Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19155/16.6T8LSB.L2-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: BANCO DE PORTUGAL
RESOLUÇÃO BANCÁRIA
FUNDO DE RESOLUÇÃO
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
REENVIO PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, nos termos da qual «correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (art.º 1º nº 2).

II - A responsabilidade que se imputa ao Banco de Portugal, Fundo de Resolução e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) é fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, não numa eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial.

III - O intermediário financeiro é civilmente responsável perante os seus clientes por actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários – cf. artigos 324.º, n.º 1, do CVM e 165.º e 800.º, n.º 1, do Cód. Civil.

IV - Não há denegação de justiça, violadora do disposto nos artigos 20.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa, nem quando o autor litiga com plena liberdade e com respeito pelo consagrado no artigo 20.º do mesmo diploma legal, podendo sempre intentar a respectiva acção no tribunal competente.

V – O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] deve ter por objecto a interpretação ou a validade do direito da União Europeia, e não das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.

VI - O TJUE não é competente para sindicar a decisão de um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, proferida em processo pendente, nos termos da qual se declarou incompetente, em razão da matéria, para conhecer do objecto da causa, por considerar que a competência para o efeito estava legalmente atribuída a outro órgão jurisdicional desse Estado-Membro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:             Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
*
I) Relatório[[1]]:
1. Manuel ……., intentou, em 20/07/2016, a presente acção de processo comum de declaração contra:
- Banco Espírito Santo, S.A. (1.ª Réu);
- Banco de Portugal (2.ª Réu);
- Novo Banco, S.A. (3º Réu);
- Fundo de Resolução (4º Réu);
- CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (5.ª Réu);
- L.P.( 6.ª Ré), pedindo:
a) A condenação solidária dos Réus, enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304.º-A do Código de Valores Mobiliários [doravante “CVM”], no pagamento ao Autor da quantia de € 178.859,264, acrescida de € 41.121,64, a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, calculados desde a data da utilização ilícita pelos Réus das quantias monetárias do Autor, e de juros vincendos calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente,
b) A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira, por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321.º do CVM, e consequente condenação solidária dos Réus a restituir ao Autor a quantia de € 178.859,264, acrescida de € 41.121,64 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, calculados desde a data da utilização ilícita pelos Réus das quantias monetárias do Autor, e de juros vincendos calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) A condenação dos Réus a ressarcir, solidariamente, ao Autor, os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.
Para tanto, alegou, em síntese, que é cliente do 1.º Réu (BES) há cerca de 15 anos, tendo como gestora de conta a 6.ª Ré, L.P., com a qual sempre tratou de todos os seus assuntos bancários e que para o efeito se deslocava duas a três vezes por ano à Africa do Sul, prestando-lhe aconselhamento e acompanhamento nos investimentos; aconselhou-o a aplicar o seu dinheiro em diversos produtos financeiros; sempre deu instruções à 6.ª Ré que não queria investir em produtos de risco, pretendendo aplicações de capital garantido e liquidez imediata; a 6.ª Ré, informou-o que as aplicações eram em produtos garantidos pelo 1.º Réu (BES), com liquidez permanente; só assinava posteriormente os documentos regularizando os investimentos que havia efectuado por telefone para a 6.ª Ré, L.P.; nunca recebeu qualquer prospecto que lhe permitisse avaliar os riscos e natureza dos produtos; desconhece o que são produtos estruturados e ignorava que lhe foi atribuído perfil de investidor; o seu dinheiro foi aplicado em cinco produtos financeiros – que descreve por designação comercial, ISIN e valor – num total de € 178.859,264.
O 1º Réu (BES) e a 6ª Ré, L.P., investiram o seu dinheiro à revelia das suas instruções.
Em 03 de Agosto de 2014 foi criado o 3.º Réu (Novo Banco) pelo 2.º Réu (BdP) cujo capital social é inteiramente detido pelo 4º Réu (Fundo de Resolução). Foram transferidos os activos do BES para o Novo Banco, deixando naquele o património desvalorizado.
Em 11 de Julho de 2014 o BdP havia emitido um comunicado no qual afirmava não existirem motivos que comprometessem a segurança dos fundos confiados ao BES, podendo os depositantes estar tranquilos e reiterava a solvência do BES.
O 2.º Réu, BES, no Relatório de Contas Intercalar Individuais, de 30 de Julho de 2014, assumiu a obrigação de reembolso do valor dos produtos que vendeu aos seus clientes que constituem títulos de emissão de dívida de entidades do universo GES, criando Provisões para o efeito. Essas Provisões foram transferidas para o 3º Réu (Novo Banco) e, consequentemente, a obrigação de reembolso foi, por este, assumida.
Em 14 de Agosto de 2014 o 2º Réu (BdP) recomendou ao 3º Réu (Novo Banco) a adopção de medidas para pagamento e compensação, por razões comerciais, a clientes de retalho detentores de títulos de dívida do GES.
Os 1.º, 3.º e 6.ª Réus tem com o autor uma relação bancária de serviços de consultoria de investimentos e gestão de carteiras.
Os 1.º e 3.º Réus prestaram serviços de intermediação em investimentos financeiros, mas o contrato é nulo por vício de forma.
Os 2.º e 5.º Réus violaram deveres de supervisão de que resulta a co-responsabilidade de devolução das quantias investidas, recorrendo aos montantes sob tutela do 4º réu.
Os 1.º, 2.º, 3.º, 5.º e 6.ª Réus violaram deveres de informação, de diligência e lealdade previstos nos art.ºs 74º, 75º e 77º do RGICSF e nos art.ºs 289º, 290º, 293º e 321º do CVM.

2. Citado, o 1.º Réu, BES - Em Liquidação, contestou, invocando a excepção dilatória de extinção da instância, quanto a si, por inutilidade superveniente da lide, por virtude da revogação da autorização para o exercício da actividade pelo Banco Central Europeu e consequente liquidação com efeitos de insolvência.
No mais, impugnou a factualidade invocada na petição inicial.

3. Citada, a 5.ª Ré, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, (CMVM) contestou, por excepção e por impugnação:
Arguiu a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, invocando a sua natureza de entidade pública e o disposto nos art.ºs 1º nº 1 e 4º nº 1, al. f) do ETAF; que o fundamento da acção, quanto ela é responsabilidade civil extracontratual por alegada omissão do exercício dos poderes de supervisão, tendo assim o litígio, quanto à CMVM, natureza jurídico-administrativa e, por isso, competente para julgar tal matéria é a jurisdição administrativa
Invocou as excepções dilatórias de coligação passiva ilegal e de inadmissibilidade de litisconsórcio, por serem diferente as causas de pedir invocadas quanto aos diversos réus: quanto a uns, baseada em responsabilidade civil contratual e, quanto a outros, fundada em responsabilidade civil extracontratual; não existir identidade de causas de pedir, nem a relação material controvertida é comum aos vários réus, não se verifica relação de prejudicialidade e interdependência, nem a decisão da causa depende da apreciação dos mesmos factos, ou da interpretação ou aplicação das mesmas regras de direito ou cláusulas contratuais análogas.
Invocou ainda a excepção dilatória da sua ilegitimidade passiva, dizendo que o pedido principal não pode ser contra si deduzido, por não ser intermediário financeiro e, o pedido subsidiário também não pode ser contra si dirigido porque não foi parte no contrato de intermediação financeira cuja nulidade é invocada, pelo que a CMVM não é parte na relação material controvertida tal como o autor a configura.
No mais, impugnou os factos invocados na petição inicial.

4. Citados, os Réus Novo Banco (3.º Réu) e L.P.( 6.ª Ré), contestaram, por excepção e por impugnação:
Invocaram a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, dizendo que as responsabilidades decorrentes da actividade de intermediação financeira do BES não transitaram para o Novo Banco; e a 6.ª Ré, L.P., sempre actuou enquanto funcionária do BES e por isso, a responsabilidade, a existir, era deste Réu, nos termos do art.º 324.º do CVM e 800.º, n.º 1, do CC.
No mais, impugnaram a factualidade invocada na petição inicial, afirmando que o Autor tem historial de investimentos em produtos de risco, privilegiando a rentabilidade, tendo sido classificado como Investidor Moderado, que conhecia os produtos em que investiu e os riscos que corria. E que o Autor leu e assinou as ordens de investimento que deu.
5. Citado, o 4.º Réu, Fundo de Resolução (doravante FdR), contestou, por excepção e por impugnação:
Invocou a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, nos termos do art.º 4º, nº 2, do ETAF, dizendo que vem pedida a condenação solidária dos Réus o que inculca que o Autor funda a sua pretensão numa relação de solidariedade e, por isso, deveria ter instaurado a acção nos tribunais administrativos e não nos tribunais comuns.
Mesmo que assim não se entenda, atendendo à natureza de pessoa colectiva de direito público do Réu FdR e à disciplina de organização e funcionamento da sua actividade, concluiu-se que se rege por normas de direito público e, por conseguinte, a sua responsabilidade civil só pode ser julgada pelos tribunais administrativos, nos termos do art.º 4º nº 1, al. f) do ETAF, independentemente de se tratar de uma responsabilidade derivada de acto praticado ou de abstenção verificada no âmbito do domínio da gestão pública. Salienta, ainda, que o Réu FdR não é accionista do Novo Banco e não se rege por normas de direito civil ou jurídico-privas de direito das sociedades.
No mais, impugnou a factualidade invocada pelo autor e pugnou pela intransmissibilidade, para o Novo Banco, do crédito que o Autor pudesse ter sobre o BES.
6. Citado, o Banco de Portugal (2.º Réu) contestou, por excepção e por impugnação:
Invocou a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, argumentando que o BdP é uma pessoa colectiva de direito público e que estando em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual, por alegada omissão dos deveres de supervisão, competentes para apreciar o litígio em relação ao BdP seriam os tribunais administrativos nos termos do art.º 4º nº 1, al. f) do ETAF.
Mesmo que assim não se entendesse, a presente acção deveria ter sido instaurada nos tribunais administrativos, por força do art.º 4º nº 2 do ETAF, visto que o Autor pede a condenação solidária dos Réus, pessoas de direito provado e entidades públicas.
Excepciona, ainda, a ilegitimidade passiva do BdP, visto não existir nem sequer foi alegada qualquer factualidade que constitua um vínculo de responsabilidade contratual entre BdP e o Autor.
No mais, impugnou, no essencial, a factualidade invocada na petição inicial e pugnou pela intransmissibilidade, para o Novo Banco, do crédito que o Autor pudesse ter sobre o BES.
7 - O Réu BES em Liquidação veio informar aos autos o trânsito em julgado da decisão do BCE sobre a cassação da sua licença de exercício da actividade bancária e reiterar a pretensão de extinção da instância, quanto a si, por inutilidade superveniente da lide.
8. Notificado para o efeito, veio o Autor responder à matéria de excepção suscitada pelas partes nas diversas contestações, nos termos que, oportunamente e a propósito da apreciação de cada excepção, se referirão.

9. Por despacho de 30/04/2018, foi dispensada a realização da audiência prévia, por se ter considerado que os autos continham todos os elementos que habilitavam o Tribunal a quo a proferir decisão sobre as excepções dilatórias suscitadas e, sobre o mérito da causa quantos aos 3.º e 6.ª Réus, Novo Banco e L.P., sem necessidade de produção de qualquer outro meio de prova, e porque as partes já tinham tido a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões controvertidas, as quais, aliás, já haviam sido objecto de diversas decisões jurisprudenciais [ref.ª Citius 375962564, a fls. 537 – II volume].

10. Na sequência, foi proferido saneador-sentença que:
a) Declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu Banco Espírito Santo, SA., em Liquidação;
            b) Julgou procedentes as invocadas excepções dilatórias de incompetência absoluta em razão da matéria e, em consequência, absolveu da instância os Réus  Fundo de Resolução, Banco de Portugal e Comissão do Mercado de Valores Mobiliário;
c) Julgou improcedente a acção relativamente aos Réus Novo Banco, SA e L. P., absolvendo-os do pedido.

