no ano de 1991, a média das quantias recebidas a título de trabalho noturno e trabalho suplementar, nos doze meses anteriores.
      Sobre as quantias devidas incidem juros à taxa legal – art. 559.º do Cód. Civil - desde a data em que tais prestações deveriam ter sido postas à disposição do autor à taxa de 15% até 23.05.1983, de 23% até 29.04.1987, de 15% até 30.09.1995, de 10% até 17.04.1999, de 7% até 13.04.2003 e de 4% a partir de então – Portarias nºs 447/80, de 31 de julho, 581/83, de 18 de maio, 339/87, de 24 de abril, 1171/95, de 25 de setembro, 263/99, de 12 de abril e 291/2004, de 8 de abril.
  Como se entendeu no Ac. do STJ de 14.03.2006 (proc. nº 3825/05, www.dgsi.pt) os juros de mora relativos a crédito laboral, enquanto indemnização resultante da mora no cumprimento dessa obrigação, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicável o regime especial de prescrição previsto no nº 1 do art. 38.º da LCT, o que, nessa medida, afasta o regime geral estabelecido na primeira parte da alínea d) do art. 310.º do Cód. Civil.
      Explicitou-se no citado acórdão a fundamentação que se passa a transcrever e que aqui se acolhe:
      Sendo o juro um rendimento de capital, a obrigação de juros configura uma obrigação acessória da obrigação de capital.
      Todavia, esta relação de dependência não implica perda de autonomia do crédito de juros, pois este pode ser cedido ou extinguir-se sem o crédito principal e vice-versa (artigo 561.º do Código Civil), assentando nessa afirmada autonomia o específico regime de imputação estabelecido no n.º 1 do artigo 785.º do Código Civil.
      (...)
      Na verdade, de acordo com o preceituado no nº 1 do art. 38.º da LCT, todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem--se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
      Como é sabido, este regime especial de prescrição tem a sua razão de ser no facto de se considerar que só a partir do momento da cessação do contrato o trabalhador estará em condições de exercer os seus direitos, livre da situação de dependência perante a entidade patronal gerada pela relação laboral.
      Enquanto indemnização emergente da mora no cumprimento de um crédito salarial, os juros de mora peticionados constituem créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicável o regime especial de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, o que, nessa medida, constitui um desvio ao regime geral estabelecido na primeira parte da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.
      Tal como se decidiu no Ac. do STJ de 30.09.2004 (proc. n.º 1761/04, www.dgsi.pt), seria perfeitamente absurdo que o autor estivesse em tempo de pedir ao réu os créditos resultantes do incumprimento parcial do contrato de trabalho que os uniu e já não pudesse pedir-lhe os juros de mora, por se considerarem prescritos. Tal entendimento aberrante obrigaria o autor a acionar o réu para pagamento dos juros dos seus créditos laborais na vigência do contrato de trabalho, criando mal-estar e atritos com o empregador, que a lei pretendeu evitar ao conceder-lhe o prazo de 1 ano a partir do dia seguinte ao da cessação daquele para o fazer. Tal entendimento anularia o escopo prosseguido pelo legislador com aquele normativo, caso o autor não estivesse na disposição de prescindir dos juros de mora dos seus créditos.
      Ora, tendo em conta as razões subjacentes ao regime especial acolhido no art. 38.º da LCT e a previsão ampla adotada na redação daquela norma, todos os créditos resultantes do contrato de trabalho, não se vê justificação para distinguir em tal regime especial de prescrição os juros (obrigação acessória) dos créditos resultantes da obrigação principal, antes fazendo todo o sentido que partilhem de igual regime.
      No sentido acabado de expor pode ainda ver-se o Ac. desta Relação de 21.05.2014 (proc. nº 1195/13.9TTLSB.L1-4, www.dgsi.pt).
  Segundo o nº 2 do art. 804.º do Cód. Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação não foi efetuada no tempo devido.
     O réu violou deveres contratuais ao não proceder ao pagamento de parcelas da contrapartida devida pela prestação do trabalho, sendo de presumir a sua culpa – art. 799.º, nº 1, do Cód. Civil.
