Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
252/10.8TCFUN.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
RECONHECIMENTO TÁCITO DO DIREITO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Com o novo regime implantado pelo Dec. Lei n.º 84/2008, de 21/05 (alterou o Dec. Lei. n.º 67/2003de 8/04), o legislador visou a protecção de interesses de ordem pública, alheios aos interesses particulares que presidiram à formação do contrato, sendo, por isso, de aplicação imediata aos contratos já existentes.
2. Não tendo o autor alegado quem foram os adquirentes das fracções autónomas, não se pode concluir no sentido do autor representar condóminos que integrem o conceito de consumidores.
3. O reconhecimento só é impeditivo da caducidade se ocorrer antes de esgotado o prazo respectivo.
4. Actua com abuso de direito, o vendedor que, após ter criado no autor a expectativa de que, decorridos 4/5 anos da construção do prédio, procederia à reparação dos defeitos que surgissem no decurso daquele período, cuja ocorrência admitiu, confiando este na seriedade daquele propósito e, consequentemente, na desnecessidade de recorrer à via judiciária para ver satisfeito o seu direito, vem posteriormente invocar a excepção da caducidade do direito de acção.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:


I. Condomínio do Edifício P intentou contra M., Lda e S.& O., Lda a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo:

- A condenação das rés a pagar, solidariamente, o valor referente ao relatório de vistoria e a efectuar, no prazo que o Tribunal entender razoável, as correcções de todos os defeitos e anomalias existentes no Conjunto Habitacional P, sendo que não o fazendo e findo esse prazo deverão ficar, desde logo, obrigadas a pagar solidariamente, o montante equivalente às mesmas, acrescido de juros de mora à taxa legal até integral pagamento;

- ou, subsidiariamente, serem as rés, desde logo e para que o condomínio proceda às correcções dos defeitos através de terceiros, condenadas a pagar, solidariamente, os montantes correspondentes à reparação dos defeitos e à perícia, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que a 1ª ré promoveu a construção do edifício “Conjunto Habitacional do P” e submeteu-o a propriedade horizontal; que a empreiteira da obra foi a 2ª ré; que existem defeitos que foram denunciados, por escrito em 2.02.2009 e em 3.ll.2009; e que a 1ª ré, apesar de reconhecer os defeitos, não procedeu às reparações.

As rés contestaram, deduzindo excepção de caducidade do direito à reparação com fundamento em que a autora teria de ter denunciado os defeitos no prazo de 30 dias subsequente ao seu conhecimento e a acção sido proposta no prazo de 6 meses; que as situações enunciadas na petição inicial são do conhecimento dos proprietários das fracções e da administração do condomínio desde há mais de um ano por referência à interposição da acção; e que não se verificam os defeitos de construção nos moldes traçados na p.i.

Concluíram pela procedência da excepção da caducidade e pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

A autora replicou, alegando, além do mais, que a 1ª ré reconheceu os defeitos e comprometeu-se a repará-los quando o prédio tivesse quatro ou cinco anos, sendo que a invocação da caducidade nestas circunstâncias constitui um abuso de direito.

Acrescentou que o prazo para a instauração da acção é de 3 anos, nos termos do art. 5º do DL nº 67/2003, na redacção dada pelo DL 84/2008, de 21/05.

Entretanto, pelo despacho de fls.274, foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente à 2ª ré, face ao trânsito em julgado da sentença proferida nos autos n.º 3772/07.8TBFUN, que declarou esta ré em estado de insolvência.

Teve lugar a realização de audiência preliminar e foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da excepção da caducidade, organizados os factos assentes e elaborada a base instrutória.
Realizado o julgamento foi proferida sentença, na qual se decidiu:
“1°- Julgar improcedente a excepção da caducidade da acção e da denúncia dos defeitos;
2°- Julgar parcialmente procedente por parcialmente provada a acção e, em consequência:
- condenar a ré a pagar o valor referente ao relatório de vistoria;
- condenar a ré a efectuar as correcções de todos os defeitos e anomalias existentes no Conjunto Habitacional P, conforme vertido em 4° e 5º dos factos provados, com excepção daqueles que se considerou não constituírem defeitos de construção, no prazo de 6 meses;
- Condenar a ré a pagar à autora o valor que se liquidar em execução de sentença, no caso de a ré não proceder à reparação no prazo fixado.
Custas pelas partes na proporção do respectivo decaimento”.
Inconformada, apelou a 1ª ré, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:

1. O Condomínio em causa não é totalmente habitacional (facto confessado na replica pelo próprio A).

2. Razão pela qual não pode beneficiar do regime especial de garantia de venda de bens a consumidores.

3. O A. não pode ser considerado um consumidor quando a sua gestão é efectuada profissionalmente, por uma sociedade comercial que exerce uma actividade comercial, com vista à obtenção de lucro,

4. As razões justificativas e precedentes de uma tutela especial, subjacente ao regime da defesa dos consumidores (A «ratio» da legislação do consumo visa essencialmente «a necessidade de protecção dos consumidores perante as relações caracterizadas pela desigualdade de forças dos seus sujeitos, em matéria de poder económico, experiência, organização e informação», como escreve Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3a edição, Almedina, pg.233), não se verificam nestes casos.

5. Se as necessidades de uma tutela especial têm razão de ser quando a administração é eleita entre pares (condomínios), deixa de fazer sentido quando existe uma gestão profissional, assente numa estrutura e organização empresarial.

6. Ao aplicar o regime de garantias da venda de bens de consumo, aprovado pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio e não o regime comum, previstos nos artigos 913 e seguintes do CC, a douta sentença viola, pela negativa (não aplicação do regime certo) e pela positiva (aplicação de um regime incorrecto), as referidas normas.

7. Sem prescindir, considerando que a douta sentença andou bem ao aplicar o regime especial da venda de bens de consumo, o novo prazo de 3 anos, o mais longo, só se aplica aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do DL n.º 84/2008, ou seja, antes da data de 20 de Junho de 2008.

