Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1306/15.5T8OER-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
AMORTIZAÇÃO DE QUOTA
CONTRAPARTIDA
BEM PRÓPRIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A contrapartida devida a sócio/solteiro de sociedade pela amortização de quota de que era titular ,  conserva, ainda que apenas lhe venha a ser liquidada após já se encontrar casado no regime de comunhão de adquiridos , a qualidade de bem próprio por força do disposto na alínea a), do nº1, do artº 1722º e alínea a), do artº 1723º , ambos do CC
- A "PARTILHA" efectuada entre os cônjuges referidos em 4.1 , e no âmbito da qual a contrapartida igualmente identificada em 4.1 é partilhada como se de verba ou bem comum se tratasse, não obriga à alteração da qualidade da referida contrapartida como sendo um bem próprio do cônjuge ex-sócio, e a qual de resto já se mostrava à data penhorada em execução contra si apenas movida ;
- É que, além serem ineficazes em relação ao exequente, “os actos de disposição, oneração ou arrendamento de bens penhorados”, acresce ainda que a referida partilha , no que à contrapartida de amortização de quota concerne, incorre em flagrante violação do princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento ( cfr. artº 1714º, do CC), sendo nula na referida parte, vício este que é de conhecimento oficioso ( cfr artigo 286º do Código Civil ).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
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1. - Relatório
No seguimento de acto de apreensão/PENHORA efectuado no âmbito de acção executiva proposta por A [ EMPRESA DE TRANSPORTES…,Ldª ], contra B, veio C  deduzir embargos de terceiro, peticionando que , admitidos os embargos,
- seja DETERMINADO o levantamento da penhora [ que teve lugar no âmbito de execução a correr termos no Tribunal Judicial de CASCAIS ], na parte em que a mesma incidiu sobre o montante consignado em depósito propriedade da embargante;
- Seja DETERMINADA a suspensão dos termos do processo executivo referido e quanto à parte do montante penhorado e que é propriedade da embargante.
1.1. - Para tanto, alegou a embargante, em síntese que :
- Casou em 1976 com o executado B, mas, desde 9/5/2017 que se encontram separados de pessoas e bens, tendo já acordado na partilha do respectivo património comum ;
- Ora, no âmbito da partilha efectuada, ficou acordado que vg a verba nº3 [ constituída por saldo de depósito no valor de €1.047 475,58 ] era atribuída pelo valor de metade a cada um dos outorgantes, o B e a C , logo, a penhora efectuada no âmbito de execução a correr termos no Tribunal Judicial de CASCAIS incide sobre montante que à embargante pertence ;
- Ademais, o montante que no âmbito de execução é reclamado consubstancia uma dívida que é da exclusiva responsabilidade do executado B ;
- Em suma, recebidos os embargos deduzidos, forçoso é que seja determinado o levantamento da penhora na parte em que a mesma incidiu sobre o montante consignado em depósito e que é propriedade da embargante.
1.2. - Conclusos os autos, e logo em sede de despacho inicial, foi proferida decisão de aperfeiçoamento da petição inicial, o que a requerente acatou, e , recebidos os embargos , foram as partes primitivas notificadas para contestar, o que a exequente A veio fazer, no essencial por impugnação motivada, alegando não corresponder à verdade que o objecto da penhora tenha incidido sobre bem comum  e, consequentemente, forçoso é o prosseguimento da execução porque devem os embargos improceder.
1.3. - Dispensada a audiência prévia – com o acordo das partes - , foi de seguida proferido Saneador-Sentença , sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
Decisão
Pelo exposto, julgam-se procedentes os embargos de terceiro, e determina-se o levantamento da penhora sobre metade da quantia depositada na acção 884/14.
Custas pela contestante ( CPC 527° ).
Registe e notifique.
(18-X-18)”
1.4.- Notificada da decisão identificada em 1.3., e da mesma discordando, veio então a exequente A, interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito meramente devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1. Em alteração do julgamento da matéria de facto com fundamento nos documentos com força probatória plena, juntos aos autos, sem qualquer contraprova, deve julgar-se provado que o valor depositado à ordem dos autos 884/14 é um bem próprio do executado ,
2. O direito de crédito correspondente ao saldo do valor do depósito objecto da penhora dos autos, constitui bem próprio exclusivo do executado, visto corresponder à contrapartida (preço) dessa quota adquirida pelo executado por sucessão, ocorrida antes do casamento entre executado e embargante sob o regime de comunhão de bens adquiridos,
3. Sendo o valor depositado objecto da penhora dos autos bem próprio do executado, por constituir a contrapartida da amortização da quota do executado, referida na conclusão anterior, a partilha realizada a 17.05.2017, celebrada em desrespeito de lei imperativa, é nula, e como tal deve ser declarada ( CC artº 294° ), ou quando menos ineficaz perante a embargada, por força do estabelecido nos art.ºs 342º n.º l e 343º, art.º  1722º, nº 1 al. a), artº 1723º, alínea b) , art.º 1689.º n.º 1, todos do CC.
4. Não tendo considerado o depósito dos autos como bem próprio do executado, a decisão recorrida desrespeitou o disposto no art.º 1722º, nº 1, alínea a).
