Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4765/12.9TTLSB.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: SUMÁRIO:
I. Qualquer pessoa de normal diligência que efectivamente fosse vítima de um acidente de trabalho, mantendo lesões que atribui a consequência desse evento, caso necessitasse de apoio médico, medicamentos, tratamentos e de realizar exames de diagnóstico e tivesse comunicado à sua entidade empregadora, não teria deixado de reagir, pois como é óbvio, não tendo sido encaminhada para a seguradora para quem estivesse transferida a responsabilidade infortunística, logo perceberia, diremos até, forçosamente, que não fora feita qualquer comunicação aquela entidade nem qualquer participação ao tribunal.
II. A A. é uma pessoa de normal diligência, provavelmente até muito mais apta a reagir nessas circunstâncias do que a maioria dos trabalhadores sinistrados, pois não se pode esquecer que era directora financeira da R.
III. A data “da cura clínica” é a atribuída pela seguradora e a o “boletim de alta”, é o documento que os serviços médicos da seguradora devem entregar aos sinistrados “Quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo (..)”, nele declarando o médico assistente “a causa da cessação do tratamento ou o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem com as razões justificativas das suas conclusões”.
IV. Para que se configure uma situação em que seja relevante a data da alta clínica e a entrega do boletim de alta - para se saber quando se inicia a contagem do prazo de caducidade - é necessário que o sinistro tenha sido levado ao conhecimento da seguradora e que tenha havido acompanhamento do sinistrado por parte dos serviços médicos daquela.
V. Não é esse manifestamente o caso dos autos. Neste caso, se porventura ocorreu o acidente de trabalho e desse facto foi feita comunicação à entidade empregadora ou esta dele teve conhecimento, como alegado na acção e aqui reafirmado, constatando a sinistrada que não era encaminhada para a seguradora e ocorrendo o quadro que descreveu e já referimos, deveria então ter participado o sinistro ao tribunal competente antes de decorrido um ano sobre a data do acidente.
VI. Como não o fez, posto que só cerca de sete anos depois do acidente apresentou a participação nos serviços do Ministério Público, manifestamente caducou o direito de acção por decurso do prazo de um ano.

Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa – 4.º Juízo -2.ª Secção – correram termos os presentes autos de processo especial  emergente de acidente de trabalho, iniciados em consequência da participação apresentada  por AA, em 29-11-2012, junto dos serviços do Ministério Público, alegando ter sido vitima de acidente de trabalho, ocorrido no dia 13/09/2005, em Lisboa, quando exercia as funções de directora financeira da “BB”, em execução do contrato de trabalho.
Segundo invocou, o acidente consistiu no facto de quando a empresa se encontrava a reestruturar o arquivo, ao efectuar um esforço quando manobrava as pastas de arquivo, ter forçado a coluna, desse facto tendo-lhe resultado lesões das quais persistem sequelas.
À data do acidente auferia a retribuição de € 2.514,04 x 14 meses (vencimento base), o que corresponde à retribuição anual bruta de € 35.196,56.
A entidade patronal tinha a responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros “CC – Sucursal em Portugal.
No âmbito da fase conciliatória, a participante foi submetida a exame médico singular,  realizado no INML, tendo o senhor perito concluído não se verificar qualquer incapacidade, inexistindo nexo causal entre o traumatismo e o dano.
Na tentativa de conciliação a que se refere o art.º 108 do CPT, a sinistrada declarou não ter sido  paga das indemnizações legais.
Pelo Digno magistrado do Ministério Público foi proposto às partes o acordo seguinte: “a seguradora nada pagará à sinistrada a título de pagamento de pensão”.
A sinistrada não aceitou conciliar-se nesses termos, reclamando a indemnização por incapacidades temporárias e a pensão anual que resultarem da incapacidade parcial e permanente que vier a ser reconhecida por exame por Junta Médica.