11. Não se conformando com esta decisão, dela apelou o Autor, extraindo da motivação do recurso as seguintes Conclusões:
«A. Entende o Apelante que andou mal a apreciação pelo Tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto naquele artigo 277º alínea e) do CPC, já que não se verifica a inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu BES, por duas ordens de razão:
B. Em primeiro lugar, porque o pedido da presente ação declarativa não tem índole exclusivamente patrimonial, uma vez que o Autor de entre outras questões trouxe à colação a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira, pedindo em consequência a indemnização que por essa causa lhe entende ser devida.
C. O Tribunal responsável pelo processo de insolvência do Réu BES limitar-se-á a verificar e reconhecer créditos da insolvente, não lhe cabendo decidir sobre a constituição da obrigação de prestar.
D. Em segundo lugar, no despacho de prosseguimento nos termos do artigo 9º do DL 199/2006 aquele Tribunal de primeira instância responsável pelo processo de liquidação judicial do R. BES não declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, e tal significa então que ainda não é possível determinar se o património do devedor insolvente será suficiente para responder aos créditos reclamados.
E. Não se ataca o entendimento sufragado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência [AUJ] n.º 1/2014 [publicado no DR 1ª Série, nº 39 de 25 de Fevereiro de 2014], já que o mesmo teve na base da sua construção e substância os casos em que seja “Certificado o trânsito em julgado da sentença declaratória e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos.”, e tal como consta da proposta da Exma. Procuradora Geral Adjunta, transcrita naquele documento.
F. Entende o Apelante que andou mal a apreciação pelo Tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto nos artigos 99º nº 1 e 278º nº 1 al. a) do CPC, já que não se verifica a incompetência em razão da matéria, quanto aos RR. Banco de Portugal, Fundo de Resolução e CMVM já que:
G. Para a decisão do presente pleito não há necessidade de recurso a qualquer norma de direito administrativo, estando a discussão centrada no plano puramente privado e civilístico, que recorde-se se prende com a responsabilização civil dos RR. por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado no artigo 305º A e 321º do Código dos Valores Mobiliários.
H. Entende assim o Apelante que não se verifica a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria atendendo a que o “thema decidendum” tal como configurado pelo A., não se prende com qualquer questão de domínio administrativo, mas antes puramente civil.
I. Entende, ainda, o Apelante que andou mal a apreciação pelo Tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto no artigo 576.º, n.º3, do CPC, já que não se verifica a ilegitimidade substantiva passiva, quanto aos RR. Novo Banco e L.P. pois que:
J. O Apelante imputou assim factos concretos, diários e diretamente por si vividos no dia-a-dia com a R. L.P., pois foi ela quem convenceu o Autor à aplicação do seu dinheiro naqueles produtos, quem omitiu os riscos daquelas aplicações, quem sonegou informação, que usou abusivamente do dinheiro do Apelante depositado no BES.
K. Por seu turno, também o Apelante imputou factos concretos ao R. Novo Banco que recusou o levantamento e entrega do dinheiro do Apelante a solicitação do mesmo, assumindo contudo o recebimento da gestão daquela conta bancária do Apelante e com o Apelante mantendo exatamente a mesma relação, canais de contacto e procedimentos de atuação e gestão de conta bancária.
L. A R. L.P. não contestou. Pelo que deveriam os factos alegados pelo A. sido considerados admitidos por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do C.P.C., o que, in casu, não sucedeu.
M. Pelo que para concluir pela absolvição dos RR L.P. e Novo Banco por ilegitimidade substantiva passiva deveria o Tribunal a quo sujeitar os factos alegados pelas partes a julgamento.
N. Concluir pela ilegitimidade substantiva da Ré L.P porque a mesma é funcionária do Réu BES e pela ilegitimidade do Ré Novo Banco por causa da existência de resoluções do Banco de Portugal não é conhecer do mérito da causa no sentido da produção de prova sobre os factos carreados para os autos.
O. Persistindo-se na tendência de não resolução da questão de fundo, ou seja, do litígio, ao arrepio do comando constitucional previsto pelo artigo 202.º, n.º1 e 2 da C.R.P..
P. Assim, a sentença sub judice padece, ainda, de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. que aqui se invoca.
Além disso e sem prescindir,
Q. Atento aos factos supra expostos entende o Recorrente que se verifica não só a violação das regras do direito nacional, mas também a violação das regras do direito comunitário, através da violação das normas constantes na Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais que foi transporta para a ordem jurídica portuguesa. A Convenção estabelece que os Estados são considerados responsáveis pelos atos das suas autoridades, que in casu sempre será o Banco de Portugal.
R. Sendo que tais atos não têm de provocar apenas efeitos prejudiciais dentro do estado nacional mas também fora do seu território, sejam eles praticados dentro ou fora das fronteiras nacionais.
S. Assim, segundo o disposto no artigo 1.º do Protocolo n.º 1, com a denominação “Proteção da propriedade” “Qualquer pessoa singular ou coletiva tem o direito ao respeito dos seus bens (…)”, pelo que o Autor entende também ser legítimo alegar a violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, na medida em que as decisões contra as quais se insurge se reportam aos seus “bens” no sentido desta disposição.
T. Incluindo-se nesses bens os créditos, por meio dos quais o requerente pode pretender ter, pelo menos, uma “expectativa legítima” de obter o gozo efetivo de um direito de propriedade.
U. O reenvio é um instrumento de cooperação judiciária, previsto no art.º 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, pelo qual um juíz nacional e um juíz comunitário, são chamados no âmbito das suas competências, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário nos estados membros”. (Acórdão Schawrze, de 01/12/1965, proc. 16/65),
V. Este instituto jurídico fomenta a cooperação ativa entre as jurisdições nacionais e o espaço europeu, concretizando, assim, aquele que é um dos princípios basilares da União – princípio da lealdade europeia, consagrado no artº 4º do TUE.
W. Pela sua notoriedade, o recurso prejudicial dá um forte contributo para o contínuo processo de integração europeia.
X. Num processo pendente em órgão jurisdicional nacional, cuja decisão admita recurso ordinário, (como é o presente caso), este é livre de pedir ao TJUE, que se pronuncie sobre ela, exceto se o juíz nacional se pronunciar sobre a invalidade de um ato europeu, porquanto a competência para declarar a invalidade de um ato de Direito da União Europeia, é exclusivo do TJUE, à luz, entre outros, do Acordão Foto-Frost de 22-10-87 (Proc. 314/85), segundo o qual, sempre que a validade de um ato ou disposição de Direito derivada da União suscite dúvidas, qualquer tribunal ainda que não esteja a decidir em última instância, tem a obrigação de submeter essa questão da eventual invalidade ao TJUE (consagrando-se assim a obrigação de reenvio para declaração de invalidade de ato da União, que o juiz nacional pretenda inaplicar).
Y. Nos termos ora expostos, entendemos ter havido errónea interpretação das normas supra mencionadas, bem com o a violação do disposto no artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, motivo pelo qual, deverá ser decidido o reenvio prejudicial com a consequente suspensão da instância nos termos do disposto nos artigos 269º e 272º ambos do Código de Processo Civil.
Z. Tratando-se in casu, de uma dívida solidária, resultante de ação de responsabilidade civil, necessário se torna a determinação da culpa concreta de todos os intervenientes, o que não ocorreu na situação em apreço.
AA. Já o impõe a jurisprudência atual, por razões de prudência e de certezas jurídicas,
BB. Determinando que se avalie rigorosamente a responsabilidade de todos os intervenientes.
CC. Acresce que a culpa é um dos elementos essenciais para a condenação em ação de responsabilidade civil, conforme resulta dos artigos 483º e ss do Código Civil.
DD. Perante a declaração de incompetência em razão da matéria, proferida pelo douto tribunal a quo, sem que se tivesse pronunciado pelo mérito da causa, incorreu o mesmo na violação de um direito constitucionalmente garantido que é o direito a um julgamento justo, previsto no art.º 20º da C.R.P.
EE. Nos termos do art.º 47º da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, “toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito de União Europeia tenham sido violados, tem direito a uma ação perante um tribunal. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.”
FF. Pelo quanto se encontra acima descrito, verificamos que a causa que originou o presente processo, não foi julgada de forma equitativa.
GG. Ficando prejudicada a apreciação dos factos que preenchem todos os elementos para condenação em ação de responsabilidade civil, contidos nos artigos 483º e seguintes do Código Civil.
HH. A absolvição da instância em relação ao Banco BES, e a declarada incompetência em razão da matéria para a apreciação de factos que não são suscetíveis de ser apreciados noutra sede, máxime, a responsabilidade civil emergente de operações intermediárias financeiras, sem recurso ao princípio da imediação e sem uso cabal de todos os meios de defesa, não viola o princípio do julgamento de forma justa e equitativa, conforme dispõe o artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?
II. Requer-se, para o efeito, a suspensão da instância nos termos dos artigos 269º e 272º do código de Processo Civil, por efeito do reenvio prejudicial de tais questões para o TJUE, de acordo com o disposto no artº 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V/EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, REVOGANDO-SE IN TOTUM A DECISÃO RECORRIDA, MANIFESTANDO-SE A ELEMENTAR JUSTIÇA DO PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DO CONTEÚDO SOB A FORMA, E EM CONSEQUÊNCIA SEGUINDO A AÇÃO JUDICIAL OS SEUS TERMOS.
MAIS SE REQUER, O REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE DA QUESTÃO MENCIONADA NO PONTO 87 DESTE ARTICULADO, COM A CONSEQUENTE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA, NOS TERMOS DO CONSIGNADO NO ARTIGO 269º Nº1 ALÍNEA C) E 272º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTº 267º DO TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA.».
 
12. Houve contra-alegações dos Réus CMVM, BES - Em Liquidação, Banco de Portugal e Fundo de Resolução.
13. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Objecto do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[[2]-[3]].
Assim, face ao teor das conclusões formuladas, as questões cruciais a decidir são as seguintes:
1.ª - Questão prévia: Da suspensão da instância, para efeitos de Reenvio Prejudicial;
2.ª - Da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Réu Banco Espírito Santo, SA, em Liquidação e do pedido de reenvio prejudicial;
3.ª - Da incompetência absoluta do tribunal comum, em razão da matéria, para conhecer da acção intentada contra os Réus Banco de Portugal, Fundo de Resolução e CMVM;
4.ª - Se o saneador-sentença recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia (art.º 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) ao conhecer e decidir sobre a ilegitimidade substantiva dos Réus Novo Banco, S.A. e L.P.;
5.ª - Da inconstitucionalidade, por violação dos direitos consagrados nos artigos 20.º e 202º do CRP.
III Fundamentação
A) Motivação de facto
A factualidade a ter em consideração é a que decorre do relatado em I).
B) Motivação de Direito
1. Questão Prévia: Do Pedido de suspensão da instância para efeitos de Reenvio Prejudicial:
Veio o Autor e Recorrente pedir que se questione o Tribunal de Justiça da União Europeia [doravante TJUE] quanto à validade da decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte em que julgou extinta a instância relativamente ao Réus BES, em Liquidação, por inutilidade superveniente da lide, e declarou a incompetência total em razão da matéria, em relação aos Réus CMVM, Banco de Portugal e Fundo de Resolução.
Em concreto, pretende que o TJUE se pronuncie sobre a validade daquelas decisões, proferidas sem recurso ao princípio da imediação e sem uso cabal de todos os meios de prova, no sentido de decidir se as mesmas violam ou não o princípio do julgamento de forma justa e equitativa, consagrado no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Salvo o devido respeito, entendemos que o pretendido reenvio prejudicial não só é inadmissível como desnecessário e intempestivo.
Vejamos,
O artigo 267.º [ex-artigo 234.º do TCE] do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [doravante TFUE] dispõe:

«O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título Prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma decisão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão dessa natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível».
Resulta à saciedade que o referido normativo legal atribui ao TJUE a competência para decidir, a título prejudicial, sobre a correcta interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Essencialmente, um reenvio deve ter por objecto a interpretação ou a validade do direito da União Europeia, e não das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.
Ora, o que o Recorrente pretende com o reenvio prejudicial não é que o TJUE se pronuncie sobre a interpretação ou a validade do direito da União Europeia, nem está em causa no processo a apreciação de qualquer questão da natureza das que podem ser submetidas à apreciação do TJUE, que se inscreva dentro da esfera de competência deste órgão jurisdicional da União Europeia.
O que o Recorrente pretende com o pedido de reenvio é antes a sindicância da decisão recorrida, questão para a qual o TJUE não é, manifestamente, competente.
Donde, a inadmissibilidade legal do requerimento de reenvio prejudicial apresentado pelo Recorrente.
O TJUE não é competente para sindicar decisão proferida por órgão jurisdicional de um Estado-Membro e, em processos pendentes, esse órgão apenas pode suscitar a intervenção do TJUE, a título prejudicial, se estiver em causa “a interpretação dos Tratados” ou a “a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa.
O reenvio prejudicial só é obrigatório, nos termos do artigo 267.º do TFUE, sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.
No caso, nenhuma dessas condições se verifica.
Por isso, o pedido de reenvio não só é manifestamente inadmissível, como desnecessário e intempestivo.
Com efeito, o legislador comunitário embora tenha optado por não definir um momento processualmente identificado para a apresentação de um pedido de reenvio prejudicial, a verdade é que estabeleceu que o pedido deve ser feito quando o Tribunal do Estado-membro considere que a decisão de determinada questão “é necessária ao julgamento da causa”.
In casu, o Autor e Recorrente, em bom rigor, também não pode alegar que os factos não são susceptíveis de serem apreciados noutra sede, desde logo face ao entendimento vertido na decisão recorrida de que para julgamento dos presentes autos são competentes os tribunais administrativos, onde a causa poderá ser julgada.
De outra banda, estando em causa apenas a aplicação de normas de atribuição de competência jurisdicional dos tribunais, também não procede o argumento aduzido pelo Autor e Recorrente de que a declaração de incompetência absoluta dos tribunais judiciais para julgar uma acção para a qual são competentes os tribunais administrativos viola o princípio do julgamento de forma justa e equitativa
Nem se percebe, salvo o devido respeito, como pode o Autor e Recorrente sustentar, com razoabilidade, que a decisão recorrida viola o princípio do julgamento de forma justa e equitativa, plasmado no artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pois como da própria decisão recorrida resulta que não está em causa a “apreciação de factos que não são suscetíveis de serem apreciados noutra sede”, mas antes que esta compete a outro Tribunal.
Nada impede o Autor e Recorrente de submeter a sua pretensão ao julgamento dos tribunais administrativos, com todas as garantias de independência e de obtenção de uma decisão justa e equitativa.
Como se refere, a propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de Junho de 2018 (Proc.º n.º 18316/16.2T8LSB.L1), citado pela Recorrida CMVM, proferido em processo em tudo semelhante ao presente e em termos que aqui têm também plena aplicação mutatis mutandis, quando o tribunal se declara incompetente em razão da matéria, “[n]ão se encontra inviabilizado ou efectivamente obstaculizado o acesso do apelante aos tribunais para defesa dos seus alegados direitos e interesses - tratasse, tão só, de uma questão de competência em razão da matéria do tribunal, pressuposto processual sobre o qual o tribunal se terá de debruçar anteriormente a apreciar de fundo o litígio (e previamente, aliás, à apreciação de outros pressupostos processuais). O que não impedia o A. de reclamar os seus direitos no tribunal materialmente competente através do processo adequado a esse fim, não sendo negado ao A. o direito a obter uma decisão de fundo e não se vislumbrando aqui qualquer “ilegalidade e constitucionalidade”, não sendo violados nem o art.º 2 do CPC nem os preceitos constitucionais invocados, nem mesmo a citada Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais”.
Diga-se, ainda, que a decisão de extinção da instância relativamente ao Réu BES, em Liquidação, baseou-se na definitividade da decisão que produz efeitos equivalentes à sentença que declara a insolvência.
E que o processo de liquidação do BES foi iniciado como consequência da decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da actividade desta instituição de crédito, com efeitos a partir das 19:00 horas do dia 13 de Julho de 2016, decisão que se tornou definitiva, por não ter sido objecto de impugnação por quem quer que seja.
A tudo acresce que, como como melhor explicita a Síntese de Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais [https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=LEGISSUM%3Al14552] “Deve proceder-se ao reenvio a partir do momento em que se torna claro que uma decisão o TJUE é necessária para que um órgão jurisdicional profira a sua decisão e quando esteja em condições de definir, com precisão suficiente, o quadro jurídico e factual do processo, bem como as questões jurídicas que este suscita”.
Ora, não se encontrando ainda estabilizada a questão da competência dos tribunais, por os tribunais judiciais se considerarem incompetentes e os tribunais administrativos ainda não se terem pronunciado, sendo estes ao que tudo indica os tribunais competentes, é desde logo impertinente e inútil colocar a questão pedida pelo Recorrente ao TJUE no actual estado dos autos.
Nesta perspectiva, qualquer decisão sobre o pedido de reenvio prejudicial, pelo menos antes de também os tribunais administrativos terem a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão da (in)competência, assim como sobre as restantes exceções invocadas pelos Réus, seria totalmente contrária aos princípios da pertinência e utilidade, que enformam o mecanismo do reenvio prejudicial.
1.1. Pelo exposto, indefere-se, por inadmissível e intempestivo, o requerimento de suspensão da instância, para efeitos de Reenvio Prejudicial para o TJUE.

2. Da extinção da instância relativamente ao Réu Banco Espírito Santo, SA, em Liquidação:
2.1. Inconformado com decisão de extinção da instância quanto ao Réu BES, em Liquidação, veio o Autor interpor recurso desta decisão, afirmando que, não se verifica a inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu BES, pela seguinte ordem de razões:
«a) Em primeiro lugar, porque o pedido da presente acção declarativa não tem índole exclusivamente patrimonial, uma vez que o Autor de entre outras questões trouxe à colação a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira, pedindo em consequência a indemnização que por essa causa lhe entende ser devida sendo que o Tribunal responsável pelo processo de insolvência do Réu BES limitar-se-á a verificar e reconhecer créditos da insolvente, não lhe cabendo decidir sobre a constituição da obrigação de prestar;
b) Em segundo lugar, no despacho de prosseguimento nos termos do artigo 9º do DL 199/2006 aquele Tribunal de primeira instância responsável pelo processo de liquidação judicial do Réu BES não declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, e tal significa então que ainda não é possível determinar se o património do devedor insolvente será suficiente para responder aos créditos reclamados;
c) Não se acata o entendimento sufragado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência [AUJ] nº 1/2014 [publicado no DR 1ª Série, nº 39 de 25 de Fevereiro de 2014], que serviu de base à decisão do Tribunal a quo, já que o mesmo teve na base da sua construção e substância os casos em que seja “Certificado o trânsito em julgado da sentença declaratória e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos.”, tal como consta da proposta da Exma. Procuradora Geral Adjunta, transcrita naquele documento.
d) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo, não só viola as regras do direito nacional, mas também viola as regras do direito comunitário, através da violação das normas constantes na Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais que foi transposta para a ordem jurídica portuguesa.
e) A Convenção estabelece que os Estado são considerados responsáveis pelos atos das suas autoridades, que in casu sempre será o Banco de Portugal.

j) Nos termos ora expostos, entendemos ter havido errónea interpretação das normas supra mencionadas, bem como a violação do disposto nos artigos 20.º, 202.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa

2.2. Sobre esta questão a decisão recorrida é clara, bastamente fundamentada e solidamente apoiada quer em normas de direito da União Europeia, quer nos seus reflexos ao nível interno, com especial destaque para a necessária liquidação que se seguiu à decisão do BCE de revogação da licença bancária sustentada no Regulamento do Conselho n.º 1024/2013. Com efeito, em 13/07/2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da actividade do Banco Espírito Santo, S.A., a partir das 19h00 desse dia e tal decisão implica a dissolução e a liquidação do Banco, produzindo os efeitos da declaração de insolvência, nos termos do art.º 8, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro.
Nos termos do no art.º 4º, n.º 1, al. a), do aludido Regulamento, cabe ao BCE conceder e revogar a autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito nos Estados Membros. E, segundo o art.º 8º, nº 2, do Dec.-Lei n.º 199/06, de 25-10 (alterado pelo Dec.-Lei n.º 31 -A/12), a decisão e revogação de autorização para o exercício da actividade, que não foi impugnada para TJUE (art.º 263º do Tratado), nem foi anulada, equivale à declaração de insolvência definitiva da entidade bancária em apreço, cumprindo ao BdP requerer a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos n.ºs 3 e 4 do art.º 8º.
Tendo sido requerida a liquidação do BES, e tendo sido proferido despacho judicial de prosseguimento dessa liquidação e despacho de nomeação de liquidatário, quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão susceptíveis de invocação em processo de impugnação contenciosa da competência exclusiva dos tribunais administrativos (n.º 1 do art.º 9º e art.º 15º do Dec.-Lei nº 199/06, de 25-10).
Deste modo, sendo inequívoco que foi definitivamente retirada ao antigo BES a licença para o exercício da actividade bancária e que, equivalendo esse acto à declaração de insolvência, foi entretanto accionada a sua liquidação no âmbito de um processo judicial que está pendente no Tribunal do Comércio, tal só poderia determinar a extinção da presente instância quanto ao BES, em Liquidação.
Assim, com ressalva dos activos e passivos que transitaram para o Novo Banco, é em tal processo de liquidação que se fará a execução do activo restante, cujo produto será utilizado para satisfação do passivo que nele vier a ser verificado e graduado.
Nesta medida, tal como decorre do CIRE aplicável ao caso, a liquidação de uma entidade determina a extinção da instância nas acções que se encontrem pendentes, de modo que quaisquer credores devem reclamar os seus créditos dentro dos prazos e no âmbito do processo de liquidação/insolvência.
2.3. Melhor explicitando:
Na sequência da revogação da autorização para o exercício da actividade do Banco Espírito Santo, S.A., a partir das 19h00 do dia 13/07/2016 [decisão que já se tornou definitiva e implica a dissolução e a liquidação do Banco, produzindo os efeitos da declaração de insolvência, nos termos do art.º 8, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro], o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do BES junto da 1ª secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa (Proc. nº 18588/16.2T8LSB), processo que se encontra em curso.
Ora resulta do disposto no artigo 4º, nº1, alínea a) do Regulamento (EU) nº 1024/2013 do Conselho, de 15/10/13, que o Banco Central Europeu tem competência para revogar autorização do exercício de actividade de instituição bancária.
A liquidação é a consequência da revogação da autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito e de acordo com o disposto no art.º 8º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25/10, esta faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e a decisão de revogação da autorização produz os efeitos da declaração de insolvência.
Não tendo existido nos termos do art.º 263º do TFUE., impugnação da decisão do BCE para o TJUE, a decisão que determina os efeitos da insolvência é definitiva.
Por isso, como se sustenta na douta decisão recorrida: “Qualquer decisão dos tribunais portugueses tirada em sede de recurso do “despacho de prosseguimento da liquidação” é irrelevante para alterar a revogação da licença/insolvência do BES”.
Sobre os efeitos gerais limitativos da declaração de insolvência em relação ao insolvente rege o art.º 81º, nº1, do Dec. Lei nº 53/2004, de 18 de Março – CIRE -, que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – nº 4 do artigo supra citado.
Assim, em consequência da declaração de insolvência de uma sociedade, os seus órgãos estatutários ficam privados do poder de disposição e de administração do respectivo património presente ou futuro, o que consubstancia uma limitação decorrente do facto de, declarada a insolvência, ser o interesse dos credores que fica em causa, com o que se esbate a autonomia do insolvente em relação ao seu património, que juridicamente se transmuta na massa insolvente, limitação esta que se funda na ideia resultante de uma avaliação objectiva da incapacidade revelada pelo insolvente na conveniente gestão do seu património. Esta limitação é estabelecida no interesse dos credores, no sentido de que o insolvente não pode praticar actos efectiváveis sobre os bens da massa insolvente ou à custa deles, enquanto tal massa insolvente subsistir, e ela subsiste até que seja extinta ou até que os créditos em causa sejam realizados.
Com efeito, nos termos do art.º 81º, nº1, do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
Declarada a insolvência são considerados credores da insolvência todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrados na massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração – cf. art.º 47º, nº1, do CIRE.
Estabelece o n.º 4 deste normativo as classes de créditos sobre a insolvência: “a) “Garantidos” e “privilegiados” os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes; b) “Subordinados”’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência; c) “Comuns” os demais créditos.”
O art.º 50º do CIRE define ainda uma espécie de créditos que é às classes de créditos supra referidas: créditos sob condição.
De acordo com o disposto neste artigo, na redacção dada pela Lei n.º 16/2012, de 20/04:
“1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”
A finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal – art.º 1.º /1 do CIRE – postula a observância do princípio “par conditio creditorum”, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes susceptíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes.
Logo, quanto aos efeitos processuais da insolvência sobre as acções pendentes há que atender ao disposto nos artigos 85º a 89º do CIRE. E dispõe o art.º 85º, nº 1 que “declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Resulta deste preceito que todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, são apensadas ao processo de insolvência, bem como as acções de natureza exclusivamente patrimonial, desde que a apensação seja requerida pelo administrador de insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo. E de acordo com o nº 2 do mesmo preceito são também apensados todos os processos nos quais tenha sido efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens do insolvente.
Afirma-se, assim, o regime da plenitude da instância falimentar em relação às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiro, cujo resultado possa influenciar o valor da massa.
Qualquer acção declarativa, designadamente a que vise o reconhecimento de um direito de crédito e a condenação de quem foi declarado insolvente a pagar, tem indirectamente a ver com os bens apreendidos para a massa falida.
Neste sentido foi proferido o Acórdão UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA nº 1/2014, publicado em Diário da República de 25.02.2014 - Acórdão STJ - com a seguinte síntese decisória:
«Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C».
Declarada a insolvência, vencem-se imediatamente todas as obrigações do insolvente e abre-se a fase de convocação de credores, que devem reclamar os seus créditos dentro do prazo fixado na sentença (art.º 91º e 128º nº 1 do CIRE)
Essa reclamação de créditos tem carácter universal, abrangendo todos os créditos existentes sobre o insolvente à data da declaração da insolvência (art.ºs 47º nº 1 e 128º do CIRE) independentemente do fundamento do crédito e da qualidade do credor. Aliás, nos termos do art.º 90º do CIRE, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com o que dispõe o CIRE e durante o processo da insolvência.
De tudo o exposto conclui-se que, após o trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência do devedor, deixa de ter interesse o prosseguimento da acção para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.
De acordo com o art.º 88º do CIRE, com a declaração de insolvência, a sentença que viesse a ser proferida não poderia sequer ser executada.
Mesmo que o Autor nesta acção obtivesse o reconhecimento judicial do seu pedido na acção pendente, que não passa apenas pela declaração de nulidade do contrato por falta de forma, mas sim, e principalmente, pela condenação do réu BES a pagar-lhe quer uma indemnização com fundamento em responsabilidade civil contratual, restituição das quantias despendidas na aquisição dos produtos financeiros em causa e condenação em indemnização por danos não patrimoniais, a respectiva sentença, valendo apenas inter partes, mais não constituiria do que um documento para instruir o requerimento da reclamação/verificação de créditos (art.º 128.º n.º 1do CIRE), não dispensando o autor de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, nem o isentando da probabilidade de o ver impugnado e de ter de aí fazer toda a prova relativa à sua existência e conteúdo.
Na verdade o facto do crédito do autor ser objecto de uma eventual sentença condenatória definitiva nestes autos, não impede de o mesmo vir a ser impugnado, como se alcança do disposto no art.º 130º do CIRE.
Então, mesmo com sentença condenatória nestes autos, caso o crédito seja impugnado, o aqui autor não está dispensado de produzir prova relativamente ao mesmo no âmbito do processo de insolvência, como se retira do disposto nos art.ºs 134º, 25º nº 2, 137º e 139º do CIRE.
Se o crédito reclamado na insolvência aí não for impugnado então será considerado verificado e graduado conforme consta da lista de credores reconhecidos, nos termos do art.º 130º, n.º 3 do CIRE, de nada relevando o facto de, nestes autos declarativos, ter havido sentença condenatória e independentemente do montante da condenação.
Deste modo e considerando ainda o decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ supra referido, não restam dúvidas que se tornou inútil o prosseguimento da instância no que concerne ao Banco Espírito Santo – cfr. neste sentido, entre outros, Acórdãos da Relação de Lisboa de 27/04/2017, relatora: Desemb. Ondina Alves, de 07/03/2017, relatora: Desemb. Carla Câmara, de 07/03/2017, relator: Desemb. Luís Filipe Sousa, os quais podem ser consultados em www.dgsi.pt/jtrl.».
 Ao contrário do que defende o Recorrente, o entendimento fixado no AUJ n.º 1/2014 do STJ tem plena aplicação ao presente caso.
Não se mostrando questionada a decisão do BCE, compete aos credores, categoria na qual se inclui o ora Autor e Recorrente, reclamar o seu crédito junto do referido processo de liquidação, nos termos dos artigos 90.º e 128.º, n.º 3, do CIRE., passando a ser considerados credores da insolvência.
E a tal não obsta o facto de a discussão da causa, tal como configurada pelo Autor na petição inicial, pressupor a prévia apreciação da nulidade do contrato de intermediação financeira, ou seja, de o reconhecimento da constituição da obrigação de pagamento da quantia indemnizatória peticionada (201.636,421€, acrescida de juros) implicar a prévia discussão em torno do referido vício daquele negócio jurídico, invocado como fonte constitutiva da obrigação de indemnização.
O que verdadeiramente releva é o efeito útil que o Autor pretende alcançar com a pretensão deduzida em juízo e esse, convenhamos, é o de obter do Réu BES em Liquidação (solidariamente com os demais Réus) o pagamento de uma indemnização correspondente ao montante do capital investido, acrescidas de juros legais, sendo aqui irrelevante a via (nulidade de negócio jurídico) pela qual se pretende obter esse reconhecimento. Veja-se que a questão não mereceria tratamento diferente se em causa estivesse uma dívida (litigiosa) eventualmente decorrente de incumprimento de contrato de compra e venda, etc.
Nesta perspectiva, tem de entender-se, como se entendeu, com acerto, na decisão recorrida, que a pretensão do Autor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, se encontra impossibilitada de alcançar o seu efeito útil, cumprindo, por isso, decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
Aliás, consta dos autos que o Autor reclamou, como era seu ónus, o crédito de que se arroga sobre a insolvente no processo de insolvência, nos termos previstos no art.º 128.º e segs. do CIRE.
 Ora, se é nesse processo que devem ser reclamados e impugnados (artigo 130.º do CIRE) os correspondentes créditos, não subsiste interesse processual no prosseguimento da presente lide, assim se tendo tornado esta inútil e inevitável a extinção da instância, nos termos do art.º 277, alínea e), do CPC, de acordo com a doutrina do acórdão uniformizador citado.
A alteração de redacção do art.º 50, n,º 1, do CIRE., introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/4, não afecta tal interpretação, como já foi sustentado.
Na primitiva versão, dispunha este normativo: “Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei como de negócio jurídico”. Na versão dada pela dita Lei n.º 16/2012 passou o mesmo n.º 1 do art.º 50.ª a dispor: “Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.”
A única modificação respeita, assim, ao aditamento de uma outra fonte possível da condição que limita o crédito, a “decisão judicial”, que passou a surgir a par da lei e do negócio jurídico.
Não são, por isso, as decisões judiciais que constituem, em si mesmas, condição suspensiva. O que pode é a sentença ter em conta, no reconhecimento do crédito peticionado, determinada condição a que a obrigação ficou sujeita, proferindo, nomeadamente, uma condenação do Réu in futurum, conforme dispõe o art.º 610.º do CPC[[4]]. Não é, pois, a declaração judicial do direito que fica sob condição, mas quando muito a sua eficácia ou exigibilidade.
De resto, Carvalho Fernandes e João Labareda assinalam a “impropriedade conceptual” do art.º 50 do CI.RE. que a Lei nº 16/2012 não corrigiu, pois o elemento a considerar respeita “à eficácia típica do negócio e não à validade da sua constituição”, sendo que, continuam aqueles autores, de acordo com o art.º 270.º do CC, “a condição consubstancia um facto (acontecimento) futuro e incerto a que é subordinada a produção de efeitos do negócio jurídico, ou a sua resolução”[[5]].
Assinalam ainda, por outro lado, que já a redacção primitiva do preceito implicava a consideração da decisão judicial como fonte da condição que limita o crédito: “(…) Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do nº 1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade da ratio decidendi.”[[6]]
Serve isto para se dizer que a indicada alteração de redacção do n.º 1 do art.º 50.º do CIRE não teve qualquer implicação nas acções declarativas propostas contra devedor insolvente de modo a constituírem acautelamento do crédito do alegado credor (autor), ficando sob condição suspensiva, e, por conseguinte, a que se justificasse o seu prosseguimento uma vez reclamado o crédito na insolvência.
Por conseguinte, o crédito que o Autor, ora Recorrente, invoca nestes autos não se inclui nos denominados créditos sob condição suspensiva referidos nos artigos 50.º e 181.º do CIRE., posto que a sua existência não se mostra dependente da verificação de qualquer evento futuro e incerto (art.º 270 do CC).
E, assim sendo, o entendimento seguido no AUJ n.º 1/2014 mantém aqui, tal como já se referiu, plena actualidade.
Acresce que, contra o que defende também o Recorrente, nenhuma situação de exceção decorre da complexidade ou especialidade dos direitos litigiosos em debate que justifique a sua discussão fora do processo de insolvência, como sustenta o Recorrente no artigo 6.º a 7.º da resposta às excepções.
Destarte, impõe-se concluir, face à deliberação do BCE de 13/07/2016, e aos efeitos daí decorrentes quanto ao Réu BES em Liquidação, que a presente acção ficou impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal, cumprindo decretar a extinção da instância quanto ao mesmo Réu, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do art.º 277 do C.P.C., conforme se decidiu.

2.4. Por outro lado, não se vislumbra motivo algum para assacar a tal efeito a violação de alguma norma constitucional ou mesmo normas de Direito Europeu vinculativas para o Estado Português, pois que aos credores é assegurada a defesa dos seus interesses que, por razões de ordem prática, são concentrados no processo de liquidação.
Nem o facto de o direito de crédito invocado pelos Autor carecer de confirmação judicial constitui obstáculo, na medida em que, como se disse, o processo de liquidação tem vocação universal e permite que, no seu âmbito, sejam apreciados os factos e as razões de direito que, na perspectiva do Autor, sustentam o seu alegado direito de crédito de natureza indemnizatória assente em eventuais actos ilícitos ou no incumprimento de deveres contratuais.
2.5. Por conseguinte, confirma-se a decisão recorrida que declarou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Réu BES, em Liquidação.

3. No que concerne à incompetência absoluta do tribunal comum, em razão da matéria, para conhecer da acção intentada contra os Réus Banco de Portugal, CMVM e Fundo de Resolução:

3.1. Insurge-se, ainda, o Autor e Recorrente quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, neste segmento, por entender que não se verifica a excepção de incompetência absoluta em razão da matéria, atendendo a que o “thema decidendum” tal como configurado pelo A., não se prende com qualquer questão de domínio administrativo. Advoga, em substância, que para a decisão do presente pleito não há necessidade de recurso a norma de direito administrativo, estando a discussão centrada no plano puramente privado e civilístico. E que o direito a indemnização é a questão dominante dos presentes autos, sendo que para essa questão é competente o Tribunal Judicial.