O pagamento das retribuições (lato sensu) devidas ao trabalhador constitui uma obrigação pecuniária adstrita à entidade empregadora, por força do contrato de trabalho, encontrando-se na disponibilidade da mesma o conhecimento do montante exato devido em caso de incumprimento; isto é, o réu tinha obrigação de saber, face ao regime jurídico aplicável – aliás, definido pelo STJ, em anteriores ações de contornos idênticos, em que foi demandada o aqui réu, e originaram os recursos em que foram proferidos os acórdãos acima citados -, quais os montantes exatos, referentes a remuneração de férias, e subsídios de férias e de natal, que seriam devidos ao autor, sabendo, também, quais as quantias efetivamente auferidas por ele, como retribuição, em cada ano do período em causa, bem como, em que momento deviam ser e foram pagas a remuneração de férias, respetivo subsídio e subsídio de natal, prestações que traduzem obrigações de prazo certo.
      Recorde-se que a condenação em quantia ilíquida se deve, apenas, ao desconhecimento de elementos necessários ao apuramento das “médias do últimos doze meses” de retribuições variáveis.
  A iliquidez é, assim, aparente, e não real, pelo que, como se concluiu no Ac. do STJ de 23.11.2005 (Revista n.º 2131/05-4.ª Secção Sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos), não tem aplicação o nº 3 do art. 805.º do Cód. Civil, sendo, portanto, devidos juros de mora, relativamente às diferenças em falta, desde as datas em que tais remunerações e subsídios deviam ter sido pagos, em face do disposto na alínea a) do nº 2 do referido artigo 805.º.
      Os juros mais não são do que a indemnização legal dos danos decorrentes da mora em que o réu se deixou cair ao não pagar as prestações em causa na data de vencimento das mesmas - arts. 805.º, nº 2, alínea a), 799.º, 804.º e 806.º, todos do Cód. Civil – sob pena de pretendermos premiar o réu com um verdadeiro enriquecimento à custa alheia, sabido que é que, nos termos do art. 6.º do Cód. Civil, a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela cominadas.
      Analisemos, agora, oficiosamente, se o exercício do direito, nos moldes definidos pelo autor, pode ser considerado como ilegítimo por lhe ter permitido contabilizar mais de 30 anos de juros, demonstrado que não está que durante todo esse período nunca o autor tenha manifestado a sua convicção de que as prestações cujo pagamento só ora reclama eram parte da sua retribuição mensal.
      Para aferir da legitimidade ou ilegitimidade do exercício de um direito, fornece a lei três conceitos: boa fé, bons costumes e o fim social e económico do direito - art. 334.º do Cód. Civil.
      A boa fé pode ser encarada objetivamente (como norma de conduta) ou subjetivamente (como estado de espírito). Exprimem-se estas duas dimensões, falando numa atuação segundo a boa fé ou de boa fé.
      É a face objetiva deste conceito que está contemplada no art. 334.º do Cód. Civil.
      Neste sentido, o conceito traduz, ele próprio, um princípio geral do direito.
      Enunciando-o, o legislador apela à ética jurídica que exige que cada um proceda de modo honesto e leal, mantendo nas relações com os outros a palavra dada e a confiança. Será de acordo com esta normatividade exterior - conteúdo do princípio da boa fé objetivado pela convivência social – que o julgador irá preencher valorativamente o correspondente conceito jurídico (boa fé, enquanto conceito indeterminado).
  Quanto aos bons costumes, há que entendê-los como um conjunto de regras de convivência que num dado tempo e lugar as pessoas honestas e corretas aceitam partilhar. Esse conjunto de normas constitui a ordem pública moral. Será, assim, contrário aos bons costumes o exercício de um direito que viole normas elementares impostas pelo decoro social. Só aqueles (boni mores) podem servir de critério para efeitos do citado art. 334.º.
    Sabido que cada direito possui uma função instrumental própria, que justifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercício, deve tal exercício respeitar a finalidade social ou económica tida em vista pelo legislador na regulamentação do respetivo instituto.