5. Em qualquer caso, constituindo o saldo do valor depositado, (objecto da penhora dos autos) a contrapartida da quota amortizada, pertencente exclusivamente ao executado, essa contrapartida ( correspondente e substitutiva do preço dessa quota ) não deixa de pertencer exclusivamente ao executado , nos termos do disposto na alínea b) do art.º 1723º do CC, sob pena de se admitir a subversão dos princípios e estabilidade das convenções antenupciais e a frustração das expectativas legítimas de terceiros, entre os quais a embargada, como se ensina no douto Ac. do STJ nº 12/2015, referenciado nas alegações e que aqui se dá como reproduzido
6. A decisão recorrida é pois ilegal por desrespeito do disposto nos artºs  294º , 342º 1 e 343º, nº 1 do artº 1689.º, n.º 1, do art.º 1770º, 1722.º, n.º 1 al. a), artº 1723º, alínea b) e alínea c), todos do Código Civil, fundamento por que deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os embargos, mantendo-se intocada e inalterada a penhora feita nos autos. Só assim se fazendo JUSTIÇA
1.5.- Dos autos não consta que a embargante tenha apresentado contra-alegações.
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1.6. - Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguintes  :
A) Se importa introduzir alterações na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo ;
B) Se a Sentença apelada se impõe ser revogada, sendo os embargos de Terceiro deduzidos pela apelada julgados improcedentes;
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2. - Motivação de Facto
Mostra-se assente a seguinte factualidade :
A) FACTOS PROVADOS
2.1. - Em 7-VIII-76 B e C casaram, sem convenção antenupcial (fls 42);
2.2 - Em 22-XII-76 (fls 51) foi registada a favor de B ( solteiro, plenamente emancipado ) a aquisição de uma quota de 106.650$00 na sociedade "A", por sucessão de Elvira ….. , falecida em 1973 (, fls. 52 a 56 );
2.3 - Em 4-XII-95 B, C e "…. Properties Limited" ,outorgaram a escritura de "CESSÃO DE QUOTAS" junta a fls 43 a 48 ( cujo teor se dá aqui por reproduzido ) ;
2.4 - Em 4-VII-96 A instaurou "acção especial de CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO" contra B e C, referente à 1ª prestação (105.000.000$00) da amortização da quota do 1º Réu (fls 34-35) - acção que os RR. contestaram ( fls 36 a 40 );
 2.5 - Por sentença de 20-X-16 a acção supra foi julgada extinta, por os RR. terem aceite receber o montante consignado (fls 40v-41);
2.6 - Em 25-III-2017 foi instaurada execução por A contra B, para pagamento da quantia total de 907.945,21€ - sendo título executivo a sentença judicial condenatória (transitada em julgado em 26-IV-20l6) proferida na acção ordinária 665/14.6T8CSC;
2.7 - Em 9-V-2017 foi elaborado, na execução supra, "AUTO DE PENHORA" do "Crédito que o Executado detém em consequência do valor depositado no âmbito dos autos de consignação em depósito (...)", no "Valor" de "953.027,47€".
2.8 - Por decisão de 9-V-2017 (transitada em julgado), foi decretada a "separação de pessoas e bens, por mútuo consentimento", entre executado e embargante (fls l0v-11);
2.9 - Em escritura de "PARTILHA" outorgada em 17-V-2017 por executado e embargante (fls 12 a 15), foi descrita como “ Verba Três: Saldo de depósito efectuado pela empresa A, no âmbito do Processo de Consignação em Depósito (...) 884/14.5T8CSC, no valor de um 1.047 475,52€ ( milhão quarenta e sete mil quatrocentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos ) - tendo sido decidido adjudicar metade da verba supra a cada outorgante.
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3. - Da impugnação da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto .
Em sede de conclusões da apelação interposta da sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pela apelada C , impetra o exequente/apelante A , que no âmbito da “alteração do julgamento da matéria de facto”, seja julgado provado que o valor depositado à ordem dos autos 884/14 é um bem próprio do executado.
Para tanto, fundamenta o apelante/impugnante a sua pretensão no teor dos documentos – porque com força probatória plena -  juntos aos autos, e  sem qualquer contraprova.
Adiantando desde já o nosso veredicto, porque manifesta é a respectiva improcedência, a impugnação da decisão de facto só pode/deve improceder.
Senão, vejamos.
Como é consabido, a instrução de qualquer causa e/ou incidente, apenas deve ter por objecto os factos necessitados de prova ( positivos e concretos - cfr. artºs 5º , 410º e 607º,nºs 3 e 4, todos do CPC ), estando por consequência excluídos da tarefa instrutória quaisquer meros “juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios e valorações de factos “, pois que, todos eles importam uma actividade que é de todo “estranha e superior à simples actividade instrutória. (1)
Na verdade, se um qualquer e pretenso ponto de facto se mostrasse impregnado tão só de meros factos jurídicos, que não de factos materiais, ou , como bem nota Temudo Machado (2), integrasse “ (…) a conclusão , em vez de conter os silogismos primários de que ela deriva, as testemunhas viriam a ser interrogadas, não a respeito de factos susceptíveis de ser captados pelos sentidos, mas a respeito de juízos de valor formados sobre aqueles factos. “.
Daí que, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º ,n.º 4 , do pretérito  CPC ( o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito ), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e comodamente [ porque têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem (2) ], acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente,  resolvendo de imediato o thema decidendum.
Quando muito, porque como bem se nota em Ac. do STJ de 10/9/2015 (3) “o modelo processual introduzido pela reforma é o da prevalência do fundo sobre a forma, de acordo com uma nova filosofia que vê no processo um instrumento, um meio de alcançar a justa composição do litígio, de chegar à verdade material pela aplicação do direito substantivo “, aceita-se que o NCPC [ com a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação dos temas de prova ] , ao conferir  aos tribunais de instância uma maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, permite agora ao juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto.
Tal não invalida,  porém , que continue actual o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos -  e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica.
Isto dito,  e tal como adverte Abrantes Geraldes (4), é pacifico que a distinção entre matéria de facto e matéria de direito constitui uma das questões de maior complexidade de todo o direito processual civil.
Desde logo, porque como por todos é também reconhecido,  “A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta“, sendo que , “A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica “ (5)
É que, como bem ensina Castanheira Neves (6), existe um “ continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos” , ou seja, “ na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos.
Em última instância, portanto , pertinente será concluir que, dependendo dos exactos termos em que a lide se apresenta,  então  “A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real.  (7)
Socorrendo-nos, de seguida , dos ensinamentos, sempre actuais, do Professor José Alberto dos Reis (8), dir-se-á que “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior ; e é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.
E mais adiante, conclui Alberto dos Reis : Reduzido o problema à sua maior simplicidade a fórmula é esta:
a) É questão de facto determinar o que aconteceu;
b) É questão de direito determinar o que quer a lei, ou seja a lei substantiva, ou seja a lei do processo.”
 Com total pertinência outrossim para a questão ora em análise, ensinam os Prof.s Antunes Varela e outros (9) que, sendo certo que a área dos factos ( seleccionáveis para o questionário ) incide , principalmente, obre os eventos reais, as ocorrências verificadas, pode também abranger as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos ), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto , os quais,  integram ainda a realidade de uma zona empírica – fáctica ou factual - que faz parte também do thema probandum, qual  zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos , e integrando estes últimos, manifestamente, a esfera do direito.
Dito de uma outra forma, e lançando mão ,ainda, dos ensinamentos do Prof. Antunes Varela (10) “há que distinguir nesses juízos de facto ( juízos de valor sobre matéria de facto ) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador ”.
Os  primeiros, remata Antunes Varela, “ estão fundamentalmente ligados à matéria de facto e a última palavra acerca deles, por isso mesmo, deve caber à Relação. Os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valoração da lei e, por isso, o Supremo pode e deve, como tribunal de revista, controlar a sua aplicação “.
Em sede conclusiva, temos assim que, quando na presença de juízos de natureza valorativa sobre os factos, importa distinguir aqueles que envolvem valorações de natureza jurídica , inserindo-se na análise jurídica do caso , e aqueles que não implicam já valorações da referida natureza , pois que, os primeiros, ao invés dos segundos, não poderão de todo integrar o acervo factual base a atender/considerar.
Postas estas breves considerações relacionadas com a questão ora em sindicância, e analisada finalmente a pretensa “factualidade” que pretende a apelante que seja reconduzida ao elenco dos factos provados e, considerando ainda qual o thema decidenduum dos embargos de terceiro pela apelada deduzidos, é para nós ostensivo que o pretenso facto a incluir no rol dos factos provados mais não configura do que mero juízo significativo-normativo , e , ademais, contém em si e também a resposta à essencial  questão de direito  que importa decidir nos embargos de terceiro intentados, a, saber,  apurar qual a natureza – se bem próprio, na sua totalidade, do executado, se bem pertencente, pelo valor de metade, a executado e embargante .
Ora, porque como vimos supra, ao nível do julgamento da matéria de facto estão proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados factos  à luz de uma norma jurídica e, ademais, e como também vimos já, não devem ser reconduzidos ao elenco dos factos provados os meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e comodamente , resolvam desde logo a questão de direito que é objecto da acção, traçando desde logo o seu desfecho , a impugnação não pode de todo proceder.
Em suma, a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo improcede in totum.
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4 -Motivação de direito.
4.1.- Se em face da factualidade assente, não podia o tribunal a quo ter julgado procedentes os embargos de terceiro, e , consequentemente, ter determinado o levantamento da penhora sobre metade da quantia depositada na acção 884/14.
Para a exequente/apelante, e em face dos factos provados,  inevitável era ter o tribunal a quo concluído que o saldo do valor depositado e que foi objecto de penhora efectuada no âmbito da execução, porque correspondente à contrapartida de quota amortizada e que pertencia exclusivamente ao executado, pertencia in totum e exclusivamente ao executado, nos termos do disposto na alínea b) do art.º 1723º do CC, logo, errou a primeira instância ao julgar os embargos de terceiro procedentes.
Em suma, para a apelante, “obrigado” estava o tribunal a quo em julgar os embargos de terceiro improcedentes.
Ao invés, vemos que na 1ª instância os embargos foram julgados procedentes, para tando partindo do pressuposto de que a quantia depositada e que foi objecto de penhora se tratava de um "bem comum" , e ,  ademais, estando em causa na execução a cobrança coerciva de dívida da exclusiva responsabilidade do cônjuge executado, forçoso era que pela mesma apenas respondessem os bens próprios do cônjuge devedor/executado e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.
Para tanto, argumentou-se na decisão apelada e em síntese, nos seguintes termos :
“ (…)
A única questão a decidir é a de saber se a penhora ofendeu o direito de propriedade da embargante (CPC 342/1), relativamente a bens próprios ou comuns ( CPC 343° ) - e os factos supra assentes são suficientes para tal efeito.
Importa começar por notar que, quando foi realizado o depósito, executado e embargante eram casados no regime da comunhão de adquiridos  - pelo que tal quantia ( ou melhor, direito de crédito) é bem comum do casal, nos termos do artigo 1724/b) do Código Civil.
E isto é assim, ainda que tal "depósito" se destinasse a "amortizar" uma quota de uma sociedade, que era bem próprio do ora executado - por ter sido adquirida, antes do casamento, por sucessão ( CC 1722/1 a) ) ; só assim se compreende que a acção de consignação tenha sido instaurada também contra a ora embargante.
Tendo sido entregue também à ora embargante, a quantia depositada pertence-lhe igualmente - pelo que não é aplicável a regra da alínea c) do n° 1 do artigo 1722° do Código Civil.
Assim sendo, tal direito de crédito podia, e devia, ter sido partilhado, na sequência da "separação de pessoas e bens" - nos termos previstos nos artigos 1795°-A° e 1689/1 e do Código Civil ; não tendo sido deduzido pedido reconvencional, o Tribunal não pode apreciar a validade da partilha realizada, pelo que nenhum motivo há para a considerar inválida.
Conclui-se, pois, que metade da quantia depositada ( e aceite antes da instauração da execução ou da realização da penhora ) pertence ( desde a partilha ) à ora embargante.
Sucede que a partilha foi realizada após a penhora - valendo a regra do artigo 819° do Código Civil ( na redacção do DL 38/03): "Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamentos dos bens penhorados." (como nota a exequente, na sua contestação); sendo a transmissão de metade do direito de propriedade inoponível à exequente, tudo se passa como se o direito à quantia depositada continuasse a ser um "bem comum" ( como se concluiu supra ).
Importa agora determinar se tal "bem comum" responde pela dívida exequenda, fundada em condenação do executado no pagamento de indemnização - verificando-se que se trata de dívida da exclusiva responsabilidade do cônjuge executado (CC 1692/b) - não tendo sido alegados factos que permitissem verificar se a "indemnização" se reporta a qualquer dos casos previstos nos n°s 1 e 2 do artigo 1961°).
 Por este tipo de dívida "respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns" (CC 1696/1) - de onde se conclui que a "meação" da ora embargante nos bens comuns não responde pelo pagamento da quantia exequenda.
Chega-se, assim, à conclusão que a penhora não podia atingir mais que metade da quantia depositada ( correspondente à "meação" do executado ) , e à consequente procedência dos embargos.
Pelo exposto, julgam-se procedentes os embargos de terceiro, e determina-se o levantamento da penhora sobre metade da quantia depositada na acção 884/14.”
Compreendidas , em traços largos, as razões que dividem/afastam a apelante dos fundamentos do tribunal a quo, vejamos de seguida se à recorrente assiste alguma razão, maxime se a decisão apelada deve ser revogada, devendo a oposição da apelada e mediante embargos de terceiro ser julgada improcedente .
Ora Bem.
Diz-nos o nº1,do artº 342º,do CPC, sob a epígrafe de “ fundamentos dos embargos de terceiro“, que “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro” .
Por sua vez, e sob a epígrafe de “ Embargos de terceiro por parte dos cônjuges”, reza o artº 343º, do CPC, que “ O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior”
Por último, diz-nos o artº 345º, do CPC, sob a epígrafe de “ fase introdutória  dos embargos”, que “ Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Como recorda José Lebre de Freitas (11) , logo com a revisão código de processo civil, em 95/96, foi alargada a legitimidade activa para os embargos de terceiro: “por um lado, desvinculou-a da posse, ao admitir que os embargos se fundem em direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência ; por outro lado, conferiu-a a todo o possuidor ( em nome próprio ou alheio ) cuja posse seja incompatível com essa realização ou esse âmbito.
É que, até à entrada em vigor da referida reforma do Processo Civil operada pelo Decreto Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a função dos embargos de terceiro estava limitada à defesa da posse quando ofendida por qualquer diligência ordenada judicialmente ( v.g. a penhora, arresto, o arrolamento ) , tal como resultava então do art.º 1037.º, n.º1, do C.P.Civil.
Que assim era, o reconheceu o próprio legislador, no Relatório do DL nº 329-A/95 de 12/12, explicando que “ Relativamente ao regime proposto para os embargos de terceiro, salienta-se a possibilidade de, através deles, o embargante poder efectivar qualquer direito incompatível com o acto de agressão patrimonial cometido, que não apenas a posse.  Permite-se, deste modo, que os direitos «substanciais» atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura de acção de reivindicação, por esta via se obstando, no caso de a oposição do embargante se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência de reivindicação “.
