Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA AQUISIÇÃO POTESTATIVA ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/02/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Constituem elementos cumulativos integradores da acessão industrial imobiliária: a) a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou urbano), sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário do interventor; b) que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja propriedade de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em terreno alheio; c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor/autor da incorporação; d) que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a constituição definitiva. e) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação; f) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação; g) que o autor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa fé (psicológica); | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
LUÍSA -----------, residente em ---------, e MANUELA -----, residente em --------, intentaram contra LUÍS ------------ e LURDES --------, residentes em -------------, acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pedem a condenação dos réus à demolição da construção que efectuaram, em parte, no imóvel das autoras, descrito sob o nº 02915/…, da freguesia de -----, concelho de -----, que correspondia ao seu logradouro, e à sua reposição no estado anterior a tal obra, ou se não se julgar assim, pedem a condenação no pagamento de indemnização dos danos causados e do ilícito enriquecimento com a usurpação, calculada por valor global não inferior a € 247.356,66, pela depreciação da parte restante, e ao lucro proporcionalmente obtido com a construção efectuada, acrescido de juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a data da citação. Fundamentaram as autoras, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma: Citados, os réus apresentaram contestação, na qual alegaram, em síntese: Deduziram ainda os réus, reconvenção, na qual pediram a condenação das autoras/reconvindas a reconhecer os reconvintes como donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 21 da contestação e que tal prédio confina com a traseira da “casa do forno” das reconvindas e linha recta no seguimento deste até à Rua do Talefe, por o terem adquirido por usucapião e ainda que a construção da moradia dos reconvintes foi efectuada totalmente no prédio atrás referido. Mais pediram os réus que, se assim se não entender, deveria ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional deduzido pelos reconvintes contra as reconvindas e José ------ e ordenada a transferência para os reconvintes da faixa de terreno que vier a verificar-se ter sido ocupada pelos reconvintes com a construção efectuada, por acessão industrial imobiliária, declarando os reconvintes como únicos donos e legítimos possuidores da área de terreno que eventualmente venha a ser declarada ocupada pelos reconvintes com tal construção, devendo em consequência de tal, os reconvintes ser condenados a pagar às reconvindas e José -------- o valor que vier a ser fixado por este Tribunal, a título de indemnização às reconvindas, e ao chamado. Além disso, consideraram os réus que as autoras litigam de má fé, pelo que pediram a sua condenação em multa e indemnização a liquidar em execução de sentença. Na contestação, os réus deduziram ainda o incidente de intervenção principal provocada de José -------, casado com a 2ª autora no regime da comunhão geral de bens, «a fim de acautelar o efeito útil da presente ação», sendo «necessária a sua intervenção para o caso de procedência do pedido reconvencional dado o pedido afetar o direito do ora chamado». Em réplica, as autoras deduziram oposição ao chamamento de José --------- e pugnaram pela improcedência da reconvenção, com a sua consequente absolvição dos pedidos reconvencionais bom como da sua condenação em multa e indemnização por litigância de má-fé. Também na réplica as autoras procedem à ampliação do pedido, o que fazeram nos seguintes termos: «Deve admitir-se a ampliação dos pedidos das AA., no sentido de lhes ser reconhecido o direito de propriedade, adquirido por sucessão em posse e usucapião de seus pais e avós, sobre o terreno correspondente a pelo menos cerca de 83,90 m2, o qual constituía, a parte por debaixo do imóvel 00974 da freguesia de -----, confrontando a sul com esta e a norte e poente com a estrada principal, e esteve, há mais de 90 anos, consecutiva e ininterruptamente, até 2004, como logradouro do imóvel nº 02915, das ora AA.». Ainda no mesmo articulado, as autoras pediram a condenação dos réus, como litigantes de má, «em multa, e na indemnização desde já liquidada de € 5.000,00 e no demais que até final se liquidar». Os réus apresentaram articulado de tréplica, no qual defenderam o indeferimento da ampliação do pedido formulada pelas autoras e pela sua absolvição do pedido de condenação em multa e indemnização por litigância de má fé. Pediram ainda os réus a rectificação do primeiro pedido subsidiário de forma a que «a seguir à Rua da ----, onde consta, por o terem adquirido por usucapião, passe a constar: “Por o terem adquirido por escritura de compra e venda e ainda por usucapião por si e seus antepassados”. Foi admitido o incidente de intervenção principal provocada de José --------, o qual, citado, não deduziu contestação. Foi igualmente admitida a rectificação ao primeiro pedido subsidiário, pretendida pelos réus. Proferido o despacho saneador, elaborada a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando o Dispositivo da Sentença, o seguinte: Por todo o exposto, nesta ação intentada por Luísa ------ e Manuela ------, contra Luís ------ e Lurdes -------, e em que é interveniente principal, José -----, casado com a 2ª autora no regime da comunhão geral de bens, na qual os réus deduziram reconvenção contra as autoras e contra o chamado: 5.1 – Quanto à ação: 5.1.1 – declaro adquirido, por usucapião, o direito de propriedade das autoras sobre a faixa de terreno identificada em 14. e 22. da fundamentação de facto; 5.1.2 – condeno os réus: 5.1.2.1 – a demolirem a parte da moradia referida em 12., 13., 15. e 24. Da fundamentação de facto, que incorporaram na faixa de terreno identificada em 5.1.1; 5.1.2.2 – a reporem a faixa de terreno identificada em 5.1.1, no estado em que a mesma se encontrava antes de nela terem iniciado as obras de incorporação de parte da moradia referida em 5.1.2.; 5.2 – Quanto à reconvenção: 5.2.1 – reconheço os réus como proprietários do prédio identificado em 6. Da fundamentação de facto, ou seja, o terreno rústico descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 00974/------, da freguesia de ------, Concelho de -----, com a área de 143 m2 que se encontra registado em nome dos réus, desde 7 de fevereiro de 2001, por o terem adquirido por usucapião, prédio esse que confina a norte com a faixa de terreno das autoras identificada em 14. e 22. da fundamentação de facto e com «o espaço existente mencionado em 22. A), que fica em linha reta no seguimento do muro da traseira da “casa do forno” até à rua do Talefe»; 5.2.2 – absolvo as autoras e o interveniente principal de tudo o mais que contra eles é pedido pelos réus em sede reconvencional. 5.3 – Quanto à litigância de má fé: Considero não haver lugar à condenação de qualquer das partes por litigância de má fé. Inconformados com o assim decidido, os réus/ reconvintes interpuseram recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada. São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes: Propugnam, portanto, as autoras/recorridas, a improcedência da apelação, confirmando-se a sentença recorrida e, se assim não se entender, requerem a ampliação do recurso, corrigindo-se o julgamento dos factos nºs 16 e 23 da base instrutória, nos termos alegados. Os réus/apelantes responderam à ampliação do objecto de recurso e formularam as seguintes CONCLUSÕES: O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguição de nulidades da sentença deduzida pelas apelantes/Rés, pugnando pela sua inexistência. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. I. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Importa ter em consideração que é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i. DA NULIDADE DA SENTENÇA; ii. DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS. O que implica ponderar sobre: Û A TITULARIDADE DO INVOCADO DIREITO DE PROPRIEDADE; Û DO INSTITUTO DA ACESSÃO IMOBILIÁRIA.
e, em caso de procedência do recurso, APRECIAR: Û A AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO, SUBSIDIARIAMENTE FORMULADA PELAS AUTORAS/APELADAS. *** III . FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
*** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO i) DA NULIDADE DA SENTENÇA A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668º do Código de Processo Civil. A este respeito, estipula-se no apontado artigo 668º do CPC (artigo 615º, nº 1 do NCPC), sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que: “1 - É nula a sentença: a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al.c) do artigo 615º NCPC);; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....” É apodíctico que os recorrentes visam imputar à sentença, tanto quanto parece, a nulidade decorrente da alínea c) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam. No que concerne ao aludido vício, doutrina e jurisprudência têm entendido que essa nulidade ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada naquela. Esta nulidade – oposição entre os fundamentos e a decisão – só se verifica quando os fundamentos, quer de facto quer de direito, invocados pelo juiz devam, logicamente, conduzir ao resultado oposto ao que é expresso na sentença. A contradição entre os fundamentos e a decisão a que se refere o citado normativo é uma contradição de ordem formal, que se refere aos fundamentos estabelecidos e utilizados na sentença, e não aos que resultam do processo. E, tal nulidade traduzida na desconformidade entre a decisão e o direito aplicável - substantivo ou adjectivo – não se confunde com o erro de julgamento, ou seja, na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta. É que, quando o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, poderemos, sim, estar perante um erro de julgamento. Nesse caso, o juiz fundamenta a decisão, mas decide mal. Resolve as questões colocadas num certo sentido porque interpretou e/ou aplicou mal o direito - LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, vol. 2.º, pág. 670. Na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os factos alegados e que resultaram provados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação. Ora, e independentemente das considerações aduzidas na sentença recorrida pelo Exmo. Juiz do Tribunal a quo, a verdade é que não se vislumbra qualquer contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a respectiva decisão. Situação diversa é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”. O alegado vício de conteúdo a que se refere o artigo 668º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil (artigo 615º, nº 1 alínea c) do NCPC), não se verifica na sentença recorrida, pelo que improcede o que a tal respeito consta das conclusões dos apelantes. Importa, então, apurar se há erro de julgamento, o que implica a análise da subsunção jurídica efectuada pelo Tribunal a quo e que se reconduz, ao cabo e ao resto, ao fundamento de mérito do recurso. ** ii . DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA FACE À MATÉRIA APURADA E À PRETENSÃO FORMULADA PELO AUTOR a) DA PROVA DA TITULARIDADE DO INVOCADO DIREITO DE PROPRIEDADE A presente acção tem por objectivo ou fim imediato o reconhecimento do direito de propriedade das autoras sobre uma faixa de terreno que identificaram e que invocaram ter adquirido por usucapião e na qual os réus terão construído parte de uma moradia. Por seu turno os réus, em reconvenção, pedem também o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que identificaram, o qual, segundo estes, engloba a dita faixa de terreno, pelo que defendem que a moradia foi construída inteiramente no prédio que lhes pertence. A sentença recorrida deu razão às autoras, decisão com a qual os réus se não conformam. Vejamos se lhes assiste razão. Está em causa uma acção real, cuja causa de pedir reside no facto jurídico de que deriva o direito real, ou seja, nos factos jurídicos concretos constitutivos do alegado direito que, quer as autoras, quer os réus/reconvintes invocam. Para JOSÉ DIAS FERREIRA, Código de Processo Civil Anotado, Tomo I, 1897, 5 (anotação ao artigo 2º) são reais “todas as acções que derivam quer da propriedade perfeita quer dos diferentes elementos que a constituem e que tem por objecto o direito à coisa sem obrigação pessoal por parte do réu”. E, como refere ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, 1981, 208, “nas acções reais o facto jurídico (de que deriva o direito real) não é simplesmente o acto translativo da propriedade para o autor da acção. Por definição, a acção real, de que é paradigma a reivindicação, supõe que nenhum vínculo pessoal liga o autor ao réu, por força do qual, e independentemente de a propriedade da coisa pertencer ou não autor, lhe incumba a obrigação de restituir ou entregar. Sendo assim, o acto translativo em si mesmo não é título que se imponha ao réu mas somente na medida em que com os actos translativos anteriores, e em última análise por posse conducente à prescrição, portanto posse durante o prazo necessário, invistam o autor no direito de propriedade ou domínio invocados”. Para o êxito de uma acção real, da qual a acção de reivindicação é o paradigma desta espécie, deverá, desde logo, o autor alegar os factos correspondentes que permitam levar à prova do invocado direito de propriedade sobre a coisa, i.e., terá que alegar factos que permitam demonstrar a aquisição desse direito real de propriedade. Acresce que a demonstração da titularidade do direito de propriedade deve fazer-se pela prova do facto jurídico constitutivo do mesmo, o que implica a demonstração da aquisição originária desse direito, ou então a prova de factos que a lei reconheça como suficientes para presumir a existência dessa titularidade: – a posse (artigo 1268º, nº 1, do Código Civil ) e o registo (artigoº 7º do C.R.Predial) . Como regra, é insuficiente a invocação de uma forma de aquisição derivada por não ser constitutiva do direito de propriedade, mas somente translativa desse direito, a menos que se comprove que o direito já existia no transmitente. A prova do direito deve ser feita pelo autor, não bastando justificar a própria aquisição, sendo portanto necessário provar o dominium auctoris ou usucapião, como forma de aquisição originária. A usucapião é uma das formas de aquisição originária, nomeadamente do direito de propriedade, cuja verificação depende de dois elementos: a posse (corpus e animus) e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse. Com efeito, o artigo 1287º do Código Civil estatui que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação. A usucapião deriva, pois, de dois elementos nucleares, a posse, pública e pacífica e o decurso do tempo, correspondendo a um modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação em jurídica de uma situação possessória duradoura, no direito real correspondente. Posse, segundo o disposto no artigo 1251º do Código Civil, consiste no poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. É caracterizada por via de dois elementos: o “corpus” e o “animus”. O primeiro elemento traduz-se na materialidade de facto: exercício efectivo de poderes materiais sobre a coisa, actuação de facto correspondente ao exercício do direito. O segundo elemento consiste na convicção do detentor de que está a exercer o direito de propriedade, ou seja, a intenção de exercer um direito real sobre a coisa como seu titular. E, o facto de a lei exigir o “corpus” e o “animus” para efeito de haver posse implica, consequentemente, que o possuidor terá de provar a existência desses dois elementos. Estabelece-se, no entanto, no nº 2 do artigo 1252º do Código Civil uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que tem a detenção da coisa. Daí que, e em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto. No caso vertente, importando tão somente apurar a quem pertence uma identificada faixa de terreno com uma forma aproximadamente rectangular, há que analisar o que o Tribunal a quo deu como provado, já que os réus não impugnaram a decisão de facto. Está, portanto, demonstrado que integra a herança por óbito de A.Alves ---- e de Gertrudes -----, de quem as autoras são filhas e únicas herdeiras, um prédio urbano, situado na Rua do T---, nº 7, freguesia de Santa ----, concelho de -----, descrito sob o nº 02915/25032004, o qual é composto por uma casa de habitação, e no exterior desta, em construção autónoma, e separada da habitação, existe, há mais de 90 anos, uma “casa do forno”, de cozer pão e que, confinando com a parte traseira da construção/forno existia, até 2004, um espaço, correspondente a uma faixa com uma forma aproximadamente rectangular – v. Nºs 1 a 5 e 14 da Fundamentação de Facto. Mais se provou que as autoras, seus pais e avós, sempre usaram de modo exclusivo, há mais de 90 anos, de forma pública e sem oposição de alguém, o aludido prédio urbano e que os pais e avós das autoras também usaram o referido espaço, correspondente à dita faixa com uma forma aproximadamente rectangular, para arrumos diversos, tais como, depósito de alfaias agrícolas, local de acumulação e curtição de estrume, e depósito da lenha usada em casa e no forno referido, e estendal de roupa. E, fizeram-no, de modo exclusivo, também de forma pública e sem oposição de alguém, pelo menos desde antes de 23.12.1957, com excepção de uma vez, em data não exactamente apurada, em que José António -----, pai do réu, descarregou uma carrada de lenha no dito espaço – v. Nºs 16 a 21 da Fundamentação de Facto. Por outro lado, igualmente se provou que o terreno rústico descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 00974/020791, da freguesia de Santa ----, Concelho de ----, que confronta com o prédio das autoras, encontra-se registado em nome dos réus, desde 07.02.2001, o qual até pelo menos meados dos anos cinquenta, era baldio e que foi arrematado, como tal, por António ----, por escritura de 23.12.1957, ali tendo este cultivado batatas, alfaces, tomates, feijão, cuidou de uma oliveira aí existente, usando ainda o mesmo prédio para guardar lenha e outros objectos, o que sucedeu até à transmissão do prédio ao pai e tia do réu – v. Nºs 6 a 9 e 40 da Fundamentação de Facto. E, perante o decurso do tempo em que tal posse, pública e pacífica foi exercida - desde pelo menos 1957 - igualmente se terá de concluir terem as autoras demonstrado a aquisição da dita faixa de terreno, por usucapião que, como acima ficou dito, deriva de dois elementos nucleares, a posse e o decurso do tempo, correspondendo a um modo de aquisição originária de direitos reais. Foi, efectivamente, feita prova, por parte das autoras, da aquisição originária da referida faixa de terreno, transformando em jurídica a situação possessória duradoura incidente sobre a dita faixa de terreno, no direito de propriedade correspondente. E, face à aquisição originária, pela posse pública e pacífica sobre a dita faixa de terreno, que se prolongou por 47 anos (1957 a 2004), forçoso é concluir que os réus ao efectuarem, em 2004, a construção no seu terreno de uma moradia, ocupando também a dita faixa de terreno, violaram o direito de propriedade das autoras sobre a mesma, adquirida por usucapião. Assim, e independentemente do preciosismo das considerações aduzidas na sentença recorrida acerca da exacta localização geográfica da faixa de terreno aqui em causa, perante a matéria que, a esse propósito, resultou provada, sempre teria de se julgar procedente a pretensão das autoras, consistente no reconhecimento do direito de propriedade sobre a faixa de terreno em causa na acção, porque adquirido por usucapião, como efectivamente se decidiu – e bem – na 1ª instância.
Soçobra, portanto, nesta parte, a apelação. ** b) DO INSTITUTO DA ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA A acessão constitui uma causa de aquisição originária retroactiva do direito de propriedade sobre determinada coisa, compreendendo na sua noção legal o conceito de incorporação de uma coisa da titularidade de uma pessoa, numa outra coisa da titularidade de outra, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1316º, 1317º, d) e 1325º, todos do Código Civil. De harmonia com o disposto no artigo 1340º, nºs 1, 2 e 3, do Código Civil, se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio e o valor que a mesma tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes da obra, mas se o valor acrescentado for menor, a obra pertencerá ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o seu autor do valor que tinha ao tempo da incorporação, enquanto que se o valor acrescentado pela obra for igual ao do terreno, haverá licitação entre ambos. Constituem, portanto, elementos cumulativos integradores da acessão industrial imobiliária: a) a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou urbano), sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário do interventor; b) que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja propriedade de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em terreno alheio; c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor/autor da incorporação; d) que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a constituição definitiva. e) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação; f) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação; g) que o autor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa fé (psicológica); Por sua vez, dispõe o artigo 1343º que “Quando na construção de um edifício em terreno próprio se ocupe, de boa-fé, uma parcela de terreno alheio, o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem decorrido três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário, pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante”. É o que se chama de acessão invertida pelo facto de a acessão operar não a favor do dono do solo, mas do dono do edifício – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA, Código Civil Anotado, III Vol., 170 e, A. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 4ª edição, Coimbra Editora, 278-279, que refere que “é o construtor, e não o proprietário do terreno, quem adquire a parcela ocupada”, sendo “titular de um direito potestativo: pode ou não adquiri-la”; e ainda Ac. STJ de 29-10-2013 (Pº 364/03.4TBVRM.G1.S1), acessível em www.dgsi.pt. Neste caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos (o próprio e o do vizinho). A este respeito defendem alguns autores que, apesar de a lei falar em ocupação de “uma parcela de terreno alheio”, não fica excluído que essa ocupação abranja a totalidade do prédio vizinho (A. VARELA E P. LIMA, ob. cit., 171). Outros, limitam a previsão do artigo 1343º do C.C. à situação em que a maior parte do prédio foi construído em terreno próprio. Segundo esta última posição doutrinária, a previsão do artigo 1343º do C.C. não abrange as situações em que a maior parte da construção seja incorporada no terreno alheio e vizinho do autor dela. O elemento literal do preceito aponta nesse sentido, já que ali se alude a “uma parcela de terreno alheio”, o que exclui, à partida, o caso de o autor da incorporação ocupar totalmente o prédio alheio com a construção, ainda que ocupe, também, terreno próprio. Por outro lado, a referida expressão “parcela de terreno” inculca a ideia de que apenas uma pequena parte da construção ocupe o terreno vizinho – v. neste sentido Ac. STJ de 07.04.2011 (Pº 108/1999.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt. Se o ocupar na maior parte, ou por maioria de razão, na totalidade, deve aplicar-se o regime geral da acessão previsto no artigo 1340º do Código Civil. Apesar de alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência, sobretudo no que concerne à espécie de acessão consagrada no artigo 1340º do C.C., apontando a doutrina clássica para a consagração da tese da aquisição automática com a efectiva incorporação (v. A. VARELA E P. LIMA, CC anotado, Vol. III, 165-166) - já que com relação à acessão aludida no artigo 1343º do C.C. a questão não oferecia dúvidas - é hoje preponderante a posição que a acessão industrial imobiliária, em qualquer uma das espécies de acessão, representa uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento, necessariamente, judicial, em que o pagamento do valor da unidade predial em causa funciona como condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação – cfr. QUIRINO SOARES, Acessão e Benfeitorias, CJ (STJ), Ano IV (1996), T1, 20 e 21; JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, Estudos sobre a superfície e a Acessão, “Colecção Scientia Iuridica”, 1973, 50-64 e DIREITOS REAIS, 438-441, LUÍS CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 331, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, 503-504 e ainda Ac. R.C. de 22.11.2005 (Pº 3204/05); Acs. STJ de Ac. STJ de 07.04.2011 (Pº 108/1999.P1.S1), de 20.09.2011 (Pº 358/08.8TBGDM.P1.S1) e de 09.02.2012 (Pº 45/1999.L1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. E tal entendimento resulta, de resto, da própria interpretação literal não só do artigo 1343º, com também do artigo 1340º, ambos do C.C., visto que deste último também decorre que o autor da incorporação só adquire a propriedade do solo “pagando o valor que o prédio tinha antes das obras”, o que não pode deixar de significar que se não pagar a indemnização, não adquirirá a propriedade do solo. Não há, portanto, uma aquisição automática, não se impondo coercivamente ao respectivo beneficiário o exercício de um direito - a obrigação de pagar - o que não deixaria às partes a possibilidade de resolverem consensualmente o conflito. No caso vertente, ficou apurado que os réus construíram, em 2004, uma moradia no seu prédio e, com tal construção, ocuparam a faixa de terreno em causa nos autos – v. Nºs 12 e 24 da Fundamentação de Facto. Considerando que a moradia foi construída quase exclusivamente no prédio dos réus, há que aplicar o disposto no artigo 1343º, e não o artigo 1340º do C.C., pois a construção realizada pelos réus ocupou tão somente uma faixa de terreno que, como vimos, pertencia às autoras, posto que, muito antes da referida construção, a haviam adquirido por usucapião. A questão de maior relevo a assinalar para que possa operar o mecanismo do direito potestativo dos réus de adquirirem a aludida faixa de terreno, mediante indemnização, prende-se com a verificação do requisito atinente à boa-fé. A boa-fé do autor da incorporação, a que aludem os artigos 1340º e 1343º do C.C., diz respeito ao conceito de boa-fé psicológico, à semelhança do que sucede no artigo 1260º do C.C., no âmbito possessório. Como, de resto, já alertava QUIRINO SOARES, ob. cit. loc. cit. a respeito do conceito de boa-fé definido no n.º 4 do artigo 1340º “não quis o legislador neste capítulo dedicado à aquisição da propriedade, desviar-se da ideia de boa-fé que adoptou em matéria possessória (n.º 1 do Art.º 1260º). Dizer-se que age da boa-fé, para efeitos de acessão, o que desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio, ou que interveio debaixo de autorização do dono do terreno, é, pois o mesmo que dizer que assim age (de boa-fé) aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro”. Ora, no caso concreto, ficou provado que a construção da moradia com a ocupação da dita faixa de terreno, pertencente às autoras, foi deliberada, voluntária e consciente, por parte dos réus – v. Nº 24 e 25 da Fundamentação de Facto. Por outro lado, não ficou provado que os réus desconhecessem, quando do início da ocupação da faixa de terreno, que se tratava de um terreno alheio – cfr. resposta negativa dada ao artigo 16º da Base Instrutória. Considerando que foram os réus, enquanto autores da incorporação, que invocaram, na contestação, o instituto da acessão industrial imobiliária, formulando inclusivamente o inerente pedido reconvencional, ainda que subsidiário, era sobre eles que impendia o ónus da prova de todos os requisitos do invocado instituto, nos termos do artigo 342º, nº 1 do C.C., nomeadamente, os factos integradores da boa-fé - v. Ac. R. P. de 09.02.2009 (Pº 0827531), Ac. STJ de 18.03.2010 (Pº 387/1993.S1), acessíveis em www.dgsi.pt. Não provaram, porém, os réus, que desconheciam que o terreno era alheio, como também não provaram, mesmo que se considere o alargamento da noção de boa-fé ínsita no artigo 1260.º, nº 1 do C.C. que, ao implantarem a construção da moradia, prolongando-a ainda que parcialmente, pela faixa de terreno aqui em causa, pertencente às autoras, ignoravam que lesavam o direito destas. A ausência de prova desse imprescindível elemento, acarreta a improcedência do pedido subsidiário formulado pelos réus na contestação. Improcede, pois, o recurso de apelação dos réus, confirmando-se a bem fundamentada decisão recorrida. Fica, portanto, prejudicada a apreciação da ampliação do âmbito do recurso, subsidiariamente formulada pelas apeladas, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 636º do nCPC. * Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelas custas respectivas - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (artigo 527º, nºs 1 e 2 do NCPC). *** IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar os apelantes no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 2 de Outubro de 2014 Ondina Carmo Alves - Relatora Eduardo José Oliveira Azevedo Olindo dos Santos Geraldes
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