Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3195/11.4TBCSC.L1-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
DÍVIDA DE CÔNJUGES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.O título executivo pode ser definido como o documento que serve de base à execução de uma prestação, por incorporar em si a demonstração legalmente bastante do direito correspondente, nomeadamente pela constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
2. É pela análise do título executivo que se há-de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe corresponde (entrega de coisa, prestação de facto, dívida pecuniária), o quantum da prestação e a legitimidade activa e passiva para a acção executiva.
3. No caso em análise, verifica-se que os Exequentes instauraram a execução ao abrigo do art. 46º, nº 1, al. b), do CPC, com base no título executivo que juntaram: o contrato de mútuo. E ressalta claramente desse contrato que foi celebrado entre os Exequentes e os 2 primeiros Executados, sem que nenhuma das Executadas tenha tido qualquer intervenção no mesmo, pois aí não figuram como outorgantes, não se vincularam ao conteúdo de qualquer uma das suas cláusulas, não o subscreveram ou assinaram tal documento.
4. Em tais circunstâncias, quando o credor/Exequente quiser obter, ou abranger com a penhora, bens comuns do casal, e seja portador de um título executivo no qual apenas teve intervenção um dos cônjuges, deverá lançar mão dos mecanismos que a lei põe ao alcance do credor: o art. 825º do CPC.
5. Deverá, assim, requerer a citação do cônjuge do executado para os fins aí previstos, v.g., de aceitação da comunicabilidade da dívida, para efectivação da penhora de bens comuns do casal. O que não fez.
6. Nestes termos, e por inexistência de título executivo, deve ser indeferida liminarmente a presente execução contra as citadas Executadas.
(ALG)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – 1. Os Exequentes Fausto (…) e Irene (…) instauraram acção de execução sumária para pagamento de quantia certa, contra Pedro (…), Justino (…), Sandra (…) e Ângela (…), Pedindo o pagamento da quantia em dívida no montante de € 121.207,30.

Para tanto apresentaram como título executivo um contrato de mútuo e alegaram que no referido contrato os executados confessaram-se devedores aos Exequentes do capital mutuado, e dos juros convencionados, bem como os demais encargos bancários e despesas que identificam, quantias que os Executados não pagaram.

Juntaram aos autos o contrato de mútuo celebrado no dia 1/4/2010, entre os Exequentes e os 2 primeiros Executados – Pedro e Justino – onde se pode ler que estes Outorgantes/Executados “receberam a título de empréstimo dos 1ºs Outorgantes/Exequentes e como tal se confessam devedores da importância de 100.000,00 € ”“e que o capital mutuado vence juros à taxa anual” ali fixada.

Documento que se mostra subscrito pelos intervenientes e outorgantes no contrato de mútuo: os Exequentes e os referidos Executados – cf. fls. 6 e segts.

2. Seguiram-se as penhoras, nomeadamente de imóveis e veículos – cf. fls. 220.

3. Conclusos os autos, o MMº Juiz do Tribunal “a quo” rejeitou a execução quanto às Executadas Sandra (…) e Ângela (…), por ter considerado “ser manifesta a falta de título quanto às mesmas” e, em consequência, ordenou o levantamento das penhoras efectuadas sobre bens da sua titularidade – cf. fls. 251.

Fundamentou a sua decisão no facto de a execução ter sido interposta com base num contrato de mútuo celebrado entre os Exequentes e Pedro Justino. E uma vez que não constam como outorgantes de tal contrato as Executadas Sandra e Ângela, com quem os restantes executados seriam casados, respectivamente, à data da escritura, concluiu pela inexistência de título executivo quanto àquelas.

4. Inconformados os Exequentes Apelaram, tendo formulado as conclusões que a seguir se sintetizam, face à sua extensão:
1.  A escritura pública junta aos autos como título executivo cumpre todos os requisitos para desempenhar essa função, comprovando, sem necessidade de mais, a real existência do direito.
2. Trata-se de documento autenticado por notário, para efeitos do disposto pelo art. 46º, nº 1, al. b) do CPC, tanto mais que a obrigação exequenda, legalmente comprovada por tal título, não é colocada em causa, aceitando-se, pois, que os Exequentes/Apelantes entregaram a quantia de cem mil Euros aos Executados e que estes integraram nos seus patrimónios na vigência dos respectivos casamentos.
3. Património esse na data partilhado com as suas esposas Sandra e Ângela, respectivamente, e no qual foi integrado por comunhão a verba recebida pelos Executados maridos, conforme art.º 1724º, alínea b), do CC.
4. Sendo ambos os Executados casados em regime de comunhão de bens, na data da celebração do mútuo, devem ser propostas contra ambos – marido e mulher – as acções, nos termos que constam dos arts. 28º-A, nº 3, do CC.
5. Ambos os casais e mutuantes, à data casados, enriqueceram os respectivos patrimónios em comunhão, tanto assim que a Ângela não se opôs à execução, nem suscitou a inexistência do título quanto à sua pessoa ou sequer a sua ilegitimidade processual, e só a Executada Sandra veio, na sua oposição, arguir a sua ilegitimidade passiva com o fundamento de que não subscreveu o título.
6. A legitimidade afere-se nos termos do art. 26º, nº 1, do CPC, pelo que é o A. que configura a relação material controvertida e assim, os Exequentes configuraram como titulares desse interesse as referidas Executadas, e não pode o Tribunal “a quo” considerá-las parte ilegítima.
7. Assim, a decisão recorrida apreciou e conheceu de uma questão que não podia tomar conhecimento, pelo que está ferida de nulidade – art. 668º, nº 1, alínea d), do CPC
8. Nos autos constam elementos que fazem criar a convicção de que os Executados se servem da Oposição para conseguir um fim proibido por lei, praticando actos simulados, pois divorciaram-se por mútuo consentimento e alegadamente vivem separados, mas a verdade é que os respectivos domicílios fiscais continuam inalterados até à presente data.
9. Donde a decisão judicial deveria obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes.
10. Pelo exposto deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida com as legais consequências.

5. Corridos os Vistos legais, cumpre Apreciar e Decidir.

II – Os Factos:

- Estão provados os seguintes factos:
1. Os Exequentes Fausto e Irene celebraram um contrato de mútuo, no dia 01/04/2010, com os 2 primeiros Executados Pedro e Justino – cf. documento de fls. 6 e segts.
2. Nesse contrato de mútuo os referidos Executados confessaram-se devedores aos Exequentes do capital mutuado, e dos juros convencionados, e dos demais encargos bancários e despesas identificadas nos autos, nos termos que constam do citado contrato.
3. Quantias que os Executados não pagaram.
4. Pode ler-se nesse contrato que, os 2ºs Outorgantes/Executados “receberam a título de empréstimo dos 1ºs Outorgantes/Exequentes e como tal se confessam devedores da importância de 100.000,00 € ”“e que o capital mutuado vence juros à taxa anual” ali fixada.
5. O contrato de mútuo mostra-se subscrito, e tem apostas as respectivas assinaturas, pelas pessoas que o outorgaram: os Exequentes e os referidos dois Executados maridos – cf. fls. 6 e segts.

III – O Direito:
1. É sabido que são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do recurso. Salienta-se, contudo, que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, [1] bem como, nos termos dos arts. 660º, nº 2 e 713º, nº 2, do CPC, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Posto isto, constata-se que está em causa, em sede recursória, saber se existe título executivo que legitime a propositura da presente acção executiva contra: Sandra e Ângela.

A sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, depois de dissertar sobre a noção de título executivo, decidiu pela inexistência de título executivo em relação a ambas Executadas, concluindo nos seguintes termos:

No caso dos autos “temos que é dado à execução um contrato de mútuo celebrado entre os Exequentes Pedro e Justino. Não constam como outorgantes de tal contrato as executadas Sandra e Ângela, com quem os executados seriam casados à data da escritura.

Temos assim que inexiste título executivo quanto às referidas Sandra e Ângela.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos arts. 812º-E, nº 1, al. a) e 820º, nºs 1 e 2, ambos do CPC, na versão resultante do Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro (aplicável às execuções entradas em juízo a partir de 31 de Março de 2009), rejeito a execução quanto a Sandra e Ângela, por ser manifesta a falta de título quanto às mesmas e ordeno o levantamento das penhoras efectuadas sobre bens da sua titularidade”.

Insurgiram-se os Exequentes contra o decidido, contudo, desde já se adianta que não lhes assiste razão.

Vejamos porquê.

2. Dissecando o conceito e a função jurídica do título executivo, centrado na problemática que urge decidir, e reflectindo sumariamente sobre a causa de pedir na acção executiva e o acervo patrimonial susceptível de penhora, e sem repetições inúteis do que se mostra aduzido nos autos, diremos que:

O processo executivo visa realizar coercivamente um direito já afirmado. E de acordo com a sua função legal, como toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 45.º n.º 1 do CPC) facilmente se percebe que aquela afirmação deve necessariamente constar do título executivo.

E também só essa prévia afirmação do direito permitirá entender o comando do sequente art. 55.º n.º 1 do CPC: “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.

Sendo passivo o entendimento de que pela análise do título executivo se há-de determinar:

· “A espécie de prestação e da execução que lhe corresponde (entrega de coisa, prestação de facto, dívida pecuniária);

·  O quantum da prestação;

·  E a legitimidade activa e passiva para a acção”. [2]

Quer isto dizer, em suma, que deverá existir necessária concordância entre o título e o pedido que, a coberto dele, se deduz no requerimento inicial da execução.

E a desconformidade ou dissonância entre ambos – título executivo e o pedido formulado – acarreta o indeferimento liminar.

Podendo tal indeferimento ser total – se a divergência for absoluta – ou meramente parcial – se apenas ocorrer “excesso de execução”. [3]

Por isso se define o título executivo como o documento que pode, segundo a lei, servir de base à execução de uma prestação, pois encarna e incorpora a demonstração legalmente bastante do direito correspondente.

Cumprindo, segundo Teixeira de Sousa, uma função constitutiva: a de atribuir exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo Tribunal.

Esta exequibilidade implica não só um efeito positivo aquele que respeita à concessão ao credor do direito de execução – mas também um efeito negativo, o qual se traduz na inadmissibilidade, por falta de interesse processual, de uma acção declarativa relativa à pretensão exequível. [4]

Quanto à causa de pedir na acção executiva, há quem entenda que ela se reconduz, do ponto de vista formal, ao título accionado, ao documento em si próprio [5], e quem a configure, do ponto de vista material, como a demonstração legal do direito a uma prestação [6], sendo constituída pela factualidade essencial de onde emerge o direito, reflectida embora no próprio título.

Seja como for, os entendimentos expressos não assumem divergência do ponto de vista estrutural: os defensores da segunda tese também conferem decisivo relevo ao título executivo, limitando-se a enquadrá-lo no seu meio próprio, que é o adjectivo, do mesmo passo que compartimentam a factualidade causal no seu adequado contexto, que é o substantivo.

3. Reportando-nos ao caso sub judice verificamos que os Exequentes instauraram a execução ao abrigo do art. 46º, nº 1, al. b), do CPC, com base no título executivo que juntaram: o contrato de mútuo.

De acordo com esta norma – que enuncia as espécies de títulos executivos – podem servir de base à execução “os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.

Por conseguinte, no que concerne aos documentos previstos na alínea b), do nº 1 do art. 46º, do CPC, a lei exige que tal documento importe a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação.

Destarte, para que o documento elaborado nesses termos possa assumir a qualidade jurídica de título executivo, e exercer a respectiva função e finalidade jurídicas, deve obrigatoriamente tal documento:

· formalizar a constituição de uma obrigação (sendo fonte de um direito de crédito)

· ou incorporar o reconhecimento da existência de uma obrigação já antes constituída

· ou, ainda, o reconhecimento de uma dívida pré-existente, v.g., a promessa de cumprimento ou o reconhecimento de dívida – art. 458º do CC – ou, mais amplamente, a confissão da realidade de factos constitutivos de obrigações – arts. 352º e 358º, nº 2, do CC”. [7]

Quer isto dizer que, neste caso, apenas poderá servir de base à execução o documento que formalize, sem quaisquer dúvidas, a constituição de uma obrigação ou o reconhecimento de uma obrigação já constituída.

Nada obstando, porém, que seja assumida uma vinculativa emissão de uma declaração confessória ou recognitiva de dívida no âmbito de um contrato – com intervenção e manifestação de vontade nesse sentido – e com eventual indicação da respectiva causa ou motivo determinante. [8]

Ora, no caso dos autos ressalta claramente do contrato de mútuo apresentado como título executivo que foi celebrado entre os Exequentes e os 2 primeiros Executados, sem que nenhuma das Executadas tenha tido qualquer intervenção no mesmo.

Com efeito, nenhuma das Executadas aí figura como outorgante ou se vinculou ao conteúdo de qualquer uma das suas cláusulas. Não tendo subscrito ou assinado tal documento.

Igualmente resulta dos autos que apenas os 2 primeiros Executados – maridos daquelas – se confessaram devedores aos Exequentes do capital mutuado e dos juros convencionados, bem como os demais encargos bancários e despesas aí identificadas, podendo ler-se no contrato que, os 2ºs Outorgantes/Executados “receberam a título de empréstimo dos 1ºs Outorgantes/Exequentes e como tal se confessam devedores da importância de 100.000,00 € ”“e que o capital mutuado vence juros à taxa anual” ali fixada.

Inexiste, assim, a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação por parte das Executadas, tal como não se vislumbra nesse documento caracterizada, revelada ou assumida qualquer manifestação ou declaração de vontade que vincule as Executadas perante os Exequentes.

Razão pela qual bem andou o Tribunal “a quo” quando concluiu no sentido da falta de título executivo quanto às duas Executadas.

4. Por outro lado, o art. 55º do CPC, que estabelece a legitimidade do exequente e do executado é bastante claro: a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. [9]

E a regra geral da determinação da legitimidade apenas comporta os desvios do art. 56º do CPC, quando se trate de sucessões, execução por dívida provida de garantia real ou tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real.

O que não constitui de todo o caso sub judice, por não se integrar em nenhuma das circunstâncias.

E não se compreende a alegação dos Apelantes em matéria de legitimidade, ao defenderem a aplicação ao caso dos autos dos arts. 26º e 28º do CPC, invocando a seu favor a preterição de tais normativos.

Ora, não se pode confundir a acção declarativa com a acção executiva.

Na acção declarativa, o autor visa obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (as de simples apreciação), exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito (as de condenação) ou autorizar uma mudança na ordem jurídica existente (as constitutivas).

Ao passo que nas acções executivas, o exequente o que pretende é obter da parte do Tribunal as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado ou a satisfação integral do seu crédito, através do pagamento da dívida exequenda.

Por isso a legitimidade das partes a que aludem os arts. 26º e segts do CPC tem de ceder perante as normas específicas estatuídas para a legitimidade das partes em matéria da acção executiva, regulada no Título II, Capítulo I, do CPC, arts. 45º e segts.

In casu, a legitimidade dos exequentes e executados encontra-se, sem margem para dúvidas, especialmente prevista nos arts. 55º e segts. do CPC.

 Improcede, assim, a Apelação também nesta parte.

 5. Por fim alegam os Exequentes que as Executadas são casadas, respectivamente, com os 2 Executados, para assim justificarem a propositura da execução contra as respectivas esposas.

Argumento que não pode igualmente ser acolhido porquanto as Executadas não figuram no contrato de mútuo que foi dado à execução como título executivo.

E, nessa medida, não basta alegar o casamento.

No requerimento executivo não foram aduzidos quaisquer factos que permitam dar como provado o proveito comum do casal, nem tal se afiguraria possível nos termos em que acção executiva foi configurada, só assente no título executivo – contrato de mútuo – sem que as Executadas dele constassem e sem que o Exequente tivesse fundadamente alegado que a dívida constante do título era comum.

Tão pouco os Exequentes intentaram acção declarativa previamente para lograrem obter sentença declaratória de condenação e deste modo munirem-se de título executivo contra as Executadas para servir de base à execução.

Não o tendo feito, em tais circunstâncias, nem por isso ficam privados de exercer os seus direitos. Mas esse exercício passa pelo despoletar dos mecanismos que a lei põe ao alcance do credor: o art. 825º do CPC.

O que igualmente não se mostra cumprido.

Com efeito, quando o credor/Exequente quiser obter, ou abranger com a penhora, bens comuns do casal, e seja portador de um título executivo no qual apenas interveio um dos cônjuges, deverá socorrer-se e lançar mão do preceituado no art. 825º do CPC, requerendo a citação do cônjuge do executado para os fins aí previstos, v.g., de aceitação da comunicabilidade da dívida, para efectivação da penhora de bens comuns do casal.

Norma que só faz sentido e tem aplicação quando os cônjuges, enquanto casal, não figuram ambos no mesmo título executivo. Situação em que não se poderá obter a penhora dos bens de ambos, dos bens comuns do casal, sem o cumprimento de tais formalidades.

Destarte, resta, assim, tão só aos Exequentes, a penhora dos bens dos Executados maridos, ou seja os seus bens próprios, com exclusão dos bens comuns do casal, uma vez que estes são pertença dos dois cônjuges e não apenas do que figura como executado, não estando provado que a dívida é comum.

6. Em matéria de dívidas dos cônjuges e no âmbito do regime de comunhão geral de bens, vigora o princípio legal de que pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem, em primeira linha, os bens comuns do casal; só na sua falta ou insuficiência respondem solidariamente os bens próprios de qualquer um deles – cf. art. 1695º do CC.

Por sua vez, pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do devedor (e os bens comuns a que alude o nº 2), e subsidiariamente, na sua falta ou insuficiência, a sua meação nos bens comuns – art. 1696º, nº 1, do CC.

A redacção deste normativo, introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12, aboliu a moratória prevista na 2ª parte, do nº 1, daquele normativo do direito substantivo.

E nessa medida, através do art. 825º do CPC, o legislador conferiu ao cônjuge, não responsável pela dívida exequenda, a garantia de defesa do seu património, cometendo ao exequente, caso pretenda penhorar, subsidiariamente, bens comuns, o ónus de, ao nomeá-los, pedir a citação do cônjuge do executado, para que este declare se aceita a comunicabilidade da dívida, ou, caso o pretenda, possa requerer, nomeadamente, a separação judicial de bens – cf. nº 1 do citado art. 825º do CPC.

Ora, in casu, verificou-se essa omissão. [10]

Mas seja como for, o que importa para o presente caso em análise – em que tal questão nem sequer foi levantada em sede recursória – é que:

· Foi dado à execução – como título executivo – um contrato de mútuo celebrado entre os Exequentes e os Executados Pedro Jorge Oliveira Albuquerque e Justino Manuel Oliveira Albuquerque, não constando como outorgantes em tal contrato as Executadas Sandra da Cruz Frazão Albuquerque e Ângela Isabela Gouveia Augusto, com quem aqueles Executados estariam casados à data da celebração da escritura pública;

· Tais Executadas não figuram no título que serviu de base à execução;

· Não se mostra provado o proveito comum do casal, nem declarada ou considerada como comum a dívida contraída por aqueles Executados.

Assim sendo, inexiste título executivo quanto às referidas Executadas, não podendo manter-se a penhora dos bens comuns, razão pela qual se confirma, com os presentes fundamentos, a decisão recorrida e, consequentemente, improcede a presente Apelação.

7. Prejudicadas se mostram, por isso, em face do que antecede, as restantes questões suscitadas pelos Apelantes, carecendo de suporte legal a invocada nulidade da decisão.

IV – Em Conclusão:

1. O título executivo pode ser definido como o documento que serve de base à execução de uma prestação, por incorporar em si a demonstração legalmente bastante do direito correspondente, nomeadamente pela constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

2. É pela análise do título executivo que se há-de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe corresponde (entrega de coisa, prestação de facto, dívida pecuniária), o quantum da prestação e a legitimidade activa e passiva para a acção executiva.

3. No caso em análise, verifica-se que os Exequentes instauraram a execução ao abrigo do art. 46º, nº 1, al. b), do CPC, com base no título executivo que juntaram: o contrato de mútuo. E ressalta claramente desse contrato que foi celebrado entre os Exequentes e os 2 primeiros Executados, sem que nenhuma das Executadas tenha tido qualquer intervenção no mesmo, pois aí não figuram como outorgantes, não se vincularam ao conteúdo de qualquer uma das suas cláusulas, não o subscreveram ou assinaram tal documento.

4. Em tais circunstâncias, quando o credor/Exequente quiser obter, ou abranger com a penhora, bens comuns do casal, e seja portador de um título executivo no qual apenas teve intervenção um dos cônjuges, deverá lançar mão dos mecanismos que a lei põe ao alcance do credor: o art. 825º do CPC.

5. Deverá, assim, requerer a citação do cônjuge do executado para os fins aí previstos, v.g., de aceitação da comunicabilidade da dívida, para efectivação da penhora de bens comuns do casal. O que não fez.

6. Nestes termos, e por inexistência de título executivo, deve ser indeferida liminarmente a presente execução contra as citadas Executadas.

V – Decisão:

- Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se, com os presentes fundamentos, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.

- Custas da apelação a cargo dos Apelantes.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2013.

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)

António Manuel Valente

Ilídio Sacarrão Martins


[1] Cf. Ac. do STJ, de 5/4/89, in BMJ, 386º/446, plenamente actual nesta parte, e Rodrigues Bastos in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, pág. 247.

[2] Neste sentido cf. Anselmo de Castro, in “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, pág. 11.
[3] Cf. Acórdão do STJ, datado de 07/07/2010, in www.dgsi.pt.

[4] Neste sentido cf. Teixeira de Sousa, in “Acção Executiva Singular”, pág. 63.   

[5] Cf. Alberto dos Reis in “Comentário ao Código do Processo Civil”, Vol. I, pág. 98 e Lopes Cardoso in “Manual da Acção Executiva”, págs. 23 e 29.

[6] Cf. Castro Mendes, in “A Causa de Pedir na Acção Executiva”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XVIII, págs. 189 e segts, Lebre de Freitas in “Acção Executiva”, 2.ª Ed., págs. 64 e 65 e Acórdão do S.T.J. de 27/1/98 in C.J.S.T.J. 1998, I, página 40.

[7] Neste sentido cf. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, págs. 92 e 93, citados igualmente nos autos.

[8] Acórdão da Relação de Coimbra de 8/6/2004, in www.dgsi.pt, proferido no âmbito do Proc. Nº 1700/03.
[9] É clara a norma e é igualmente esclarecedora a jurisprudência que não deixa margem para dúvidas quanto ao sentido e alcance deste preceito. Cf., por ex., o Acórdão do STJ, datado de 01707/2004, in www.dgsi.pt.

[10] Sobre as consequências dessa omissão, a doutrina e a jurisprudência mostraram-se divididas, quando chamadas a apreciar a questão, na vigência do art. 825º, nº 1 do CPC, anteriormente à Reforma de 2003, como nos dá conta Remédio Marques, in “Curso de Processo Executivo Comum”, Ed. 1998, págs. 188 e segts. Veja-se tb. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, 2ª Ed., pág. 187.