8. No caso em apreço os contratos de compra e venda foram celebrados pelo menos antes de 26/01/2008, dada da primeira assembleia de condóminos de constituição do condomínio.

9. A denúncia dos defeitos foi efectuada em reuniões ocorridas até fevereiro de 2009 e por fax, datado de 02/02/2009.

10. Ao aplicar o prazo de caducidade de 3 anos e não o anterior prazo de 6 meses, a douta sentença viola o n.º 3 do art. 5.º-A do DL n.º 67/2003, com a redacção dada pelo DL n.º 84/2008 e os artigos 916.º e 917.º do CC.

11. Quer se considere que o regime aplicável seja o comum, previsto nos artigos 916.º e 917.º, quer seja o regime especial previsto no DL n.º 67/2003, na redação actual, existem três prazos a considerar:

a) O prazo para efectuar a denúncia: 1 ano a contar do conhecimento ou da data em que o defeito foi detectado (n.º 3, primeira parte, do art. 916.º e n.º 2 do art. 5.º-A do DL n.º 67/2003;

b) Prazo para interpor a acção: 6 meses ou 3 anos, consoante se entenda, respectivamente, aplicar o regime comum ou o regime especial.

c) Prazo de garantia: 5 anos a contar da entrega do bem (N.º 3, segunda parte, do Art. 916.º e n.º 1 do art. 5 do DL n.º 67/2003.

12. Não basta a alegação de um reconhecimento genérico e abstracto para impedir a caducidade.

13. O reconhecimento deve ser claro, inequívoco, concreto, preciso e alheio a incertezas e vaguidades.

14. Veja-se por exemplo o que se fixou no Ac. da RP, datado de 14-05-2009, in www.dgsi.pt. ainda que num caso de empreitada, o qual teceu superiores conclusões, assim sintetizadas:
“IV - O reconhecimento do direito, para ter efeitos impeditivos da respectiva caducidade, tem que ter lugar antes do direito ter caducado e deve ser expresso, correcto e preciso, com valor equivalente ao acto sujeito à caducidade”.

15. No Ac. do STJ de 15-11-2008, in www.dgsi.pt. definiu-se os requisitos do reconhecimento impeditivo da caducidade do seguinte modo:
"V_ O reconhecimento do defeito impeditivo da caducidade ( artigo 331, n.º 2 do Código Civil} tem de ser expresso, correcto e preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor”.

16. O Ac. do STJ de 07-02-2013, in www.dgsi.pt: "III. O reconhecimento do direito, por banda daquele contra quem o mesmo deve ser exercido, para ter eficácia impeditiva da caducidade {art.º 331.º n.º 2 do C.C.) tem de ser concreto, preciso, sem margem de ambiguidade, antes de findo o prazo de caducidade”.

17. Dos factos provados decorre que a R. não efectuou qualquer reconhecimento, e seguramente, que não efectuou um reconhecimento claro, preciso, sério, categórico e inequívoco.

18. A única factualidade provada a este propósito apenas permite concluir que a R. mencionou que iria intervir no prazo de garantia, mas não reconheceu especificamente os defeitos, nem os podia reconhecer, uma vez que nas reuniões ocorridas até Fevereiro de 2009 (factos K, L e M), os relatórios de anomalias ainda não tinham sido elaborados (factos G e H), sendo os mesmos, datados de 27/10/2009 e 23/04/2010.

19. Ora, sem denúncia concreta e precisa de defeitos, não pode haver um reconhecimento concreto e preciso impeditivo da caducidade.

20. Por conseguinte, aos concluir pelo reconhecimento impeditivo da caducidade, a douta sentença viola o disposto no n.º 2 do art. 331.º do c.c.

Termina pedindo seja o presente recurso julgado procedente e sentença revogada e substituída por uma outra que julgue procedente a excepção de caducidade e absolva a R. dos pedidos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