3.2. Neste conspecto a douta decisão recorrida também se mostra linear, sólida e bem sustentada e apoiada em muitos arestos desta Relação e do STJ.
3.3. No acórdão desta Relação de Lisboa, de 28/06/2018, de que fomos relatores (Proc. n.º 19.190/16.4T8LSB.L1) e, muito recentemente, no acórdão relatado no Proc. n.º 18769/16.9T8LSB.L1, de 11/12/2018, seguimos a orientação perfilhada no acórdão desta mesma Relação e Secção, de 6/12/2017 [Proc. n.º 18455/16.0T8LSB.L2], relatado pelo Exmo. Desembargador António Santos, no qual se apreciou a mesma questão no que toca ao Banco de Portugal e ao Fundo de Resolução, ainda que no processo respectivo –– estivesse também em causa a CMVM e outros réus, entre eles o Novo Banco, S.A. sendo que estava em causa saber precisamente se em função da natureza jurídica do Banco de Portugal e do Fundo de Resolução e em função do pedido de condenação solidária de todos os réus, se verificava uma competência, digamos, por arrastamento, dos tribunais administrativos.
Neste sentido, e porque naqueles processos, tal como neste, a causa de pedir é substancialmente idêntica, passando precisamente pela subscrição de produtos financeiros através da intermediação do BES, na convicção por este induzida de que se tratava de aplicações seguras, tudo quanto naquele processo se decidiu sobre competência absoluta do tribunal em razão da matéria tem inteira aplicação nestes autos, até porque neles não se encontra razão, de facto ou ao nível da alegação de direito, incluída a recursiva, que suscite diferente solução, e no curto espaço que medeia entre a prolação daquele acórdão e o presente, não se suscitaram ao presente colectivo outros argumentos que propendam a uma alteração de posição.
Assim, citamos, também aqui, para fundamentação do presente acórdão, tudo quanto nos referidos arestos foi explanado a propósito desta temática [[7]]:
«3.2. - É, ou não, o tribunal a quo, competente em razão da matéria para conhecer da presente acção e pelo apelante intentada.
Como vimos supra, importa tão só apreciar no âmbito da presente instância recursória, da competência em razão da matéria do tribunal a quo para conhecer da acção declarativa de condenação e com processo comum, intentada pelo apelante, importando pois aferir da efectiva verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta, excepção esta que, devendo é certo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (cfr. art.º 97º, n.º 1, do CPC), foi porém in casu arguida por 3 das apeladas [NOVO BANCO, S.A.; FUNDO DE RESOLUÇÃO e CMVM - COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS] e, em sede de despacho proferido, atendida pelo tribunal de primeira instância.
Em rigor, em causa está tão só em aferir se, em razão do pedido deduzido na acção pelo apelante e da causa petendi que o alicerça/sustenta, deve a decisão apelada manter-se.
Ora Bem.
Como é consabido, a competência dos tribunais, na ordem jurídica interna, reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, e fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei (cfr. art.ºs 37º e 38º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO – e art.º 60º, do Cód. de Processo Civil).
Por outro lado, como é entendimento uniforme da melhor doutrina (6) e jurisprudência, é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição (quid disputatum ou quid dedidendum), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer, sendo para tanto irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente á viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão. (7)
Depois, nos termos do artigo 40º, n.º1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, mister é outrossim não olvidar que a competência dos tribunais da ordem judicial é residual (os tribunais judiciais são competentes para as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional), sendo que ela - a competência - fixa-se, como vimos já, no momento em que a acção se propõe. (8)
Ou seja, e em sede de síntese conclusiva (9), sendo em atenção à matéria da lide, ao acto jurídico ou facto jurídico de que a acção emerge, que importará aferir se deve a acção correr termos pelo tribunal comum ou judicial(10), ou, antes, por um tribunal especial, e sendo o primeiro o tribunal regra [porque goza de competência não discriminada, incumbindo-lhe apreciar e decidir todas as causas que não forem atribuídas pela lei a alguma jurisdição especial, ou outra ordem jurisdicional], então a competência dos tribunais judiciais determina-se por um critério residual ou por exclusão de partes [não existindo disposição de lei que submeta a acção à competência de algum tribunal especial, cai ela inevitavelmente sob a alçada de um tribunal judicial].
Isto dito, e importando in casu aferir da competência material dos tribunais administrativos (em razão do sentido e objecto da decisão apelada), recorda-se que, do art.º 212º, nº 3, da CRP, e do art.º 1º, nº1, do ETAF (11), com a redacção posterior às alterações introduzidas pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10, resulta, respectivamente, que “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, e que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.
Por outra banda, e agora no seu art.º 4º, identifica o ETAF, em diversas alíneas do respectivo n.º 1, diversos tipos de litígios cuja apreciação, em razão do respectivo objecto, incumbe/compete forçosamente aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, sendo que, de entre eles, salientam-se aqueles [porque referidos pelo tribunal a quo na decisão apelada] que se prendem, v.g. com a:
- Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal – alínea a);
- Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo – alínea f).
Aqui chegados, e começando por caracterizar o objecto do litígio da acção intentada pelo apelante, parece-nos algo linear que a causa petendi do pedido único que deduz contra os RR BANCO DE PORTUGAL e CMVM - COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS [sendo ambos pessoas colectivas de direito público - o primeiro tendo presente o disposto no art.º 1º, da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n° 5/98, de 31 de Janeiro, e, o segundo, em face do disposto no art.º 1º do Estatuto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n° 5/2015, de 8 de Janeiro], apenas pode/deve explicar-se desde que ancorada em factos susceptíveis de desencadear a Responsabilidade Civil Extracontratual de ambos os referidos RR, e, ademais, relacionada com matéria à qual se aplica o Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei 67/2007, de 31/12 - regime que, de resto, prevalece sobre qualquer remissão legal para o regime de responsabilidade civil extracontratual de direito privado aplicável a pessoas colectivas de direito público, cfr. art.º 2º,n.º 2, da Lei 67/2007.
É assim que, quer em relação ao Réu Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM), quer em relação ao Banco de Portugal, invoca o autor como causa petendi, a violação por ambos, e por omissão de uma actuação prudente e diligente, dos deveres de supervisão que sobre os dois RR incidem, sendo neste conspecto o art.º 4º, nº1, do Decreto-Lei n° 5/2015, de 8 de Janeiro, claro em expressar que a CMVM tem por missão a regulação e supervisão dos mercados de instrumentos financeiros, bem como das entidades que neles atuam, isto por um lado, e, por outro, o art.º 17º, n.º 1, da Lei 5/98 de 31.01, elucidativo também ao atribuir ao BdP a incumbência de exercer a supervisão das instituições de crédito.
Ou seja, para o autor, como que a inacção/omissão da Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM) e do Banco de Portugal, contribuíram para que permitido fosse ao réu BES,SA, ter actuado da forma fraudulenta e enganosa como actuou em relação os produtos financeiros nos quais despendeu o autor - sem o saber, porque convencido estava que equivaliam a normais depósitos a prazo, sem riscos - uma elevada quantia.
Em rigor, portanto, o quid disputatum ou quid dedidendum do pedido que o Autor/apelante dirige para a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM) e para o Banco de Portugal, com total segurança, relaciona-se e tem por objecto QUESTÃO que integra a previsão da alínea f), do n.º 1, do art.º 4º, do ETAF.
Relativamente aos RR Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM) e Banco de Portugal, nenhum reparo é assim a decisão apelada merecedora quando envereda pela absolvição da instância de ambos.
Já no que ao Réu Fundo de Resolução, concerne, todavia, não é já o acerto da decisão apelada assim tão evidente.
É que, e não obstante tratar-se também o FdR [criado pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, que veio introduzir um regime de resolução no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro] de uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira”, que funciona junto do BdP e que tem por objecto “prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo BdP e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas [cfr. art.º 2º, nº1 e 2, da Portaria nº 420/2012, de 21 de Novembro], a verdade é que, in casu, e para fundamentar a respectiva demanda, apenas invoca o autor/apelante o facto de ser ele o “único accionista” do Réu Novo Banco, S.A.
Ou seja, não alegando o autor/apelante, factualidade susceptível de ancorar o pedido que lhe dirige em factualidade susceptível de desencadear a respectiva responsabilidade civil extracontratual, pertinente não é já, contrariamente ao que sucede com os RR BdP e CMVM, integrar a demanda contra o FdR na previsão do art.º 4/1, alínea f), do ETAF, antes relaciona-se prima facie o objecto do referido litígio tão só com relações substantivamente jurídico-privadas. (12)
Sucede que, como bem se salienta v.g. em Ac. proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (13), a “responsabilidade” do réu FdR em relação ao Autor, só poderá resultar da aplicação de normas legais e regulamentares com natureza jurídico-administrativa, ou seja, toda a eventual obrigação de pagamento ao Autor de montante pecuniário em que o FdR pudesse vir a incorrer, resultará seguramente da qualidade que assumiu de acordo com aquelas normas e teria também de ser aferida através delas, e, consequentemente, a relação que se estabeleceria, nesse caso, seria necessariamente uma relação jurídico-administrativa.
É que, recorda-se, a participação do FdR no capital social dos bancos de transição, como o é o réu Novo Banco, S.A, trata-se de uma imposição de normas de direito administrativo (cfr. art.º 145-P/3 do RGICSF, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro), encontrando-se de resto a respectiva actividade do FdR exaustivamente regulada no RGICSF (cfr. art.º 153-B, n.º 3, do RGICSF), além de também em regulamentos emitidos ao seu abrigo, tudo normas que, convenhamos, revestem-se de manifesta natureza administrativa;
Ora, se partirmos do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido tradicional de “relação jurídica de direito administrativo” (14), com exclusão, neste caso, das relações de direito privado em que intervém a Administração, ou, até, da noção de relações que se regem por normas de Direito Administrativo (15), então forçoso é integrar o julgamento do mérito do pedido dirigido pelo apelante em relação ao apelado FdR no âmbito da alínea o), do n.º 1, do art.º 4º, do ETAF, o qual reza que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a “Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores”.
Destarte, bem decidiu assim o tribunal a quo em, também em relação ao Réu FdR, declarar a incompetência absoluta do tribunal judicial para conhecer do pedido que lhe dirige o autor.
(…)
Tudo visto e ponderado, deve assim a apelação proceder (…), impondo-se a confirmação da sentença recorrida no tocante à decidida absolvição da instância dos RR - com fundamento na verificação de excepção dilatória da incompetência absoluta, em razão da matéria - FdR, BdP e Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM) (…).
De resto, assentando a atribuição de competência aos Tribunais Administrativos para conhecer das acções intentadas contra entidades com a categoria jurídica do FdR, BdP e Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM) - e ancoradas ainda em causa petendi relacionada com instituto da responsabilidade civil extracontratual -, em norma de natureza especial, não faz qualquer sentido que esta última possa pelas partes ser afastada com fundamento em considerações meramente de ordem prática ou princípios jurídicos gerais relacionados com a conveniência e utilidade de existir uma só acção a correr termos contra diversos RR.
Não se vê, outrossim, que a absolvição da instância dos RR. FdR, BdP e Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM) - e prosseguindo a acção contra os demais RR - implique a ofensa de qualquer norma ou principio Constitucional, sendo que, é de resto a própria CRP a impor uma organização judiciária dividida/repartida por diferentes categorias de Tribunais (cfr. 209º, da CRP).
Em suma, a apelação procede parcialmente». (Fim de citação).
3.4. Assim, e em síntese conclusiva:
a) No que concerne ao Réu Banco de Portugal, os fundamentos que integram a causa de pedir resultam do incumprimento dos seus deveres de supervisão e da medida de resolução e subsequentes deliberações tomadas, pelo que, estando-se em sede de responsabilidade extracontratual e sendo aquele uma pessoa colectiva de direito público, a apreciação do presente litígio é da competência exclusiva dos tribunais administrativos, o que sempre decorreria do disposto no art.º 4.º, n.º 2, do ETAF, já que o Autor demanda os réus com base numa relação de solidariedade.
Seguindo a decisão recorrida, por absoluta concordância com a mesma, trata-se de uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio (cfr. Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31/01).
Ora, a aplicação de regimes de direito privado às pessoas colectivas de direito público depende de disposição específica da lei ou de, mediante ato ou contrato apropriado, elas se submeterem voluntariamente – quando a lei não afaste tal possibilidade – a tais regimes. Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Banco de Portugal as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo. Por outro lado, foi ao abrigo do regime jurídico introduzido pelo Dec.-Lei n.º 31- A/2012, de 10/02, que o Conselho de Administração do Banco de Portugal, por deliberação de 03/08/2014, aplicou uma medida de resolução ao BES, SA e determinou a constituição do Novo Banco S.A.., e a transferência para si de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão existentes na esfera jurídica do Banco Espírito Santo.
Na presente acção, é fora de dúvidas que entre o Autor e o Banco de Portugal não existe qualquer relação contratual, pelo que a responsabilidade que o autor lhe imputa só pode ser extracontratual. A responsabilidade extracontratual do Banco de Portugal está regulada no “Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12. Logo, nos termos da al. f) do n.º 1 do art.º 4º, nº 1, do ETAF, a competência para apreciar o litígio em causa pertence aos tribunais administrativos. Igual conclusão se retiraria, aliás, se estivéssemos perante qualquer outra forma de responsabilidade do Banco de Portugal, na medida em que esta, a existir, não se fundaria na violação de qualquer contrato mas antes na sua actividade ou qualidade de pessoa colectiva pública.
Noutra ordem de considerações, os danos invocados pelo Autor e por si imputados ao Réu Banco de Portugal não advêm de qualquer acto ou omissão no âmbito de uma “gestão privada”, antes tendo como causa única o regime legal aplicável, a resolução do Banco de Portugal de criação do Novo Banco, S.A. e de transferência ou não transferência de determinados passivos ou responsabilidades para este último, estando em causa imposições decorrentes de normas de direito público, emanadas de uma entidade pública.
Refira-se ainda que em nada releva a referência feita à norma do art.º 62º da Lei Orgânica do Banco de Portugal.
É que, de acordo com o disposto no art.º 7º, nº 3, do Cód. Civil, a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador, sendo que, sobre as referidas regra e excepção, são doutrina e jurisprudência pacíficas que a interpretação a ter em conta quanto à parte final do preceito é no sentido de não ter de equivaler a uma intenção expressamente manifestada, sendo que a sobrevivência de uma lei especial face à lei geral que lhe sobrevenha não terá lugar nos casos em que se retirar desta segunda um intuito codificador ou uma pretensão de regular totalmente a matéria em causa. A Lei nº 13/2002, de 19/02., que estabeleceu o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, inserem-se no contexto da reforma do contencioso administrativo, pelo que que o art. 62º da Lei Orgânica do Banco de Portugal deve ter-se por, tácita ou implicitamente, revogado pelos preceitos citados (nomeadamente, a al. f) do n.º 1 e o n.º 2 do art. 4º do ETAF).
Acresce que o art.º 39º da Lei Orgânica do Banco de Portugal dispõe que dos actos praticados pelo Governador, Vice-Governadores, Conselho de Administração e demais órgãos do Banco, ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou acção previstos na legislação própria do contencioso administrativo.
Por sua vez, o RGICSF, no seu art.º 145º-N, n.º 1, também estabelece que as decisões do Banco de Portugal que adoptem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, sendo certo que na presente acção está em causa a decisão de resolução do BANCO, SA adoptada pelo Banco de Portugal.
Nesta conformidade, à luz da Lei Orgânica do Banco de Portugal, a jurisdição administrativa é, claramente, a competente para conhecer das acções que envolvam tais actos ou decisões e também das que digam respeito à respectiva validade e das tendentes a efectivar eventual responsabilidade civil decorrente da sua prática.