Por seu turno, a seguradora reconheceu a existência de um contrato de seguro, válido à data do acidente. Mais aceitou a ocorrência de um sinistro em 13/09/2005, mas não a sua tipificação nos termos da LAT, porquanto o acidente não ocorreu sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade patronal e, ainda que assim tivesse acontecido, não reveste as características do tipo AT, face à inexistência de nexo de causalidade entre as lesões e o sinistro acima referido, não aceitando a responsabilidade pela indemnização, pensão ou outras.
Frustrada a conciliação, o Digno Magistrado do Ministério Público remeteu os autos à secção par aguardarem a propositura da acção, nos termos do art.º 117º, nº 1 al a) do C.P.T.
I.2 Pela sinistrada foi apresentada petição inicial, já após a instância ter sido suspensa por decurso do prazo legal, demandando a BB, Lda., e CC - Sucursal Em Portugal, concluindo-a pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhe, na medida da responsabilidade de cada uma delas, o seguinte:
a) Prestações em espécie, nomeadamente: assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo os elementos de diagnostico e de tratamento, bem como visitas domiciliárias, bem como assistência medicamentosa e farmacêutica;
b) Indemnização por incapacidade temporária permanente desde 01 de Setembro de 2008 até ao presente (art.º 48, n.º 2);
c) Uma pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho/ganho, por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (80 % do rendimento anual) no valor de 28,157.25€; d) Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente (12 × Remuneração Mínima Mensal) no valor de 5820€;
e) Subsídio de assistência terceira pessoa;
f) De todas as despesas, com exames médicos e tratamentos, que a A. despendeu desde 13/09/2005 até à presente data, no valor de 20.677,80€ (Vinte mil, seiscentos e setenta e sete euros e oitenta cêntimos);
g) Danos não patrimoniais nunca inferior ao valor de 25.000€;
h) Juros de mora à taxa legal em vigor sobre todas as retribuições que venha a receber e que lhe seja devido juro.
Requereu, ainda, ser submetida a Junta Médica, para o efeito apresentando quesitos.
Alega, no essencial, que exercia funções para a R. empregadora com a categoria profissional de Directora Financeira, auferindo a retribuição mensal de 2.514,04 euros, estando a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho devidamente transferida para a Ré seguradora.
No dia 13 de Setembro de 2005, encontrava-se a fazer a reestruturação anual do arquivo e enquanto carregava as pastas de arquivo da prateleira do armário para o chão da sala, deu-lhe uma dor insuportável que teve origem na coluna lombar e que irradiava pela perna direta até abaixo do pé, ficando os membros dormentes. Nesse mesmo dia, às 19h07, deu entrada nas Urgências do Hospital de Santa Maria. No dia seguinte a A. regressou ao trabalho, deu conhecimento à R. Entidade patronal do sucedido, embora a mesma já soubesse pelos colegas de trabalho que presenciaram a situação.
 A 19 de Setembro de 2005 deslocou-se novamente ao Hospital de Santa Maria para uma consulta de neurologia e, no dia seguinte,  reforçou junto da R. Entidade Empregadora, na pessoa do Sr. CF, que as dores persistiam e este aconselhou-a a consultar o Dr. Cunha e Sá, neurocirurgião no Hospital da CUF.
Prossegue descrevendo sucessivas consultas, consequente acompanhamento médico, prescrição de medicamentação e realização de exames, alegando que após deslocações ao centro de saúde de Odivelas, em 3 e 4 de Novembro de 2005, reportou à R. Entidade patronal que se encontrava com grandes dificuldades em exercer a sua atividade profissional, nomeadamente no que tocava ao manuseamento das pastas de arquivo, mas nenhuma medida foi tomada a nível laboral.
Continuou a exercer as suas funções de Directora Financeira de forma continuada e conciliada com as diversas consultas, tratamentos e exames médicos, até que a 01 de Setembro de 2008,  entrou de baixa médica uma vez que se encontrava incapacitada para exercer a sua actividade profissional, baixa que se prolonga até ao presente.
               Alega, ainda, estar a aguardar que lhe seja reconhecida a incapacidade permanente há um ano, para efeitos de atribuição de pensão de invalidez.