***

II. Em 1ª instância, foram dados como provados os seguintes factos:
1. A primeira ré, M., Lda, é uma sociedade que se dedica à promoção, compra e venda, permuta e arrendamento de bens imobiliários (A));
2. No âmbito desta sua actividade comercial adquiriu um prédio para construção, e nele, na qualidade de dona da obra, mandou edificar o Edifício" Conjunto Habitacional do P", sito ao P, freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n°. 1385 -... (B));
3. A empreiteira da obra foi a sociedade, também ré, S. & O., Lda. (C));
4. A conclusão da construção do edifício verificou-se no mês de Agosto de 2006 (13°);
5. Em 05 de Setembro de 2006, reuniram-se os representantes técnicos das empresas ora RR., que procederam à "( ... ) vistoria dos trabalhos executados, constatando-se que a obra encontra-se em condições de ser aceite" (24°);
6. E, em consequência, fora elaborado o "Auto de Recepção do Edifício "Conjunto Habitacional do P" e entregue as chaves (25°).
7. Na sequência do Auto de Recepção do Edifício, as RR. assumiram que toda e qualquer reparação far-se-ia dentro do prazo legal dos 5 anos (15º);
8. Prazo esse que terminou a 5 de Setembro de 2011 (16°);
9. E a M., Lda procedeu à sua comercialização (D));
10. Durante o ano de 2007 ou seja, decorrido 1 ano após a conclusão do edifício e a instalação de 42 condóminos ao longo daquele ano, não houvera quaisquer reclamações (14°);
11. O condomínio do supra identificado prédio foi constituído em 26 de Janeiro de 2008 (E));
12. Nessa mesma data a autora assumiu a sua administração (P));
13. Nessa sequência, a administração requereu um relatório de defeitos de todas as anomalias e patologias do Edifício, tudo conforme melhor discriminado no documento que se junta sob o n°. 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (G));
14. Posteriormente foi elaborado um relatório complementar, por forma a aprofundar o primeiro, (H));
15. As RR. aguardaram pela ocupação total do imóvel e pelo prazo atrás referido para dar início às reparações (J));
16. Posição esta do conhecimento da A, porquanto em 16/02/2009 aquando da Assembleia de Condóminos, no ponto 4 da ordem de trabalhos "Deliberação sobre as medidas a tomar relativamente às anomalias de construção" está escrito na acta (K));
17. "( ... ) o administrador, informou aos condóminos que após algumas reuniões e contactos mantidos com a empresa promotora do prédio, que as anomalias de construção mais graves, serão somente corrigidos quando o prédio tiver entre quatro a cinco anos (L));
18. Mais: " No entanto, algumas infiltrações de água que o prédio apresenta, já serão rectificadas pela empresa promotora, ficando as fissuras e todas as outras anomalias aquando da intervenção mais profunda, antes do final do prazo de garantia do edifício" (M));
19. Nesta, pode ler-se "roubo de roupa de estendais, portas partidas, avarias nas luzes de emergência, garagem por limpar, tapetes sacudidos e beatas de cigarro para os corredores e para as fracções de andares inferiores e crianças que jogam à bola contra a parede e os vidros das fracções existentes, bem como a construção de alpendres não licenciados, pela Câmara - vide pontos 1 e 3 da ordem de trabalhos constante da Acta (N));
20. Em consequência do atrás referido, a entidade promotora, solicitou um Relatório sobre as infiltrações de águas, cuja conclusão aponta para uma ausência/omissão de manutenção dos equipamentos e infra-estruturas do edifício por parte da Administração do Condomínio (17°);
21. Já em 02/02/09, a A remeteu à promotora, um fax com o seguinte teor: "Serve a presente para dar a conhecer algumas anomalias de construção que foram indicadas por alguns condóminos do Edifício Conjunto Habitacional do P. Estas anomalias deverão ser reparadas o mais urgente possível pois, são prejudiciais ao edifício e causam desconforto a quem nele habita.
De seguida mencionamos as tais deficiências de construção
- Canteiro à entrada do Bl. 5 está mal isolado, deixando passar água para a garagem alagando o estacionamento n.º 25
- Bl. 3, entrada do bloco a tinta da parede está a cair
- Há derrames de água nos estacionamentos n° 17 e 18
- Chão da garagem está a abrir fendas - Fissuras nas paredes em todos os blocos em geral" (O));
22. No primeiro semestre do ano de 2009, começaram a tornar-se visíveis diversos defeitos de construção nas zonas comuns do Edifício P (I").
23. Defeitos, esses, que são originários do próprio imóvel e, no momento da compra e venda, encontravam-se ocultos e imperceptíveis (2°);
24. Tanto assim foi que, só após o 1° semestre de 2009 os condóminos alertaram a administração para a existência de defeitos (3°);
25. Entre os defeitos em causa destacam-se os seguintes:
 b) Deficiente aplicação e/ou concepção de argamassas na garagem, nas zonas de entrada das caixas de escadas, na pala de cobertura dos blocos 2 e 3 e ligação do pavimento no bloco 3;
 c) Paredes executadas demasiadamente justas às vigas e/ou lajes;
d) Paredes executadas topo a topo com pilares;
e) Deformidade excessiva numa viga da garagem;
h) Ausência de rede nos pontos singulares para reforçar a argamassa, permitindo a absorção de esforços adicionais nestas zonas;
 i) Inexistência de juntas eficientes no pavimento da garagem;
l) Deficiência de execução das ligações dos pavimentos com outros elementos;
m) Acabamentos insatisfatórios em zonas circundantes de elementos de drenagem de águas pluviais no pavimento da garagem;
 n) Má execução de pendentes no pavimento no pavimento da garagem;
q) Percolação de água devido à fissuração existente;
s) Deficiente escolha da pedra natural aplicada nos peitoris;
 t) Deficiências do sistema elevatório de drenagem de águas pluviais;
u) Inexistência de protecção anti-corrosiva nas tampas metálicas e elementos da vedação do recinto de gás;
y) Acabamentos insatisfatórios na ligação dos aros das portas com a paredes nas portas corta-fogo;
z) Empenos e defeitos de montagem nas portas corta-fogo em situações pontuais;
aa)Ausência de borrachas vedantes nas portas corta-fogo;
cc) Má execução de pendentes em pavimentos exteriores junto aos blocos 3 e 4;
ff) Distância de projecção da caleira da cobertura entre os blocos 2 e 3 insuficiente;
 gg) Sistema de drenagem de águas pluviais da garagem desadequado;
 hh) Concepção deficiente das juntas de dilatação;
 ii) Diversas interrupções no traçado das juntas de dilatação;
jj) Utilização de material com rigidez elevada a preencher parcialmente a junta de dilatação;
 kk) Acabamentos insatisfatórios da ligação da junta com paredes, pilares e pavimento da garagem;
qq) Ligações insatisfatória entre elementos de instalações técnicas e tectos e paredes inferiores e de garagem;
 ss) Acabamentos insatisfatórios em caixas e ralos de pavimentos da garagem;
uu) Ligações insatisfatórias entre paredes e pavimento da garagem;
 vv) Situações pontuais de acabamentos insatisfatórios do pavimento da garagem, com particular relevo para as zonas onde passam as canalizações;
ww) Tectos e vigas que apresentam manchas que evidenciam uma betonagem não contínua; xx) Variação pronunciada da secção de uma viga da garagem;
zz)Obstrução de tubo embutido em parede exterior, junto ao pavimento;
aaa) Anomalias e empenos de acessórios de suspensão de canalizações;
ddd) Retracção / dilatação de pavimentos exteriores por falta de juntas de dilatação e de contracção, originando um acréscimo de tensões nos lancis;
 eee) Recobrimento insuficiente nos elementos estruturais (num pilar e numa viga da garagem);
 fff) Deficiência na montagem dos varões de aço (num pilar e numa viga da garagem);
 ggg) Pouca robustez dos elementos de fixação das molas;
kkk) Movimentos diferenciais suporte -revestimento que provocam tracção nos revestimentos do pavimento da garagem;
 lll) Contracção ou expansão do produto de assentamento dos revestimentos nas zonas da fissuração irregular na garagem; 000) Desgaste excessivo em zonas de maior circulação;
ppp) Ataque químico;
qqq) Abertura de poros na superfície das peças, em consequência do desgaste nos cobertores dos degraus da caixa de escadas;
 rrr) Irregularidades da superfície do suporte nos cobertores dos degraus da caixa de escadas;
uuu) Infiltrações na interface suporte - revestimento nos peitoris dos vãos da caixa de escadas;
yyy) Aplicação deficiente da impermeabilização, ou seja, aplicação da impermeabilização posterior à colocação soleira, o que potência a sua degradação;
aaaa) Humidades existentes nos elementos das paredes exteriores principalmente associadas à fissuração;
 bbbb) Fissuração existente nos elementos das paredes exteriores;
 cccc) Aplicação insatisfatória de pintura, apresentando tonalidades diferentes;
dddd) Humidades existentes na garagem nas zonas enterradas dos blocos 4 e 5; (4°).
26.  Tais defeitos de construção têm provocado diversos problemas, nomeadamente:
a) Fissuração em paredes de garagem, lajes aligeiradas na garagem, vigas na garagem, ligação entre paredes de garagem e elementos estruturais, paredes de circulações comuns, paredes exteriores, ligações entre paredes exteriores, muros e paredes da rampa de acesso à garagem;
b) Desgaste excessivo e fissuração do pavimento da garagem;
c) Humidades em paredes e tectos da garagem, em paredes exteriores, em muros e no tecto exterior junto ao bloco 5;
d) Oxidação de tampas metálicas em garagem e exteriores e elementos da vedação do recinto do gás;
 f) Anomalias em portas corta-fogo em situações pontuais;
g) Sistema de drenagem de aguas pluviais com desempenho insatisfatório;
h) Degradação excessiva de juntas de dilatação e elementos circundantes;
 i) Desgaste e fissuração de pavimentos exteriores e lancis;
j) Oxidações num pilar e numa viga da garagem;
 k) Degradação excessiva da ligação da mola das portas de entrada dos blocos com as alvenarias;
 q) Descoloração de paredes da garagem (5º).
27.  Não fossem os supra descritos defeitos e anomalias de construção, o edifício não apresentava os problemas identificados no artigo anterior (6°);
28. O dano constante da alínea ZZ) é consequência de manutenção descurada (20°);
29. Assim, em 3 de Novembro de 2009, a ora autora remeteu à M., Lda, por carta registada com aviso de recepção, a denúncia de todos os defeitos existentes (7º);
30. E a ré M., Lda recebeu a supra indicada carta acompanhada do relatório no dia 6 de Novembro de 2009 (8°);
31. Na carta procedia-se à denúncia dos defeitos (9°);
32. Isto é, apesar de reconhecer a existência dos defeitos e a necessidade da sua reparação, não procedeu à reparação conforme solicitado pela administração do condomínio (10°);
33. Para a elaboração do supra identificado relatório de vistoria o Condomínio despendeu a quantia de 550,00 € (Quinhentos e cinquenta euros) (11°);
34. Sendo que, os defeitos supra discriminados, bem como nos relatórios juntos são, todos eles, decorrentes de uma má ou deficiente execução da obra (12°);
35. Na acta datada de 22 de Fevereiro de 2010, após ser dado conhecimento aos condóminos de todo o historial até então, foi deliberado que " a administração deverá, em representação do condomínio, actuar judicialmente por forma a garantir o ressarcimento dos valores necessários à reparação desses mesmos defeitos ou a própria reparação /correcção de defeitos e anomalias decorrentes da má e deficiente execução da obra" (1));
36.  A acção foi intentada no dia 03/05/2010 (P)).
37. A ré procedeu a algumas reparações (19°);
38. As RR. solicitaram um Relatório Técnico elaborado pelo Exmo. Snr. Eng.º Civil EO, o qual aponta para a existência de anomalias reparáveis no montante de 19.060,00€ -Doc. N°. 5 (22°);