b) Quanto ao Réu Fundo de Resolução, quer o litígio seja atinente a responsabilidade extracontratual quer respeite a responsabilidade contratual do mesmo, tal responsabilidade sempre seria fundada em normas de direito administrativo e na actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, pelo que, a presente acção é da competência exclusiva dos tribunais administrativos, o que também decorre do art.º 4º, n.º 2, do ETAF.
O Fundo de Resolução, que tem por objecto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, foi criado pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, no âmbito da revisão do regime de saneamento e liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras.
Aquele diploma aditou ao RGICSF, aprovado pelo Dec.-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, o artigo 153-B, sob a epígrafe “Criação e Natureza do Fundo de Resolução” veio estabelecer que:
“1–É criado o Fundo de Resolução, adiante designado por Fundo, pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
2–O Fundo tem sede em Lisboa e funciona junto do Banco de Portugal.
3–O Fundo rege-se pelo presente diploma, pelos seus regulamentos“.
E o artigo 153º-C quanto ao “Objecto do Fundo de Resolução” estabelece que:
“O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”.
A Portaria nº 420/2012, de 21 de Dezembro aprovou o Regulamento do Fundo de Resolução e no artº 2º (natureza e objecto) prevê expressamente que:
“1–O Fundo é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
2–O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”.

Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo.
Seguindo agora de perto o Acórdão da Relação de Lisboa, de 30/03/2017; Poc.º nº 146/16 (Exma. Desembargadora Isoleta Almeida Costa), acessível em www.dgsi.pt/jtrlinexiste qualquer relação jurídica entre o Fundo de Resolução e o autor a sustentar o pedido contra si formulado que é precisamente o decorrente do facto (jurídico-administrativo de resto) desta entidade ser a accionista única do N.B. pelo que, a acção fundamenta-se, quanto a este réu,  na responsabilidade civil  extracontratual.
A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
Sucede que, a Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro, estabelece no artº 1º nº 2 que “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Por conseguinte, impõe-se concluir pela incompetência absoluta dos tribunais comuns para conhecer de questões relacionadas com a responsabilidade atribuída, em tais termos, ao Fundo de Resolução.
c) relativamente à Ré CMVM, sendo peticionado o ressarcimento de danos por omissão da mesma no exercício das suas atribuições de supervisão, é aplicável o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, para cuja apreciação são exclusivamente competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal. A CMVM é demandada na qualidade de pessoa colectiva de direito público (cfr. art. 3º, nº 3, al. b), da Lei n.º 67/2013, de 28/08, e art. 1º os Estatutos da CMVM) e por causa das funções administrativas que lhe estão legalmente atribuídas (funções de supervisão e fiscalização do mercado de instrumentos financeiros), sendo-lhe aplicável, enquanto entidade reguladora, o regime da responsabilidade civil do Estado (art.º 5º, n.º 3, al. b), da LQER);

3.4. Ante o exposto e com a referida fundamentação, improcede o recurso no que tange à absolvição da instância dos Réus Banco de Portugal, Fundo de Resolução e CMVM, confirmando-se a decisão recorrida que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência dos tribunais comuns, em razão de matéria e absolveu da instância os referidos Réus.
*
4. No que concerne à invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia:
4.1. Insurge-se, ainda, o Autor Recorrente contra o saneador-sentença recorrido na parte em que considerou verificada a ilegitimidade substantiva dos Réus Novo Banco e Lina Pires.
Argumenta, para o efeito, nas conclusões recursórias I. a P. o seguinte:
“I. […] andou mal a apreciação pelo Tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto no artigo 576.º, n.º3, do CPC, já que não se verifica a ilegitimidade substantiva passiva, quanto aos RR. Novo Banco e L. P. pois que:
J. O Apelante imputou assim factos concretos, diários e diretamente por si vividos no dia-a-dia com a R. L.P., pois foi ela quem convenceu o Autor à aplicação do seu dinheiro naqueles produtos, quem omitiu os riscos daquelas aplicações, quem sonegou informação, que usou abusivamente do dinheiro do Apelante depositado no BES.
K. Por seu turno, também o Apelante imputou factos concretos ao R. Novo Banco que recusou o levantamento e entrega do dinheiro do Apelante a solicitação do mesmo, assumindo contudo o recebimento da gestão daquela conta bancária do Apelante e com o Apelante mantendo exatamente a mesma relação, canais de contacto e procedimentos de atuação e gestão de conta bancária.
L. A R. L.P. não contestou. Pelo que deveriam os factos alegados pelo A. sido considerados admitidos por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do C.P.C., o que, in casu, não sucedeu.
M. Pelo que para concluir pela absolvição dos RR L.P. e Novo Banco por ilegitimidade substantiva passiva deveria o Tribunal a quo sujeitar os factos alegados pelas partes a julgamento.
N. Concluir pela ilegitimidade substantiva da Ré L.P. porque a mesma é funcionária do Réu BES e pela ilegitimidade do Ré Novo Banco por causa da existência de resoluções do Banco de Portugal não é conhecer do mérito da causa no sentido da produção de prova sobre os factos carreados para os autos.
(…)
P. Assim, a sentença sub judice padece, ainda, de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do C.P.C.[…]».