Para além disso, procede à descrição dos diversos exames médicos a que foi submetida, tratamentos e despesas realizadas.
E, mais adiante, reafirma ter feito o reporte verbal do acidente diretamente ao gerente da empresa na pessoa do Sr. CF, para dizer que “veio a constatar mais tarde que o infortúnio laboral não tinha sido reportado à seguradora para os devidos efeitos e nos prazos legalmente previstos”.

Citadas, as RR. Contestaram.

A R. seguradora invocou a caducidade do direito de acção, nos termos do artº 179º da Lei 98/2009 (anterior artº 32º da L.A.T. 100/97), sustentando que o direito da acção caduca no prazo de 1 ano a contar da alta clínica, o que no caso terá ocorrido em 1 de Setembro de 2008 como a própria A. alegou no artigo 21º da sua douta petição, sendo que a acção apenas deu entrada em tribunal em 29 de Abril de 2014, quando já estavam quase decorridos 6 anos desde a referida data.
Alega, ainda, que a 1ª Ré comunicou-lhe que não tinha qualquer registo do alegado acidente e  esse alegado acidente nunca foi lhe participado, não podendo, por isso, aceitar que a A. foi vítima de qualquer acidente de trabalho a coberto da Apólice. Acrescendo que a A. nunca se deslocou aos seus serviços clínicos da Zurich para pedir a sua avaliação clínica ou tratamentos, nunca deu qualquer conhecimento do seu estado de saúde, nem nunca lhe reclamou nada e só passados 7 anos do alegado acidente é que veio dar início aos presentes autos.
Concluiu, pedindo que seja declarada a exceção arguida procedente, em consequência sendo absolvida do pedido.
Do mesmo passo, a R. empregadora CAFÉ – Sociedade de Construções, Sociedade Unipessoal, Lda., veio arguir a caducidade do direito de acção da A., usando os mesmos argumentos invocados pela R. seguradora.
Para além disso, alegou ainda que nunca lhe foi comunicado o alegado sinistro ocorrido a 13 de Setembro de 2005, nem teve conhecimento de que algo tivesse acontecido. Aliás, a operação de “reestruturação” – a significar mudança de pastas de um local para o outro – não seria, como não nunca foi, desenvolvida pela directora financeira. A A de facto padecia de dores de costas, mas já desde há anos e as conversas que houve antes e depois da data do alegado acidente eram motivadas pela doença e não por qualquer acidente que tivesse ocorrido.
    I.3 Alcançada a fase de saneador, a Senhora Juíza procedeu ao conhecimento da excepção arguida, decidindo-a nos termos seguintes:
- Vieram ambas as RR invocar a caducidade do direito de acção da A.
Alegam, em síntese, que decorreu mais de um ano entre o momento da alta aclínica e a interposição desta acção.
Notificada, pugnou a A pela improcedência desta excepção.
Tudo visto, por ser este o momento, cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (diploma aplicável em virtude da data do acidente remontar a 2005), «o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta».
Como bem assinala a A, tem de haver uma comunicação da alta pela seguradora ao sinistrado para que aquele prazo decorra, sendo certo que a acção considera-se proposta com o envio da participação a que alude o artigo 99.º do Código de Processo do Trabalho.
No caso vertente, temos assente, com base na própria alegação da A, que o alegado acidente de trabalho terá ocorrido em 13 de Setembro de 2005 (v.artigo 6.º da petição inicial). Também de acordo com a versão dos factos trazida pela A, terá tido alta clínica em 1 de Setembro de 2008, altura em que entrou de baixa por incapacidade, situação que se prolonga até ao presente (v. artigo 21.º da petição inicial).
Apenas em 1 de Março de 2012 envia à sua entidade patronal participação de acidente de trabalho a fim de ser reencaminhada para a seguradora (cfr. fls. 311), data em que igualmente comunica à mesma seguradora e aqui R o pretenso acidente (cfr. fls. 292).
E só em 28 de Novembro de 2012 participa o acidente nos serviços do Ministério Público junto deste tribunal (cfr. fls. 2).