***

III. As questões a decidir resumem-se, essencialmente, em apurar:

- se ocorreu a caducidade do direito do autor;

- se houve reconhecimento do direito do autor por parte da ré;

- se, tendo decorrido o prazo de caducidade, a invocação desta traduza uma situação de abuso de direito.

*

IV. Da questão de mérito:

Da excepção da caducidade:

É pacífico nos autos que estamos perante o regime jurídico da venda de coisa defeituosa, estando em causa o exercício do direito à reparação de defeitos verificados em partes comuns de um prédio constituído em propriedade horizontal.

É igualmente aceite entre as partes que o prazo de caducidade do direito de acção é aplicável, não apenas à acção de anulação, mas também à formulação de qualquer outra pretensão baseada na existência de defeitos da coisa vendida, incluindo o direito à reparação, como tem vindo a entender a melhor doutrina e a maioria da jurisprudência – cfr. Ac. STJ de 24/5/12 (Relator: Serra Baptista); Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 5.ª ed., Almedina, 2008, pág. 80.

Em causa está apenas a questão da caducidade do direito do autor.

Como é sabido, o exercício do direito à reparação dos defeitos depende da observância de três prazos:

1º - O prazo de um ano para fazer a denúncia, contado a partir do conhecimento dos defeitos (art. 916º, n.ºs 2 e 3, do C. Civil);

2º - O prazo de cinco anos para a denúncia poder ser feita (vide as citadas disposições legais);

3º - O prazo de 6 meses (arts. 917º do C.C.), um ano (art. 1225º, nºs 2, 3 e 4 do C. Civil) ou três anos (art. 5º-A, n-.º 3, do Dec Lei n.º 67/2003, de 8/04, ma redacção do Dec- Lei n.º 84/2008, de 21/05), consoante as situações, para a propositura da acção, contado a partir da denúncia.

A excepção da caducidade, foi invocada na contestação apenas quanto à 1ª e 3ª vertentes, sendo indubitável que se não provou que entre o conhecimento dos defeitos pela autora e a sua denúncia (dias 2/02/2009) e 3/11/2009) tivesse decorrido um prazo superior a 1 ano, improcedendo a excepção da caducidade, nesta vertente.

Quanto à 3ª vertente (exercício do direito de acção):

Reside aqui o cerne da apelação.

Apurou-se que entre a propositura da acção (em 03/05/2010) e a data da 1ª denúncia de alguns defeitos (2/02/2009) decorreram 15 meses e 1 dia.

Já quanto aos defeitos denunciados pela carta de 3/11/2009, não decorreu um prazo superior a 6 meses.

Coloca-se assim a questão de saber qual o prazo de caducidade aplicável.

Na sentença entendeu-se ser esse prazo de 3 anos, nos termos do art. 5º-A, n.º 3 do Dec. Lei n.º 67/2003, de 8704, e que ocorreu reconhecimento do direito do autor por parte da ré.

Assim, exarou-se na sentença, além do mais, que:

“Os factos apurados e a pretensão deduzida pela A. devem subsumir-se ao regime jurídico da venda coisa defeituosa previsto no art. 913° e seguintes do C. Civil (certo que ficou demonstrado que a ré não procedeu à construção do prédio tendo apenas promovido a sua construção - cf. ponto A). da matéria de facto).

Trata-se de responsabilidade contratual emergente de cumprimento defeituoso do contrato, pois a prestação do devedor não satisfaz o interesse do credor, pela circunstância de nas partes comuns do edifício acima identificado se verificarem imperfeições ou desconformidades relativamente às que são normais e deviam existir, atento o seu destino e função.

(…)

Neste caso, estamos perante um contrato de compra e venda relativo às fracções integradas num prédio em regime de propriedade horizontal em cujas zonas comuns se constata a existência dos defeitos enunciados no ponto 4°. da matéria de facto.

A A, enquanto administradora do condomínio e legitimada por deliberação da assembleia de condóminos, intentou a presente acção com vista a obter a reparação dos aludidos defeitos.

Porém, a ré, promotora do edifício, veio deduzir a excepção de caducidade.

Ora, quando o comprador opta por se prevalecer do regime da venda de coisa defeituosa, designadamente, pedindo a reparação da coisa, o prazo de caducidade do direito de acção seria, em princípio, o previsto no art. 9l7° do C. Civil para a acção de anulação por simples erro, ou seja, seis meses após a denúncia dos defeitos, ou, se não tiver havido denúncia, seis meses após o decurso dos prazos fixados no art. 916° do mesmo diploma legal - cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-12-2010 publicado na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt.

(…)

Contudo, se a compra e venda tiver por objecto bem imóvel destinado a longa duração, que tenha sido construído, reparado ou modificado pelo vendedor, o prazo de caducidade do direito de acção para reparação dos defeitos é o prazo de um ano previsto no n.º 3 do art. l225º do Civil, por remissão para o n.º 2, tal como resulta do n.º 4 do mesmo art. l225º, com a redacção introduzida pelo DL n." 267/94, de 25-10 que visou proteger o direito do cidadão adquirente, enquanto consumidor, responsabilizando o empreiteiro perante o dono da obra e perante terceiro que adquiriu o imóvel.

Sucede que, a Directiva Comunitária n. ° 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-05-1999 veio estabelecer um regime que visa um elevado grau de protecção aos consumidores perante a venda de bens defeituosos pois tal como resulta do seu artigo 1°, n.º 1 tal Directiva tem "por objectivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar um nível mínimo uniforme de defesa dos consumidores no contexto do mercado interno. "

O DL n.º 67/2003, de 8-04 transpôs para o nosso ordenamento jurídico a Directiva n.º 1999/44/CE, tal como se extrai do expressamente consignado no seu preâmbulo, sendo que desta Directiva emerge a proibição dos Estados Membros de fixarem prazos de caducidade de propositura de acções de reacção perante a venda de bens defeituosos ou com falta de conformidade com o pretendido, inferiores a dois anos contados da entrega dos bens em causa - cf. art. 5º, n.º 1 da Directiva.

Porém, o legislador do DL n.º 67/2003, de 8-04 manteve esse prazo em seis meses (art. 5º, n.º 3, na redacção inicial) que já vinha da Lei de Defesa do Consumidor (art. 12°, n.º 3 na redacção inicial) e do art. 917° do C. Civil.

Entretanto, o DL n.º 84/2008, de 21-05 veio introduzir alterações ao DL n.º 67/2003, de 8-04 sendo aditado o art. 1°-Bem cuja alínea a) se definiu «Consumidor» como "aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.° da Lei n." 24/96, de 31 de Julho" e na alínea b) «Bem de consumo» como "qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão".

De igual modo, por força do novo art. 5º-A, n.º 3 do DL n.º 67/2003, de 8-04, o prazo de caducidade para que o consumidor possa exercer os direitos previstos no art. 4° foi fixado, tratando-se de coisa imóvel, em três anos a contar da data da denúncia sendo que esta deve ocorrer dentro do prazo de cinco anos a contar da data da entrega da coisa (cf. art. 5º n.º 1).

Nesta conformidade, o prazo para o exercício do direito de obter a reparação subsequente à denúncia terá de ser fixado em três anos.

No caso em apreço, tendo em conta que se trata de pessoas singulares que adquiriram as suas fracções a uma empresa que se dedica à promoção de edifícios, há que entender ser aplicável a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31-07, em vigor à data dos factos, alterada pelo DL n." 67/2003, de 8-04)”.

Dissentindo deste entendimento, diz a apelante que:

- O Condomínio em causa não é totalmente habitacional, razão pela qual não pode beneficiar do regime especial de garantia de venda de bens a consumidores, tanto mais que o A. não pode ser considerado um consumidor quando a sua gestão é efectuada profissionalmente, por uma sociedade comercial que exerce uma actividade comercial, com vista à obtenção de lucro;

-  Acresce que, o novo prazo de 3 anos, o mais longo, só se aplica aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do DL n.º 84/2008, ou seja, antes da data de 20 de Junho de 2008.

- No caso em apreço os contratos de compra e venda foram celebrados pelo menos antes de 26/01/2008, dada da primeira assembleia de condóminos de constituição do condomínio;

- A denúncia dos defeitos foi efectuada em reuniões ocorridas até Fevereiro de 2009 e por fax, datado de 02/02/2009.

- Ao aplicar o prazo de caducidade de 3 anos e não o anterior prazo de 6 meses, a sentença viola o n.º 3 do art. 5.º-A do DL n.º 67/2003, com a redacção dada pelo DL n.º 84/2008 e os artigos 916.º e 917.º do CC.

Dispõe o art. 1225º, n.º 4, do C. Civil, que:

O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.

Não tendo no caso em análise a ré vendedora sido a construtora directa do imóvel, pois que celebrou com a ex-ré S.& O., Lda um contrato de empreitada, é controvertido na jurisprudência se nesta situação a vendedora está ou não sujeita à responsabilidade prevista naquele preceito para o construtor/vendedor.

Em dois dos acórdãos mais recentes, o STJ entendeu que o relevante não é ter materialmente desenvolvido a actividade de construção, mas sim saber se o réu “teve o domínio da construção, se [a] desenvolveu no âmbito profissional”, para depois se concluir que “o conceito de construtor que é utilizado no nº 4 do artigo 1225º do Código Civil é um conceito lato, que tanto abrange o construtor directo como aquele que, profissionalmente, constrói directamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidos no sentido do nº 1 do artigo 2º da lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de defesa dos consumidores)” – cfr. Acs. do STJ de 05.03.2013 (Relatora: Maria dos Prazeres Beleza) e de14/01/2014, (Relator: Moreira Alves), acessíveis em www.dgsi.pt.

Seja como for, não há necessidade de nos embrenharmos nesta problemática, pois que no caso em análise não assume nos autos particular relevância, pois que a acção, relativamente aos defeitos denunciados em 3/11/2009, foi, manifestamente, tempestivamente proposta (ocorreu no prazo de seis meses), e, no que toca aos defeitos denunciados dia 2/2/2009 foi instaurada mais de 15 meses após essa denúncia.

O cerne da questão está, pois, em saber se ao caso é aplicável o estatuído no art. 5º-A, n.º 3 do Dec. Lei n.º 67/2003, de 8/04, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 84/2008, de 21/5 (aí estabelece-se um prazo de três anos, a contar da denúncia, para o exercício do direito de acção relativamente aos contratos de compra e venda de imóveis celebrados entre profissionais e consumidores).

Nesta sede, não obstante o Dec. Lei n.º 84/2008, de 21/5 apenas ter entrado em vigor dia 20/06/2008, aceita-se que o mesmo é de aplicação imediata aos contratos já existentes (art. 12º, n.º 2, 2ª parte do C. Civil) – cfr., sobre a aplicabilidade imediata da Lei n.º 67/2003, João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual dos Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2ª edição, pág. 244/245.

Com efeito, com o novo regime implantado pelo Dec. Lei n.º 84/2008 o legislador visou a protecção de interesses de ordem pública, alheios aos interesses particulares que presidiram à formação do contrato.

E, como refere Baptista Machado (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, págs. 240 e 241), sempre se entendeu que o princípio da aplicação da lei antiga às situações jurídicas contratuais estava sujeito a excepções, pelo que são de aplicação imediata as chamadas leis de ordem pública, isto é, aquelas leis imperativas que visam tutelar um interesse social particularmente imperioso ou fundamental, bem como as disposições da lei nova que modelam um novo regime geral das pessoas e dos bens.

Porém, para além da questão da aplicabilidade no tempo desta norma, o problema está em saber se nos encontramos perante a figura do adquirente/consumidor.

Ora, não é a circunstância do autor ser o condomínio que obsta, por si só, a que lhe seja atribuída essa qualidade, uma vez que se trata de entidade que representa os condóminos de um imóvel constituído em propriedade horizontal.

E, é bom não esquecer, que a fonte de responsabilização da ré, enquanto vendedora, não é o cumprimento defeituoso de um qualquer contrato celebrado entre esta e o autor, mas sim dos contratos de compra e venda celebrados com os diversos adquirentes das fracções/condóminos.

Por outro lado, é sabido que consumidor é todo aquele (pessoa singular) a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados (exclusivamente) a uso não profissional, por pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.” (cof. Calvão da Silva, obra citada – fls. 125).- Ac STJ de  20 de Outubro de 2011 (Relator: Moreira Alves), acessível em www.dgsi.pt.

Em face deste conceito, seria mister que se tivesse apurado que os compradores das fracções e actuais condóminos são pessoas singulares, posto que a ré vendedora M., Lda, é uma sociedade que se dedica à promoção, compra e venda, permuta e arrendamento de bens imobiliários

Ora, da factualidade apurada apenas decorre que nos encontramos perante um imóvel destinado essencialmente, a fins habitacionais, fluindo ainda das posições assumidas pelas partes nos articulados que é composto por 46 fracções autónomas, destinando-se 45 a habitação (vide doc. n.º 2 junto com a p.i. e o alegado no art. 2º da contestação).

Porém, desconhece-se, por tal não ter sido alegado pelo autor, quem foram os adquirentes das fracções (se pessoas singulares, se pessoas colectivas ou se umas e outras), sendo que esse facto não se pode inferir da demais factualidade apurada, posto que nada impede, por exemplo, uma sociedade de adquirir uma ou diversas fracções para hospedar os seus trabalhadores ou ainda para posteriormente as arrendar a terceiros.

Não tendo o autor alegado quem foram os adquirentes das fracções, não se pode concluir no sentido do autor representar condóminos que integrem o conceito de consumidores.

Não pode, por isso, o autor beneficiar do regime especial expresso no Dec. Lei n.º 67/2003, de 8/04.

Consequentemente, relativamente aos defeitos a que se reporta a denúncia de 2/02/2009, a presente acção foi instaurada para além do prazo de caducidade dos 6 meses.

O mesmo se passa relativamente a alguns dos defeitos denunciados dia 3/11/2009, por se tratarem dos mesmos defeitos já anteriormente denunciados (denúncia de 2/02/2009). Reportamo-nos às fissuras registadas nas paredes exteriores de todos os blocos e à fissuração do pavimento das garagens [factos 25 bbbb) e 26 als. a) e b)].

Da questão do (alegado) reconhecimento impeditivo da caducidade:

Entendeu-se na sentença impedir a caducidade o reconhecimento pela ré/ora apelante do direito do autor à reparação, nos termos do art. 331º, n.º 2, do C. Civil.

Exarou-se na mesma que:

“Conforme se retira dos factos provados, em 2.02.2009 e em 3.1l.2009, a A. denunciou à ré a existência de defeitos. Posteriormente, não há notícia de que a ré tenha procedido a reparações incidentes sobre tais anomalias.

Com efeito, não ficou demonstrado que a ré tenha procedido a reparações na sequência da denúncia efectuada pela A. mas tão-somente que procedeu a algumas reparações, em data não apurada (Cfr. ponto19. da matéria de facto).

Tal como resulta do acima expendido o reconhecimento que permita atingir o mesmo efeito do exercício do direito impede a caducidade.

A A. sustentou que a ré havia reconhecido a existência dos defeitos tanto mais que na sequência da denúncia se aprestou a repará-los embora não os tenha reparado integralmente.

A matéria de facto apurada permite, concluir no sentido expendido pela A ..

De facto, em face da matéria fáctica provada é possível afirmar que a ré chegou a reconhecer a existência dos defeitos denunciados o que viabilizaria, desde logo, a verificação do impedimento da caducidade”.

Contrapõe, porém, a apelante que:

- Não basta a alegação de um reconhecimento genérico e abstracto para impedir a caducidade, pois que este tem de ser claro, inequívoco, concreto, preciso e alheio a incertezas e vaguidades.

- Por conseguinte, aos concluir pelo reconhecimento impeditivo da caducidade, a sentença viola o disposto no n.º 2 do art. 331.º do C.C.

Vejamos.

Dispõe a citada disposição legal que “quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou por disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.

Esse reconhecimento do direito tem de ser inequívoco, isto é, expresso, claro e preciso, para funcionar como causa impeditiva da caducidade.
Nesta sede apurou-se que:

- A conclusão da construção do edifício verificou-se no mês de Agosto de 2006;

- Na sequência do Auto de Recepção do Edifício, as RR. assumiram que toda e qualquer reparação far-se-ia dentro do prazo legal dos 5 anos (15º), prazo esse que terminou a 5 de Setembro de 2011;

- O condomínio do supra identificado prédio foi constituído em 26 de Janeiro de 2008, tendo nessa data a autora assumido a sua administração;

- Em 02/02/09, a A remeteu à promotora, um fax com o seguinte teor: "Serve a presente para dar a conhecer algumas anomalias de construção que foram indicadas por alguns condóminos do Edifício Conjunto Habitacional do P. Estas anomalias deverão ser reparadas o mais urgente possível pois, são prejudiciais ao edifício e causam desconforto a quem nele habita.

De seguida mencionamos as tais deficiências de construção

- Canteiro à entrada do Bl. 5 está mal isolado, deixando passar água para a garagem alagando o estacionamento n.º 25

- Bl. 3, entrada do bloco a tinta da parede está a cair

- Há derrames de água nos estacionamentos n° 17 e 18

- Chão da garagem está a abrir fendas - Fissuras nas paredes em todos os blocos em geral" (O));

- As RR. aguardaram pela ocupação total do imóvel e pelo prazo atrás referido para dar início às reparações (J)), posição esta que pelo menos em 16/02/2009 já era do conhecimento do A,

- A entidade promotora, solicitou um Relatório sobre as infiltrações de águas, cuja conclusão aponta para uma ausência/omissão de manutenção dos equipamentos e infra-estruturas do edifício por parte da Administração do Condomínio (17°);

- E remeteu esse relatório (datado de 2/03/2009) ao autor, manifestando disponibilidade para dentro das suas responsabilidades legais proceder à reparação dos defeitos que pudessem surgir (esta factualidade decorre do doc. de fls. 144, datado de 5/3/2009, junto pela ré com a contestação);

- Em 3 de Novembro de 2009, a ora autora remeteu à M., Lda, por carta registada com aviso de recepção, a denúncia de todos os defeitos existentes;

- E a ré M., Lda recebeu a supra indicada carta acompanhada do relatório no dia 6 de Novembro de 2009;

- Apesar de reconhecer a existência dos defeitos e a necessidade da sua reparação, não procedeu à reparação conforme solicitado pela administração do condomínio (10°);

- A acção foi intentada no dia 03/05/2010 (P)).

- A ré procedeu a algumas reparações (19°);

Perante este quadro factual, considerou a sentença recorrida que houve um acto de reconhecimento dos defeitos por parte das RR.

Porém, e como é sabido, o reconhecimento só é impeditivo da caducidade se ocorrer antes de esgotado o prazo respectivo – cfr. Acs. do STJ de 29-06-2010 (Relator: Helder Roque) e de 24-05-2012 (Relator: Serra Baptista), acessíveis em www.dgsi.pt; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 295 e 296.

Ora, não se provou que a ré, antes do decurso do prazo da caducidade (este, sendo de 6 meses, terminou dia 2/08/2009), tivesse reconhecido de forma inequívoca os defeitos concretamente denunciados dia 2/2/2009, assumindo o compromisso de os eliminar, tendo-se limitado a manifestar disponibilidade para proceder às reparações dos defeitos relativamente aos quais se apurasse serem da sua responsabilidade (vide doc. de fls. 144, junto pelas rés).

É certo que se provou que a ré veio a reconhecer a existência dos defeitos e a necessidade da sua reparação, mas tal ocorreu após o termo do prazo de caducidade (facto descrito sob o n.º 32).

Assim sendo, tal como propugna a apelante, não se verificou o reconhecimento impeditivo da caducidade.

Do alegado abuso de direito:

Em face da não verificação do reconhecimento obstativo da caducidade, importa conhecer do alegado abuso de direito invocado pelo autor na réplica, o qual é, de resto, de conhecimento oficioso.

Assim:

Sustenta o autor que a 1ª ré reconheceu os defeitos e comprometeu-se a repará-los quando o prédio tivesse quatro ou cinco anos, pelo que a invocação da caducidade nestas circunstâncias constitui um abuso de direito.

Estipula o art. 334º, do C. Civil, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

A figura do abuso do direito surge, assim, como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam, por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo – cfr. Ac. STJ de 12/06/2012, in www.dgsi.pt.

Uma das manifestações do abuso de direito, é a proibição do venire contra factum proprium.

Na modalidade de “venire contra factum proprium”, o abuso de direito caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.

Como considera o Prof. Meneses Cordeiro (in ROA 1998, vol II, pag. 964), “podem apontar-se quatro pressupostos da protecção da confiança através do venire:

1.º uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);

2.º uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;

3.º um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara (sublinhados nossos);

4.º uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível”.

Deste modo, para que se possa dar por criada uma situação objectiva de confiança torna-se necessário que alguém pratique um facto – o factum proprium – que, em abstracto, seja apto a determinar em outrem uma expectativa da adopção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com o primeiro e que, em concreto, gere efectivamente uma tal convicção.

Nesta matéria apurou-se que:

- As rés assumiram que toda e qualquer reparação far-se-ia dentro do prazo legal dos 5 anos, prazo esse que terminou a 5 de Setembro de 2011;

- Esta atitude era do conhecimento do autor pelo menos desde o dia 16/02/2009 (consta da acta da assembleia de condóminos, então realizada, que o administrador, informou aos condóminos que após algumas reuniões e contactos mantidos com a empresa promotora do prédio, que as anomalias de construção mais graves, serão somente corrigidos quando o prédio tiver entre quatro a cinco anos; Mais: " No entanto, algumas infiltrações de água que o prédio apresenta, já serão rectificadas pela empresa promotora, ficando as fissuras e todas as outras anomalias aquando da intervenção mais profunda, antes do final do prazo de garantia do edifício”);

- Após a ré ter recebido a denúncia de 2/02/2009, a ré manifestou disponibilidade para dentro das suas responsabilidades legais proceder à reparação dos defeitos que pudessem surgir (doc. de fls. 144, datado de 5/3/2009,);

-  A ré procedeu a algumas reparações;

- Já após a denúncia de 3/11/2009, apesar de reconhecer a existência dos defeitos e a necessidade da sua reparação, a ré não procedeu à reparação conforme solicitado pela administração do condomínio.

Destes factos deriva que a ré criou no autor a expectativa de que, decorridos 4/5 anos da construção do prédio, procederia à reparação dos defeitos que surgissem no decurso daquele período, cuja ocorrência admitiu, tendo inclusivamente procedido a algumas reparações.

Em face da conduta assim assumida pela ré, o autor confiou, justificadamente, na seriedade do propósito de correcção dos defeitos manifestado por aquela e, consequentemente, na desnecessidade de recorrer à via judiciária para ver satisfeito o seu direito, não tendo, por essa razão, então actuado em juízo.

Sendo assim, relativamente aos defeitos a que se reporta o fax de 2/02/2009, ao vir posteriormente, contra facto próprio, invocar a excepção da caducidade do direito de acção, a ré assumiu um comportamento manifestamente abusivo.

Não pode, por isso, proceder, a excepção peremptória de caducidade, na parte em apreciação.

Pelas razões que se deixam aduzidas, impõe-se confirmar a sentença recorrida, ainda que com fundamentação algo diversa, julgando-se improcedente a apelação.

*
Sumário (da responsabilidade do relator):
5. Com o novo regime implantado pelo Dec. Lei n.º 84/2008, de 21/05 (alterou o Dec. Lei. n.º 67/2003de 8/04), o legislador visou a protecção de interesses de ordem pública, alheios aos interesses particulares que presidiram à formação do contrato, sendo, por isso, de aplicação imediata aos contratos já existentes.
6. Não tendo o autor alegado quem foram os adquirentes das fracções autónomas, não se pode concluir no sentido do autor representar condóminos que integrem o conceito de consumidores.
7. O reconhecimento só é impeditivo da caducidade se ocorrer antes de esgotado o prazo respectivo.
8. Actua com abuso de direito, o vendedor que, após ter criado no autor a expectativa de que, decorridos 4/5 anos da construção do prédio, procederia à reparação dos defeitos que surgissem no decurso daquele período, cuja ocorrência admitiu, confiando este na seriedade daquele propósito e, consequentemente, na desnecessidade de recorrer à via judiciária para ver satisfeito o seu direito, vem posteriormente invocar a excepção da caducidade do direito de acção.

*

VII. Decisão:

Pelo acima exposto, decide-se:
1. Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida;
2. Custas pela apelante.
3. Notifique.

Lisboa, 19 de Maio de 2015

 (Manuel Ribeiro Marques - Relator)

 (Pedro Brighton - 1º Adjunto)

 (Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)