4.2. O artigo 615º do CPC, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença», dispõe:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
A nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado na segunda parte do n.º 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras
Terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, etc. - e todos os factos em que assentam, bem como todos os pressupostos processuais desse conhecimento, sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Todavia, as questões a resolver para os efeitos do n.º 2 do artigo 608º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, ambos do CPC, são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo quer com a questão jurídica quer com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor aos quais o tribunal não tem de dar resposta especificada.
Por outro lado, importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
4.3. Na douta decisão recorrida considerou-se que o Réu Novo Banco era parte legítima, tendo em conta o modo como fora descrita a relação material controvertida, mas concluiu-se - e bem - que respeitava ao mérito da causa apreciar se as deliberações do BdP têm como efeito a desresponsabilização do Réu Novo Banco relativamente aos fundamentos da presente acção e ao pedido de condenação deduzido, o que culminou na decisão de improcedência da pretensão formulada pelo Autor, aqui Recorrente.
No caso, tal como considerou a 1.ª instância, estava essencialmente em causa apurar se se transmitiu para o Novo Banco, enquanto banco de transição, a alegada obrigação de indemnização que, na tese do Autor, incidia sobre o antigo BES, S.A., decorrente do facto de ser imputada àquele entidade, enquanto instituição bancária e intermediário financeiro, e a uma sua funcionária – a Ré L.P. – uma actuação fraudulenta em prejuízo do Autor, que se traduziu na subscrição de produtos financeiros de alto risco, no montante global de € 201.636,421, à revelia e contra as instruções do Autor, privando-o da disponibilidade dos seus fundos monetários, actuando aqueles com violação dos deveres de informação e de lealdade inerentes à actividade bancária e de intermediação financeira.
4.4. Em boa verdade, a apreciação do mérito da pretensão do Autor estava e está dependente da apreciação das deliberações do BdP no que concerne à delimitação dos passivos que transitaram ou não para o Novo Banco, sendo no entanto, de notar, uma vez mais, que é da competência exclusiva dos tribunais administrativos a apreciação da validade das deliberações do BdP, tal como resulta expressamente da lei e tem sido sustentando em inúmeros arestos dos Tribunais Superiores [vide, entre outros, o Ac. do STJ, de 03/03/2017, proc. 725/14, disponível em www.dgsi.pt.].
4.5. E essa apreciação foi feita de forma exaustiva e solidamente fundamentada na decisão recorrida, como decorre claramente da sua leitura, pelo que se entende que a mesma não padece do apontado vício de nulidade, por omissão de pronúncia [art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC].
O Tribunal a quo conheceu das questões que podia e devia conhecer e decidiu, no saneador, do mérito da causa, pois os autos, ao contrário do que advoga o Autor, já continham todos os elementos para se decidir com segurança do fundo da questão, sem necessidade de mais provas, nos termos do disposto no art.º 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Aliás, em tal contexto, o prosseguimento da demanda nos termos defendidos pelo Autor, contra os Réus Novo Banco e L.P., redundaria na prática de actos que a final se revelariam inúteis, exercício esse que é proibido por lei [art.º 130.º do CPC].
Aceitando-se, embora, que o apuramento da factualidade invocada pelo Autor, relacionada com a actuação alegadamente fraudulenta do BES e da Ré L.P. e/ou com o erro em que, alegadamente, foi induzido pelos mesmos, conducente à transferência de fundos do seu depósito bancário para produtos financeiros de alto risco [as designadas ES INT 4% e ES TOURISM 2014], teria de dar lugar à produção de prova, os autos não deveriam, mesmo assim, prosseguir com vista à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, porquanto, como se verá, todo esse procedimento redundaria, a final, numa completa inutilidade.
Senão, vejamos,
4.6. A medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal e, bem assim, as clarificações e concretizações tomadas por tal instituição, a respeito do BES e do banco de transição criado – Novo Banco - têm pleno respaldo legal e não se afigura que as mesmas ofendam as normas constitucionais ou legais em vigor. Pois no que diz respeito às deliberações do Banco de Portugal tomadas em 29-12-2015, denominadas “Contingência”, “Perímetro” e “Retransmissão”, configuram uma verdadeira “interpretação autêntica” do teor da medida de resolução, proferida pelo órgão competente da autoridade reguladora com poderes legais para o efeito.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 06-10-2016, relator: Desembargador António Valente, o qual pode ser consultado in http://www.dgsi.pt/jtrl «(…) [É] manifesto que o Banco de Portugal, desde a deliberação do Conselho de Administração de 03-08-2014, teve a preocupação de delimitar estreitamente o património transferido do Banco Espírito Santo para o Novo Banco, enumerando diversas categorias contratuais e obrigacionais não objecto de transmissão. É igualmente nítido o esforço do Banco de Portugal de as ir concretizando cada vez com maior grau de precisão, procedendo igualmente à retransmissão para o BES de quaisquer passivos que, por qualquer razão – mesmo decisões judiciais – tivessem sido incorporados no património do Novo Banco. Perante um tal quadro, que inclui a própria identificação do processo movido pela ora requerente ao Novo Banco, no âmbito do Anexo I da deliberação do Banco de Portugal designada de “Perímetro” de 29-12-2015, mas que decorre das sucessivas interpretações e clarificações, as responsabilidades suscitadas pela requerente nos presentes autos (…) não foram transmitidas para o Novo Banco. (…). Face ao atrás exposto, a instância tornou-se impossível (impossibilidade resultante de normas legais, correspondentes às Deliberações do Banco de Portugal) já que eventuais responsabilidades contratuais – mesmo o dolo ou o abuso de direito invocados – não foram transferidos para o Novo Banco, permanecendo no BES.»
Em todo o caso, não poderá considerar-se que a deliberação de resolução e as deliberações “Contingência”, “Perímetro” e “Retransmissão” padeçam de qualquer ilegalidade, designadamente, porque violariam o disposto no arts. 145.º-B, n.º 1, al. c), 145.º-B, n.º 3, e 145.º-H, n.º 16, ou que as mesmas estejam feridas de inconstitucionalidade, mormente por violação do direito de propriedade dos credores e do princípio da protecção dos interesses dos investidores e do mercado, garantido, respectivamente, nos art.ºs 62.º, n.º 1 e 101º da Constituição da República Portuguesa.
As medidas de resolução são aplicáveis quando a deterioração da situação financeira e prudencial de uma instituição seja susceptível de pôr em causa a estabilidade do sistema financeiro nacional.
Uma medida de resolução consiste em isolar os activos problemáticos da instituição, tendo em vista a sua posterior liquidação, e concentrar o essencial da actividade da instituição numa entidade devidamente capitalizada. Esta solução garante a continuidade da prestação de serviços, protegendo os clientes da instituição, os contribuintes e o erário público.
Os custos de uma medida de resolução são, em primeiro lugar, suportados pelos accionistas e pelos credores da instituição em causa, de acordo com a respectiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe, e, posteriormente, pelo Fundo de Resolução. O financiamento deste Fundo é suportado pelo sector financeiro.
«De acordo com o Artigo 145.º-B do RGICSF, com a redação vigente à data da deliberação de resolução do BES, e nessa medida, enquanto princípio orientador da medida adotada pelo Banco de Portugal, na aplicação de medidas resolução, procura assegurar-se que: Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa; b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores; c) Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.
Conforme referido já, a medida de resolução aplicada ao BES consistiu na criação de um banco de transição (o Novo Banco, S.A.) e na transferência parcial de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão daquele para este.
Para estes casos, a lei estabelece que a revogação da autorização da instituição de crédito objeto de resolução é obrigatória (vd. Artigo 145.º-L, n.º 2 do RGICSF, com a redação atual), e deve ocorrer num prazo adequado, tendo em conta o disposto no Artigo 145.º-AP12, seguindo-se o regime de liquidação previsto na lei aplicável.
Assim, a lei admite que essa revogação não seja simultânea nem ocorra em momento imediatamente posterior à aplicação da medida em causa.
Por ser assim, a título de clarificação legislativa, pedida pelo Banco de Portugal, o Governo veio recentemente, através Decreto-Lei n.º 140/2015, de 31 de julho, determinar que o cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas para um adquirente ou para uma instituição de transição não é exigível à instituição objeto de resolução, com exceção daquelas que o Banco de Portugal determine ser indispensável para a preservação e valorização do seu ativo» (cfr Maria Luísa Azevedo; “Contributo para o debate sobre o(s) regime(s) jurídico(s) aplicável(eis) aquando e após a medida de resolução aplicada ao BES”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários – Ensaios de Homenagem a Amadeu Ferreira; Vol. II, Edição da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, volume II, Agosto de 2015, Disponível em-http://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Documents/CMVM_Amadeu%20Ferreira%20Vol%20II.pdf, pp. 125-126).
A constituição de um banco de transição, a definição dos seus estatutos, da sua actividade e dos seus activos, passivos e elementos extrapatrimoniais, é da competência exclusiva do Banco de Portugal.
Resulta inequívoco do próprio teor das deliberações, que com as mesmas o BdP não pretendeu criar novos direitos a favor de quem não os tivesse, nem limitar direitos existentes.
Não obstante a intervenção do BdP poder ter decisivas implicações no ulterior património social do BES, não se afigura que haja alguma violação das normas constitucionais em vigor.
A propriedade privada dos bens da titularidade dos AA. não se mostra afectada pela lei, nem pela sua observância, tomada pela medida de resolução, tendo o BdP actuado dentro dos limites estabelecidos na lei e dentro da competência que expressamente lhe é atribuída.
Como sustenta Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, “Direito Civil e Sistema Financeiro”, Princípia, 2016, pág. 57: “O critério de selecção dos activos e passivos objecto de transmissão deve obedecer a três vectores essências. Em primeiro lugar, deve garantir a reposição da estabilidade sem a qual o sistema financeiro deixa de ter condições para actuar; em segundo lugar, deve salvaguardar os diversos envolvidos e o erário público; em terceiro lugar, deve procurar responsabilizar aqueles (de os houver) que estiveram na base da situação de impossibilidade para cumprir os requisitos de manutenção da autorização de exercício da actividade financeira.
(…) Ora, se o Banco de Portugal não pudesse actuar discricionariamente para, em função das circunstâncias específicas do caso concreto, decidir que activos e passivos devem ser transferidos, de nada valeria a medida resolutiva em específico, porque ele ficaria impossibilitado de isolar os instrumentos financeiros que provocassem a exposição acima do risco normal do mercado de capitais.”
Por tudo o exposto, conclui-se que inexiste qualquer responsabilidade que possa ser cometida ao Réu “Novo Banco, S.A.”, independentemente de, como o Autor, alegou, o BES poder ter assumido a garantia do pagamento do capital e juros, no acto da subscrição pelo Autor dos produtos financeiros em causa.
Os documentos juntos aos autos pelo Autor não permitem concluir pela celebração de contrato de gestão de carteira, ou de consultoria para investimento, mas sim a prestação pelos BES de um serviço de recepção, transmissão e execução de ordens por conta de outrem.
Como se referiu, também não se pode considerar o Novo Banco responsável com base na constituição pelo réu BES de uma provisão uma vez que esta, como o próprio Autor reconhece, não transitou para o Novo Banco não constando do balanço de abertura deste ou do relatório e contas consolidadas à data da sua constituição.
Quanto a uma eventual obrigação de reembolso assumida pelo Novo Banco que alega o Autor, parece resultar da reunião extraordinária do conselho de Administração do 2º réu de 14 de Agosto de 2014 a mesma deixa de fazer sentido, ou poder ser afirmada, em face do conteúdo das deliberações de 29 de Dezembro de 2015.
4.7. Em suma, como se conclui na decisão recorrida:
- “Não se transmitiu para o Novo Banco qualquer responsabilidade por intermediação financeira em violação de disposições regulatórias, nem qualquer responsabilidade por assunção de garantia de restituição de capital (e juros) investido na aquisição de valores mobiliários do GES”.
- “A Provisão constituída pelo BES para fazer face às obrigações decorrentes da comercialização, no retalho, de instrumentos de dívida emitida por entidades do GES, não foi transmitida para o Novo Banco”.
Nestes termos, improcedem todos os argumentos invocados pelo Autor, para efeitos de responsabilização do Novo Banco.
A legitimidade substantiva passa por determinar quem é o efectivo titular do direito em questão. Por isso a legitimidade substantiva tem que ver com o mérito da acção e não com a legitimidade ad causam, a que já se fez referência.
A ausência de legitimidade substantiva constitui excepção peremptória que, atento tudo o exposto, determina que o Réu Novo Banco, SA, deva ser absolvido do pedido.
*
4.8. No que respeita à invocada responsabilidade da Ré L.P., o Autor fundamenta a sua pretensão na alegação de que esta, na qualidade de gestora da sua conta, ser quem tratava de todos os assuntos relacionados com tal conta bancária e operações financeiras agregadas à mesma. Sustentou que tinha com a mesma uma grande relação de confiança e proximidade e que foi aquela quem sempre o aconselhou a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1º réu lançava em carteira.
Mais refere que sempre lhe deu instruções para não aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado, que a R. o informou que os produtos eram como depósitos a prazo e que eram garantidos pelo BES.
Alegou, ainda, que foi no âmbito das suas funções, obviamente enquanto funcionária do BES, que a Ré L.P. aplicou o dinheiro do Autor depositado naquela instituição na compra de títulos de obrigações supra identificados, num total de €201.636,421, fazendo-a à revelia e contra as suas instruções e em seu prejuízo.
Concluiu dizendo que o BES e a Ré L.P. lhe prestaram serviços de intermediação de investimentos financeiros, devendo tal relação contratual ser titulada por escrito e não o tendo sido é nula. Acresce que, nas suas palavras, sobre os Réus BES, S.A. e L.P. recaíam verdadeiros deveres de conduta de informação, diligência e lealdade, deveres esses que os mesmos não observaram.
Como resulta do que se deixa dito, o autor imputa ao BES e à 6ª Ré. o incumprimento de deveres que sobre eles recaiam enquanto intermediários financeiros, mormente o incumprimento dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no art.º 304º-A do CVM.
Entre as actividades que, no mercado dos valores mobiliários, são levadas a cabo pelos intermediários financeiros – as entidades mencionadas no art.º 293º/1 do CVM – contam-se os serviços de investimento em valores mobiliários, os quais compreendem, além do mais, a recepção e transmissão e a execução, de ordens por conta de outrem.
Essa actuação do intermediário financeiro pressupõe a existência de um negócio antecedente – designado normalmente como negócio de cobertura – que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários, sendo estas operações, negócios de execução da relação de cobertura.
Entre os negócios de cobertura – contratos de intermediação, como lhe chama o CVM – figura a gestão de carteiras por conta de outrem.
O contrato de gestão de carteira é “um contrato de gestão de interesses alheios, realizado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), em que o primeiro, actuando por conta e no interesse do segundo, assume a obrigação de administrar um conjunto de valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, que lhe são confiados com vista a obter a melhor rentabilidade possível, mediante o pagamento de uma retribuição”; é um “negócio jurídico bilateral pelo qual o intermediário financeiro se obriga à prestação de um serviço de intermediação financeira por conta de um cliente”. Deste modo, “é possível reconduzi-lo a um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato” – vd Ana Afonso, “O contrato de gestão de carteiras” – Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro”, in Jornadas Sociedades Abertas, Valores Mobiliários e Intermediação Financeira, pg. 55 a 57 e 61, Carlos Ferreira de Almeida; "As transacções de conta alheia no âmbito da intermediação no mercado de valores mobiliários", in Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa, 1997, p. 295.
Assim, considerando o contrato de gestão de carteiras e atendendo aos documentos juntos aos autos, afigura-se que não foi esse o contrato de intermediação celebrado entre o autor e o BES.
É que entre os negócios de cobertura referidos supra figuram também as figuram ordens, cuja disciplina se contém nos artigos 325º e seguintes do CVM.
As ordens podem ser dadas oralmente ou por escrito, devendo no primeiro caso ser reduzidas a escrito pelo receptor ou fixadas em suporte fonográfico (cfr. art.º 327º nº 1 do CVM).
Na verdade, afigura-se-nos ser este 2.º negócio aquele que foi celebrado com o BES.
O contrato em causa foi celebrado com o BES e não com Ré L.P., a qual, como refere o Autor, interveio na qualidade de gestora de conta, no âmbito das suas funções e sob subordinação do BES.
A qualidade de intermediário financeiro é relativa à função exercida pelo BES e não por uma mera colaboradora deste, simples funcionária ou gestora de conta de clientes.
Dispõe o art.º 304º n.º 1 do CVM que os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
Os deveres consagrados nos artigos 304.º segs.. CVM são imputados apenas e tão só ao intermediário financeiro, no quadro das relações contratuais estabelecidas com os seus clientes.
E o n.º 5 do mesmo normativo consagra que os princípios elencados nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art.º 304º e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.
É obrigação do intermediário financeiro informar o cliente, recomendando e advertindo-o acerca dos riscos de determinada operação, adequando o seu conselho e assistência à experiência, conhecimentos e perfil de risco do cliente – art.º 7º, 304º n.º 3, 312º, 312º E, todos do CVM.
O art.º 304º, nº 5, do CVM, ao dispor que os princípios elencados nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art.º 304º e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis, nomeadamente, aos colaboradores do intermediário financeiro, não pretende consagrar um dever pessoal daqueles, mas um dever funcional.
Pretende-se consagrar que os princípios elencados nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art.º 304º e os deveres referidos nos artigos seguintes integram os deveres funcionais os colaboradores do intermediário financeiro e que actuam em nome e por conta deste.
A violação de tais princípios ou deveres não dá lugar a uma responsabilidade pessoal/subjectiva do colaborador, mas a uma responsabilidade do intermediário financeiro.
Este entendimento sai reforçado do que se encontra consagrado no art.º 324º do CVM, o qual comina com a nulidade quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante do auxiliar, proibindo-se o afastamento do art.º 800º do CC.
Perante os normativos do CVM, a Ré L.P. estava funcionalmente, enquanto colaboradora do BES, obrigada a informar o Autor, advertindo-o acerca dos riscos da operação, adequando o seu conselho e assistência à experiência, conhecimentos e perfil de risco do mesmo.
Mas, caso não o tenha feito, nem por isso responderá a título pessoal. Quem poderá responder é o BES, à luz do citado art.º 800º do Cód. Civil, uma vez que o Autor era cliente deste.
A violação do dever de informação dará lugar a responsabilidade contratual e não delitual, na medida em que esta resulta do incumprimento de obrigações; pressupõe a existência de uma relação intersubjectiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica.
A única responsabilidade pessoal da Ré L.P. seria, eventualmente, perante a entidade patronal: pela via da responsabilidade disciplinar e pela via do exercício de um direito de regresso.
Refira-se, acompanhando a decisão recorrida também neste conspecto, que até mesmo quando esteja em causa o exercício da actividade de intermediação financeira através de um agente vinculado – cfr art.ºs 294º-A a 294º-D do CVM – a responsabilidade pelos serviços prestados por este é sempre do intermediário financeiro em nome e por conta de quem este actua.
Pelo exposto, a Ré L.P. não pode ser pessoalmente responsabilizada e, como tal, a mesma tinha de ser absolvida, como foi, do pedido principal, que inclui o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por danos morais.
Refira-se ainda que, no que respeita ao pedido de condenação dos Réus Novo Banco e L.P. a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, cabe desde já dizer que o mesmo não alegou um único facto que sustente este pedido. O autor alegou que está desapossado da quantia que foi investida em produtos financeiros, mas que danos não patrimoniais tal situação lhe causou é algo que se desconhece, uma vez o autor nada alegou nesse sentido, pelo que nunca os réus Novo Banco, S.A. e L.P., poderiam ser condenados a este título, sendo que apenas em relação a eles a questão podia ser equacionada face ao que ficou referido.