Como é bom de ver, o direito de acção neste caso encontra-se há muito caducado, visto não ter a seguradora qualquer possibilidade de comunicar uma alta clínica de um acidente que, durante quase 7 anos, não lhe é comunicado.
Há que interpretar a lei no sentido de dever o sinistrado comunicar à seguradora ou à sua entidade patronal o acidente de trabalho dentro do ano subsequente à sua ocorrência, ou então participa-lo directamente no tribunal do trabalho. Ou pelo menos dentro do ano em que tomou conhecimento do acidente.
Tendo a aqui A deixado correr os referidos 7 anos desde que sofreu o alegado acidente até que o participou à seguradora, sendo certo que, conforme flui do seu articulado, desde logo se apercebeu do mesmo, não pode agora vir pedir a reparação de supostas incapacidades dele emergentes.
Existe ainda uma outra razão para a existência deste prazo. É que esteve a A subtraída ao controlo clínico da seguradora, podendo esta agora validamente alegar que não se tratou convenientemente e, dessa forma, contribuiu para o agravamento das sequelas.
Por tudo quanto deixamos expendido, julgamos procedente a invocada excepção, declarando caducado o direito de acção que A aqui pretende fazer valer, absolvendo consequente as RR do pedido.
Custas pela A, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Fixamos em € 79.655,15 o valor desta acção.

Registe e notifique».

I.4 Não se conformando com essa decisão, a A. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
(…)
I.5  As recorridas não apresentaram contra alegações.
I.6 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso, aderindo à fundamentação da sentença recorrida.

 I.7 Foram colhidos os vistos legais.

I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e art.º 640.º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], a questão que se coloca para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao julgar procedente a arguida excepção de caducidade do direito de acção.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1   MOTIVAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para apreciação do recurso é a que consta no relatório que antecede.

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A A. alega ter sofrido um acidente de trabalho em a 13 de Setembro de 2005. Aplica-se, pois, a Lei 100/97, de 13 de Setembro, não obstante ter entretanto sido revogada pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (REGULAMENTAÇÃO DO REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS), dado que esta só tem aplicação aos  acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor da (art.º 187.º1).
Do disposto no n.º2, do art.º 298.º do CC, ao estabelecer que “Quando por força da lei (..) um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”, decorre que, em regra, os prazos de propositura de acção são de caducidade.
Dispõe o n.º 1 do artigo 32º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, sob a epígrafe "caducidade e prescrição" que "o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da alta clínica ou, se do evento resultar a morte, a contar desta".
Na caducidade, o prazo visa preestabelecer o lapso de tempo dentro do qual ou a partir do qual, há-de exercer-se o direito, por imposição da lei ou vontade negocial. O prazo, na caducidade, é condição de admissibilidade e procedibilidade, por ser elemento constitutivo do direito.
A caducidade encontra o seu fundamento específico no interesse público da paz familiar e segurança social da circulação, e no interesse da brevidade das relações jurídicas.
O prazo de caducidade é um prazo prefixo que, pressupondo o interesse na rápida definição do direito, não se compadece com dilações, não comportando a paralisação do direito.
Assim, por determinação legal expressa, excepto nos casos em que a lei o determine, os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem  [art.º 328.º do CC].
E, também por essa razão – o interesse na rápida definição do direito -  são sempre mais curtos que os prazos de prescrição.
O decurso do prazo de caducidade provoca a extinção ou a perda da prerrogativa de realizá-lo. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo [art.º 331º, nº 1 do CC)]. Pelo que, a única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o acto que tenha efeito impeditivo.
Como regra, se a lei não fixar outra data, o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido (art.º 329.º do CC).
E, se tal prazo respeita ao exercício de uma acção judicial, a única forma de evitar a caducidade é propor a mesma dentro do prazo [art.º 332º n.º1, do CC], considerando-se a mesma proposta “(..) logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial (..)” [art.º 267.º n.º1, do CPC].
