Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2395/13.7YLPRT.L1-2
Relator: MAGDA GERALDES
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
CAUSA PREJUDICIAL
FORO ADMINISTRATIVO
ACTO ADMINISTRATIVO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A decisão a proferir em Procedimento Especial de Despejo não depende da decisão a proferir em acção administrativa em que se discute matéria que não tem a ver com a impugnação do acto administrativo que aprovou o projecto de arquitectura, sendo certo que só esta poderia dar azo a tal prejudicialidade.
2. Os efeitos decorrentes da decisão judicial a proferir na referida acção administrativa especial que tem como objecto imediato a pretensão anulatória do referido despacho – objecto mediato da acção – porque o recorrente não é parte como contra-interessado em tal acção, a eficácia da eventual decisão anulatória (elemento subjectivo), não se estenderá a ele, sendo certo que, para determinar a suspensão da presente instância, é necessário que a decisão que resulte da causa prejudicial – aqui a acção administrativa especial referida – possa formar caso julgado na causa principal, ou seja nos presentes autos.
3. Por esta forma, não pode considerar-se a existência de causa prejudicial, relativa a estes autos e, por consequência, não ocorrem os pressupostos para o decretamento da suspensão da instância previstos nos artºs 92º e 272º, nº1 do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa



A, identificado nos autos, interpôs recurso de apelação do despacho que suspendeu a instância nos autos de procedimento especial de despejo que moveu contra B, também identificada nos autos.

         Nas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal a quo decidiu que os dois processos administrativos (1348/13.0BELSB e 1349/13.8BELSB) invocados pela requerida constituíam questões prejudiciais relativamente à causa sub judice tendo decidido pela suspensão da instância.
2. No entender do Requerente, a decisão do Tribunal a quo não fundamenta suficientemente a relação de prejudicialidade entre as acções em causa, assumindo, para além disso, pressupostos errados.
3. Por outro lado, as acções administrativas em causa têm por objecto um acto administrativo constante de despacho do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa de …, e as obras que o Requerente pretende realizar no locado da Requerida, e que fundamentam a denúncia do respectivo contrato de arrendamento foram licenciadas por um alvará de 2011 (Alvará nº 222/EO/2011).
4. Por outro lado, o Tribunal a quo conclui que existe nexo de prejudicialidade entre as acções administrativas e a causa sub judice porque todas se reportam ao mesmo edifício, esquecendo que um mesmo edifício pode ser objecto de vários processos de licenciamento distintos, não existindo nenhum elemento nas acções em causa que faça crer que se está perante o mesmo processo de licenciamento.
5. Acresce que o tribunal a quo considerou, erradamente, que foi a Requerida (…) quem apresentou as acções administrativas em causa, quando na verdade estas foram apresentadas por uma entidade distinta (…), e a Requerida, pelo contrário, nunca tomou qualquer posição relativamente a qualquer uma destas duas acções.
6. Por fim, no entender do Requerente, o Tribunal a quo violou o artº nº 272, nº2, in fine, do Código de Processo Civil, ao decidir suspender a instância quando a causa está adiantada (apenas faltava, para sua conclusão, a realização da audiência de discussão e julgamento, que já se encontrava agendada), que os prejuízos da suspensão superam manifestamente as vantagens da mesma.
7. Tanto mais que a suspensão determina que um processo que o legislador do Novo Regime do Arrendamento Urbano quis ágil e expedito, fique a aguardar uma decisão de um tribunal administrativo cuja demora excessiva é notória.
Nestes termos e de acordo com o Direito, deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada, por manifestamente desconforme à correcta interpretação e aplicação dos factos e do Direito, ordenando-se que seja designada data de audiência e julgamento da causa sub judice com a máxima brevidade possível.”

Em contra-alegações a recorrida concluiu:

“1. O Tribunal a quo decidiu que os dois processos administrativos invocados pela ora Recorrida, in casu, o processo nº …LSB e nº …, constituem questões prejudiciais relativamente à causa sub judice e, consequentemente, decidiu suspender a instância nos termos do disposto no número 1 do artigo 272º do Código de Processo Civil, operando uma suspensão ex lege, ainda que suscitada pela parte.
2. O Recorrente discorda, deduzindo alegações de recurso a 26 de Fevereiro de 2014.
3. Contudo, a Recorrida considera que os fundamentos apresentados não podem implicar a alteração da decisão proferida de suspensão do presente processo.
4. O Recorrente defende que não está em causa o mesmo projecto de arquitectura e o mesmo alvará que serviram de fundamento para a denúncia do contrato de arrendamento remetido à Recorrida.
5. Contudo, estamos perante exactamente o mesmo projecto de arquitectura apresentado pelo Recorrente no ano de 2007, ao qual foi atribuído o alvará número 222/EO/2011.
            6. Para além disso, nos termos do disposto no número 2 do artigo 272º do Código de Processo Civil, sendo naquele locado que redunda a vida e actividade da ora Recorrida, um despejo com base em obras de restauro profundo sustentadas e legitimidades por um acto administrativo cuja nulidade foi suscitada em sede própria, a verificar-se a sua procedência, implicaria uma impossibilidade prática de restituição da situação da Recorrida ao momento anterior a uma eventual decisão de despejo nos presentes autos
    7. pelo que se afigura evidente que o prejuízo que a Recorrida pode vir a sofrer caso os presentes autos não aguardem uma boa decisão em sede administrativa, i. e., caso o Mmo. Juiz a quo não tivesse determinado a suspensão dos presentes autos, seriam muito superiores àqueles que o Recorrente invoca.”

         Questão a apreciar: suspensão da instância.

         FUNDAMENTAÇÃO
         OS FACTOS
         Com interesse para a decisão do presente recurso importam os seguintes factos todos eles constantes dos autos:
    a) – os presentes autos iniciaram-se com a denúncia do contrato de arrendamento não habitacional celebrado entre o recorrente – senhorio – e a recorrida – arrendatária – para obras de remodelação ou restauro profundos no prédio do qual o locado é parte integrante – cfr. fls. 7 e ss. dos autos;
         b) – a fls. 21 dos autos consta cópia de documento com data de … foi emitido pela Câmara Municipal de Lisboa o Alvará de Obras de Alteração nº 222/EO/2011, por referência ao processo municipal nº …, em nome do ora recorrente, onde consta que “titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito em Largo da ... Coelho, nº 3; 4; 5; 6; 7; 8, Rua da …, nº 118; 120; 122, da freguesia de Sacramento, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 16, omisso na matriz predial urbana da respectiva freguesia. (…) ”; –
 c) – neste doc. de fls. 21 dos autos – Alvará de Obras de Alteração nº …11 – consta: “As obras, aprovadas por despacho do Sr. Vereador … de 02-06-2010, apresentam as seguintes características: (...).”
d) – a fls. 16 dos autos encontra-se cópia da notificação enviada ao ora recorrente, datada de 20.09.2012, da qual consta, designadamente, “Assunto: Pedido de Alteração Durante a Execução da Obra – Alteração ao projecto de arquitectura – aprovação do projecto de arquitectura (…) Processo nº … Local: Lg …, 3-8 Freguesia: Sacramento (…) o processo acima identificado foi APROVADO, por despacho do(a) senhor(a) vereador(a) …, proferido em 19-09-2012, de acordo com a informação de síntese e despachos, cujas fotocópias se anexam. (…) ”;
         e) – a fls. 17 dos autos encontra-se cópia de documento que contém o despacho do vereador ..., proferido em 19-09-2012 e referido em d);
         f) – o locado dos autos é a loja com o número 5 do Largo ... Coelho, na freguesia de Sacramento, em Lisboa – cfr. doc. fls. 25 a 30 dos autos;
         g) – o processo municipal nº … está associado ao processo municipal nº …, em nome do ora recorrente – cfr. doc. fls. 15 dos autos;
h) – por despacho proferido a 194 dos autos, datado de 18.10.2013, foi designado dia para a realização da audiência de discussão e julgamento;
i) – a fls. 234 dos autos encontra-se requerimento apresentado pela ora recorrida onde, ao abrigo do disposto no artº 272º, nº1 do CPC, pede a suspensão da instância com fundamento na existência de uma providência cautelar de suspensão de eficácia e uma acção administrativa especial, pendentes no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, intentadas por …, Lda. contra o Município de Lisboa e outros na qualidade de contra-interessados – processos nº … e nº … – que têm como objecto o despacho proferido em 19.09.12, pelo Vereador ... e referido em d);
j) – pedido ao qual o recorrente se opôs conforme requerimento de fls. 244 e 245 dos autos;
l) – na providência cautelar de suspensão de eficácia - processo nº … - onde foi pedida a suspensão de eficácia do despacho proferido em 19.09.12, pelo Vereador ..., foi decidido julgar “procedente a excepção da ilegitimidade passiva suscitada na oposição e, consequentemente”, absolver “os Requeridos da instância”, com o fundamento de a requerente não ter indicado como contra-interessado, para efeitos de ser citado para os termos do processo, o proprietário do prédio, “tendo esta decisão transitado em julgado em 11.03.2014 – cfr. doc. fls. 377 a 386;
m) – na acção administrativa especial nº … intentada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa é pedida a declaração de nulidade do despacho proferido em 19.09.12, pelo Vereador ..., ou, se assim se não entender, ser o mesmo anulado – cfr. doc. fls. 292 a 320 dos autos;
n) – pela decisão ora recorrida foi decidido: “ (…) Nos termos e com os fundamentos expostos, julgando que a decisão do litígio deste Procedimento Especial de Despejo está dependente de duas causas prejudiciais pendentes no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (nº … e nº … – 3ª Unidade Orgânica), ordeno a suspensão da instância dos presentes autos até que sejam decididas definitivamente as questões ali discutidas – artigo 272º/1 e 3 do Código Processo Civil. (…) ”. – cfr. fls. 338 dos autos.

O DIREITO

A decisão ora recorrida decidiu a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artº 272º/1 e 3 do CPC, considerando, em síntese, que a decisão do litígio deste Procedimento Especial de Despejo está dependente de duas causas prejudiciais pendentes no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (nº ... – 3ª Unidade Orgânica), ordenando a suspensão da instância dos presentes autos até que sejam decididas definitivamente as questões ali discutidas.
Relativamente à questão a decidir nos autos de providência cautelar de suspensão de eficácia - processo nº 1348/13.0BELSB - onde foi pedida a suspensão de eficácia do despacho proferido em 19.09.12, pelo Vereador ..., resulta dos autos que aí foi decidido julgar “procedente a excepção da ilegitimidade passiva suscitada na oposição e, consequentemente, absolver os Requeridos da instância”, tendo esta decisão transitado em julgado em 11.03.2014.
Assim, perante o teor da decisão recorrida, deixou de existir um dos fundamentos para a decretada suspensão da instância.
Resta apreciar se, mantendo-se pendente a acção administrativa especial nº … intentada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e cuja pretensão anulatória incide sobre o despacho proferido em 19.09.12, pelo Vereador ..., devem os presentes autos ser suspensos tal como decidiu o tribunal a quo.
Conforme resulta da matéria de facto apurada, com data de 27.06.2011 foi emitido pela Câmara Municipal de Lisboa o Alvará de Obras de Alteração nº …, por referência ao processo municipal nº …, em nome do ora recorrente, onde consta que o mesmo “titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito em Largo da ... Coelho, nº 3; 4; 5; 6; 7; 8, Rua da ..., nº 118; 120; 122, da freguesia de Sacramento, descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 16, omisso na matriz predial urbana da respectiva freguesia. (cfr. al. b) da matéria de facto).
         Neste Alvará de Obras de Alteração nº 222/EO/2011 – doc. de fls. 21 dos autos – consta: “As obras, aprovadas por despacho do Sr. Vereador ... de 02-06-2010, apresentam as seguintes características: (...).”
Ao ora recorrente, datada de 20.09.2012, foi enviada notificação da qual consta, designadamente, “Assunto: Pedido de Alteração Durante a Execução da Obra – Alteração ao projecto de arquitectura – aprovação do projecto de arquitectura (…) Processo nº 4/EDI/2012 Local: Lg ... Coelho, 3-8 Freguesia: Sacramento (…) o processo acima identificado foi APROVADO, por despacho do(a) senhor(a) vereador(a) ..., proferido em 19-09-2012, de acordo com a informação de síntese e despachos, cujas fotocópias se anexam. (…) ”.
O locado dos autos é a loja com o número 5 do Largo ... Coelho, na freguesia de Sacramento, em Lisboa e o processo municipal nº … está associado ao processo municipal nº …, em nome do ora recorrente (cfr. al. f) e g) da matéria de facto).
Resulta, assim, que pelo despacho do vereador ..., proferido em 19.09.2012, foi aprovada a alteração ao projecto de arquitectura, alteração essa aprovada durante a Execução da Obra, obra essa titulada pelo Alvará de Obras de Alteração nº …, por referência ao processo municipal nº …, em nome do ora recorrente, onde consta que o mesmo “titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito em Largo da ... Coelho, nº 3; 4; 5; 6; 7; 8, Rua da ..., nº 118; 120; 122, da freguesia de Sacramento, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 16, omisso na matriz predial urbana da respectiva freguesia. (…) ”; 
 Ora, na acção administrativa especial nº … pendente no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa é pedida a declaração de nulidade do despacho proferido em 19.09.12, pelo Vereador ..., ou, se assim se não entender, ser o mesmo anulado (cfr. doc. fls. 292 a 320 dos autos).
Dos factos acabados de expor resulta que o locado dos autos, loja com o número 5 do Largo ... Coelho, na freguesia de Sacramento, em Lisboa, faz parte integrante do prédio cujas obras de remodelação ou restauro profundos o ora recorrente invoca como fundamento para a denúncia do contrato de arrendamento não habitacional celebrado com a ora recorrida, obras cujas alterações ao projecto de arquitectura foram aprovadas pelo despacho do vereador ..., proferido em 19.09.2012.
Assim, sendo impugnada a legalidade do despacho proferido em 19.09.12, pelo Vereador ..., na acção administrativa especial nº … pendente no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa com vista à aí pedida declaração de nulidade ou anulação de tal o despacho, recaindo tal despacho sobre a aprovação da alteração ao projecto de arquitectura do prédio onde se inclui o locado dos autos, importa saber se estão reunidos os pressupostos legais para a suspensão da presente instância tal como o tribunal a quo decidiu.
        
Como se fez constar supra, pela decisão ora recorrida foi decidido: “ (…) Nos termos e com os fundamentos expostos, julgando que a decisão do litígio deste Procedimento Especial de Despejo está dependente de duas causas prejudiciais pendentes no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (nº ... – 3ª Unidade Orgânica), ordeno a suspensão da instância dos presentes autos até que sejam decididas definitivamente as questões ali discutidas – artigo 272º/1 e 3 do Código Processo Civil. (…) ”.
Dispõe o n.º 1 do artº 272º do CPC (aprovado pela Lei 41/13, de 26.06):
“1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”
No caso dos autos estamos perante uma suspensão da instância fundada na pendência de uma causa prejudicial.
De acordo com a fundamentação constante do Ac. do STJ de 18.11.2008, in proc. nº 08B3160, disponível in www.dgsi.pt, cuja actualidade se mantem por as normas processuais em causa não divergirem na sua estatuição, “Alberto dos Reis ensinava que as causas da suspensão podem agrupar-se em duas classes ou categorias: 1ª - Causas de suspensão legal; 2ª - Causas de suspensão judicial. Umas vezes é a lei que impõe a suspensão (casos do nº 1 a),b),d) do art 276º do CPC); outras vezes é o Juiz que, perante certa ocorrência, ordena a suspensão (caso do nº 1 c) do art 276ºe 279º, do CPC). (2) Ou seja, no caso de suspensão legal o juiz tem o dever de determinar a suspensão, logo que julgue verificada a circunstância a que a lei atribui esse efeito suspensivo, enquanto que no caso de suspensão judicial o juiz tem a faculdade de ordenar a suspensão, mas com as condicionantes postas no nº2 e 3 do art. 279º do CPC, ou seja, essa faculdade ou poder atribuído ao juiz está subordinado no seu uso pela observância do condicionalismo que a lei, a esse propósito, estipula, sendo, pois, um poder legal limitado. Diz, ainda o ilustre Mestre que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode destruir o fundamento ou a razão de ser desta. (3)
Para melhor se compreender a suspensão da instância que ora nos ocupa, (a do art. 279º do CPC), interessa comparar com a suspensão da instância a que se refere o art. 97º do mesmo Código. Alberto dos Reis chama, ainda à comparação o art. 96º e, quanto ao artº279º (actual), diz que a sua disposição tanto abrange os casos de a acção prejudicial ter por objecto a apreciação de um facto criminoso ou dum acto administrativo, como o ter por objecto o julgamento de uma questão de competência do tribunal comum ou de qualquer outro tribunal especial.
De modo que, no aspecto material o art. 279º engloba os casos dos artigos 96º e 97º; a diferença entre o campo de aplicação daquele e destes está, somente campo processual: nos casos dos artigos 96º e 97º a questão prejudicial surge como incidente duma causa, tomada a palavra incidente no sentido lato. No caso do art 279º a questão prejudicial constitui objecto duma acção separada e distinta. (…) ”

Sob a epígrafe «Questões prejudiciais» o artº 92º, nº1 do actual CPC (anterior artº 97º), preceitua:
1 – Se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de um questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.”
E o seu nº 2 estatui: “2 – A suspensão fica sem efeito se a acção penal ou a acção administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respectivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo; neste caso, o juiz da acção decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida.”
Continuando a seguir a fundamentação do Ac do STJ supra identificado, “ (…) Primo conspectu”, parecem idênticas as situações; mas não o são. No primeiro caso, quando o juiz vai apreciar o mérito da causa depara-se-lhe uma questão prejudicial para resolver, da competência do tribunal criminal ou da jurisdição administrativa; então, o juiz, sopesando vantagens e inconvenientes, se assim entender, pode sobrestar na decisão, utilizando a única via processual adequada, decretando a suspensão da instância.
Mas o vocábulo “pode” do nº1 e o preceituado no nº 2 do normativo em apreço (art. 97º) legitimam a conclusão de que o juiz da causa – ele próprio – pode resolver a questão prejudicial sem deferir a sua resolução ao respectivo tribunal competente, com a consequência, porém, de que, sobre essa parte da decisão se forma apenas, caso julgado formal, porquanto a sua força esgota-se dentro do próprio processo.
Como se diz no acórdão do STJ de 12/01//1994 (4), …o art. 97º nº1 do CPC não impõe ao juiz o dever de suspender a instância, na hipótese nele prevista, antes lhe concedendo a faculdade de o fazer, quando o entender.

Para Manuel de Andrade (citado por Alberto dos Reis (5)) só há verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental como teria de o ser, desde que a segunda causa é a reprodução, pura e simples da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se prejudicial, em relação a um outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
Por outras palavras, a expressão legal “… a decisão de uma causa está dependente do julgamento de outra” significa que a decisão de uma causa (principal), depende do julgamento de outra (prejudicial) quando nesta se aprecia uma questão, cujo resultado pode influir substancialmente na decisão daquela. (6)
Diga-se, ainda mais claramente, que, para que possa haver lugar à suspensão da instância na causa principal, é necessário que a decisão que resulte da causa prejudicial possa formar caso julgado na causa principal.
Estes conceitos recolhem o assentimento (poderemos dizer) uniforme da doutrina e da jurisprudência, o que já não acontece quando se pretende aplicá-los à prática. (…) ”.

No caso ora em apreço considerou o tribunal a quo que a decisão do litígio deste Procedimento Especial de Despejo está dependente da decisão definitiva a proferir na acção administrativa especial onde se reputa de ilegal o despacho do vereador ..., proferido em 19.09.2012 e se pede que o mesmo seja declarado nulo ou anulado.
Tal despacho, que aprovou as alterações ao projecto de arquitectura das obras a efectuar no locado, enquanto acto de aprovação do projecto de arquitectura, ou de alterações ao projecto de arquitectura, é um acto administrativo, ou seja, é uma decisão de um órgão da administração que ao abrigo do direito público visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual concreta – cfr. artº120 do CPA.
Independentemente das considerações que se possam tecer sobre os efeitos produzidos pelo acto de aprovação do projecto de arquitectura, quando o mesmo se pronuncia sobre determinados aspectos de um modo final e vinculativo para a Administração, importa aqui dizer que “a verdade é que não há garantia de que a decisão final do licenciamento seja positiva, desde logo porque a licença pode ser recusada por outros motivos, como estarem os projectos de especialidade desconformes com as normas legais ou regulamentares que lhes são aplicáveis (alínea b) do nº 1 do artº 63º do DL nº 445/91) ou por ter havido recusa prévia, fundamentada, por alguma das entidades consultadas, da aprovação, autorização ou parecer favorável exigido por lei em relação aos mesmos projectos de especialidade (alínea g) do mesmo preceito legal). O carácter não lesivo do acto de aprovação do projecto de arquitectura (..) traduz-se (..) no facto de (..) não ter carácter permissivo, não investindo, por isso, o requerente do licenciamento no poder de realizar a obra.
Podem [os terceiros] impugnar a aprovação do projecto de arquitectura quando a lesão que ele potencia se efectiva, isto é, quando, por não haver outros motivos, a aprovação do projecto de arquitectura, por ser vinculativo, obriga a Administração a licenciar a obra.
Tal impugnação só pode, no entanto, ser feita por via da impugnação da licença de construção.” (cfr. Ac. TCAS, CA – 2º Juízo, de 25.03.2010, in proc. nº 01460/06, disponível in www.dgsi.pt).
E vem isto a propósito para se dizer que, nos presentes autos, ao recorrido compete fazer acompanhar a comunicação da denúncia do arrendamento do comprovativo de que foi iniciado, junto da entidade competente, procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efectuar no locado – cfr. artº 1103º, nº2 - a) do CC – denúncia essa confirmada, sob pena de ineficácia, mediante comunicação ao arrendatário, acompanhada de comprovativo de deferimento do correspondente pedido, no caso de operação urbanística sujeita a licença administrativa, ou de que a pretensão não foi rejeitada, no caso de operação urbanística sujeita a comunicação prévia – cfr. artº 1103º, nº 3 do CC.
Ora, o recorrido apresentou nos autos o Alvará de Obras de Alteração nº …, ou seja, apresentou o respectivo título da licença para a operação urbanística que é fundamento da denúncia do contrato de arrendamento dos autos, e cuja emissão é condição de eficácia de tal licença (cfr. artº 74º do DL 555/99, de 16.12, republicado pelo DL 26/2010, de 30.03, que regulamentou a Lei 60/2007, de 04.09 que introduziu no regime jurídico da urbanização e da edificação uma vasta simplificação administrativa).
Assim sendo a impugnação do acto administrativo que aprovou o projecto de arquitectura, porque só pode, ser feita por via da impugnação da licença para a operação urbanística, e não decorrendo da acção administrativa especial nº … pendente no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que aí se impugne tal licença (cfr. petição inicial a.a.e. nº … a fls. 294 a 320 dos autos), a decisão dos presentes autos não depende da decisão a proferir em tal acção administrativa, não se apresentando esta acção como prejudicial à decisão a proferir nos presentes autos, uma vez que  a questão da ilegalidade do despacho de 19.09.2012  é uma questão cujo resultado não pode influir substancialmente na decisão dos presentes autos. Diferente poderia ser, eventualmente a questão da ilegalidade da licença para a operação urbanística. Mas, como se viu, não é esse o caso.

Por outro lado, e face à natureza jurídico-administrativa do acto administrativo em causa - decisão de um órgão da administração que ao abrigo do direito público visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual concreta – cfr. artº120º do CPA – os efeitos decorrentes da decisão judicial a proferir na referida acção administrativa especial que tem como objecto imediato a pretensão anulatória do referido despacho datado 19.09.2012 – objecto mediato da acção – porque o recorrente não é parte como contra-interessado (cfr. artº 57º do CPTA) em tal acção, a eficácia da eventual decisão anulatória (elemento subjectivo), não se estenderá a ele, sendo certo que, para determinar a suspensão da presente instância, é necessário que a decisão que resulte da causa prejudicial – aqui a acção administrativa especial referida – possa formar caso julgado na causa principal, ou seja nos presentes autos, tal como se afirmou supra.
Ora, no caso dos autos, sendo a eficácia do caso julgado da decisão a proferir na referida acção administrativa especial uma eficácia inter partes, de acordo com o princípio fundamental da eficácia relativa do caso julgado, entendimento acolhido pela doutrina mais recente que defende que a eficácia inter partes da sentença administrativa é resultado da concepção subjectivista (embora não exclusiva) do contencioso administrativo, não poderá a eventual decisão ser oposta ao recorrente porque o mesmo não é parte em tal acção administrativa especial.
O que decorre da garantia constitucional do direito de acesso à justiça e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva – cfr. artºs 20º e 268º, nº4 da CRP – sendo estes direitos desrespeitados se, quem não teve a possibilidade de intervenção processual – designadamente por nunca ter sido citado – puder ser directamente prejudicado pela anulação do acto.  

Refere-se na decisão recorrida que o recorrente pode vir a ser chamado aos autos que correm no TAC de Lisboa como contra-interessado. Todavia, tal entendimento não se compadece com o instituto da suspensão da instância prevista nas citadas normas do CPC que se orienta por razões de segurança jurídica, devendo os pressupostos legais para suspensão da instância estarem verificados à data em que a mesma é apreciada.
Relembre-se, a propósito, o desfecho da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo em causa: foi decidido julgar “procedente a excepção da ilegitimidade passiva suscitada na oposição e, consequentemente”, absolver “os Requeridos da instância”, com o fundamento de a requerente não ter indicado como contra-interessado, para efeitos de ser citado para os termos do processo, o proprietário do prédio, “tendo esta decisão transitado em julgado em 11.03.2014”.
Destinando-se a lei processual a permitir a efectivação dos direitos invocados e não a postergar o reconhecimento dos mesmos, neste momento, nos presentes autos com os elementos que os mesmos contêm nada assegura que o recorrente venha a ser chamado na acção administrativa como contra-interessado. Não se pode, pois, acompanhar tal entendimento. Assim como não se pode acompanhar o entendimento do tribunal a quo quando refere na decisão recorrida que “o que releva é que tais processos se refiram à obra a que se reportam os autos”, para não dar relevância à intervenção do recorrido como contra-interessado na acção administrativa especial. A “obra” pode ser a mesma em ambos os processos, mas os direitos subjectivos ou interesses individuais legalmente protegidos cuja tutela jurídica pode ser reclamada pelo recorrente como contra-interessado em tais processos não se mostra aí assegurada, sendo que a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos – cfr. artº 2º, nº2 do CPTA. Ora, o que releva para a realização da tutela do direito, é que estejam em juízo as partes interessadas, sejam devidamente expressas as suas pretensões, apresentados os devidos fundamentos, tudo com vista à devida composição do litígio.

Pelo exposto, no caso dos autos, não pode considerar-se a existência de causa prejudicial, relativa a estes autos e, por consequência, não ocorrem os pressupostos para o decretamento da suspensão da instância previstos nos artºs 92º e 272º, nº1 do CPC.
Procedem assim, as conclusões das alegações de recurso, merecendo o recurso provimento, não podendo a decisão recorrido manter-se, devendo os autos prosseguir os seus termos.

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação

de Lisboa, 2ª Secção Cível, em:
         a) – conceder provimento ao recurso de apelação, revogando o despacho recorrido e ordenando que os autos prossigam os seus termos;
         b) – condenar a recorrida nas custas.

LISBOA, 29.05.2014

Magda Geraldes

Farinha Alves

Tibério Silva