4.9. Ante o exposto, considera-se que a decisão recorrida, que apresenta fundamentação bastante sólida e suficientemente convincente, não padece da invocada nulidade, por omissão de pronúncia [art.º 615.º, n.º1, alínea d), do CPC], nem merece qualquer censura, antes se impondo a sua confirmação também quanto à absolvição do pedido dos Réus Novo Banco, S.A. e L.P., por ilegitimidade substantiva.

5. Da invocada inconstitucionalidade:
Invoca, por fim, o Recorrente que a decisão recorrida: (i) ao declarar a incompetência em razão da matéria, sem que se tivesse pronunciado pelo mérito da causa, incorreu na violação do direito a um julgamento justo, garantido no art.º 20.º da CRP [conclusões DD. e EE]; e (ii) que por “não conhecer do mérito da causa no sentido da produção da prova sobre os factos carreados para os autos” [conclusões N. e O.], viola o disposto no artigo 202º, n.ºs 1 e 2, da CRP.
O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) preceitua no seu n.º 1 o seguinte:
“1. - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Por sua vez, o artigo 202.º da CRP, sob a epígrafe (Função jurisdicional) estabelece:
“1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
3. No exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades.
4. A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.”

Ora, contrariamente ao alvitrado pelo Recorrente, não se vislumbra qualquer denegação da justiça, nomeadamente por violação do disposto nos artigos 2º, 20º nº 1 e 202º n.º 1 da Constituição.
Pelo contrário, o Recorrente litigou em liberdade plena e foi respeitado o princípio consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, podendo aquele sempre intentar a respectiva acção no tribunal competente.
Como se ponderou no acórdão desta Relação de Lisboa, de 08/02/2018, já citado, que aqui seguimos de perto, “o facto de se ter entendido na sentença recorrida que os tribunais da jurisdição cível não são competentes para conhecerem da presente acção, tal como vem configurada, não constitui qualquer violação ou compressão do direito à tutela judicial efectiva, nada impedindo o autor de accionar os tribunais administrativos, que são os competentes, e de ver julgada a pretensão aqui deduzida.”.
Entende-se, assim, que não existe motivo algum para assacar às decisões  proferidas pela Tribunal a quo, relativas à incompetência absoluta dos tribunais comuns em razão da matéria, quanto aos Réus CMVM, Fundo de Resolução e Banco de Portugal, e à ilegitimidade substantiva dos Réus Novo Banco e L.P., a violação de alguma norma constitucional ou mesmo de normas de direito internacional vinculativas do Estado Português, pois que ao Autor foi assegurada ampla defesa dos seus interesses, litigou em liberdade plena e foi respeitado o princípio consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, podendo aquele sempre intentar a respectiva acção no tribunal competente.
*
 6. Por conseguinte, a apelação improcede na totalidade.
IV) Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente:
a) Confirmam a decisão recorrida que declarou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Réu Banco Espirito Santo, em Liquidação;
b) Confirmam a decisão recorrida que julgou procedente a excepção de incompetência absoluta dos tribunais comuns, em razão da matéria, e absolveu da instância dos Réus CMVM, Banco de Portugal e Fundo de Resolução;
c) Confirmam a decisão recorrida que julgou improcedente o pedido formulado contra os Réus Novo Banco, S.A. e L.P..
*
Custas pelo Autor e Recorrente - artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
*
Registe e notifique.
*
Lisboa, 20 de Dezembro de 2018

Manuel Rodrigues

Ana Paula A. A. Carvalho

Gabriela de Fátima Marques

[1] Com aproveitamento parcial do relatório constante da sentença recorrida.
[2] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.
[3] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-7-2016 (Conselheiro Gonçalves Rocha), processo n.º 156/12, «Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[4] Sobre a problemática da condenação condicional, ver Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Julho 2017, págs. 719 a 723, em anotação a este artigo.
[5]Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., 2015, pág. 305.
[6] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 307.
[7] As notas de rodapé constantes do trecho transcrito são as seguintes:
(6) Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 91, e Artur Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.
(7) Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 9/7/2014, Proc. Nº 934/05.6TBMFR.L1.S1, in www.dgsi.pt.
(8) Cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. I, Coimbra 1960, págs. 146 e segs..
(9) Cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra 1960, págs. 146 e segs..
(10) Reza o artº 211º,nº1, da CRP, que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais “.
(11) O ETAF - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - foi aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, a qual por sua vez foi sujeito já a diversas alterações, designadamente introduzidas pelas Leis nºs 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, 107-D/2003, de 31 de Dezembro, 1/2008, de 14 de Janeiro, 2/2008, de 14 de Janeiro, 26/2008, de 27 de Junho, 52/2008, de 28 de Agosto, e 59/2008, de 11 de Setembro. DL n.º 166/2009, de 31/07, Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, Lei n.º 20/2012, de 14/05 e DL n.º 214-G/2015, de 02/10.
(12) Vide, neste conspecto, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29/6/2017, proc. nº 4143/16.0T8GMR.G1, maxime o respectivo voto de vencido, e in www.dgsi.pt.
(13) Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-05-2017, proc. nº 2471/16.4T8LSB-2,  e in www.dgsi.pt
(14) Cfr. Professor José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, Almedina, 2017, pág.s 60 e segs. .
(15) Cfr. Professor Aroso de Almeida , em anotação ao artigo 212º na Constituição anotada dos Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros, Coimbra Editora.
(16) Vide v.g. os Acs. do Tribunal da Relação de Guimarães de 9/2/2017 (proc. nº 6194/15.8T8BRG.G), de 26/1/2017 (proc. nº 1358/16.5T8BRG.G1), e de 8/6/2017 ( proc. nº 3508/16.2T8BRG.G1), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28/6/2017 (proferido no Proc. nº 259/16.1T8PBL.C2), e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/3/2017, proferido no proc. nº 146/16.T8AVR-8, todos eles acessíveis in www.dgsi.pt.
 (17) Vide v.g. os Acs. do Tribunal da Relação de Guimarães de 4/5/2017 (proc. nº 79/16.3T8VRL.G1) e de 29/6/2017 (proc. nº 4143/16.0T8GMR.G1) , e do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-05-2017, no processo nº 2471/16.4T8LSB-2 ,  e todos eles acessíveis in www.dgsi.pt.
(18) Vide v.g. o Ac. de 28/11/2007, do Tribunal de Conflitos, proferido no proc. nº 06/07, e acessível in www.dgsi.pt.
(19) Cfr. Ac. do STJ de 8/5/2014, in proc. 5737/09.6TVLSB.L1-S1, sendo Relator o Exmº Consº FERNANDO BENTO, e in www.dgsi.pt
(20) Cfr. Ac. do STJ de 9/7/2014, in proc. 934/05.6TBMFR.L1.S1, sendo Relator o Exmº Consº GRANJA DA FONSECA, e in www.dgsi.pt