No que respeita às acções emergentes de acidente de trabalho esta regra sofre um desvio, dado que nos termos do disposto nos artºs 26º, nº 4, e 99º, nº 1 do CPT, a instância inicia-se com o recebimento da participação do acidente.
Assim, a circunstância da participação do acidente marcar o início da instância significa que este é o acto impeditivo da caducidade do direito de acção respeitante às prestações fixadas na LAT.
 Da conjugação dessas regras com o estabelecido no art.º 32.º n.º 1, da LAT, conclui-se que o referido prazo de caducidade começa a correr a partir da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do acidente resultar a morte, a partir da data desta.
Contudo, este raciocínio não é válido para todos os casos.
Sendo a participação do acidente a juízo o acto adequado a desencadear os procedimentos legais conducentes à obtenção pelo sinistrado/beneficiários legais das prestações devidas por acidente de trabalho, é esse o acto que exprime a intenção de exercer o direito de acção e, assim, o único acto com a virtualidade de impedir a caducidade (art.º 331.º 1 do CC).
Ora, há casos em que a participação é devida aos sinistrados ou beneficiários, independentemente da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do acidente resultar a morte, a partir da data desta. Passamos a explicar.
O Decreto-Lei n.º 143/99, que regulamentou a LAT, no art.º 14.º, impõe diversos deveres de comunicação do acidente, que incidem sobre o sinistrado ou os beneficiários das pensões, como também sobre as entidades empregadoras, as empresas de seguros e ainda outras entidades que tenham tido conhecimento do acidente. Nos termos do n.º1, sobre o sinistrado ou beneficiários do direito às prestações recai o dever de participarem o acidente, nas 48 horas seguintes, à própria entidade empregadora ou à pessoa que o represente na direcção do trabalho “salvo se estas o presenciarem ou dele vierem a ter conhecimento no mesmo período”.
Portanto, a comunicação de acidente de trabalho, ou o conhecimento dele, é condição para que a entidade empregadora dê início aos procedimentos a que está obrigada, desde logo a  comunicação da sua ocorrência à entidade seguradora para quem tenham transferido a sua responsabilidade (art.º 15.º da LAT).
Caso a entidade empregadora não tenha a responsabilidade transferida para seguradora (art.º 16.º), deverá então “participar o acidente ao tribunal competente, por escrito, independentemente de qualquer apreciação das condições legais de reparação”n.º1)no prazo de oito dias a contar da data do acidente ou do seu conhecimento (n.º2) ou, caso se trate de um acidente mortal, de imediato, “por telecópia ou outra via com o mesmo efeito de registo escrito de mensagens” (n.º3). Nestes casos, como flui do artigo, a participação pela entidade empregadora ao tribunal é obrigatória.
Havendo responsabilidade transferida e tendo a entidade empregadora cumprido o dever de informação da ocorrência do sinistro, passará a recair sobre esta a obrigação legal, logo, obrigatória, de participar ao tribunal a ocorrência de acidentes de trabalho, nos ternos prescritos no art.º 18.º, em suma:
-(n.º1) por escrito, no prazo de oito dias a contar da cura clínica, os acidentes de que tenha resultado incapacidade permanente; imediatamente e por telecópia ou outra via com o mesmo efeito de registo escrito de mensagens, aqueles de que tenha resultado a morte;
- (n.º 3) por escrito, no prazo de oito dias a contar da sua verificação, todos os casos de incapacidades temporárias que ultrapassem 12 meses.
Sobre a razão de ser deste regime, observa  João Monteiro [Fase Conciliatória do Processo Para Efectivação de Direitos resultantes de Acidente de Trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, Coimbra Editora, n.º 87, Setembro – Dezembro de 2010, pp. 143], o seguinte:
- «Apesar de, em regra, os titulares dos direitos conferidos pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho serem os sinistrados/beneficiários legais, não recai, em primeira linha, sobre os mesmos o ónus de iniciativa processual, o que constitui também um desvio ao regime processual civil comum, na medida em que nesse regime esse ónus impende, em princípio, sobre os titulares dos direitos ou interesses legalmente protegidos que demandam tutela jurisdicional.
O ónus do impulso processual inicial nos processos para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, consubstanciado na participação do acidente ao tribunal, está cometido especialmente, entre outras pessoas e entidades, às empresas de seguros.
Com este regime, procurou-se, além do mais, salvaguardar a possibilidade dos sinistrados/beneficiários legais, "renunciarem" aos seus direitos de natureza indisponível por força de constrangimentos de terceiros, susceptíveis de conduzir à omissão (involuntária) do ónus de participação, sabendo-se como se sabe que a relação jurídico-laboral é uma relação assimétrica, de poder-sujeição, em que o trabalhador se encontra face ao empregador numa situação de desigualdade».
Contudo, a lei permite que a participação do acidente ao tribunal possa também ser feita facultativamente (art.º 19.º) pelo sinistrado, directamente ou por interposta pessoa [al.a)]; pelos seus familiares [al. b)]; por qualquer entidade com o direito a receber o valor de prestações [al. c)]; pela autoridade que tenha tomado conhecimento do acidente sendo o sinistrado um incapaz [al.d)];  e, pelo director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional onde o sinistrado esteja internado tendo o acidente ocorrido ao serviço de outra entidade [al. e)].
Pois bem, embora os sinistrados ou os respectivos familiares não estejam obrigados a participarem o sinistro, o certo é que a necessidade de proceder à participação acaba por se impor em todos os casos em que houve incumprimento do dever de participação por parte das pessoas e entidades ao mesmo legalmente adstritas, sob pena de caducidade do respectivo direito de acção [Cfr. João Monteiro, op. cit., p. 148].
 Revertendo ao caso, é controvertido se a A. comunicou a ocorrência do alegado acidente de trabalho à entidade empregadora, ou se esta teve conhecimento dele. A A. afirma-o, mas a entidade empregadora nega-o peremptoriamente. Mas já não o é, podendo até dizer-se ser certo e seguro porque tanto é afirmado pela A. como pela seguradora, que a A. jamais contactou os serviços desta nem deles recebeu qualquer assistência médica ou clínica ou o pagamento de qualquer prestação.
Portanto acaba por ser irrelevante saber se a A. efectivamente comunicou à entidade empregadora ou se esta teve conhecimento do alegado acidente. Com efeito, mesmo que assim tenha acontecido, o certo é que a A. nunca não tomou qualquer iniciativa de participar o sinistro ao Tribunal competente, não obstante, conforme a própria alega, manter lesões em permanência, carecer sucessivamente de apoio médico,  realizar tratamentos e ser submetida a exames, tudo isto ao longo ao longo de sete anos, sendo até que a partir de 1 de Setembro de 2008, entrou em baixa permanente.
Alegou a A. na petição, vagamente, de modo a evitar qualquer comprometimento da sua posição, que “veio a constatar mais tarde que o infortúnio laboral não tinha sido reportado à seguradora para os devidos efeitos e nos prazos legalmente previstos”.
Convenhamos, o argumento é manifestamente inaceitável. Quando é que o constatou? Ao fim de cerca de sete anos? No quadro que descreve?
Salvo o devido respeito, qualquer pessoa de normal diligência que efectivamente fosse vítima de um acidente de trabalho, mantendo lesões que atribui a consequência desse evento, caso necessitasse de apoio médico, medicamentos, tratamentos e de realizar exames de diagnóstico e tivesse comunicado à sua entidade empregadora, não teria deixado de reagir, pois como é óbvio, não tendo sido encaminhada para a seguradora para quem estivesse transferida a responsabilidade infortunística, logo perceberia, diremos até, forçosamente, que não fora feita qualquer comunicação aquela entidade nem  qualquer participação ao tribunal.
Ora, com toda a certeza que a A. é uma pessoa de normal diligência, provavelmente até muito mais apta a reagir nessas circunstâncias do que a maioria dos trabalhadores sinistrados, pois não se pode esquecer que era directora financeira da R.
Neste recurso a recorrente procura socorrer-se de dois arestos da 2.ª instância, nos quais se reafirmam entendimentos pacíficos, mas naturalmente aplicáveis a casos idênticos aos ali apreciados e decididos e não a qualquer caso em geral. No primeiro afirma-se, em síntese, que o prazo de caducidade conta-se entre a data da cura clínica e a data da entrada no Tribunal da participação do acidente. No segundo, também em síntese, esclarece-se que para haver data de alta (ou seja, a cura clínica) é necessário a entrega do boletim de alta pela seguradora.
 E, para de algum modo procurar neles enquadrar o seu caso, vem aqui a recorrente esgrimir com o argumento seguinte: “As sequelas da lesão sofrida a 13 de Setembro de 2005 só determinaram a incapacidade da Recorrente para trabalhar a 1 de Setembro de 2008”. Com esta linha de raciocínio visa que se tome a situação de início de situação de baixa por incapacidade para o trabalho, atribuída pelos serviços médicos do sistema nacional de saúde, pela alta clínica atribuída pelas seguradoras.
Com o devido respeito, o argumento é descabido e a invocação daqueles arestos manifestamente descontextualizada. A data “da cura clínica” é a atribuída pela seguradora e a o “boletim de alta”, é o documento que os serviços médicos da seguradora devem entregar aos sinistrados “Quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo (..)”, nele declarando o médico assistente “a causa da cessação do tratamento ou o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem com as razões justificativas das suas conclusões”.
Portanto, como parece claro, para que se configure uma situação em que seja relevante a data da alta clínica e a entrega do boletim de alta - para se saber quando se inicia a contagem do prazo de caducidade -  é necessário que o sinistro tenha sido levado ao conhecimento da seguradora e que tenha havido acompanhamento do sinistrado por parte dos serviços médicos daquela.
As situações típicas, em que o sinistrado se vê compelido a participar o sinistro em juízo, sob  penas de ver caducado o direito de acção que pretenda exercer, prendem-se com situações em que não é obrigatória a participação do sinistro a juízo pela seguradora e o sinistrado não se conforma com o resultado da alta atribuída pelos serviços clínicos daquela, como acontece, frequentemente, nas situações em que são considerados “curado sem desvalorização».
Não é esse manifestamente o caso dos autos. Neste caso, se porventura ocorreu o acidente de trabalho e desse facto foi feita comunicação à entidade empregadora ou esta dele teve conhecimento, como alegado na acção e aqui reafirmado, constatando a sinistrada que não era encaminhada para a seguradora e ocorrendo o quadro que descreveu e já referimos,  deveria então ter participado o sinistro ao tribunal competente antes de decorrido um ano sobre a data do acidente.
Como não o fez, posto que só cerca de sete anos depois do acidente apresentou a participação nos serviços do Ministério Público, manifestamente caducou o direito de acção por decurso do prazo de um ano.
Neste sentido decidiu o Acórdão do STJ de 11-10-2005 [Processo n.º 05S1695, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt], na consideração de que "(...) É ao sinistrado ou aos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei que incumbe o ónus de desencadear o efeito impeditivo da caducidade, visto que são eles os que directamente beneficiam dos efeitos indemnizatórios e têm interesse no exercício do direito de acção. Para o efeito de assegurarem o exercício tempestivo do direito de acção, o sinistrado e os beneficiários dispõem da faculdade de efectuarem, por sua própria iniciativa, a participação do acidente, que lhes é conferida pelo artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 143/99. (...)", para mais adiante se concluir: “É, assim, patente que a falta de cumprimento do dever de participar o acidente ao tribunal, por parte de uma entidade empregadora ou seguradora ou do director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional, nos casos em que esse dever de comunicação é obrigatório, pode determinar que se venha a verificar a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo de um ano a que se reporta o artigo 32º da Lei n.º 100/97, se entretanto tal participação não vier a ser feita por qualquer outra pessoa ou entidade que disponha dessa faculdade nos termos do artigo 19º».

Concluindo, improcede o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
              
Lisboa, 11 de Março de 2015
              
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Maria Celina de J. Nóbrega

Decisão Texto Integral: