Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
427/10.0TBVPV.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE PARTILHA
VALIDADE
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
DOAÇÃO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.O contrato-promessa de partilha dos bens do casal é válido quando os cônjuges subordinaram os seus efeitos à condição (suspensiva) do decretamento do divórcio;
2.Se os cônjuges, pela promessa de partilha, se obrigam ainda a doar o prédio pertencente ao casal (único activo) ao filho de ambos, ficando a cônjuge mulher com o direito de usufruto e o encargo do passivo (débito a uma entidade bancária contraído para aquisição desse imóvel), estamos perante um contrato promessa misto de partilha e doação;
3.O contrato promessa de doação não é susceptível de execução específica;
4. Independentemente de se considerar que o convite ao aperfeiçoamento a que alude o art. 508º, nº3 do C.P.C. é vinculado ou discricionário, entendemos que esse convite não pode ter uma amplitude tal que se desvirtue o pensamento legislativo: é sobre o demandante que impende o ónus da substanciação do pedido, estando o tribunal limitado pelo princípio do dispositivo consagrado no art. 264º, nº1 do C.P.C., na vertente da formação da matéria de facto, não competindo ao tribunal substituir-se ao demandante indicando-lhe os factos que deve articular.
( Da responsabilidade da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa 

1. RELATÓRIO
A , divorciada residente na …., freguesia do …, Praia da Vitória, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B , divorciado, pedreiro, residente na ….. , Ponta Delgada, pedindo a condenação do réu:
a) a pagar-lhe a indemnização de € 36.000,00;
b) “a facultar os seus dados para proceder à escritura pública de partilha do contrato prometido de acordo com as cláusulas do contrato promessa de partilha mencionado”.
Alega, em síntese, que foram casados um com o outro, no regime de comunhão de adquiridos, e divorciaram-se por mútuo consentimento na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória.
Em 17/12/2008, durante a constância do referido processo de divórcio por mútuo consentimento, celebraram um contrato promessa de partilha.
Foi solicitada ao réu a documentação para a celebração da escritura de partilha, o que este não satisfez.
Regular e pessoalmente citado, o réu não contestou.
Proferiu-se o despacho de fls. 12, com o seguinte teor:
O Réu, apesar de devidamente citado, não deduziu oposição, não constituiu mandatário, nem interveio de qualquer forma no processo.
A citação foi devidamente cumprida, em observância aos requisitos legais.
Nos termos do disposto no art. 484º do Código de Processo Civil, julgo confessados os factos articulados pela Autora.
Notifique o ilustre mandatário da Autora nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do referido art. 484º do Código de Processo Civil”.
Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma:
“Em face do exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência:
A) Decreto a nulidade do contrato promessa de partilha celebrado entre a Autora e o Réu em 17 de Dezembro de 2008;
B) Absolvo o Réu L C do pedido formulado pela Autora.
Custas pela Autora – art. 446º do Código de Processo Civil.
Fixa-se à acção o valor de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros) – arts. 315º, n. 2, na redacção introduzida pelo Dec-Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro.
Registe e notifique”.
A autora recorreu, formulando as seguintes conclusões:
“1º Deve revogar-se a sentença recorrida;
2º Porque os factos alegados pela A. na p.i. implicam uma resolução diversa da que foi tomada pelo tribunal “a quo”.
3º O tribunal “a quo” devia ter convidado a A. a completar e a esclarecer as deficiências e obscuridades da p.i.;
4º Assim podendo o tribunal “a quo”decidir convenientemente de forma segura.
5º O tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 508, 668 nº1 do CPC, 280 e 1730 do CC”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Proferido o despacho que antecede, a autora nada disse.
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva o seguinte circunstancialismo, que se dá por assente, em substituição da 1ª instância, e uma vez que o tribunal o fez apenas por remissão, nos moldes supra assinalados:
1. A  e B casaram um com o outro em 17 de Maio de 1995, sem convenção antenupcial.
2.Por decisão do Sr. Conservador proferida em 4 de Fevereiro de 2009 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre a autora e o réus e declarado dissolvido o casamento.
3.Em 17/12/2008 a autora, na qualidade de 1ª outorgante e o réu, na qualidade de 2º outorgante, acordaram conforme consta do documento junto a fls. 6 e 7, que subscreveram, apondo as respectivas assinaturas, clausulando, nomeadamente:
“(...)
1.Os outorgantes são casados no regime de comunhão de adquiridos e estando a decorrer processo de divórcio para dissolução do seu casamento (Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória).
2 O activo dos outorgantes é constituído por um prédio urbano, sito na ….., freguesia do …, concelho Praia da vitória, composto por uma casa baixa de moradia com 5 divisões e com a área coberta de 90 m2 e reduto com 394 m2, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 0000º e descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória sob o n.º 00000.
3.O passivo dos outorgantes, na presente data, é composto pelo débito ao Banco …..,na quantia de 35.773,01 euros, relativo a crédito para habitação.
4. A primeira e o segundo outorgante prometem partilhar entre si o referido património da forma seguinte:
a) O filho dos outorgantes, C , residente com a mãe ficará com a nua propriedade do prédio urbano acima identificado;
b) A primeira outorgante ficará com o usufruto do prédio urbano em causa, e com o passivo supra descrito.
c) O segundo outorgante, prescinde do direito a tornas que possa vir a ter.
5. A escritura pública da partilha realizar-se-á, no prazo de 1 ano, a contar da data em que for decretado o divórcio entre os outorgantes.
6. Para outorga da escritura, a primeira outorgante notificará o segundo outorgante, por qualquer modo, com antecedência de 8 dias.
7. O pagamento da escritura aqui prometida e de quaisquer outras importâncias relacionadas com o divórcio será da responsabilidade da primeira outorgante.
8. Em caso de incumprimento deste contrato promessa, aquele dos outorgantes a quem a causa do incumprimento for imputável indemnizará o outro na quantia de 36.000,00 euros, para além de ficar com o direito à execução específica prevista no artigo 830 do Código Civil.
9. Os outorgantes comprometem-se a prestar mútua e leal colaboração com vista à realização da escritura pública prometida, designadamente na aquisição de todos os documentos necessários á mesma. (...)”.
4.A partir da assinatura desse documento a autora passou a assumir os encargos mensais (prestação) com o Banif Açores, relativos ao crédito concedido para aquisição do imóvel referido.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.– salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar:
- da qualificação do contrato celebrado;
- do incumprimento do contrato por parte do réu;
- do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
2. Considerando o disposto no art. 410º do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção específica, o contrato promessa tem por objecto uma prestação de facere – emissão das declarações de vontade que constituem o contrato definitivo –, sendo a promessa bilateral quando ambas as partes se vinculam a outorgar aquele contrato.
No caso, temos que em 17/12/2008, ainda na vigência do casamento, mediante escrito assinado por ambos os cônjuges, estes se obrigaram a outorgar escritura de partilha dos bens comuns do casal, sendo inequívoco que perspectivavam já o divórcio, cujo processo estava a correr termos conforme expressamente referido na cláusula 1ª.
Actualmente, a doutrina e a jurisprudência aceitam, genericamente, ser admissível a celebração do contrato promessa de partilha, na pendência do casamento, contrato celebrado perspectivando o decretamento do divórcio e sob essa condição suspensiva [ [1] ].
É o que se admite acontecer no caso dos autos, atento o teor das cláusulas 1ª e 5ª.
No entanto, exige-se que os cônjuges perspectivem a partilha salvaguardando o disposto no art. 1730º, nº1, que “prescreve que os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão” [  [2]  ], donde os promitentes devem fixar a quota parte a que cada um terá direito em partes iguais, sob pena de nulidade.
Isto sem prejuízo dos actos gratuitos que entendam realizar porquanto, nos termos do nº 2 do art. 1730º, “a regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei”.
Foi, exactamente, o que aconteceu no caso.
Interpretando o contrato celebrado fácil é concluir que foi vontade dos cônjuges (prometer) doar o imóvel ao filho de ambos – a quota-parte de cada um deles aquando da partilha seria similar –, ficando a cônjuge mulher com o usufruto do mesmo e, consequentemente, responsabilizando-se pelo passivo, não se olvidando que o filho vivia com a mãe.
Ou seja, temos um contrato promessa misto de partilha e de doação, sendo que o beneficiário da promessa, filhos dos doadores, não teve intervenção no contrato, nem tinha que ter – ao beneficiário incumbe apenas, depois de formalizado o contrato prometido, aceitar a doação, sob pena de caducidade (art. 945º).
Do que se expôs decorre que partilhamos o entendimento de que é válida a promessa de doação. No entanto, como é unanimemente entendido, tal promessa não é passível de execução específica porquanto a isso se opõe a natureza da obrigação assumida (art. 830º) [ [3] ].
Voltando ao contrato em análise e à referida cláusula 4ª, afigura-se-nos que os elementos de facto constantes dos autos não permitem concluir que foi violada a regra da metade: a circunstância de se cindir entre a nua propriedade e o usufruto não releva negativamente uma vez que a concessão do usufruto foi contrabalançada pela assunção do passivo. Tanto basta para afastar a conclusão a que chegou o tribunal a quo, porquanto cominar o negócio de nulo passa pela afirmação de que foi violada a regra da metade, não sendo suficiente a formulação de juízo de dúvida, como aconteceu [ [4] ].  
Como também não colhe o outro fundamento invocado na sentença para concluir que o negócio é inválido. Lê-se na decisão:
“Se analisarmos o documento de fls. 6/7, intitulado “Contrato Promessa de Partilha”, cujo teor se acha vertido nos factos dados como provados, deparamos com uma divisão, estipulada pelos então cônjuges, entre 3 pessoas: cada um dos cônjuges e o seu filho menor, que não é interessado nesta partilha. Isto significa que o objecto do acordo celebrado pelos cônjuges constante de fls. 6/7 é legalmente impossível e, como tal, nulo – art. 280º, n. 1 do Código Civil”.
Como decorre do que se expôs, não está em causa uma “divisão” “entre 3 pessoas”, mas apenas uma promessa de partilha que envolve, em simultâneo, uma promessa de doação.
Não obstante o que se expôs, temos de concluir pela improcedência do pedido, embora por razões diferentes das enunciadas pela 1ª instância, como passamos a analisar.
3. Centrando-nos no pedido formulado facilmente se conclui que a autora não deduziu pretensão com vista à execução específica do contrato promessa, circunstância a que não será alheia a apontada inviabilidade da execução específica da promessa de doação e, consequentemente, da partilha, que foi delineada em função daquela, afigurando-se-nos ambos incidíveis.
O que a autora pretende é, tão só, fazer funcionar a cláusula indemnizatória por incumprimento (cláusula 8ª) e compelir o réu a uma prestação de facto, mais precisamente, a “facultar os seus dados”.
Impunha-se, pois, que a autora invocasse, desde logo, os factos que consubstanciam o incumprimento, o que não fez.
Decorre do contrato celebrado (cláusula 6ª) que a escritura devia ser realizada até 4 de Fevereiro de 2010. Por outro lado, estipulando as partes que os encargos com a realização da escritura recaem sobre a autora, a quem compete também notificar o réu com vista à comparência, com a antecedência de oito dias (cláusulas 6ª e 7ª), mais não resta senão concluir que é sobre a autora que recai o ónus de marcação da escritura aludida no contrato promessa.
Ora, nunca a autora invocou que marcou essa escritura no notário respectivo e que, notificado o réu, este não compareceu. Assume, aliás, que não o fez e escuda-se com a invocada falta de indicação de “dados” por parte do réu, bem como de envio “de documentação” e de “procuração para se proceder à partilha”, alegando, aliás, de forma absolutamente genérica, vaga e conclusiva [ [5] ].
Mas, perguntar-se-á, quais os dados e documentos pretendidos pela autora e que, concretamente, terá pedido ao réu?
A autora nada diz a esse respeito e não se vislumbra a que elementos se reportará a autora. Refira-se que, tendo a autora sido casada com o réu, é por demais evidente que tem acesso a um conjunto de informações pessoais, mormente quanto à sua identificação, sem necessidade de qualquer averiguação particular ou pouco acessível...  
Sabe-se que, para além da obrigação principal que decorre do contrato promessa – a outorga do contrato prometido –, há obrigações acessórias que podem decorrer da celebração do contrato e que se destinam usualmente a viabilizar ou permitir o cumprimento da obrigação principal – têm, pois, natureza instrumental. É precisamente esse o caso da autora, a quem compete diligenciar conforme aludido.
Já quanto ao réu, não decorre do contrato – nem da lei – que lhe incumba a obtenção ou apresentação de qualquer específico documento, para além do dever geral de colaboração expresso na cláusula 9º e que é pura emanação do princípio geral de boa - fé que preside à formação dos contratos e deve pautar a relação contratual na sua fase de execução (art. 762º, nº2).
Quanto ao envio da pretendida “procuração”, dir-se-á apenas que o réu não é obrigado a fazer-se representar na outorga da escritura em causa, tendo o direito de comparecer pessoalmente, para além de que o contrato é completamente omisso a esse respeito.
Concluindo, a demandante articula um conjunto de factos que são relevantes tendo em conta a pretensão que formula, alusivos à celebração do contrato, mas omite outros que também são constitutivos do direito de que se arroga – factos relativos ao alegado incumprimento –, o que configura uma hipótese de causa de pedir insuficiente, que gera a inviabilidade da acção, com a consequente absolvição do réu do pedido.
4. Nas alegações de recurso e embora com referência a outros elementos que não os assinalados [ [6] ] a apelante considera que se impunha a prolação de convite ao aperfeiçoamento, colocando-se-nos, pois, questão alusiva ao “poder/dever” do tribunal, de formular convite ao aperfeiçoamento.
Vejamos.
Quando o vício que enferma a petição inicial se reconduz à falta de causa de pedir, geradora de ineptidão, tem a doutrina e a jurisprudência convergido na consideração de que o vício não é susceptível de sanação e compreende-se que assim seja uma vez que a lei estabelece como consequência a nulidade de todo o processo [ [7]  ].
Nos casos em que a petição enferma de deficiência, há que distinguir entre as várias situações que se podem deparar ao intérprete e aplicador do direito, em ordem à sua subsunção ao disposto no art. 508º, nº 2 do C.P.C. – que abrange as “irregularidades dos articulados”, designadamente as que se referem à falta de requisitos legais ou à falta de apresentação de documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa – ou no nº 3 do mesmo preceito – está em causa, então, “suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”.
Independentemente de se considerar que o convite ao aperfeiçoamento a que alude o art. 508º, nº3 do C.P.C. é vinculado ou discricionário [ [8] ], entendemos que esse convite não pode ter uma amplitude tal que se desvirtue o pensamento legislativo. Efectivamente, é sobre o demandante que impende o ónus da substanciação do pedido, estando o tribunal limitado pelo princípio do dispositivo consagrado no art. 264º, nº1 do C.P.C., na vertente da formação da matéria de facto, não competindo ao tribunal substituir-se ao demandante indicando-lhe os factos que deve articular.
Como se referiu no Ac. STJ de 21/11/2006, supra referido, “acautelando, em absoluto, a equidistância e imparcialidade do julgador, o convite, não vinculado, a que se refere o nº3 do artigo 508º do CPC, deve destinar-se a corrigir as deficiências puramente processuais do articulado ("insuficiências ou imprecisões na exposição", que têm a ver com a exposição em si mesma, com o mero raciocínio discursivo; ou "concretização da matéria de facto alegada", a prender-se com um elencar de factos equívocos, difusos ou imprecisos) em termos de permitir ao juiz uma rigorosa e unívoca selecção ulterior da matéria relevante para a decisão. Não pode ser utilizada para a parte suprir aspectos substantivos ou materiais (v.g ónus de alegação e prova de elementos constitutivos do seu direito) tal como - e agora por tal ser causa de ineptidão - para indicar o pedido ou concretizar a "causa petendi"”.
Louvando-nos nos ensinamentos de Antunes Varela, “o convite do juiz ao autor para completar ou corrigir a petição não visa garantir o êxito da acção. Trata-se, pelo contrário, de promover o esclarecimento de um ponto decisivo para a sorte da acção, podendo o esclarecimento legal conduzir, tanto à procedência como à improcedência da acção, tanto ao prosseguimento da acção como à absolvição da instância”[ [9] ].
Daqui se extrai que, no caso, em nosso entender, não se justificaria formular à autora o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. Efectivamente, e afastando-se linearmente a hipótese consagrada no art. 508º, nº2, não vemos qualquer esclarecimento que possa ser prestado no âmbito do art. 508º, nº3. A coberto de um aperfeiçoamento teríamos que autora apresentaria, verdadeiramente, uma nova petição inicial, invocando agora uma panóplia de factos que nunca antes tinha aduzido.
Acresce que a imprecisão apontada se reflecte, igualmente, na dedução do pedido, não indicando a autora quais os “dados” que pretende que o réu lhe forneça, faltando, pois, essa definição (de qualidade), o que sempre comprometeria o êxito da acção uma vez que a autora formula pedido genérico fora das hipóteses em que a lei o permite (art. 471º do C.P.C.).
Em suma, sempre teríamos por injustificado o convite ao aperfeiçoamento, ainda que perspectivado agora noutro âmbito que não o enunciado nas alegações.
                                                         *
                                                         *
Conclusões:
1.O contrato-promessa de partilha dos bens do casal é válido quando os cônjuges subordinaram os seus efeitos à condição (suspensiva) do decretamento do divórcio;
2.Se os cônjuges, pela promessa de partilha, se obrigam ainda a doar o prédio pertencente ao casal (único activo) ao filho de ambos, ficando a cônjuge mulher com o direito de usufruto e o encargo do passivo (débito a uma entidade bancária contraído para aquisição desse imóvel), estamos perante um contrato promessa misto de partilha e doação;
3.O contrato promessa de doação não é susceptível de execução específica;
4. Independentemente de se considerar que o convite ao aperfeiçoamento a que alude o art. 508º, nº3 do C.P.C. é vinculado ou discricionário, entendemos que esse convite não pode ter uma amplitude tal que se desvirtue o pensamento legislativo: é sobre o demandante que impende o ónus da substanciação do pedido, estando o tribunal limitado pelo princípio do dispositivo consagrado no art. 264º, nº1 do C.P.C., na vertente da formação da matéria de facto, não competindo ao tribunal substituir-se ao demandante indicando-lhe os factos que deve articular.
                                                         *
                                                         *
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, embora com outros fundamentos, a sentença recorrida na parte em que absolveu o réu do pedido contra si formulado pela autora.
Custas a cargo da apelante.
Notifique.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2012

Isabel Fonseca
António Santos
Eurico José Marques dos Reis (*)

(*) Vencido conforme declaração que junto.

               Ao contrário do entendimento que fez vencimento no presente acórdão, sustento que deveria ter sido revogada a sentença e determinada a notificação da Autora para aperfeiçoar a petição inicial indicando, nomeadamente, que documentos pretende a mesma que o Réu apresente.
               De facto, a petição é deficiente e insuficiente e não concretiza suficientemente a matéria de facto relevante para um bom julgamento da causa, mas a verdade é que o Réu não está a querer cumprir um contrato promessa que celebrou e nem se deu ao trabalho de contestar a existência da obrigação que assumiu livre, esclarecida e voluntariamente.
               A manutenção da sentença não elimina o problema apenas obriga a Autora a ter de voltar a intentar uma nova acção e a gastar mais dinheiro.
Ora a obrigação fundamental dos Juízes é administrar a Justiça (art.º 2020 n.º 1 da Constituição da República) e não ficar presos a meras technicalities cuja correcção é possível sem beliscar os direitos fundamentais da contraparte.
               O que significa, a meu ver, que a decisão de não mandar aperfeiçoar a petição inicial é sindicável - pode ser sindicada.
               E, especialmente tendo em atenção o disposto nos art°s 2° nº 1 e 3°A do CPC, -em minha opinião, esta interpretação do estatuído no n.º 3 do artº. 508° daquele mesmo Código que proponho obedece inequivocamente aos critérios expostos nos três números do artigo do Código Civil.

Lisboa, 2012/01/17

Eurico José Marques dos Reis
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[1] Cfr., entre outros, o Ac. STJ de 13/03/2001, C.J., Ano IX, T.I, 2001, p.161 e o Ac. R.L de 20/05/2008 proferido no processo 3053/2008-7 (Relatora: Maria Amélia Ribeiro), acessível in www.dgsi.pt; na doutrina, vide Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2001, Coimbra, p. 444.     
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, p.437.
[3] Nesse sentido vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1982, p. 286, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª edição Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, p. 422 e Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo II, 2010, Almedina, Coimbra, p.326.
[4] Pode ler-se na sentença, singelamente, o seguinte: “Tal acordo não contém tão pouco o valor do activo, nem a forma como cada cônjuge preencherá a sua meação, não sendo, consequentemente possível determinar se foi respeitada a regra da meação ou divisão em partes iguais, imposta pelo referido art. 1730º, n. 1 do Código Civil”.
[5] A única matéria pertinente a este respeito é a que consta dos arts. 8º, 9º e 10º da petição inicial, que, aliás, se resume a 13º artigos. Assim:
“Art. 8º - Em Setembro de 2009 a A. entregou ao R as ferramentas deste na sua residência em S. Miguel, através da mãe.
9º- E apesar de ter feito essa entrega o R foi sempre adiando o envio dos dados para a marcação da escritura de partilha, e para tal foi contactado pelo Advogado S.L. e pela A diversas vezes, mas respondia sempre que ia dar tais dados, o que nunca sucedeu.
10º A A foi sempre aguardando que o R enviasse a documentação daquele e a procuração para se proceder à referida partilha, esperança essa que se desvaneceu no dia 20/04/2010, quando o R enviou uma mensagem para o telemóvel do Advogado S.L., dando a entender que não cumpria com o estipulado no contrato promessa de partilha, por culpa da A, o que não é verdade”.  
[6] A apelante pronunciava-se quanto à argumentação exposta na sentença, referindo que “se se apurasse o valor da casa, o valor do usufruto de tal imóvel será idêntico ao valor do passivo, o que por lapso a A., ora recorrente não os determinou no referido contrato promessa de partilha, por isso devia o tribunal “a quo” ter convidado a A. a aperfeiçoar o seu articulado”.
[7] Cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, 2ª edição, Vol. 1º, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 348, nota 5 e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 262; Na jurisprudência, cfr. os Acs. do STJ de 27/05/2010, proferido no processo 3417/08.9TVLSB.L1.S1 (Relator: Álvaro Rodrigues), de 03/12/2009, proferido no processo 4079/07.6TVPRT.P1 (Relator: Paulo Sá) e de 04/06/2008, proferido no processo nº 08S937 (Relator: Pinto Hespanhol), acessíveis in www.dgsi.pt.     
[8] Defendendo que se trata de poder não vinculado, Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, à luz do código revisto, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, pp. 123-124 e 134. Na jurisprudência, cfr. os Acs. do STJ de 22/06/2005, processo 05A1781(Relator: Silva Salazar), de 21/09/2006, processo 06B2772 (Relator: Salvador da Costa), de 21/11/2006, processo 06A3687, (Relator: Sebastião Póvoas) e de 27/11/2007, processo 07A3918 (Relator: João Camilo), todos acessíveis in www.dgsi.pt..  
[9] Obra citada, pp. 263-264. Refira-se que pese embora se trate de referência feita com base na lei processual anterior à revisão introduzida pelo Dec. Lei 329º-A/95 de 12/12, parece-nos inexistir alteração relevante no que concerne à delimitação do tipo de vício em causa, podendo encontrar-se perfeito paralelismo entre o que dispunha o art. 477º, nº1 e o actual art. 508º, nºs 2 e 3. Assim, o art. 477º, nº1 dispunha que quando não ocorre nenhum dos casos previstos no nº 1 do artigo 474º - ou seja, os casos de indeferimento liminar da petição inicial, sendo que a alínea a) do nº 1 referia-se directamente à ineptidão –, “mas a petição não possa ser recebida por falta de requisitos legais ou por não vir acompanhada de determinados documentos, ou quando apresente irregularidades ou deficiências que sejam susceptíveis de comprometer o êxito da acção, pode ser convidado o autor a completá-la ou a corrigi-la, marcando-se prazo para apresentação da nova petição”.