Mantendo o actual CPC a feição de incidente para reagir a diligência de penhora ou qualquer outro acto judicial de apreensão ou entrega de bens, os fundamentos do incidente da instância dos embargos de terceiro, são também nos dias de hoje apenas dois,  a saber:  a alegação e prova de que se é possuidor ; a alegação e prova de que se é titular de um direito incompatível com a execução em curso.
Isto dito, e desdobrando-se o incidente dos embargos de terceiro em duas fases, sendo uma de feição introdutória ( e que vai desde a sua dedução ao despacho de recebimento ou de rejeição dos embargos ), e uma outra já de estrutura predominantemente contraditória ( a qual segue-se à prolação do despacho de recebimento, e assume a natureza de uma verdadeira acção declarativa, a tramitar segundo os termos do processo comum, cfr. artºs 347º/348º, ambos do CPC ), no âmbito da primeira tem lugar tão só uma avaliação de probabilidade  -  a efectuar em função dos termos da petição inicial, e cabendo ao embargante o ónus de alegar matéria de facto favorável à sua legitimidade, à viabilidade e à tempestividade da acção - , utilizando o legislador no artº 345º, in fine, do CPC, a mesma fórmula que utiliza outrossim em sede de procedência das providências cautelares ( artº 368º,nº1,do CPC ) .
Tal equivale a dizer que o tribunal receberá os embargos de terceiro desde que, perante os termos do requerimento inicial e da prova informatória ( baseando-se portanto o elemento estruturante do juízo sobre o direito invocado pelo embargante em mero fumus boni juris ) que o Juiz julgue oportuno e necessário produzir, não sejam de rejeitar , e , rejeitá-los-á se do referido articulado inicial e da prova produzida não resultar a probabilidade séria da existência do direito do embargante.
No essencial, os embargos de terceiro caracterizam-se fundamentalmente, “não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que segue por apenso à acção ou ao procedimento de tipo executivo, com a especificidade de inserirem uma subfase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas , sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante. (12)
Ora, relativamente à determinação e titularidade de direito incompatível com o acto judicialmente ordenado, há-de a respectiva aferição ser efectuada tendo em conta a função e a finalidade concreta, quer do direito pretensamente ofendido, quer da diligência ou acto judicial que alegadamente o ofende, ou , dito de uma outra forma, há-de o conceito de direito incompatível apurar-se “no confronto da finalidade da diligência em causa , e é de considerar como tal, no confronto com qualquer das referidas diligências judiciais, o direito de terceiro  idóneo a impedir a realização daquela função “ .(13)
Assim, e por exemplo no tocante à penhora, e sabido que tem esta última por desiderato possibilitar uma ulterior venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro, ainda que derivado do executado , cuja existência, tido em conta o âmbito em que é feita, impediria a realização desta função, isto é, a transmissão forçada do objecto apreendido”. (14)
Outrossim “ incompatível com a realização da penhora, é ainda a posse que, exercida em nome de outrem que não o executado, respeite a direito pessoal de gozo ou de aquisição do bem penhorado“, caso v.g.  “ da posse do locatário, do comodatário, do depositário e do parceiro pensador “. (15)
Aqui chegados, e em face das considerações acabadas de tecer, importa começar por precisar que a embargante, a alicerçar o incidente deduzido, invocou ser casada com o executado Fernando Alberto Esteves Paiva , mas que, encontrando-se ambos  - desde 9/5/2017 - já separados de pessoas e bens, acordaram já na partilha do respectivo património comum , sendo que, no âmbito da partilha efectuada, acordaram que uma verba daquele [ a nº3, e constituída por saldo de depósito no valor de €1.047 475,58 ] era atribuída pelo valor de metade a cada um dos outorgantes, o B e a C , logo, a penhora efectuada no âmbito de execução a correr termos no Tribunal Judicial de CASCAIS, ao ter incidido sobre a totalidade da aludida verba/montante, ofendeu em 50% uma quantia/ montante que apenas à embargante pertence ( porque bem próprio da apelada).
Ocorre que, da factualidade assente, decorre que a penhora realizada na execução incidiu sobre depósito [ item nº 2.7 ] realizado em 9-V-2017 no âmbito dos autos de consignação em depósito [ itens nºs 2.42.7 ] que a A instaurou contra B e C, isto por um lado e, por outro, que o fundamento  da consignação em depósito tinha por objecto valor/montante devido em razão da amortização da quota de B na sociedade A.
Mais resulta da factualidade assente que a quota de B na sociedade A, objecto de amortização, e que foi registada em 22-XII-76 a favor do referido Fernando Alberto Esteves Paiva, foi por este último adquirida por sucessão de Elvira …., entretanto falecida em 1973 [ item nº 2.2 ].
Ora, tendo o executado e a embargante casado em 7-VIII-76, sem convenção antenupcial [ item de facto nº 2.1. ], certo é que reza o artº 1717º, do CC, que “Na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos”.
Por sua vez, dispõe o nº1, do artº 1722º, do CC , inserido na Subsecção II do Código com o titulo de Regime da comunhão de adquiridos , e sob a epígrafe de “ Bens Próprios”, que :
1. São considerados próprios dos cônjuges:
a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento ;
b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação;
c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior”.
2. Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum:
a) Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele;
b) Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento;
c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade;
d) Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente à data do casamento.
Finalmente, e agora sob a epígrafe de “Bens sub-rogados no lugar de bens próprios”, preceitua o artº 1723º, do CC, que :
Conservam a qualidade de bens próprios:
a) Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges por meio de troca directa;
b) O preço dos bens próprios alienados;
c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.
Em rigor, como bem se nota em Ac. do STJ de 2/7/2015 (16) , o “ legislador quis que à plena comunhão de vida em que o casamento consiste – art. 1577º do Código Civil – não corresponda comunhão de patrimónios, como decorre do art. 1722º do Código Civil, de onde decorre que os bens que são considerados propriedade de cada um dos cônjuges mantêm essa natureza na constância do casamento e após a sua dissolução”.
Com pertinência outrossim para o thema decidendum, recorda-se que “ Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos” [ cfr artº 2119º, do CC ] e ,bem assim, que “A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele” , [ cfr artº 2031º, do CC ] .

Ainda com interesse para a resolução do objecto da apelação, rezam os respectivamente os artigos 232º [ com a epigrafe de 
“amortização da quota”]  e  
235.º [ com a epígrafe de “Contrapartida da amortização” , ambos do Código das Sociedades Comerciais , que :
Artº 232º
1. A amortização de quotas, quando permitida pela lei ou pelo contrato de sociedade, pode ser efectuada nos termos previstos nesta secção;
2. A amortização tem por efeito a extinção da quota, sem prejuízo, porém, dos direitos já adquiridos e das obrigações já vencidas.
(…)
Artº 235º
1- Salvo estipulação contrária do contrato de sociedade ou acordo das partes, valem as disposições seguintes;
a) A contrapartida da amortização é o valor de liquidação da quota, determinado nos termos do artigo 105.º, n.º 2, com referência ao momento da deliberação;
b) O pagamento da contrapartida é fraccionado em duas prestações, a efectuar dentro de seis meses e um ano, respectivamente, após a fixação definitiva da contrapartida;
(…)”
No seguimento das disposições legais do CC supra referidas, a primeira conclusão que importa retirar é a de que, a quota de B na sociedade A e que foi registada em 22-XII-76 a seu favor , porque adquirida pelo executado por sucessão de Elvira …., entretanto falecida em 1973 [ item nº 2.2 ], e por força da alínea c), do nº1, do artº 1722º, do CC, e alínea a), do nº2, do mesmo normativo , deve considerar-se como sendo um bem próprio de B, porque de direito se trata que foi totalmente gerado e formado antes do casamento, mas que, apenas se exerceu já durante o casamento, sem prejuízo de a lei fazer retroagir os efeitos da aquisição a um momento temporal pretérito [ em coerência com a  solução legal da retroactividade da partilha, prescrita no artigo 2119.º ].
É que, a par das demais situações tipificadas no nº 2, do artº 1722º, do CC, e apesar da diversidade de todas elas, certo é que têm as mesmas a mesma razão de ser, a saber, em todos os casos descritos na norma a situação de facto fundamental geradora do direito próprio do cônjuge está constituída antes do casamento,  não sendo fruto do esforço conjunto do casal, logo é bem próprio de um cônjuge.
Já no seguimento das disposições legais do CSC supra transcritas, parcialmente, forçoso é outrossim concluir que, consistindo a amortização da quota na sua extinção, por meio de deliberação dos sócios ( cfr. artº 234º,nº1, do CSC ), tendo em razão do exercício pela sociedade de tal amortização o sócio direito ao valor da sua quota [ caso não se mostre estipulado ou ter sido acordado que a amortização é gratuita ], isto é, da amortização nasce um direito de crédito do ex-sócio contra a sociedade [ cfr Raúl Ventura (17) ], então da conjugação da alínea a), do nº1, do artº 1722º e alínea a), do artº 1723º , ambos do CC, pertinente é assim considerar que a penhora a que alude o item de facto nº 2.7 incidiu sobre bem próprio do executado B ( que não sobre bem comum do executado e esposa/embargante).
E assim é, quer porque a quota amortizada de bem próprio – como vimos supra - de B se tratava ( cfr. artº 1722º,nº1, alínea c), do CC ), quer porque uma vez amortizada pela sociedade A ,que não adquirida pela mesma sociedade [ estando em causa figuras diversas, porque na primeira situação a quota é extinta e, na segunda, muda tão só de titular ], pertinente é integrar a extinção da quota, a existir uma contrapartida, na previsão da alínea a), do artº 1723º, do CC.
Acresce que, admitindo o legislador ( no artº 1723º, do CC), no tocante à sub-rogação real, quer a sub-rogação directa [ casos em que a saída e a correlativa entrada de bens no património do cônjuge procedem do mesmo acto jurídico ], quer a sub-rogação indirecta [ casos em que a perda e a aquisição resultam de actos jurídicos distintos ], e aludindo a alínea a), do artº 1723º, expressis verbis , à troca directa , a verdade é que a saída ( extinção da quota) e a correlativa entrada de bens ( depósito de numerário em conta à ordem do B) no património deste último procedem in casu e manifestamente do mesmo acto jurídico, a saber, a amortização de quota.
Em suma, em razão do acabado de expor, temos para nós que, ao invés do concluído pela primeira instância, o AUTO DE PENHORA de 9-V-2017 teve por objecto, porque incidiu sobre valor depositado no âmbito dos autos de consignação em depósito decorrente de amortização de quota/bem próprio de B, bem sub-rogado no lugar de bem próprio, ou, dito de uma outra forma (18) , sobre uma coisa que veio “ ocupar o lugar de outra em dada relação jurídica, conservando esta no entanto a sua identidade própria, em lugar de sofrer uma espécie de novação, e havendo uma conexão causal ( por procederem do mesmo acto ou facto jurídico ) entre as duas facetas do fenómeno apontado.”
Não obstante tudo o acabado de expor, ou seja, tratar-se o montante depositado no Processo de Consignação em Depósito (...) 884/14.5T8CSC , de bem próprio do executado B, a verdade é que, em sede de escritura de "PARTILHA" outorgada em 17-V-2017 por executado e embargante, foi o mesmo descrito como verba (Três) que integra os bens comuns dos cônjuges B e C, entretanto já "separados de pessoas e bens, por mútuo consentimento", e por decisão de 9-V-2017 ,transitada em julgado.
E, provado se mostra também que [ item nº 2.9 ] , por escritura de "PARTILHA" outorgada em 17-V-2017 por executado e embargante, a supra referida e descrita Verba [ o saldo de depósito efectuado pela empresa de A, no âmbito do Processo de Consignação em Depósito 884/14.5T8CSC, no valor de um 1.047 475,52€ ] foi adjudicada , em  metade , a cada outorgante.
Quid Juris?
Será que a referida partilha, por si só, obriga alterar o acima aludido no tocante à natureza ( como bem próprio) do bem que foi objecto de penhora em 9-V-2017 ( cfr. item de facto nº 2.7) ?
De todo.
Desde logo, porque como decorre do disposto no artº 819º, do CC [ sob a epígrafe de “Disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados“ ] e sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução, ou melhor, ineficazes em relação ao exequente, “os actos de disposição, oneração ou arrendamento de bens penhorados”.
Ou seja, como explica F. Amâncio Ferreira (19) “a penhora, dependendo da específica feição que o respectivo objecto lhe possa conferir (efectiva apreensão material do bem ou sua colocação, como no caso, à ordem da entidade executiva), significa: i) uma especificação de quais os bens do património do executado que, sendo garantia geral, passam a garantia real e concreta da dívida exequenda; ii) uma limitação ou mesmo exclusão da livre disponibilidade do direito em ordem à sua futura afectação às finalidades executivas ( maxime, o pagamento ); iii) uma medida conservatória evitando que sejam escondidos, deteriorados ou alienados em prejuízo da execução”.
Neste conspecto, e como salientam Nuno de Lemos Jorge e Ana Maria Reis (20), “Ao proibir-se a disposição ou oneração dos bens penhorados, está-se a defender qualquer forma de alteração de penhora, de que possa resultar, em termos práticos, a diminuição das garantias do credor", razão porque, vg penhorado o direito do executado a herança indivisa, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição, “ designadamente a partilha, pois se assim não fosse,  o exequente poderia ser prejudicado por partilha que atribuísse ao executado bens de fácil ocultação ou dissipação, ou de valor inferior ao direito penhorado “.
Em suma, e como bem referem Nuno de Lemos Jorge e Ana Maria Reis, o que releva é a data ( do registo) da penhora, por ser esta que gera a indisponibilidade do bem penhorado em relação ao processo executivo.
Nesta matéria, de resto , pacífico é que a partilha de bens constitui um acto [ de disposição de bens , pois que o bem passa da titularidade de ambos os cônjuges para a titularidade de um só (21) ] a título oneroso, pois que, como ensina Vaz Serra (22), “cada um dos condividentes cede o direito indiviso que tem sobre os bens em geral em troca do direito exclusivo sobre aqueles que lhe são assinados, ou, se há apenas uma coisa, cede o direito indiviso que tem sobre essa coisa, em troca do direito exclusivo sobre a parte que lhe for assinada» .
Para além do acabado de expor, acresce ainda que, em razão do disposto no nº1, do  artº 1714º, do CC [ “ Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados “ ], e porque no tocante à Verba Três a que alude o item de facto nº 2.9 , incorre a partilha outorgada entre exequente e embargante em flagrante violação do princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento,  implicando a referida operação jurídica, necessariamente, que um bem próprio de B passasse a ser um bem comum do casal B / C , assim se alterando a composição da comunhão conjugal, e ilidindo-se o disposto no artigo 1722º, nº 1, alínea b), e 1723º, alínea a), ambos do Código Civil e, concomitantemente, alterando-se o regime de bens legalmente fixado depois da celebração do casamento.
Ora, considerando que os negócios celebrados contra lei imperativa [ ou até em fraude à lei, porque prima facie tem a partilha por desiderato procurar contornar ou circunvir uma proibição legal , ou, no dizer de Manuel de Andrade (23) vai contra a lei de modo disfarçado e obliquo ] como é o caso dos autos, enfermam de nulidade ( cfr artigo 294º do Código Civil ), vício este que é de conhecimento oficioso ( cfr artigo 286º do Código Civil ), logo, não carece de ser invocado sequer por excepção ( invocando a nulidade com o desiderato de obstar à procedência da pretensão da embargante ) pela parte interessada e, muito menos, de ser objecto de pedido reconvencional ( qual pedido, hoc sensu, distinto e autónomo do formulado pela embargante ).
Impondo-se concluir, porque em última análise não logrou a apelada/embargante, como obrigada estava, provar ser titular de um direito incompatível com a execução em curso, a saber, ter a penhora incidido sobre bem não pertencente exclusivamente ao executado, mas antes em bem comum de exequente e embargada, os embargos de terceiro que deduziu só podiam ter sido julgados improcedentes.
Logo, a apelação procede in totum, impondo-se a revogação da sentença recorrida.
                                         ***

4 - Concluindo  ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
4.1. - A contrapartida devida a sócio/solteiro de sociedade pela amortização de quota de que era titular ,  conserva, ainda que apenas lhe venha a ser liquidada após já se encontrar casado no regime de comunhão de adquiridos , a qualidade de bem próprio por força do disposto na alínea a), do nº1, do artº 1722º e alínea a), do artº 1723º , ambos do CC
4.2. - A "PARTILHA" efectuada entre os cônjuges referidos em 4.1 , e no âmbito da qual a contrapartida igualmente identificada em 4.1 é partilhada como se de verba ou bem comum se tratasse, não obriga à alteração da qualidade da referida contrapartida como sendo um bem próprio do cônjuge ex-sócio, e a qual de resto já se mostrava à data penhorada em execução contra si apenas movida ;
4.3- É que, além serem ineficazes em relação ao exequente, “os actos de disposição, oneração ou arrendamento de bens penhorados”, acresce ainda que a referida partilha , no que à contrapartida de amortização de quota concerne, incorre em flagrante violação do princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento ( cfr. artº 1714º, do CC), sendo nula na referida parte, vício este que é de conhecimento oficioso ( cfr artigo 286º do Código Civil ).
                                               *
5.- Decisão.
Em face do supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa , em, concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado por A :
5.1.- Revogar a sentença do tribunal  a quo .
                                               *
Custas pela apelada.
                                                ***
(1)   Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. III, 3 ª Edição, 1981, pág. 212.
(2)   Citado por José Alberto dos Reis, ibidem, pág. 209.
(3) Cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2°, 605­, e , de entre muitos outros, os Acs. do STJ de 9/9/2014 ( Proc. nº 5146/10.4TBCSC.L1.S1), de 14/1/2015 ( Proc. nº 488/11.4TTVFR.P1.S1) , de 29/4/2015 ( Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1) e de 14/1/2016 ( Proc. Nº 1391/13.9TTCBR.C1.S1) , todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.
(4)  Proc. nº 819/11.7TBPRD.P1.S1 , e disponível in www.dgsi.pt
(5)  Ibidem, pág. 330.
(6) Cfr.  Ac. do STJ de 23/9/1997, Proc. nº 97B151, in www.dgsi.pt.
(7) In “Matéria de Facto-Matéria de Direito”, RLJ, Ano 129, págs.162-167.
(8) Cfr. Ac. do STJ de 9/9/2014, Proc. nº 5146/10.4TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt
(9) In Código de Processo Civil Anotado , Volume III , pág 206 e 207.
(10) In Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra Editora, págs. 393/394.
(11) In “A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma” , 5.ª Edição, Coimbra Editora, 286 e segs.
(12) Cfr. Salvador da Costa, in Os incidentes da instância, 5ª edição, Almedina, pág. 202.
(13)  Cfr. José Lebre de Freitas, ibidem, pág. 286.
(14)  Cfr. José Lebre de Freitas, ibidem, pág. 288.
(15) Cfr. Salvador da Costa, in Os incidentes da instância, 5ª edição, Almedina, pág. 201.
(16) Acórdão de UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, proferido no Processo nº 899/10.2TVLSB.L2.S1, sendo Relator FONSECA RAMOS, e que decidiu que “ Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal”,  e disponível in www.dgsi.pt.
(17) In Sociedade por quotas, Vo.I, 2ª edição, Almedina, pág.729.
(18) Cfr. Prof. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, pág. 223.
(19) In Curso de Processo de Execução, Almedina, Março de 1999, página 110
(20) In Revista do CEJ, 2º Semestre de 2017, Nº 2, pág. 29.
(21) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 23/11/2013, Proc. nº 254/11.7TBPVZ-B.P1, in www.dgsi.pt.
(22) In B.M.J. n.º 75, pág. 248
(23) In Teoria Geral da Relação Jurídica, 1983, 2º vol., pág. 337.
                                               ***
LISBOA, 14/3/2019

António Manuel Fernandes dos Santos ( o Relator)
Eduardo Petersen Silva ( 1º Adjunto)
Cristina Isabel Ferreira Neves  (2ª Adjunta)