      Se os limites em que a lei encerra o exercício do direito forem ultrapassados (de forma manifesta), há abuso de direito.
    Como sublinha Pessoa Jorge, a sanção contra o abuso de direito tem uma finalidade diferente do recurso à equidade; com esta pretende evitar-se a injustiça a que conduz, em certos casos a aplicação concreta da norma; aquela pretende impedir que a norma seja desvirtuada no seu real sentido e alcance. Num caso afasta-se a norma; no outro quer-se aplicar a norma, mas com plena fidelidade ao seu espírito. (“Ensaios sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1968, nota 166.).
      Resumindo:
      Para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 10ª ed., págs. 544 e segs., Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 10ª ed., págs. 70 e segs. e Vaz Serra, BMJ nº 85, pág. 253).
  Sem esquecer, porém, que, traduzindo-se a atribuição de um direito no reconhecimento da supremacia de certos interesses sobre outros com eles conflituantes, só o exercício que exceda manifestamente aqueles limites pode ser considerado ilegítimo (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 2ª edição, 277, Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 3ª edição, pág. 6 e Manuel de Andrade “Teoria Geral do Direito das Obrigações”, pág. 63).
  A manifestação mais clara do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium, conhecida por supressio ou verwirkung, no alemão original) em combinação com o princípio da tutela da confiança - exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões (Vaz Serra, RLJ, 111º, 296). Como figuras próximas, temos a renúncia e a neutralização do direito. Segundo Baptista Machado, esta última figura é considerada, em geral, como uma modalidade especial da proibição do venire contra factum proprium e ocorre quando se verificam cumulativamente as seguintes circunstâncias: o titular dum direito deixa passar longo tempo sem o exercer; com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; movida por esta confiança e com base nela, essa contraparte orienta em conformidade a sua vida, tomando medidas ou adotando programas, de sorte que o exercício tardio e inesperado do direito lhe acarretará uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado (RLJ 118º pág. 228).
 Ora, no caso presente, nenhum elemento de facto permite concluir pela da existência, no comportamento do autor, de um agir em abuso de direito.
      Ao proceder como procedeu, o autor não entrou em contradição com a sua conduta anterior e, por isso, não traiu a confiança e a expectativa que essa sua conduta criou na outra parte em relação à situação jurídica futura. De resto, ainda que isso se verificasse – e não se verificou -, só existiria abuso de direito quando o venire atingisse proporções juridicamente intoleráveis, traduzindo-se em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adotado pelo titular do direito, o que, no caso, em apreço não aconteceu.
  Na verdade, o autor apenas veio exercer um direito que lhe assiste e não se pode concluir que haja excedido, no exercício desse direito, os limites impostos pela boa fé, ou pelo seu fim social ou económico, em termos clamorosamente ofensivos do sentimento jurídico social dominante.
Em suma: o autor limitou-se a reclamar o pagamento de prestações a que tem direito e a inércia a que se remeteu no decorrer do contrato não foi de molde a criar a convicção na entidade empregadora de que no futuro ele não iria exigir o pagamento dessas prestações (neste sentido pronunciaram-se os Acs. do STJ de 05.11.2003 e de 21.09.2005, www.dgsi.pt).
      Decisão
      Pelo exposto, acorda-se em:
1. julgar o recurso procedente, revogando a sentença recorrida;
2. julgar a ação parcialmente condenando o réu a pagar ao autor:
2.1 as diferenças salariais resultantes da inclusão na retribuição de férias e nos subsídio de férias e de natal da média das quantias recebidas:
      - a título de trabalho noturno e abono de vigem – neste caso tão só as processadas sob o Código 373 - nos anos de 1981, 1982, 1983, 1984, 1986, 1987 e 1988;
      - a título de trabalho noturno no ano de 1989;
      - a título de trabalho noturno e trabalho suplementar no ano de 1991.
2.2. juros mora sobre tais quantias, vencidos, desde a data em que cada uma delas deveria ter sido posta à disposição do autor, à taxa de 15% até 23.05.1983, de 23% até 29.04.1987, de 15% até 30.09.1995, de 10% até 17.04.1999, de 7% até 13.04.2003 e de 4%, a partir de então.
      Custas na proporção do decaimento.
      Lisboa, 8 de outubro de 2014
Isabel Tapadinhas
Ferreira Marques
Leopoldo Soares (vencido quanto a um dos fundamentos conforme declaração de voto junta)
José Eduardo Sapateiro (vencido quanto a um dos fundamentos conforme declaração de voto junta)

Voto de Vencido
      Discordo que sejam necessários, pelo menos, seis meses para que determinada prestação laboral seja considerada como integrante da retribuição de um trabalhador para efeitos de consideração em sede de recebimento de férias e dos subsídios de férias e de Natal.
      E o mesmo se dirá em relação à orientação atinente aos onze meses.
      Efectivamente, com muito respeito por entendimentos diversos, a tal título perfilho um critério mais maleável ( não estritamente numérico ) quanto ao número de meses de recebimento de determinada prestação para  ser susceptível de integrar o conceito de retribuição por via da inerente regularidade e periodicidade previstas na lei.
      A meu ver, tal enquadramento deve ser levado a cabo em face do historial global laboral ( em concreto ) do recebimento da prestação em causa por parte do trabalhador/peticionante.
Efectivamente, se um trabalhador no seu primeiro ano de trabalho labora para a sua entidade patronal apenas cinco meses e em todos eles recebe tal prestação qual o motivo de lhe exigir seis ou onze meses de recebimento para lograr tal desiderato?
      E ainda, a título de exemplo, se dirá que se um trabalhador num ano está doente – e de baixa – vg: três meses, mas recebe a prestação durante oito qual a razão para lhe negar o supra citado enquadramento ?
      Daí que um critério estritamente numérico possa ser um tanto ou quanto redutor.
      Operado tal esclarecimento, reportando-nos, agora, à  situação em análise, cumpre salientar que o critério perfilhado no presente acórdão é, sem sombra de dúvidas, o de que se torna necessário para que determinada  prestação laboral se considere retributiva para o efeito em causa  que seja paga em onze vezes ao ano, o que tem efeitos em sede de decisão final.
Assim sendo, com todo o respeito por opinião diversa, voto vencido no caso concreto.
      Lisboa, 8 de outubro de 2014
Leopoldo Soares

Voto de Vencido
      Voto vencido a parte do Acórdão em que se considerou, para efeitos de integração da média anual das prestações reclamadas pelo trabalhador na retribuição de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal, apenas os anos em que aquelas foram pagas ao mesmo durante um mínimo de onze meses em cada um deles.
      Como já escrevemos em diversos Arestos relativos aos CTT, não se ignora naturalmente a progressiva inversão de posição que nesta matéria o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a adotar (com especial incidência nos processos em que estão em causa as relações laborais estabelecidas entre a TAP e os seus empregados) e no quadro da qual só reconhece a existência da regularidade e periodicidade legalmente previstas, quando as prestações em apreço foram liquidadas ao trabalhador durante aquele mínimo de 11 meses/ano, mas tal tese continua a não merecer a nossa adesão, por se nos afigurar excessivamente exigente na interpretação que faz das normas legais aplicáveis, restringindo incompreensivelmente e distorcendo dessa forma o sentido e alcance das menções legais que impõem tal periodicidade e regularidade, transformando tais conceitos em constância e permanência, convindo, finalmente, recordar que algumas prestações laborais têm um ritmo diverso do mensal, podendo ser mesmo pagas de uma só vez, em termos anuais.  
      Nessa medida, professamos a posição de que, para o efeito perseguido pelo trabalhador, bastará, em regra, o recebimento das ditas prestações durante um mínimo de 6 meses em cada ano, sem prejuízo de situações particulares em que, ainda assim, não se devem qualificar as mesmas como retribuição (caso da sua liquidação num ano ou anos isolados).  
      Lisboa, 8 de outubro de 2014
José Eduardo Sapateiro
Decisão Texto Integral: