Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1034/22.0T8LSB.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
PRIVILÉGIO DIPLOMÁTICO
COMPETENCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Ligado à soberania dos Estados encontra-se o ius legationis, ou seja, o direito de representação internacional, quer na sua componente passiva – direito de receber missões diplomáticas, quer na sua componente activa – direito de enviar missões diplomáticas
II. Assumindo a ré funções de Conselheira numa Embaixada goza, sem quaisquer restrições, de todos os direitos que lhe são conferidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e consequentemente, de imunidade de jurisdição civil do Estado acreditador.
III. Considera-se que pessoas com funções de representação do Estado no território de outro Estado, por forma a garantir a liberdade e independência da sua actuação, necessitam de especial protecção; protecção essa que se efectiva por via das imunidades pessoais.
IV. A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, aberta à assinatura em Nova York em 17 de Janeiro de 2005, afasta  da sua aplicação as missões diplomáticas.
V. Não é de aplicar o disposto no art.º 32º nº2 da Convenção de Viena e, logo, permitir afastar a imunidade de jurisdição, quando o pedido indemnizatório não está directamente relacionada com o processo de divórcio que correu termos em Portugal, pois na acção de divórcio ambos acordaram a conversão em mútuo consentimento, o que desde logo afasta a possibilidade de discutir os fundamentos do divórcio litigioso, única circunstancia em que seria permitido ao recorrente invocar a violação dos deveres conjugais por parte da recorrida. No entanto, tal possibilidade só se circunscreveria aos fundamentos do divórcio e não com a possibilidade de poder formular contra a ré pedido indemnizatório, com base na actuação alegadamente ilícita da recorrida.
 (Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
M…, de nacionalidade espanhola, maior, nascido a 13-08-1968, titular do documento de identificação n.º …, válido até 26-10-2022, com domicílio em Rua … Lisboa, apresentou acção declarativa de condenação contra E…, divorciada, maior, NIF …, residente em Rua … Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar ao Autor, a título de danos morais, o valor de €45.000,00, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, por se entender tal montante adequado e proporcional à intensa gravidade da conduta dolosa praticada pela Ré, tendo em conta a elevada dimensão e extensão dos danos causados.
Alega, em síntese, que no âmbito do matrimónio foi sujeito a um tratamento desumano e degradante por parte da Ré, fruto dos sucessivos ataques à sua pessoa, comportamento que já ocorria quando viviam em Lima e se agravou em Lisboa. Invoca, no essencial, que a Ré não entregou ao Autor o passaporte diplomático, ficando este impedido, em Portugal, de tarefas básicas, como por exemplo, pedir NIF ou abrir uma conta bancária, cancelou o seguro de saúde de que o Autor era também beneficiário, alheou o Autor da vida dos Filhos, não deixava que o Autor participasse nas refeições, insultava com frequência o Autor, usando expressões como “és um terrorista, espião e inútil”, “és mau”, “burro”, “porco”, e fazia-o na presença dos filhos menores. Refere que apresentou queixa contra a A., tendo dado origem ao inquérito proc. nº 752/18.1SYLSB – DIAP – 7ª Secção de Lisboa, o qual foi arquivado, com data de 11/05/2019, por se entender que o Estado Português não tem competência internacional para investigar os factos denunciados,dado a ré ser diplomata e exercer funções como Conselheira na Embaixada de … em Portugal.
No despacho liminar por se antever a possibilidade de conhecer da incompetência internacional notificou-se o Autor para se pronunciar nos termos do art.º 3º nº 3 do Código de Processo Civil.
O autor veio invocar que tendo a ré intentado acção de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais, acção esta que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Família e Menores de Lisboa, juiz 1, entende que a presente lide está intimamente relacionado com aquele casamento, pois prende-se, pois, com o apuramento da responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais, violação essa que configurou a prática de um crime de violência doméstica. Pelo que entende que haverá que considerar o disposto nos termos do art.º 32.º, n.º 3, da Convenção de Viena, no sentido de não poder ser invocada a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção directamente ligada à acção principal, concluindo que existe uma conexão objectiva entre as duas lides, elemento característico do pedido reconvencional.
O Tribunal decidiu pela verificação da incompetência internacional e logo, da excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal e, em consequência, indeferiu a presente acção.
Inconformado, pugnando pela competência dos Tribunais portugueses e pelo prosseguimento dos autos, veio o Autor recorrer formulando as seguintes conclusões:
«a) O presente recurso vem interposto da sentença proferida no processo nº 1034/22.0T8LSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 22), quanto ao segmento decisório que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta desse Tribunal e, em consequência, indeferiu a presente acção.
b) Invocando que “a Convenção prevê a imunidade de jurisdição penal, civil e administrativa, prevendo as respectivas excepções (artigo 31.º, 1) e a faculdade de renúncia a essa imunidade, que cabe ao Estado acreditante e tem de ser expressa (artigo 32.º). A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante (artigo 31.º, n.º 4). Face a todo o exposto, concluímos pela verificação de imunidade da jurisdição, o que determina a incompetência internacional dos tribunais portugueses para a tramitação da presente acção”,
c) Afirmando, ainda, que “a incompetência absoluta do Tribunal é uma excepção dilatória insuprível, nos termos conjugados dos artigos 96.º a 99.º, 576.º, 577.º, n.º 1, al. a), 578.º, todos do Código de Processo Civil”.
d) Assentando a sua decisão de indeferimento no mero facto de a Ré ser Agente Diplomática,
e) Fazendo uma incorrecta interpretação da norma do artigo 32º, nº 3, da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, aprovado para adesão pelo Decreto-Lei n.º 48 295 de 27 de Março de 1968,
Vejamos,
f) O Autor/Recorrente intentou a presente ação de condenação contra a Agente Diplomática, sua ex-mulher, ora Recorrida, por violação dos deveres conjugais.
g) Não obstante, foi a Ré que intentou, em Portugal, a ação de divórcio, que correu os respetivos termos a final.
h) Insurge-se agora o Recorrente com a decisão levada a cabo pelo tribunal a quo, decidindo (mal) este tribunal ao conferir imunidade de jurisdição à Ré e não conhecendo, consequentemente, da ação.
i) Ora, como consta nas alegações de Recurso, nesta matéria rege o disposto na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovado para adesão pelo Decreto-Lei n.º 48295 de 27 de Março de 1968.
j) Neste normativo, prevê-se a excepção à imunidade diplomática dos seus agentes nalgumas circunstâncias.
k) Desde logo, o n.º 3 do artigo 32.º da Convenção dispõe, sem margem para dúvidas, que “se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37.º inicia uma acção judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção directamente ligada à acção principal”.
Aqui chegados,
l) Conforme se disse, foi a Ré/Recorrida que instaurou em Portugal a acção de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais, acção esta que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores de Lisboa, juiz 1, sob o número de processo 27280/18.2T8LSB, e se encontra finda, com o decretamento do divórcio e homologação de um acordo para o exercício das responsabilidades parentais.
m) Pelo que, como se vê, o direito que o Autor pretende exercer na presente lide está intimamente relacionado com aquele casamento: prende-se, pois, com o apuramento da responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais, violação essa que configurou a prática de um crime de violência doméstica.
n) Aliás, em face de anteriores regimes, o pedido deduzido nesta acção poderia ser conhecido naquela, o que é um indício muito forte de que se trata de uma [reconvenção] ligada à acção principal, para efeitos do preenchimento da excepção prevista no art.º 32.º, n.º 3, da Convenção de Viena.
o) Por outras palavras, o peticionado na presente acção está inteiramente ligado com a acção de divórcio primeiramente intentada pela Agente Diplomática, Ré/Recorrida.
p) No que ao n.º 3 do artigo 32.º diz respeito, ainda que a convenção não explicite o que se entende por “reconvenção directamente ligada à acção principal”, não se poderá entender que tal expressão se reconduz à reconvenção prevista no direito processual civil português, na medida em que a reconvenção é um pedido deduzido pelo Réu contra o Autor na contestação, logo, dizer-se “directamente ligada à acção principal” seria uma contradição nos seus próprios termos.
q) Assim, deverá entender-se a sobredita reconvenção, nos termos da Convenção, como qualquer pedido dirigido contra o Agente que goza da imunidade de jurisdição, relacionado com uma acção (principal) iniciada por este no Estado acreditador. Com efeito, admitir o contrário, seria admitir um verdadeiro abuso de direito.
r) Ora, em face do exposto, tendo em conta que a Recorrida iniciou em Portugal o processo de divórcio, deverá entender-se que a mesma está agora impedida de invocar a imunidade de jurisdição para a presente acção, que está directamente relacionada àquela acção (principal).
s) Com efeito, não fosse o casamento dissolvido em Portugal e a presente lide seria impossível. Pelo que existe uma conexão objectiva entre as duas lides, elemento característico do pedido reconvencional.
t) Destarte, mal andou o Tribunal a quo ao pronunciar-se pela imunidade da jurisdição, determinando a incompetência internacional dos tribunais portugueses para a tramitação da acção.
u) Pelo que, não pode o Recorrente concordar com tal decisão, na medida em que contraria amplamente o preceito normativo previsto no n.º 3, do art.º 32.º da Convenção, prevendo este que não poderá o Agente Diplomático, em caso algum, gozar da imunidade de jurisdição numa acção que esteja ligada a uma acção por si interposta – como o caso dos autos.
v) Ademais, este tem sido exactamente o raciocínio levado a cabo pela jurisprudência, no sentido de serem os tribunais portugueses competentes internacionalmente.
w) A Jurisprudência Portuguesa conhece da sua competência para julgar acções em que um Agente Diplomático intervenha, por sua iniciativa, judicialmente no Estado acreditador, impedindo-lhe, por via disso, gozar, posteriormente, da imunidade diplomática na referida ação ou noutra directamente ligada.
x) De sublinhar, ainda, que a imunidade de jurisdição do Estado e dos seus bens, geralmente aceite como um princípio do direito internacional consuetudinário (par in parem non habet jurisdictionem), integrado no Direito Interno por força do art.º 8, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, foi objecto de uma Convenção internacional, a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, aberta à assinatura em Nova York em 17 de Janeiro de 2005, que ainda não entrou em vigor – Portugal ratificou já esta Convenção, aprovada pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 46/2006, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 57/2006, tendo o instrumento de ratificação sido depositado em 14 de  Setembro de 2006 e a Convenção publicada no DR I Série-A, de 20 de Junho de 2006.
y) Nesta Convenção, mais precisamente na Parte III, encontramos os Processos Judiciais nos quais os Estados não podem invocar imunidade, mormente no artigo 12.º que, traduzindo-o, o artigo prevê é que um Estado não pode invocar imunidade de jurisdição perante um tribunal de outro Estado que seja de outra forma competente em um processo que diga respeito à indemnização pecuniária por morte ou lesão à pessoa, ou dano ou perda de bens corpóreos, causada por acto ou omissão alegadamente imputável ao Estado, se o acto ou omissão ocorreu no todo ou em parte em território desse outro Estado e se o autor do acto ou omissão estava presente naquele território no momento do acto ou omissão.
z) Em suma, decidir-se peremptoriamente pela imunidade de jurisdição e consequente incompetência dos nossos tribunais no julgamento de acções em que intervenham agentes diplomáticos, pelo simples facto de o serem, levar-nos-ia ao risco que o caso dos autos enfrenta, nomeadamente de não ver decidida e julgada uma acção onde os factos ilícitos ocorreram em pleno território português, gerando uma situação de injustiça gritante pelo facto de a Recorrida pode demandar nos Tribunais portugueses mas não poder por eles ser demandada.».
O recurso foi admitido e cumprido o disposto no art.º 641º nº 7 do PCP, pelo que citada a ré nos termos e para os efeitos do preceito em causa, veio o Ministério dos Negócios Estrangeiros Portugueses, por ofício, responder nos seguintes termos: «Com referencia ao V. oficio nº (…) de 07 de dezembro de 2022, relativo ao processo em epígrafe, remetido directamente à Conselheira de Embaixada também referida no assunto em epígrafe, tenho a honra de enviar a V. Exa. a cópia da Nota Verbal n.º 249, de 27 de dezembro de 2022, recebida neste Ministério dos Negócios Estrangeiros, da Embaixada do Reino de E..., que confirma a imunidade diplomática a Conselheira E.... Aproveita-se a oportunidade para informar que todas as comunicações oficiais dirigidas ao Estado estrangeiro, à Missão Diplomática ou a funcionário da mesma, devem ser sempre encaminhadas pela via diplomática, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.».
Da nota verbal junta resulta, além do mais, que a ré é conselheira da Embaixada do Reino de E..., desde 25/07/2018, com renovação até 30 de Março de 2024, que não pode ser admitida a excepção do art.º 32º nº 3 da Convenção de Viena, dizendo que o recorrente já havia alegado os mesmos factos na acção e divórcio e tal não foi admitido nessa acção. Confirma ainda a mesma nota a imunidade da ré afirmando-se igualmente que E... não renuncia à mesma nos termos dos art.º  31º nº 3 e 32º nº 4 da Convenção de Viena.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- Os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer de uma acção indemnizatória em que se visa um agente diplomático estrangeiro, por alegados actos de violência doméstica praticados em território nacional e a acção de divórcio ter decorrido neste país.
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II. Fundamentação:
Além dos factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede, haverá ainda que considerar que:
- O Autor e a Ré contraíram matrimónio no dia 20 de Fevereiro de 2012, em Madrid, sob o regime de separação de bens (Doc. 1).
- Em 11 de Maio de 2012 nasceu S…, filha de A. e ré (Doc. 2).
- Em 21 de Novembro de 2015 nasceu M…, filho do A. e ré (Doc. 3)
- Correu termos no Tribunal de Família e menores de Lisboa Processo n.º 27280/18.2T8LSB, acção de divórcio intentado pela ré contra o A., sendo que com data de 16/11/2021, no âmbito da conferencia as partes acordaram que: «1- Declaram que não existe casa de morada de família; 2. Declaram que não existem bens comuns a partilhar; 3. Declaram que prescindem reciprocamente de alimentos; 4. Declaram que as responsabilidades parentais dos filhos menores, S… e M…, se encontram reguladas no Apenso n.º 27280/818.2T8LSB-A.-»;
- De seguida nesse processo foi proferido o seguinte despacho: «Por se verificarem os pressupostos legais a que se reportam os art.ºs 1773º/2 e 1779º, ambos do CC e 931º/3 e 4 do CPC, admito a convolação do divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento.» e acto contínuo, foi proferida a seguinte sentença: «E... e M…, melhor identificados nos autos, requereram, de comum acordo, a dissolução do seu casamento por Divórcio, na sequência da convolação da instância que havia sido intentada pelo primeiro. Neste acto, ambos os cônjuges manifestaram o propósito de se divorciarem, tendo, para o efeito, sido alcançados os acordos legalmente exigidos e que antecedem.
Do Assento de Casamento junto aos autos extrai-se que, no dia 20 de Fevereiro de 2012, os requerentes contraíram entre si casamento civil, com convenção antenupcial, no regime de separação de bens. As partes pretendem divorciar-se e alcançaram os acordos quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, S… e M…, declaram não existirem bens comuns, nem casa de morada de família e prescindem reciprocamente de alimentos entre si.
Pelo exposto, em conformidade com as disposições conjugadas dos art.ºs 1775º/1 e 1779º, nº 2, do Código Civil, 931º, nºs 2, 3 e 4, 994º e 996º do Código de Processo Civil:
a) Homologo os acordos dos requerentes, condenando as partes a cumpri-los nos seus precisos termos.
b) Decreto o divórcio por mútuo consentimento dos requerentes E... e M… e, em consequência, declaro dissolvido o seu casamento.».
- Por apenso à acção de divórcio, correu termos acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sob o nº 27280/18.2T8LSB-A, no âmbito da qual A. e ré chegaram a acordo quanto à forma do exercício das responsabilidades parentais, tendo sido homologado tal acordo, por decisão de 16/11/2021;
- A Ré é diplomata e exerce funções como Conselheira na Embaixada de E..., em Portugal, desde 25 de Julho de 2018, com renovação até 30 de Março de 2024.
- A Embaixada de E... veio através do Ministério de Negócios Estrangeiros Portugueses afirmar a imunidade da ré e informar que não renuncia à mesma.
- O ora Autor deduziu queixa crime contra a ora ré, alegando factos que no seu entender consubstanciariam ter sido vítima do crime de violência doméstica (em termos psicológicos, verbais e económicos) por parte da ré, no interior da residência comum que identificou como sendo a residência do casal, sita em Lisboa.
- Tal denuncia originou os autos de inquérito nº 752/18.1SYLSB, tendo nesses autos, com data de 19/11/218, sido proferido despacho de arquivamento, do qual resulta, além do mais, que: «(…) Apurou-se que a denunciada é Conselheira da Embaixada de E... e que está em Portugal desde 13/07/2018 - cfr. fls. 49-50.
Os factos denunciados são abstractamente susceptíveis de integrar a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al, a) e n.º 2 do Código Penal.
Face à qualidade dos intervenientes e ao local da prática dos factos (residência de ambos), impõe-se apurar se os tribunais portugueses são ou não competentes para investigar tais factos.
Determina o art.º 4.º do Código Penal que «salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados (...) em território português, seja qual fora nacionalidade do agente (...)
Portugal aderiu â Convenção sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961, tendo-a publicado no ordenamento jurídico interno através do Decreto-Lei n.º 48295, de 27/03/1968.
No que se reporta à qualidade dos intervenientes, impõe-se ter em conta c disposto no art.º 29.º e 1.º, al. e) da Convenção, sendo a denunciada um "agente diplomático”.
Por seu turno, o art.º 37.c da Convenção estabelece que «Os membros da família de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29º a 36º, desde que não sejam nacionais do Estado acreditador.
Relativamente ao local da prática dos factos - residência do casal - importa ter presente o disposto no art.º 30º da Convenção: «A residência particular do agente diplomático goza da mesma inviolabilidade e proteção que os locais da missão».
Face ao regime jurídico estabelecido na Convenção de Viena, impõe-se concluir que o Estado Português não tem competência internacional para investigar os factos denunciados.
Por todo o exposto, não sendo as autoridades portuguesas internacionalmente competentes para a investigação, ao abrigo do disposto nos artigos n.º 33.º, n.º 4 e 277.º, n.º 1 Código de Processo Penal, determino o arquivamento dos autos».
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III. O Direito:
A questão a decidir prende-se em saber se é de manter a incompetência absoluta dos Tribunais portugueses, por ocorrência da inexistência in casu da verificação de competência internacional dos Tribunais portugueses para apreciar e decidir a presente acção.
Com efeito, “a competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado” (cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ‘Manual de Processo Civil’, 2.ª edição, pág. 198). Para aferir da competência internacional dos tribunais portugueses a lei prevê elementos de conexão substantiva e adjectiva nos termos previstos no art.º 62º do Código de Processo Civil. Tal como defendem os autores referidos a “autonomia e largueza dos critérios estabelecidos no art.º 65º (actual art.º 62º) revelam, da parte da lei, a intenção de facilitar, dentro dos limites da razoabilidade, o acesso aos tribunais portugueses por parte dos cidadãos estrangeiros e em relação a litígios conexionados com vários sistemas jurídicos” (in. Ob. cit. pág. 200), sendo que tais elementos de conexão que permitem afirmar a competência internacional podem ser elencados com base nos seguintes princípios: princípio da coincidência (alínea a) do art.º 62º); princípio da causalidade (alínea b)) ou o princípio da necessidade (alínea c)).
Logo, quando a causa tem conexão com outras ordens jurídicas, o tribunal português, se nele foi intentada a acção, tem que decidir se é competente para a apreciar e decidir, apurando se o poder jurisdicional para aquela acção é atribuído aos tribunais portugueses.
No caso dos autos Autor e ré não têm nacionalidade portuguesa, porém, os alegados factos que consubstanciam o pedido indemnizatório formulado pelo Autor contra a ré, ou seja, os que integrarão os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito nos termos do art.º 483º do CC, terão ocorrido, no essencial, em território nacional. Acresce que ambos residem em Portugal. Há que realçar que é atendendo ao pedido e à causa de pedir vertidas na petição inicial que se afere da competência internacional do tribunal face ao litígio (cf.  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/2013 no processo 204/11.0TTVRL.P1. S1.).
Porém, para aferir da competência na sua vertente internacional não basta a integração nos elementos de conexão nos termos supra aludidos, pois determina o art.º 59º do Código de Processo Civil que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.
Donde, a actividade para determinar a competência exige que se averigue se existem tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses, porque prevalecem sobre os restantes critérios (cf. art.º 8.º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa).
O Tribunal recorrido na aferição de tal competência conclui, quanto  a nós de forma acertada, que: «O Direito Internacional reconhece aos Estados direitos fundamentais, que derivam da sua qualidade de sujeitos de direito internacional, visando salvaguardar a sua soberania, elemento constitutivo do próprio Estado, que se expressa nomeadamente pelos poderes de jurisdição (no sentido normativo, administrativo, ou jurisdicional), que em princípio têm aplicação no seu território. No entanto, esses direitos sofrem restrições, por força do costume internacional ou normas convencionais, constituindo a imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros uma dessas restrições, imediatamente aplicável na ordem jurídica interna por força do disposto no artigo 8.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Importa atentar na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovado para adesão pelo Decreto-Lei n.º 48 295 de 27 de Março de 1968. Nos termos do artigo 1.º, alínea e) da Convenção, a Ré será agente diplomática, atentas as funções que exerce. A Convenção prevê a imunidade de jurisdição penal, civil e administrativa, prevendo as respectivas excepções (artigo 31.º, 1) e a faculdade de renúncia a essa imunidade, que cabe ao Estado acreditante e tem de ser expressa (artigo 32.º). A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante (artigo 31.º, n.º 4 da Convenção). Assim, entendemos que se verifica incompetência internacional para a presente acção».
Não há dúvidas que nos termos do artigo 101.º do Código de Processo Civil, a infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, que pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (artigo 102.º do Código de Processo Civil). Quanto à sua natureza e consequência processual, a incompetência absoluta do Tribunal é uma excepção dilatória insuprível, nos termos conjugados dos artigos 96.º a 99.º, 576.º, 577.º, n.º 1, al. a), 578.º, todos do Código de Processo Civil, que determina a absolvição da instância ou indeferimento da acção, caso se decida pela verificação de uma excepção insuprível antes da citação – cf. art.º 259º nº 2 do Código de Processo Civil.
Manifestamente no caso dos autos haverá que convocar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, esta aprovada em Viena, em 18 de Abril de 1961, mas aprovada para adesão pelo Decreto-Lei n.º 48 295 de 27 de Março de 1968, donde, diploma a considerar nos termos do art.º 59º do Código de Processo Civil. Tal diploma veio regular a imunidade não de jurisdição de um Estado em relação a outro, ainda que esteja subjacente um princípio idêntico, mas sim as imunidades diplomáticas. Logo, entendemos que não haverá que trazer à colação os actos de um Estado soberano, nomeadamente a distinção entre a imunidade absoluta, em relação aos actos jure imperii e a imunidade relativa, referente aos actos jure gestionis, ainda que relativamente às relações diplomáticas tal também poderá estar em causa (ver Geraldes de Carvalho in "Da Imunidade Jurisdicional dos Estados Estrangeiros" in Colectânea de Jurisprudência Ano X - Tomo 4 - pagina 33 e seguintes). Todavia, tem sido entendido que ainda que não esteja em causa a eventual actuação de um Estado soberano, nomeadamente os actos de actividade privada de um Estado, parece, por maioria de razão, dever aplicar-se aos actos de actividade privada dos agentes diplomáticos em Estado estrangeiro a distinção de absoluta e relativa ( cf. Ac desta Relação de 25/01/2007, proc. nº 15/2007-6, in www.dgsi.pt).
No caso dos autos dúvidas não há que a ré assume a qualidade de agente sujeito à imunidade diplomática, pois por força das funções que exerce integra o conceito de agente diplomático, tal como se encontra especificado no artigo 1, alíneas a) a e) da Convenção de Viena, pois a ré assume as funções de Conselheira na Embaixada de E..., em Portugal, desde 25 de Julho de 2018, com renovação até 30 de Março de 2024, gozando sem quaisquer restrições de todos os direitos que lhe são conferidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e consequentemente, de imunidade de jurisdição civil do Estado acreditador.
No preâmbulo da Convenção de Viena, que define a imunidade que se discute nesta acção, consigna-se que “a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas sim a de garantir o eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas, em seu caracter de representantes dos Estados”. Logo, tem sido entendido que as imunidades diplomáticas constituem, no plano internacional, imunidades pessoais ou ratione personae e, como tal, são absolutas, abrangendo todos os actos praticados pelo seu beneficiário (Simone da Costa Santos, in “Imunidades diplomáticas: a imunidade de jurisdição penal dos familiares” Mestrado em Ciências Policiais especialização em Criminologia e Investigação Criminal, 2017, disponível em www.comum.rcaap.pt).
A origem da diplomacia como verdadeiro instrumento de representação dos Estados, de negociação e facilitador das relações entre os poderes estaduais, tem a sua origem no Congresso de Vestefália (1648) onde se introduz o princípio da diplomacia multilateral que, por oposição à noção de diplomacia bilateral, assenta na colaboração entre vários Estados com vista à maximização dos interesses comuns. Os Tratados elaborados, nesse Congresso, no seu conjunto, deram nome à conhecida Paz de Vestefália que pôs termo à Guerra dos Trinta Anos, implementando um novo sistema internacional e consolidando o sistema diplomático moderno. A Paz de Vestefália, ao determinar definitivamente a queda do imperador e do Papa e, ao estabelecer formalmente o nascimento dos novos Estados soberanos, concebe noções fundamentais, como é o caso de soberania estatal; Estado-nação e não ingerência nos assuntos internos, consagrando ainda princípios estruturantes que caracterizam o Estado moderno e as relações internacionais, designadamente o princípio da soberania, o princípio da igualdade jurídica entre Estados soberanos e o princípio da territorialidade.
A Convenção de Viena de 1961, como fonte de direito diplomático, constitui um tratado multilateral e possui uma especial importância, já que é por via dele que as normas consuetudinárias ficam consolidadas, reduzidas a escrito, e encontram segurança jurídica, pois são elevadas a normas internacionais que vinculam os Estados que dela fazem parte. Esta Convenção foi complementada pela Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963, pela Convenção de Nova Iorque sobre Missões Especiais de 1969 e pela Convenção de Viena sobre a Representação dos Estados nas suas Relações com as Organizações Internacionais, de 1975. No seu conjunto, compõem o corpo normativo do exercício da actividade diplomática, pelo qual os Estados se regem.
O princípio da soberania estadual constitui o garante da independência do Estado e conduz ao princípio da igualdade soberana dos Estados, consagrado no art.º 2.º, n.º 1 da Carta das Nações Unidas. Cada Estado possui, desta forma, as suas próprias normas de direito interno, pelas quais o seu território e povo se regulam. E é, justamente, esta igualdade soberana entre Estados que confere e assegura a estabilidade das relações internacionais. Intrinsecamente ligado à soberania dos Estados encontra-se o ius legationis, ou seja, o direito de representação internacional, quer na sua componente passiva – direito de receber missões diplomáticas, quer na sua componente activa – direito de enviar missões diplomáticas (Vattel in “O direito das gentes” Editora Universidade de Brasília, disponível em www.passeidireto.com). A par deste haverá ainda que considerar como corolários da soberania do Estado, três grandes subprincípios: i) a jurisdição “prima facie” exclusiva sobre o território e pessoas que nele vivam permanentemente; ii) o dever de não ingerência na jurisdição exclusiva dos outros Estados; iii) a subordinação às obrigações decorrentes do direito consuetudinário e do direito dos tratados, nos quais o Estado seja parte.
É aqui que se insere a imunidade conferida à ré, afirmada em sede penal no âmbito do arquivamento na sequência da queixa crime formulada pelo Autor, mas em que preside igualmente a mesma, reportada ao processo civil, pois estão em causa os mesmos fundamentos, os quais aliás, poderiam ser invocados no âmbito do pedido indemnizatório a ser formulado no processo crime, por força do principio da adesão previsto no art.º 71º do CPP.
Com efeito, a imunidade permite afastar o critério da territorialidade, em nada relevando os actos terem sido praticados no território nacional, como parece defende o recorrente, pois os agentes diplomáticos, por virtude das funções que desempenham na orgânica do Estado ou em razão de regras de direito internacional, possuem imunidades, as quais garantem que não fiquem sujeitas à jurisdição civil dos tribunais portugueses. Tais imunidades são uma consequência da soberania, de modo que um Estado não pode ser submetido à jurisdição de outro Estado. Importa ter presente ainda para efeito de definição dos conceitos, que o Estado que envia os agentes diplomáticos, é Estado acreditante ou Estado de envio, e o Estado, onde as funções serão desempenhadas, designar-se-á Estado acreditador. Acresce que ao falar-se de imunidade, prevê-se quer as imunidades funcionais, quer as imunidades pessoais, ou seja, as primeiras relativamente aos actos perpetrados no âmbito do exercício das suas funções, as segundas não se fundam nem se encontram directamente ligadas ao dever de não ingerência nos assuntos internos do Estado, mas sim na natureza representativa das funções exercidas pela pessoa em causa.
No caso dos autos está em causa a imunidade dita pessoal, que ao contrário da funcional não é erga omnes e está limitada no tempo, perdurando apenas enquanto se mantêm as funções. Pois considera-se que pessoas com funções de representação do Estado no território de outro Estado, por forma a garantir a liberdade e independência da sua actuação, necessitam de especial protecção; protecção essa que se efectiva por via das imunidades pessoais. Desta forma, a eventual responsabilidade criminal ou civil e consequente sujeição ao poder judicial do Estado acreditador deixam de constituir um constrangimento ao exercício livre e independente das funções que lhes cabem, não prejudicando o normal funcionamento das relações internacionais entre Estados. Logo, todos os actos cometidos antes e durante o exercício das funções, incluindo aqueles praticados sob “a veste privada”, estão abrangidos pelas imunidades, durante o período em que o agente diplomático exercer as suas funções oficiais, salvo as excepções previstas na Convenção, mormente o previsto no art.º 31º, a saber: a) – Uma acção real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão; b) – Uma acção sucessória na qual o agente diplomático figura, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário; c) – Uma acção referente a qualquer actividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais.
No caso dos autos nenhuma das excepções é aplicável, dado que o Autor pretende assacar a responsabilidade por facto ilícito à ré, com a consequente obrigação de indemnizar o mesmo pelos danos morais sofridos, pelo que haverá que afirmar a imunidade, pois a imunidade de jurisdição civil do Estado acreditador assenta no facto de se considerar a Embaixada território do Estado acreditante, ou seja, in casu, E... (cfr. artigo 22º da Convenção), gozando a residência particular do agente diplomático da mesma inviolabilidade e protecção que os locais da missão (artigo 30º, n.º 1).
Por outro lado, em nada releva vir invocar a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, aberta à assinatura em Nova York em 17 de Janeiro de 2005, pois esta não entrou em vigor em Portugal, vigorando sim a Convenção a que vemos fazendo referência. Porém, mesmo na Convenção das Nações Unidas convocada, ainda que considerada como direito constituendo, dispõe-se no Artigo 3º sob  a epígrafe “Privilégios e imunidades não afectados pela presente Convenção” que a “presente Convenção não afecta os privilégios e imunidades de que goza um Estado, ao abrigo do direito internacional, relativamente ao exercício das funções: a) Das suas missões diplomáticas, postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais ou delegações junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências internacionais; e b) Das pessoas relacionadas com as mesmas.”. Logo, não seria de considerar aplicável no caso da ré, conselheira da Embaixada e sobre a qual E... veio afirmar quer a sua imunidade, quer ainda peremptoriamente a inexistência de renúncia à mesma.
Acresce que ao contrário do que parece transparecer das alegações do recorrente a imunidade não determina impunidade, pois no n.º 4 do artigo 31º da Convenção prevê-se que “a imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante”, pretende-se dizer que a imunidade da Recorrida relativamente à jurisdição civil do Estado Português não a isenta da jurisdição do Estado Espanhol, Estado acreditante.
Entende o recorrente igualmente que o Tribunal recorrido elaborou uma incorrecta interpretação da norma do artigo 32º, nº 3, da Convenção de Viena, pois foi a Ré que intentou, em Portugal, a acção de divórcio contra o ora Autor, pelo que não pode invocar nesta sede a imunidade de jurisdição. Defende assim, que o direito que o Autor pretende exercer na presente lide está intimamente relacionado com aquele casamento, prende-se, pois, com o apuramento da responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais, violação essa que configurou a prática de um crime de violência doméstica.
Sustenta igualmente que ainda que a convenção não explicite o que se entende por “reconvenção directamente ligada à acção principal”, não se poderá entender que tal expressão se reconduz à reconvenção prevista no direito processual civil português, na medida em que a reconvenção é um pedido deduzido pelo Réu contra o Autor na contestação, logo, dizer-se “directamente ligada à acção principal” seria uma contradição nos seus próprios termos. Defende que a interpretação correcta será entender-se a sobredita reconvenção, nos termos da Convenção, como qualquer pedido dirigido contra o Agente que goza da imunidade de jurisdição, relacionado com uma acção (principal) iniciada por este no Estado acreditador, pelo que tendo em conta que a Recorrida iniciou em Portugal o processo de divórcio, deverá entender-se que a mesma está agora impedida de invocar a imunidade de jurisdição para a presente acção, que está directamente relacionada àquela acção (principal). Defender-se o contrário, no entender do recorrente é actuar em abuso de direito.
O n.º 3 do artigo 32.º da Convenção dispõe que “se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37.º inicia uma acção judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção directamente ligada à acção principal”.
É certo que a Ré/Recorrida instaurou em Portugal a acção de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais, acção esta que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores de Lisboa, juiz 1, sob o número de processo 27280/18.2T8LSB. Por um lado, o recorrente sustenta na sua petição inicial que a interposição pela ré foi motivada pelo facto de ter sabido que o mesmo pretendia intentar tal acção, cuja demora no seu impulso inicial pelo próprio imputou ao pedido de apoio judiciário formulado pelo mesmo, porém, neste recurso parece defender que afinal a iniciativa partiu e foi livremente decidida pela recorrida. Por outro lado, olvida o recorrente que nada invoca o que terá motivado o pedido de divórcio pela recorrida, pois não juntou nem a petição inicial, nem eventualmente a contestação apresentada pelo Autor, réu naquela acção.
Todavia, em nada releva pretender invocar que esta acção constitui uma acção directamente relacionada com o processo de divórcio que correu termos, pois na acção de divórcio ambos acordaram a conversão em mútuo consentimento, o que desde logo afasta a possibilidade de discutir os fundamentos do divórcio litigioso, única circunstancia em que seria permitido ao recorrente invocar a violação dos deveres conjugais por parte da recorrida. No entanto, tal possibilidade só se circunscreveria aos fundamentos do divórcio e não com a possibilidade de poder formular contra a ré pedido indemnizatório, com base na actuação alegadamente ilícita da recorrida. Do exposto, é manifesto que não é de aplicar o disposto no art.º 32º nº 3 da Convenção, afastando-se ainda a possibilidade de renuncia à imunidade, nos termos dos art.º  31º nº 3 e 32º nº 4 da Convenção de Viena, da dada a posição assumida nos autos pelo Estado acreditante.
Nestas condições o Tribunal Português é absolutamente incompetente em razão da nacionalidade para conhecer da causa, confirmando-se a decisão recorrida.
Improcede assim, a apelação.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida que determinou a incompetência internacional dos Tribunais portugueses, com as legais consequências.
Custas pelo apelante (sem prejuízo do apoio judiciário).
Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2023
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Vera Antunes