Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12917/17.9T8SNT.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: REIVINDICAÇÃO
UNIÃO DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nas máximas da experiência parte-se do pressuposto de que, em casos semelhantes, existe um idêntico comportamento humano e este relacionamento permite afirmar um facto histórico, não com plena certeza mas como uma possibilidade mais ou menos ampla.
II - Não é de todo uma regra da experiência comum que as partes formulam pedidos bem fundados para não incorrerem em despesas judiciais em vão.
III - O uso de uma presunção judicial não pode servir de desvio às regras de distribuição do ónus de prova.
IV - Na ação de reivindicação prevista no artigo 1311.º do CC, a pretensão não se poderá fundar exclusivamente na invocação de um título de aquisição derivada do direito peticionado.
V - Nesse domínio, em consonância com a teoria da substanciação subjacente ao disposto no artigo 581.º, n.º 4, do CPC, torna-se necessário que o adquirente demonstre que o direito existia na esfera do alienante, alegando e provando os factos que consubstanciam a sua causa genética - usucapião, ocupação ou acessão.
VI - Contudo, num caso em que ambas as partes admitem inequivocamente o direito de propriedade do transmitente, não é exigível que o Autor alegue e prove a aquisição originária daquele direito.
VII - A admissão pelas partes da existência desse direito de propriedade na esfera do transmitente reconduz-se a uma situação jurídica consolidada, face à qual restará provar a subsequente celebração do acordo de partilha com o Autor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. O Autor interpôs recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedente a presente ação.
2. NR… intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra EL…, formulando os seguintes pedidos:
a) Ser a Ré condenada a entregar ao Autor os bens descritos no artigo 5.º da petição inicial; ou
b) Caso tal não seja possível, ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 6 260,00 € pelo valor dos bens não entregues;
c) Ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 2 000,00 € pela privação de uso dos seus bens próprios.
Mais formulou o seguinte pedido subsidiário:
Caso tal não seja possível, que seja a Ré condenada, nos termos do disposto no artigo 483.º do Código Civil, a pagar ao Autor a quantia de 6 260,00 €, pelo valor dos bens não entregues, acrescida de 2 000,00 € pelo facto de ter privado o Autor de, durante todo este tempo, poder usufruir dos seus bens próprios.
Alegou, em suma, que:
- Manteve um relacionamento amoroso durante cerca de sete anos com a Ré;
- Durante o período da união de facto, Autor e Ré viveram na casa desta última, sita em Belas;
- Durante esses anos, o Autor adquiriu alguns bens móveis próprios, que foram colocados na casa da Ré, para utilização comum;
- A referida relação de união de facto terminou em janeiro de 2016 e o Autor interpelou a Ré para lhe devolver os bens em apreço, que foram discriminados no artigo 5.º da petição inicial;
- Apesar de interpelada, a Ré recusa-se a entregar os bens, que são da propriedade exclusiva do Autor, encontrando-se na posse dos mesmos sem autorização e impossibilitando o Autor de usufruir dos seus próprios bens.
3. A Ré apresentou contestação, na qual invocou a exceção da ineptidão da petição inicial, impugnou os factos alegados e deduziu reconvenção com fundamento no enriquecimento do património do Autor à custa do seu património, formulando o pedido reconvencional de condenação do Autor/Reconvindo a pagar à Ré/Reconvinte a quantia global de 20 784,92 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação ao mesmo da contestação/reconvenção.
4. O Autor apresentou réplica, respondendo ao pedido reconvencional e concluindo pela sua improcedência.
5. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção da ineptidão da petição inicial e convidou-se o Autor a aperfeiçoar a petição inicial quanto ao pedido de indemnização no valor de 2 000,00 €.
6. O Autor apresentou nova petição inicial aperfeiçoada e a Ré exerceu o contraditório, reiterando o alegado na contestação/reconvenção.
7. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
8. Após a audiência final, proferiu-se sentença, da qual consta o seguinte dispositivo:
«Nos termos e com os fundamentos alegados julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a)  Condena-se a ré restituir ao autor a máquina de lavar a roupa Beko WMD 2500T.
b)  Absolve-se a ré do demais peticionado.
Julga-se o pedido reconvencional improcedente, por não provado, e, em consequência, absolve-se o autor do pedido reconvencional.
Custas pelo autor e ré na proporção do decaimento, ficando a ré dispensada de suportar as custas da sua responsabilidade por beneficiar de apoio judiciário nessa modalidade.»
9. Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«Da matéria de facto: PARADEIRO DOS BENS MÓVEIS
1. Através da presente ação veio o recorrente requerer a entrega dos seguintes bens, adquiridos antes de iniciar a união de facto com a Ré: um aquário, uma máquina de lavar roupa Beko WMD 25080T, uma máquina fotográfica W90, uma mala de viagem de carro, quadro das fotos dos filhos, frigorífico antigo Beko, cadeira de secretária, licores vários, frigorífico combinado LG, sofá bege de 3 lugares, veículo Peugeot 206 com matrícula …-BC-….
2. O tribunal a quo considerou provado que o Autor tinha adquirido, antes de iniciar a sua relação com a Ré, a máquina de lavar Beko, a mala de viagem, o frigorifico Beko, a cadeira de secretária, o sofá bege e o veículo Peugeot.
3. Bem como também ficou provado que a relação terminou no dia 2 de janeiro de 2016 e que o recorrente saiu de casa e entregou as chaves no dia 8 de janeiro.
4. No entanto, apesar de se ter provado, através das declarações de parte do recorrente, corroboradas pelas declarações da testemunha JM…, para casa de quem o Autor foi residir temporariamente logo após ter saído da casa da Ré e para onde levou os bens de retirou da casa da mesma,
5. Que o Autor apenas levou o aquário, sistema Blue ray e a roupa, a que acresce o computador, a impressora e scanner, conforme declarações do Recorrente, e confirmadas pela Ré.
6. Erroneamente o tribunal a quo extraiu a conclusão de que o Autor levou consigo os bens que agora veio pedir na presente ação.
7. Quando deveria ter concluído que os mesmos ou estão na posse da Ré ou deu-lhes descaminho.
8. Até porque, para o homem médio, nenhum sentido faz que se venha gastar dinheiro em custas de tribunal e advogado, para pedir bens de pouco valor, quando os mesmos já estão na sua posse!
9. Pelo que se deverá alterar a conclusão do tribunal a quo no sentido de dar como provado que esses bens se encontram na posse da Ré.
10. O tribunal a quo deu como provado que "aquando do término da relação, o autor e ré acordaram que a ré ficava com o frigorífico combinado da Marca LG".
11. Na apreciação da prova considerou que "(...) não obstante o autor declarar durante a sua audição que apenas começou a pagar o referido crédito-referindo a sua mandatária o mês de abril de 2016 quando usou das instâncias para pedir esclarecimentos à R"
12. Mais disse que, a ré ouvida a essa matéria, está convencida que o crédito foi parcialmente pago durante a relação que teve com o autor e em conjunto, com dinheiro de ambos.
13. E acrescenta que, "ainda que por mera hipótese, o autor tenha apenas iniciado os pagamentos em abril de 2016, a verdade é que segundo a prova produzida - que foi no sentido de que ambos pagavam tudo em conjunto como se de marido e mulher se tratassem- desde o início do contrato de crédito que a ré, com os seus rendimentos contribuiu para a amortização do mesmo (...)"
14. O recorrente discorda desta conclusão que o tribunal a quo faz da prova produzida.
15. Isto porque da fundamentação relativamente aos factos que considera provados e não provados, resulta claramente que o tribunal ficou convencido de que o pagamento do frigorífico se iniciou já após a separação do casal, embora tenha sido comprado durante a relação dos dois.
16. Repare-se que o tribunal a quo, na fundamentação da sua convicção, afirma que a Ré estava convencida de que o mesmo tinha sido pago parcialmente na constância da relação!
17. E esta não é uma questão lateral, uma vez que o tribunal a quo não ficou convencido que a Ré tenha pago as prestações do frigorífico, pois se assim fosse não teria dito que a "ré estava convencida". Teria dito de forma afirmativa que a Ré disse que tinha pago as prestações do frigorífico!
18. E admite que os pagamentos tenham sido iniciados em abril de 2016, o que é corroborado pelos depoimentos do Autor, e da testemunha JM….
19. A própria Ré não sabe se pagou prestações ou não, faz uma presunção nesse sentido, uma vez que o contrato de aquisição foi celebrado quando estavam juntos, tal como a testemunha CM… faz presunções e o IF… diz que não sabe.
20. Tendo em conta que o tribunal a quo admite que o frigorífico tenha começado a ser pago em abril de 2016, a conclusão pelo mesmo retirada da prova está errada, pois deveria dar como provado que este bem, foi pago com capitais próprios do Autor, sem qualquer comparticipação da Ré, pelo que deverá ficar a constar como provado que o frigorifico LG, embora adquirido na constãncia da relação amorosa, foi pago integralmente pelo Autor, após a separação do casal.
Do Direito
21. Relativamente ao veículo Peugeot, o tribunal a quo considerou que é de improceder a restituição do mesmo, porque o Autor não provou a propriedade em exclusivo do mesmo.
22. É verdade que o registo cria uma presunção de que o direito registado, na amplitude e com o conteúdo em que o foi, existe na titularidade do sujeito que consta do mesmo.
23. Mas no caso em apreço a propriedade do veículo nunca esteve em causa, no sentido de se saber em que nome é que o Peugeot se encontra inscrito, pelo que o tribunal a quo faz uma incorreta aplicação do art. 7º do Código do Registo Predial, aplicado analogicamente, e art. 350 nº 1 do CC.
24. Tal facto, foi desde sempre um dado adquirido e confirmado por todos os intervenientes, Autor, Réu e todas as testemunhas, e como tal, reconhecido desde o início.
25. A única questão controvertida foi a de saber porque é que o Autor não assinou a declaração de venda do referido veículo para a Ré.
26. Estar a indeferir-se a restituição do veículo ao seu proprietário, quando está sobejamente provado de que o recorrente é o proprietário do mesmo, deixando-o na posse de um terceiro, é violador do direito de propriedade do Autor, enriquecendo injustificadamente a Ré, em clara violação do disposto 1305º do CC.
27. Até porque ainda não se percebeu porque é que o tribunal a quo valorou sempre as declarações da Ré em detrimento das do Autor, quando aquelas não eram sequer corroboradas com qualquer outro tipo de prova.
28. Assim sendo, não tem razão o tribunal a quo em julgar como não provada a titularidade do veículo Peugeot, uma vez que tal questão nunca se colocou, foi sempre consensual desde os primeiros articulados, pelo que essa titularidade registrai não se coloca.
29. O enfoque está sim em saber quem é que pagou as prestações do empréstimo para aquisição do veículo e aí sim, há que ver a prova produzida.
Entende o tribunal a quo que o mesmo também pertence à Ré porque terá participado no pagamento das respetivas prestações.
30. O artigo 36º n.º 1 da CRP apenas reconheceu aos cidadãos o direito de constituírem família independentemente do casamento, atribuindo à união de facto alguns efeitos jurídicos, sem contudo a equiparar à figura jurídica do casamento.
31. O casamento e a união de facto são situações diferentes, pois os casados assumem o compromisso de vida em comum, enquanto os membros da união de facto não assumem, porque não querem ou não podem assumir esse compromisso.
32. No que tange à dissolução do património adquirido durante a união de facto, são várias as soluções consoantes os vários autores.
33. Contudo, ao que aqui interessa relativamente a este veículo, é que não se fez prova categórica de que não tenha sido o Autor a pagar o mesmo.
34. Pois, foi adquirido pelo Autor antes de se unir de facto com a ré e, embora se admita que possa ter pago algumas prestações, terão sido de um número residual, pelo que tal não deverá implicar a comunhão do referido bem.
35. Mas mesmo que assim seja, o que não se admite, o Autor nunca admitiu ter feito um acordo de partilha com a Ré e nenhuma prova foi feita da existência de tal acordo, para além das declarações da própria Ré.
36. Toda a demais prova foi feita com base em presunções feitas pelas várias testemunhas.
37. O Autor sempre assumiu que a posse do veículo pela Ré era meramente temporária, até poder adquirir uma viatura própria,
38. O que é comprovado pelo facto de não lhe ter passado para o seu nome a declaração de venda do mesmo.
39. Razão pela qual se deve determinar a restituição do veículo ao recorrente.
40. Quanto ao frigorífico LG, pelas razões expostas, quando da apreciação da matéria de facto, deverá determinar-se a restituição do mesmo ao Recorrente porquanto,
41. O tribunal claramente teve dúvidas sobre se a Ré comparticipou no pagamento das prestações do referido eletrodoméstico, pois apenas alega que a mesma estava convencida que tinha participado no respetivo pagamento.
42. Por outro lado, admite que o mesmo só tenha começado a ser pago em abril de 2016, claramente após a rutura da união de facto.
43. Ora face a tais factos, não se pode extrair a conclusão de que não se demonstrou em exclusivo a propriedade do autor relativamente a tal bem.
44. Pelo que, face ao exposto deverá o mesmo ser restituído ao autor.
45. Quanto ao quadro dos filhos do autor, o aquário, aparelhagem sony, máquina fotográfica W90, mala de viagem de carro, frigorífico antigo Beko,
46. O tribunal a quo considerou provado que tais bens foram adquiridos pelo Autor antes do início da relação com a Ré.
47.Mas entende que não se provou que os mesmos estejam na posse da mesma.
48. Embora estivessem guardados na arrecadação da sua casa, conforme a própria confirmou,
49. Veio a referida senhora dizer ao tribunal que já não os viu na arrecadação e dar a entender que, como não assistiu às mudanças do Autor, que este os terá levado.
50. Embora tenha sido confirmado pela testemunha JM…, para casa de quem o Autor foi temporariamente residir logo após a saída da casa da Ré, quais os bens que este levou para sua casa logo após ter deixado a casa da Ré,
51. E que este próprio confirmou nas suas declarações de parte.
52. Com o devido respeito, das declarações da Ré não pode o Tribunal a quo concluir que a Ré não tem tais bens em sua posse apena pelo simples facto da mesma dizer que não os viu na arrecadação, sem qualquer outra prova.
53. Há que concluir que se não os tem foi porque lhes deu descaminho.
54. Razão pela qual deverá fazer o respetivo ressarcimento ao Autor conforme foi requerido como pedido subsidiário.
55. Com a douta sentença recorrida o tribunal a quo violou o disposto nos art. 1305º por não determinar a entrega dos bens do autor, violando o direito de propriedade dos mesmos e do 342º nº 1 e 2º, na medida em que tendo o autor feito prova dos direitos de que se arroga e dos factos impeditivos do seu direito, não repara a violação do direito de propriedade do mesmo, beneficiando injustificadamente a Ré.»
9. A Ré não apresentou alegação de resposta.
10. Por despacho de 27.01.2020, o recurso de apelação foi admitido com subida de imediato, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
- Do erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto, designadamente no que concerne às alíneas q), r) e s) dos factos não provados e aos pontos 45 (frigorífico LG) e 22 (veículo da marca Peugeot) dos factos provados;
- Do erro de julgamento quanto à decisão de direito relativa à propriedade do veículo da marca Peugeot.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
São os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida:
1. O Autor manteve um relacionamento amoroso durante cerca de sete anos com a Ré.
2. Durante o período em que viveram em união de facto, Autor e Ré habitaram na casa desta última, sita na rua …, n.º …, ….º-A, em Belas.
3. A referida relação de união de facto terminou em 2 de janeiro de 2016, entregando o Autor à Ré as chaves da habitação em 8.1.2016.
4. Por carta datada de 7.9.2016, o Autor solicitou à Ré a entrega dos seguintes bens: aquário; aparelhagem completa Sony; máquina fotográfica W90; sofá bege, mala de viagem de carro cinzenta, quadro grande das fotos dos meus filhos, frigorífico antigo, máquina de lavar a roupa Beko WMD 2500T, cadeira de secretária, garrafas dos licores, livro, estátua, barco, veículo Peugeot 206 com matrícula …-BC-… e respetivos documentos (a entregar nas devidas condições, tal como ficou a andar) frigorífico novo (combinado LG).
5. A máquina de lavar roupa Beko WMD 25080T foi adquirida pelo Autor em momento anterior ao início da relação com a Ré e ainda se encontra em casa desta.
6. A Ré tem em sua posse o frigorífico combinado LG que em 28.8.2004, data da encomenda, tinha o valor de 499,00 €.
7. A Ré tem em sua posse o veículo automóvel Peugeot 206 com matrícula …-BC-… e respetivos documentos.
8. O aquário, a aparelhagem Sony, a máquina fotográfica W90, a mala de viagem de carro, cinzenta, a cadeira de secretária, o sofá bege de três lugares e o frigorífico antigo Beko eram do Autor antes do início da relação com a Ré.
9. Quando a relação terminou, o Autor deixou a casa da Ré levando consigo bens próprios e pertences, indo buscar outros posteriormente.
10. Existem bens móveis pagos em conjunto pela Ré e pelo Autor que foram levados pelo Autor quando deixou de viver na casa da Ré e outros que ficaram para a mesma.
11. O frigorífico combinado marca LG, mencionado em 6. destes factos, foi comprado em 30.8.2014 com recurso ao crédito pelo preço de 499,00 €.
12. Com o mesmo crédito, foi adquirido um computador marca Toshiba, no valor global de 799,00 €.
13. Foi ainda adquirido na constância da relação amorosa do Autor com a Ré uma impressora e scanner multifunções, sem fios, no valor de 200,00 €.
14. E um sistema de som Blu-Ray, com quatro colunas de som e sub woofer, no valor de 300,00 €.
15. No decurso da vivência em comum, a Ré e o Autor compraram e pagaram com recurso a crédito, um veículo automóvel marca Ford, matrícula …-…-UU.
16. Para pagamento do referido veículo, bem como para pagamento de uma reparação do veículo Peugeot mencionado em 7. destes factos, foi solicitado e concedido um empréstimo bancário em conta bancária titulada pela Ré, no montante de 16 057,22 €.
17. O referido empréstimo foi contratado em 83 prestações mensais e sucessivas no valor de 284,15 €, sendo a 1.ª prestação no valor de 54,39 € e a última prestação no valor de 280,83 €.
18. O Autor e a Ré foram pagando em conjunto as 82 prestações mensais, sendo a 83.ª liquidada apenas pelo Autor.
19. Para aquisição do veículo Ford, a Ré deu de entrada, para abater ao preço, um veículo automóvel de sua propriedade, que já possuía antes de se juntar com o Autor, de marca Peugeot, matrícula …-…-HU, ao qual foi atribuído o valor de 300,00 €.
20. O veículo Peugeot a que o Autor faz referência na sua p.i. foi adquirido pelo mesmo antes de se juntar com a Ré, em data não concretamente apurada.
21. Após começarem a viver juntos, as respetivas prestações do empréstimo para aquisição do aludido veículo, no montante mensal de 187,00 €, foram pagas em conjunto por ambos.
22. Aquando da separação, o Autor e a Ré acordaram que o Autor ficaria com o veículo marca Ford, uma vez que é de 5 lugares e o mesmo tem 2 filhos e que a Ré ficaria com o veículo Peugeot que é de 2 lugares, pois a mesma tem um filho, em comum com o Autor.
23. Acordo este que o Autor não cumpriu.
24. Após a separação, e tendo já o veículo marca Ford na sua posse, encontrando-se a declaração de venda preenchida para que o mesmo a assinasse a fim de transferir a propriedade do veículo Peugeot para o nome da Ré, este recusou-se a fazê-lo, exigindo-o de volta.
25. A Ré, entretanto, adquiriu outro veículo automóvel para as suas deslocações e do seu filho menor.
26. Não obstante não ter assinado a declaração de venda por forma a permitir a transferência da propriedade do veículo Peugeot para a Ré, o Autor fez ainda com que a Ré pagasse o Imposto Único de Circulação (IUC) do veículo referente aos anos de 2016 e 2017 como se esta fosse a sua proprietária.
27. Sendo que relativamente ao ano de 2017, o Autor descontou o valor do imposto no valor devido a título de pensão de alimentos para o seu filho menor, no montante de 150,00 €, tendo pago a tal título no mês de março de 2017 apenas a quantia de 118,00 €.
28. Em maio de 2015, o Autor adquiriu um motociclo marca Yamaha, pelo valor de 7 500,00 €, com recurso a crédito.
29. O Autor e a Ré pagaram em conjunto as prestações do crédito referido em 28. destes factos desde maio de 2015 até dezembro de 2015.
30. Quando a relação terminou, o Autor levou consigo a sua roupa, um televisor e o sistema de som blu-ray referido em 14. destes factos.
31. Levou ainda a impressora scanner multifunções referida em 13. destes factos, sem fios e um televisor.
32. E existem outros bens pagos em conjunto pela Ré e pelo Autor que ficaram na posse da mesma.
33. Foi o Autor quem celebrou o contrato de financiamento para aquisição quer do frigorífico mencionado em 6. quer do computador da marca Toshiba, no montante total de 1 317,00 €.
34. A Ré conduziu o veículo da marca Peugeot com matrícula …-BC-… e foi a única responsável por um acidente que teve com o mesmo.
35. A mesma era titular de uma conta bancária da qual o Autor veio a tornar-se contitular.
36. O Autor e a Ré decidiram comprar um veículo da marca Ford com matrícula …‑…‑UU, tendo a propriedade sido registada em nome do Autor.
37. Para tal, ambos firmaram um empréstimo bancário enquanto titulares da referida conta do Banco BES, no montante de 16 057,22 € para aquisição do veículo da marca Ford.
38. E para reparação do veículo Peugeot.
39. O Autor e a Ré adquiriram em conjunto a cama e o roupeiro do quarto comum do casal, em montante não concretamente apurado.
40. O Autor e a Ré adquiriram em conjunto o mobiliário da sala e do quarto das crianças, em montante não concretamente apurado.
41. O Autor e a Ré adquiriram em conjunto um exaustor em montante não concretamente apurado.
42. O Autor e a Ré adquiriram uma carpete em montante não concretamente apurado.
43. O Autor e a Ré adquiriram um LCD em montante não concretamente apurado.
44. O empréstimo bancário para aquisição do imóvel da Ré ainda estava a ser amortizado aquando da relação de ambos, contribuindo o Autor para a sua amortização.
45. Aquando do término da relação, o Autor e a Ré acordaram que a Ré ficaria com o frigorífico combinado da marca LG.
Considerou-se não provado que:
a) Durante os anos de vida em comum com a Ré, o Autor adquiriu alguns bens móveis próprios que foram colocados na casa da Ré, para utilização comum.
b) Que esses bens tenham sido os indicados de c) a n) destes factos não provados.
c) O aquário tenha o valor de 130,00 €.
d) A aparelhagem Sony tenha o valor de 70,00 €.
e) A máquina de lavar roupa Beko WMD 25080T tenha o valor de 200,00 €.
f) A máquina fotográfica W90 tenha o valor de 80,00 €.
g) A mala de viagem de carro, cinzenta, tenha o valor de 60,00 €.
h) O quadro das fotos dos filhos tenha o valor de 40,00 €.
i) O frigorífico antigo Beko tenha o valor de 150,00 €.
j) A cadeira de secretária tenha o valor de 50,00 €.
k) Licores vários tenham o valor de 20,00 €.
l) O frigorífico combinado LG tenha o valor de 860,00 €.
m) O sofá bege de 3 lugares tenha o valor de 200,00 €.
n) O veículo Peugeot 206 com matrícula …-BC-… tenha o valor de 4 400,00 €.
o) Os bens referidos em 6. e 7. dos factos provados sejam da propriedade exclusiva do Autor.
p) O quadro das fotos dos filhos do Autor seja da sua exclusiva propriedade.
q) Os bens referidos em 8. estejam na posse da Ré.
r) Os bens referidos em g), j) estejam na posse da Ré.
s) O Autor não tenha em sua posse os bens referidos em 8. dos factos provados.
t) O frigorífico combinado LG tenha custado 799,00 €.
u) Por se encontrar sem a posse dos bens referidos de b) a k), o Autor viu-se obrigado a comprar outros bens da referida natureza, o que implicou no dispêndio monetário.
v) O frigorífico combinado marca LG tenha custado cerca de 700,00 €.
w) A propriedade do FORD, matrícula …-…-UU foi registada em nome do Autor apenas porque à data da compra à Ré faltava-lhe um documento para que a propriedade pudesse ser registada em seu nome.
x) A Ré pagou pela aquisição do veículo Ford e pela reparação do veículo Peugeot o montante de 11 819,42 € (23 638,84 € : 2 =11 819,42 €).
y) O veículo Peugeot 206 de matrícula …-BC-… tenha sido adquirido apenas cerca de 6 meses antes de iniciarem a relação.
z) A Ré pagou desde janeiro de 2009 até abril de 2015 para aquisição do veículo Peugeot, o montante de 7 106,00 € (187,00 € X 76 meses = 14 212,00 € : 2 = 7 106,00 €.
aa) Relativamente ao motociclo Yamaha, a Ré tenha despendido 496,00 €.
bb) Após o término da relação, o Autor não tenha voltado a casa da Ré para buscar outros bens, porque esta não o permitiu.
cc) O frigorifico LG custou cerca de 799,00 € e foi integralmente pago pelo Autor.
dd) Foi o Autor quem em exclusivo pagou o computador da marca Toshiba.
ee) O veículo Ford custou 11 000,00 €.
ff) O Autor tenha vendido o veículo Ford pelo preço de 300,00 €.
gg) A avaria do veículo Ford foi causada pela Ré, que não abasteceu o veículo com água.
hh) O Autor ficou sem poder utilizar o veículo como meio de transporte.
ii) Devido à privação da utilização do veículo, o Autor teve que se deslocar durante dois dias para o trabalho num carro emprestado por uma amiga, bem como teve que adquirir um novo veículo com cinco lugares.
jj) A cama e o roupeiro do quarto comum do casal tenham o valor de 900,00 €.
kk) O mobiliário da sala e do quarto das crianças, tenha o valor de  1 050,00 €.
ll) O exaustor tenha o valor de 300,00 €.
mm) A carpete tenha o valor de 300,00 €.
nn) O LDC tenha o valor de 1 000,00 €.
oo) A prestação do empréstimo para a aquisição do imóvel da Ré fosse de 250,00 €.
Apreciação do recurso
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Os poderes do Tribunal da Relação relativamente à modificabilidade da decisão de facto estão consagrados no artigo 662.º do CPC.
Nos termos do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a referida decisão, sob pena de rejeição do recurso, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acresce que, segundo a alínea b) do n.º 2 do citado artigo 640.º, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A forma como o Apelante indicou as passagens da gravação ou as transcrições de excertos dos depoimentos não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório nem o exame pelo Tribunal da Relação, pelo que se consideram preenchidos os requisitos previstos no artigo 640.º do CPC, com exceção do ponto 22 dos factos provados, como veremos infra.
Depois de auditado o suporte áudio, cumpre apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, indagando se a convicção criada no espírito do Tribunal a quo é ou não merecedora de reparos.
Alíneas q), r) e s) dos factos não provados
q) Que os bens referidos em 8. [aquário, aparelhagem Sony, máquina fotográfica W90, mala de viagem de carro, cadeira de secretária, sofá bege de três lugares e frigorifico antigo Beko] estejam na posse da Ré.
r) Que os bens referidos em g), j) estejam na posse da Ré [mala de viagem de carro e cadeira de secretária].
s) Que o Autor não tenha em sua posse os bens referidos em 8. dos factos provados [aquário, aparelhagem Sony, máquina fotográfica W90, mala de viagem de carro, cadeira de secretária, sofá bege de três lugares e frigorifico antigo Beko].
O Apelante argui que peticionou a entrega de alguns bens móveis que adquiriu antes de iniciar a sua relação com a Ré, como um aquário, uma máquina de lavar roupa Beko WMD 25080T, uma máquina fotográfica W90, uma mala de viagem de carro, um quadro das fotos dos filhos, um frigorífico antigo Beko, uma cadeira de secretária, licores vários, um frigorífico combinado LG e um sofá bege de 3 lugares, e que o Tribunal a quo deu como provado que o Autor tinha adquirido a maior parte desses bens antes de iniciar a sua relação com a Ré.
Considera que resulta das suas declarações de parte, bem como das declarações de parte da Ré e do depoimento da testemunha JL…, que tais bens estão na posse da Ré ou que esta lhes deu descaminho.
No que concerne à testemunha JL…, para cuja casa foi morar temporariamente, sustenta que o seu depoimento foi no sentido de o Recorrente apenas ter levado consigo, aquando da separação da Ré, o aquário, o sistema Blu ray e a roupa. Alega que a estes bens acresce o computador, a impressora e o scanner, conforme declarações do próprio, confirmadas pela Ré.
Argumenta que, para o homem médio, nenhum sentido faz que se venha gastar dinheiro em custas de tribunal e advogado, para pedir bens de pouco valor, quando os mesmos já estão na sua posse.
Não obstante o Apelante não concretize melhor a sua alegação, com referência às alíneas não provadas que pretende que se considere provadas, consideramos que da interpretação das suas conclusões, ao abrigo do nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, se pode retirar que se reporta às alíneas q), r) e s) da factualidade não provada.
Na motivação da decisão sobre a matéria de facto lê-se o seguinte:
«O ponto 9 resultou provado das declarações do autor, que confirmou que aquando do término da relação levou algumas coisas consigo (referiu-se sobretudo a roupa, ao computador, impressora, aparelhagem blu- ray) conjugadas com as declarações da ré que também disse que o autor levou as suas coisas da casa, bem como alguns bens que tinham adquirido em conjunto e que o fez sem ela estar presente, mas tal era visível (ficava o espaço vazio das coisas). Disse igualmente a ré que apesar da relação ter terminado em 02.01.2016 o réu permaneceu com as chaves da casa em sua posse até 08.01.2016, sendo que com estas também teria acesso às chaves da arrecadação, que estão à entrada e com essas supõe que tirou as coisas que ele tinha guardado na arrecadação, dado que deixaram de lá estar.
É pois possível que naquele período (entre 02.01.2016 a 08.01.216), o autor tenha retirado bens de casa da ré. Pelo menos, aparentemente o aquário foi levado pelo autor, dado que o amigo dele, JL…, para cuja casa o autor foi quando terminou a relação com a ré, disse inequivocamente que o autor levou o aquário, o sistema blu-ray e roupa para a sua casa.
Da contradição das declarações da testemunha JL…, com as do autor que declarou que o aquário ficou em casa da ré e que esta não o devolve (fazendo parte da carta assinada pelo autor em 07.09.2016) e a circunstância da ré explicar que o autor teve em sua posse as chaves da sua casa até ao dia 08.01.2016, quando saiu definitivamente de casa e que durante esse período foi tirando bens, sendo que os que estavam guardados na arrecadação a ré apenas notou a sua ausência quando lá foi (referiu-se que deu conta que o frigorifico Beko e o sofá bege que foi levado pelo autor para a casa dela e que entretanto foi substituído pela chaise-longue não se encontravam na arrecadação, quando lá foi à procura de coisas para a praia) ficámos com sérias dúvidas sobre se os bens indicados no ponto 8. dos factos provados estejam na posse da ré (seja em sua casa, seja em qualquer outro lugar). Daí a resposta negativa a essa matéria (vide alíneas q) e r) e s) dos factos dados como não provados).»
Apreciando:
Após a audição da prova, não merece qualquer censura a decisão sobre a matéria de facto neste ponto.
É certo que o Autor afirmou, em declarações de parte, que ficou tudo guardado em casa da Ré, uns bens na arrecadação e outros dentro do apartamento.
Mais relatou que, quando saiu de casa, levou o LCD, a impressora-multifunções e o sistema de som Blu ray.
Mas logo aqui as declarações padecem de notória contradição com o pedido que formula na petição inicial.
Se levou consigo tais bens, aquando da separação, por que razão peticionar a sua entrega?
Quanto ao sofá bege, a Ré afirmou nas suas declarações de parte que foi substituído por outro, tendo ido para a arrecadação, e que agora não se encontra lá, sendo que a própria não o deitou ao lixo.
O mesmo declarou quanto ao frigorífico Beko, que terá estado em sua casa, mas que foi substituído por outro, tendo ido para a arrecadação. Também não se encontrava na arrecadação à data da prestação de declarações pela Ré.
E o mesmo se poderá dizer da cadeira de secretária, que também já não se encontra na arrecadação, segundo a Ré.
Relativamente aos licores vários, a Ré foi clara em afirmar que não sabe do seu paradeiro, até porque nem toma bebidas alcoólicas.
A testemunha JL… descreveu os bens que viu o Autor trazer para sua casa, nas duas semanas em que lá permaneceu. Porém, de tal depoimento não se pode extrapolar que a Ré escondeu ou descaminhou os restantes bens.
O Apelante parece querer extrair uma presunção judicial do facto de não fazer sentido gastar dinheiro em custas de tribunal e advogado para pedir bens de pouco valor que já estariam na sua posse.
No recurso a presunções simples ou naturais, nos termos do artigo 349.º do Código Civil, parte-se de um facto conhecido (base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas ou da lógica.
As presunções não são, em rigor, verdadeiros meios de prova, mas somente «meios lógicos ou mentais da descoberta de factos, e firmam-se mediante regras da experiência (apreciadas pela lei ou pelo julgador)» (Vaz Serra, Provas: direito probatório material, BMJ 110, p.198).
A máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos semelhantes.
Parte-se do pressuposto de que «em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano» e este relacionamento permite afirmar um facto histórico, não com plena certeza mas como uma possibilidade mais ou menos ampla – cf. acórdão do STJ de 7.4.2011 (p. 936/08.0JAPRT.S1, in www.dgsi.pt).
Ora, não é de todo uma regra da experiência comum que as partes formulam pedidos bem fundados (facto presumido) para não incorrerem em despesas judiciais em vão (base da presunção).
Acresce que o uso de uma presunção judicial não pode servir de desvio às regras de distribuição do ónus de prova.
Era ao Autor que incumbia demonstrar que os bens, cuja entrega peticiona, estão na posse da Ré, ao abrigo do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo desvalorizou de forma ponderada os trechos das declarações de parte que entram em contradição com as provas documental e testemunhal e valorou de forma adequada o conhecimento direto dos factos, a isenção, a sinceridade e a transparência dos testemunhos e das declarações de parte, depreciando de forma certeira a indecisão e a parcialidade.
Na ausência de prova sobre a posse dos bens em apreço, a sentença recorrida seguiu a regra de decisão ínsita no citado artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que não merece qualquer reparo.
Ponto 45 dos factos provados
45. Aquando do término da relação, o Autor e a Ré acordaram que a Ré ficava com o frigorífico combinado da marca LG.
O Apelante sustenta que decorre da prova produzida, designadamente das declarações de parte do Autor e da Ré, que o frigorífico LG foi por si pago na íntegra após a separação.
Argui que, por lapso, não juntou prova de quando é que o crédito relativo à aquisição do frigorífico LG começou a ser pago.
Porém, considera que o Tribunal a quo formou convicção no sentido de que o foi após a separação do casal, embora tenha sido comprado durante a relação dos dois.
Observa que o Tribunal recorrido motivou a sua convicção com a afirmação de que a Ré estava convencida que o frigorífico fora pago parcialmente na constância da relação, no lugar de afirmar que ficou convencido que a Ré pagou efetivamente as prestações do frigorífico.
Mais argumenta que o Tribunal a quo admitiu que os pagamentos tiveram início em abril de 2016, o que é corroborado pelos declarações de parte do Autor e o depoimento da testemunha JL… e que a própria Ré não sabe se pagou prestações ou não, «fazendo uma presunção» nesse sentido, uma vez que o contrato de aquisição foi celebrado quando estavam juntos.
Conclui que, se o Tribunal a quo admitiu que o frigorífico começou a ser pago em abril de 2016, a ilação retirada da prova está errada, devendo antes dar-se como provado que este bem foi pago com capitais próprios do Autor, sem qualquer comparticipação da Ré.
Consta da motivação da decisão sobre a matéria de facto recorrida que:
«*A resposta à matéria de facto teve em consideração a matéria que já estava assente por acordo das partes, seja por admissão expressa, seja tacitamente por falta de impugnação do facto.
Quanto à restante, o Tribunal formou a sua convicção judiciária na escassa prova documental junta aos autos, nas declarações de parte e na prova testemunhal.
As partes, seja por dela não disporem, seja por terem entendido desnecessário, não juntaram prova documental que corroborasse as suas versões.
Na verdade, o autor referente aos bens indicados no artigo 5.° da petição inicial não juntou qualquer documento comprovativo da sua aquisição e do valor actual.
Tão pouco o fez relativamente aos bens que referiu ter adquirido em comum com a ré e que ficaram em casa desta aquando do término da relação.
Juntou somente o contrato de cartão de crédito Santander Consumer MediaMarkt que subscreveu com a data de 30.08.2014, com o qual, ao que nos é dado a analisar, adquiriu, com recurso a crédito, o combinado Inox LG pelo preço de €499,00 a que acresceu €19,00 para entrega do frigorífico em casa no dia 29.08.2014, no total de €518,00 e ainda um computador Toshiba no valor de €799,00 que foi entregue em 28.08.2014.
Não se percebe o porquê da discrepância dos dias de encomenda e entrega dos bens e a subscrição do contrato de cartão de crédito que possibilitou a aquisição daqueles. Contudo, tanto o autor como a ré estão de acordo que esse cartão foi usado para recorrerem ao crédito para aquisição dos aludidos bens, pelo que não perderemos mais tempo com essa questão.
No entanto, não obstante o autor declarar durante a sua audição que apenas começou a pagar o referido crédito em 2016 [referindo a sua mandatária o mês de Abril de 2016 quando usou das instâncias para pedir esclarecimentos à ré], a verdade é que o autor não juntou aos autos qualquer prova documental que comprovassem a realização de acordo com a financeira para iniciar os pagamentos do crédito em 2016, mormente em Abril de 2016. Ora, é certo que o autor invocou um lapso da financeira que não debitou as prestações na conta dele, não deixa de ser estranho que entre 30.09.2014 (ou mesmo final de ano de 2014) até Janeiro de 2016 a financeira não tenha dado conta e, segundo referido na sala de audiências – pela mandatária do autor – a financeira tenha comunicado o incumprimento ao Banco de Portugal.
A ré ouvida a essa matéria, está convencida que o crédito foi parcialmente pago durante a relação que teve com o autor e em conjunto, com o dinheiro de ambos. Disse no entanto a ré que inicialmente o débito bancário era para ser efectuado para a sua conta bancária, no entanto, como o cartão estava em nome do autor, logo o crédito, eles foram contactados para rectificarem a situação e das duas uma: ou o contrato passava para o nome da ré ou a autorização de débito da conta era emitida pelo autor, autorizando os débitos na sua conta bancária. Disse a ré que optaram pela segunda via, por ser a mais cómoda. Talvez o réu se tenha esquecido de comunicar à financeira essa autorização ou algum lapso que tenha ocorrido na indicação do débito, mas apenas desta forma se explica como a ré está convencida que o crédito foi sendo pago durante a relação e porque a financeira comunicou ao Banco de Portugal o incumprimento contratual do autor. Esta é, contudo, uma questão lateral, dado que o que importa ao caso, é que não obstante o crédito estar em nome do autor, este não produziu prova suficiente de que tenha sido apenas com os seus rendimentos que liquidou o aludido crédito, pelo que assumindo autor e ré que durante a relação pagavam os bens em conjunto, usando indiscriminadamente a conta de um ou de outro, não se pode considerar que o frigorifico LG e o Toshiba sejam bens próprios do autor.
E, ainda que por mera hipótese, o autor tenha apenas iniciado os pagamentos em Abril de 2016, a verdade é que segundo a prova produzida – que foi no sentido que ambos pagavam tudo em conjunto como se de marido e mulher se tratassem – desde o início do contrato de crédito que a ré com os seus rendimentos contribuiu para amortização do mesmo (seja por depósitos, seja por pagar outros bens para a casa ou para a alimentação do casal – da mesma forma que o autor disse que contribuiu para a amortização do crédito para aquisição do Ford cujas prestações eram debitadas na conta bancária da ré, em que explicou os seus pagamentos com “ia depositando subsídio de férias ou de Natal e quando não punha dinheiro na conta era para gastos para casa”. Ora, aqui também dir-se-á que a ré, se não depositou na conta do autor, usou os seus rendimentos para gastos da casa durante o período que era expectável que o contrato de crédito fosse cumprido (de Setembro de 2014 a Janeiro de 2016) e que estiveram juntos. De resto, aparentemente o contrato de crédito foi por 30 meses sem juros (anotação aposta na factura do Toshiba) pelo que é natural que o contrato se tenha prolongado para lá do término da relação amorosa do autor com a ré.
Isto tudo para dizer, que ao contrário do que declarou o autor não fez prova suficiente de que o frigorifico e o Toshiba lhe pertençam em exclusividade por os ter adquirido apenas com rendimentos próprios.
(…) Os pontos 5. e 6. da resposta à matéria de facto resultaram da admissão de tais factos pela ré, que ouvida disse que tinha a máquina de lavar a roupa Beko em sua casa, explicando que ficou com ela porque o autor quando saiu de casa não a quis dizendo-lhe que a deixava ficar (dando a entender que o autor não mostrou interesse em levá-la com ele) e o frigorifico combinado explicou que ficou acordado que ela ficava com o frigorifico e ele levava o computador e outras coisas que tinham adquirido em conjunto (impressora e blu ray – quanto à impressora disse que não falaram sobre isso, mas ele levou-a – dando entender que estava subentendido que ele levava essas coisas e ela ficava com o frigorifico).
Esta versão da ré faz sentido, a maioria das vezes os unidos de facto acabam por dividir entre eles as coisas materiais que adquiriram durante a relação, dando “por equivalentes” umas e outras. Aqui, segundo o indicado preço do frigorifico (€499,00) e o valor da impressora multifunções e blu-ray, ambos no valor total de €500,00 admite-se como aceitável que aquando do término da relação tenham feito a tal divisão de coisas.
Daí a resposta positiva aos pontos 5.º, 6.º e 45. dos factos dados como provados.»
Apreciando:
Em sede de declarações de parte, o Autor afirmou que compraram o frigorífico LG e que, como houve um engano com o banco, esse frigorífico só começou a ser pago em abril de 2016, sendo certo que a união de facto cessou em janeiro do mesmo ano.
Por seu turno, nas suas declarações de parte, a Ré afirmou que, relativamente aos móveis, acordaram no sentido de a Ré ficar com o frigorífico LG e o televisor e o Autor com o sistema de som e o computador .
Relativamente aos pagamentos do frigorífico, tendo o contrato sido celebrado em agosto de 2014, estranha-se a versão do Autor no sentido de só começar a pagar em abril de 2016.
A testemunha JL… apenas sabia que o contrato de aquisição do frigorífico LG foi celebrado a crédito e que estava em nome do Autor.
Afirmou que o frigorífico estava a ser pago a prestações e que o Autor  teve um problema com a credora, que não fez os descontos das prestações do frigorífico, tendo de chegar a acordo para conseguir liquidar o pagamento.
A testemunha CM… referiu que o empréstimo foi contraído pelo Autor e pela Ré, tendo o pagamento sido iniciado pelo menos em 2015, dizendo «Se uma pessoa compra uma coisa não vai começar a pagar no ano seguinte!».
Destes depoimentos não se retira com a mínima segurança que as prestações do frigorífico só começaram a ser pagas pelo Autor depois da separação do casal. Aliás, o próprio reconhece que, por lapso, não juntou prova de quando é que o crédito relativo à aquisição do frigorífico LG começou a ser pago.
Com prova tão escassa, bem andou o Tribunal a quo ao não considerar provado que foi o Autor que adquiriu exclusivamente com dinheiro próprio o referido frigorífico.
Também não se vislumbra que haja um erro de julgamento quanto à prova do acordo relativo ao frigorífico, sendo tal facto plausível pelas razões invocadas na motivação da sentença e razoável face à existência de um filho menor do casal que sempre viveu naquela casa.
Termos em que se refuta a alegação do Apelante, remetendo para a bem fundada motivação do Tribunal recorrido.
Ponto 22 dos factos provados
22. Aquando da separação, o Autor e a Ré acordaram que o Autor ficaria com o veículo marca Ford, uma vez que é de 5 lugares e o mesmo tem 2 filhos e que a Ré ficaria com o veículo Peugeot que é de 2 lugares, pois a mesma tem um filho, em comum com o Autor.
O Apelante aponta que o Tribunal a quo, relativamente ao veículo Peugeot, considerou em sede de fundamentação de Direito que, como o Autor não demonstrou a propriedade em exclusivo do mesmo, improcede a sua restituição.
Argui que, se é certo não ter junto cópia do registo de propriedade, nunca esteve em causa saber em que nome é que o Peugeot se encontra inscrito.
Sustenta que a única questão controvertida era a de saber porque é que o Autor não assinou a declaração de venda do referido veículo para a Ré.
Argumenta que o enfoque está em saber quem é que pagou as prestações do empréstimo para aquisição do veículo e aí sim, há que analisar a prova produzida.
Mais argui que o Autor nunca admitiu ter feito um acordo de partilha com a Ré e nenhuma prova foi feita da existência de tal acordo, para além das declarações da própria Ré.
Por fim, afirma que sempre assumiu que a posse do veículo pela Ré era meramente temporária, até poder adquirir uma viatura própria, o que é comprovado pelo facto de não ter passado para o seu nome a declaração de venda do mesmo.
Mais uma vez o Apelante foi pouco rigoroso nas suas conclusões de recurso, abordando a questão da propriedade do Peugeot no segmento relativo ao Direito, mas acabando por concluir pelo erro de julgamento na apreciação dos factos.
Ora, ainda que a questão jurídica relativa à presunção registal deva ser analisada em sede de enquadramento jurídico, podemos considerar impugnado o ponto 22 dos factos provados, ao abrigo dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil.
Lê-se na motivação da decisão sobre a matéria de facto recorrida que:
«Quanto à divisão dos veículos, Peugeot e Ford, o autor negou que tivesse existido esse acordo e reclama a propriedade do Peugeot, contudo, apesar da propriedade do veículo estar registado em seu nome tanto as prestações de um veículo e de outro foram pagos pelas duas partes, atendendo ao sistema peculiar de contribuição para aquisição de bens que ambos adoptaram durante a relação que tiveram. É pois irrelevante que a propriedade do veículo esteja registada em nome do autor, na medida em que ambos contribuíram com os seus rendimentos (em proporção não apurada) para amortização de ambos empréstimos para aquisição dos veículos.
As testemunhas ouvidas, nada sabiam por conhecimento directo sobre o acordo que foi estabelecido entre autor e ré na distribuição dos veículos, sabendo as testemunhas JR…, LS…, CMa… e IM… o que lhes foi dito pela ré e que coincide com a versão que a mesma contou ao tribunal e que fez constar na contestação. Mais uma vez, a versão dada é coerente com o que era praticado pelas partes: se ambos contribuíram para amortização dos empréstimos e se um tem dois filhos e o outro apenas um, é razoável que o que tem dois filhos fique com o carro de cinco lugares e o outro que só tem um que fique com o de dois lugares, desde logo porque o veículo que era da ré, também Peugeot, foi dado de retoma para amortização do empréstimo para amortização do empréstimo para aquisição do Ford e para reparação do Peugeot.»
Consta da fundamentação de Direito o seguinte:
«Quanto aos bens móveis sujeitos a registo, é inequívoco que a inscrição no registo da aquisição em nome do reivindicante faz presumir que o direito registado lhe pertence – art 7º do Código de Registo Predial – e, quem tem a seu favor presunção legal, escusa de provar o facto que a ela conduz – art 350º/1 Código Civil.
Como é sabido, de acordo com o art 7º do Código de Registo Predial o registo definitivo faz presumir a existência do direito e a sua pertença ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Contudo, no caso em apreço o autor nem sequer juntou aos autos a certidão de matrícula do Peugeot com a matrícula …-BC-… para ter a seu favor a presunção da propriedade
Apreciando:
Da análise das alegações de recurso, não se pode retirar quais os elementos probatórios que apontam para uma decisão diversa da proferida.
As considerações jurídicas tecidas pelo Apelante não suprem os ónus que lhe incumbiam em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Não existe uniformidade na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no que toca à interpretação do ónus previsto na alínea b) do n.º 2 do citado artigo 640.º do CPC.
Assim, no sentido de uma interpretação mais literal, foram proferidas, designadamente, as seguintes decisões:
- Não cumpre o ónus do artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, o recorrente que, nas alegações de apelação, invoca diversos depoimentos testemunhais, cujo teor, hora de início e termo da gravação transcreve, mas não indica com exatidão as passagens da gravação em que o recurso se funda (acórdão do STJ de 17.11.2015, p. 2443/09.5TBCLD.L1.S1, Sumários, in www.stj.pt);
- Não cumpre o disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, o recorrente que, na impugnação da matéria de facto, se limite a juntar a transcrição de todos os depoimentos prestados e a indicar o início e o fim de cada uma delas, ao invés de identificar com exatidão das passagens dos vários depoimentos fundamentadoras das alterações pretendidas (acórdão do STJ de 17.3.2016, p. 407/10.5T2AND.C1.S1, Sumários, in www.stj.pt).
Apelando aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, numa interpretação mais ampla da norma, tem vingado uma tese de «interpretação minimalista» da norma.
A título de exemplo, o acórdão do STJ de 19.1.2016 (p. 409/12.7TCGMR.G1.S1, Sumários, in www.stj.pt) pronunciou-se no sentido de que «No que respeita ao requisito previsto no n.º 2, alínea a) do artigo 640.º, apesar da letra do preceito, justifica-se alguma maleabilidade na aplicação da cominação, em função das especificidades do caso, com relevo, nomeadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão
Ainda que nos aproximemos mais desta segunda tese, não podemos olvidar que o Apelante não cumpriu sequer «os mínimos», não indicando rigorosamente nenhuma passagem das declarações de parte ou dos depoimentos das testemunhas, nem tendo feito referência a qualquer segmento da gravação.
Ora, tornear por completo a imposição legal do preceito em análise constituiria uma inadmissível interpretação corretiva ou ab-rogante, sem correspondência com o texto da lei e o espírito da norma, não justificada por qualquer contradição insanável com outro preceito legal. Traduzir-se-ia ainda na impossibilidade de sindicar o erro de valoração da prova.
Assim, quanto a este ponto 22, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto, tendo em consideração o citado artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Enquadramento jurídico
a) A única questão jurídica a apreciar em sede de recurso é saber se existe erro de julgamento quanto à decisão relativa à propriedade do veículo da marca Peugeot.
O Apelante sustenta que, se é verdade que o registo cria uma presunção de que o direito registado existe na titularidade do sujeito que consta do registo, no caso em apreço a propriedade do veículo nunca esteve em causa, no sentido de se saber em que nome é que o Peugeot se encontra inscrito, pelo que o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação dos artigos 7.º do Código do Registo Predial e 350.º, n.º 1, do Código Civil.
Mais argui que, estando sobjamente provado que o Recorrente é o proprietário do veículo, deixando-o na posse de um terceiro, há uma violação do seu direito de propriedade, enriquecendo injustificadamente a Ré, em claro desrespeito do disposto no artigo 1305.º do Código Civil.
Conclui que não tem razão o Tribunal a quo em julgar não provada a titularidade do veículo Peugeot, uma vez que tal questão nunca se colocou e foi consensual desde os primeiros articulados.
No que concerne ao pagamento a prestações do empréstimo para aquisição do veículo, afirma que a conclusão no sentido de o mesmo também pertencer à Ré porque terá participado no pagamento das respetivas prestações,afronta o disposto no artigo 36.º, n.º 1, da CRP, que apenas reconheceu aos cidadãos o direito de constituírem família independentemente do casamento, atribuindo à união de facto alguns efeitos jurídicos, sem contudo a equiparar à figura jurídica do casamento.
Remata que o casamento e a união de facto são situações diferentes, pois os casados assumem o compromisso de vida em comum, enquanto os membros da união de facto não assumem, porque não querem ou não podem assumir esse compromisso.
Termina pedindo a revogação da sentença com a consequente restituição do veículo ao Recorrente.
b) Neste particular, lê-se na sentença recorrida que:
«O autor com a presente acção reivindica a propriedade dos bens que identificou no artigo 5.° da petição e por alegar que estão em posse da ré sem o seu consentimento, exige a condenação desta na sua restituição.
A ré defendeu-se alegando em suma que os bens próprios do autor este levou-os com ele quando saiu da sua casa e os que lá permaneceram são da propriedade dela ou por acordo entre ambos ficaram na posse dela.
Como é sabido, sendo esta uma acção de reivindicação de propriedade, pressupõe-se uma situação material incompatível com o direito, que decorre da circunstância da coisa se encontrar, não na posse do seu proprietário, ou de quem a detenha com permissão deste, mas na de terceiro, sendo, pois, proposta pelo proprietário não possuidor, contra o detentor ou possuidor, não proprietário.
O pedido próprio desta acção é o do reconhecimento judicial da propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e a consequente restituição do que lhe pertence. A causa de pedir designa-se pelo “facto jurídico de que deriva o direito real” (artigo 581.º, 4, do Código de Processo Civil). Sendo que ao autor competirá provar esse facto jurídico e ainda que as coisas, da sua propriedade, estão na posse de terceiro (aqui ré) sem o seu consentimento (são estes os factos constitutivos do direito do autor – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Consequentemente, no que diz respeito à propriedade, a causa de pedir hão-de ser os factos concretos de que decorreu a aquisição pelo reivindicante do domínio sobre a coisa.
Ora o direito de propriedade adquire-se por contrato, por sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei – cfr art 1316º Código Civil .
Quanto aos bens móveis sujeitos a registo, é inequívoco que a inscrição no registo da aquisição em nome do reivindicante faz presumir que o direito registado lhe pertence – art 7º do Código de Registo Predial – e, quem tem a seu favor presunção legal, escusa de provar o facto que a ela conduz – art 350º/1 Código Civil.
Como é sabido, de acordo com o art 7º do Código de Registo Predial o registo definitivo faz presumir a existência do direito e a sua pertença ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Contudo, no caso em apreço o autor nem sequer juntou aos autos a certidão de matrícula do Peugeot com a matrícula …-BC-… para ter a seu favor a presunção da propriedade.
Por outro lado, da matéria de facto resulta que o autor e ré tiveram um relacionamento amoroso que durou sete anos, tendo vivido em união de facto na casa da ré, tendo esta contribuído, em proporção que se desconhece, com os seus rendimentos conjuntamente com os rendimentos do autor para aquisição do veículo automóvel mediante pagamento das diversas prestações para amortização daquele empréstimo.
Por outro lado, o veículo automóvel foi usado por um e por outro indistintamente, sendo que resultou provado que aquando da separação o autor e a ré acordaram que o autor ficaria com o veículo marca Ford, uma vez que é de 5 lugares e o mesmo tem 2 filhos e que a ré ficaria com o veículo Peugeot que é de 2 lugares, pois a mesma tem um filho, em comum com o autor.
Da circunstância do autor não ter conseguido demonstrar que adquiriu o veículo automóvel exclusivamente com rendimentos próprios (seja antes da relação com a ré seja durante a relação), ou que tinha amortizado o empréstimo contraído com a financeira antes do início da relação com a ré, face à contribuição indiscriminada de ambos, do autor e da ré, para as despesas e encargos que cada um ou conjunto contraíam, não se pode concluir, tout court, que o veículo é da propriedade exclusiva do autor
c)  Estamos perante uma ação de reivindicação, tal como é definida no artigo 1311.º do Código Civil, segundo o qual o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade (ou outro) e a consequente restituição do que lhe pertence.
Quanto à questão da prova do direito de propriedade na ação de reivindicação, a jurisprudência maioritária tem-se pronunciado no sentido de que cabe ao demandante a prova daquele direito, a qual terá de ser feita através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou por qualquer dos antepossuidores. Quando a aquisição for derivada, têm de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade, como a que resulta da posse ou do registo (artigos 1268.º do Código Civil e 7.º do Código de Registo Predial) - cf., a título exemplificativo, o acórdão do TRL de 21.6.2012 (p. 7213/11.8TBOER.L1-2) e o acórdão do TRC de 14.1.2014 (p. 224/12.8TBCTB-C.C1), ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt
Quanto aos bens móveis sujeitos a registo, como os veículos automóveis, de acordo com o artigo 7.º do Código de Registo Predial, ex vi do artigo 29.º do Código do Registo da Propriedade Automóvel, o registo definitivo faz presumir a existência do direito e a sua pertença ao titular inscrito.
O registo não surte eficácia constitutiva, pois destina-se a dar publicidade ao ato registado, funcionando como mera presunção ilidível (presunção juris tantum) da existência do direito (artigos 1.º, n.º 1, e 7.º do Código do Registo Predial e 350.º, n.º 2, do Código Civil), bem como da respetiva titularidade.
Acresce que o contrato de compra e venda de veículo automóvel é meramente consensual (artigo 219.º do Código Civil) e quoad effectum (artigos 408.º e 874.º, alínea a), do mesmo diploma), sendo a obrigatoriedade do registo declarativa ou funcional.
Compulsada a factualidade apurada, sob o ponto 20 dos factos provados, ficou provado que «O veículo Peugeot a que o autor faz referência na sua p.i. foi adquirido pelo mesmo antes de se juntar com a ré, em data não concretamente apurada.»
Da análise conjugada dos artigos 5.º, l), e 7.º da petição inicial com o artigo 22.º da contestação, retira-se que esta factualidade está provada por acordo das partes, ao abrigo dos artigos 574.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC.
Na verdade, no artigo 22.º da sua contestação, a Ré admitia que «O veículo Peugeot a que o A faz referência na sua p.i. foi adquirido pelo mesmo apenas cerca de 6 meses antes de se juntar com a R (…).»
Do exposto ressalta que assiste razão ao Apelante quando afirma que a aquisição da propriedade do Peugeot em data anterior à vida em comum com a Ré está assente entre as partes.
Cumpre, pois, ponderar se, mesmo sem a certidão comprovativa da incrição no registo do veículo automóvel, tal documento seria desnecessário uma vez que ambas as partes admitem o direito de propriedade àquela data.
Na verdade, ou o Autor juntava tal documento, beneficiando da presunção registal, ou teria de demonstrar a aquisição originária do veículo ou toda a corrente do trato sucessivo na sequência de eventuais aquisições derivadas.
Entendemos que tal não seria necessário.
Neste sentido, respigamos aqui as palavras do acórdão do STJ de 9.11.2017 (p. 1964/14.2TCLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt), ainda que a propósito de um bem não sujeito a registo, assim sumariado:
«I - Segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, nas ações reais - maxime na ação de reivindicação prevista no artigo 1311.º do CC -, a pretensão  não se poderá fundar exclusivamente na invocação de um título de aquisição derivada do direito peticionado.
II. Nesse domínio, em consonância com a teoria da substanciação subjacente ao disposto no atual artigo 581.º, n.º 4, do CPC, torna-se necessário que o adquirente demonstre que o direito existia na esfera do alienante, alegando e provando os factos que consubstanciam a sua causa genética - usucapião, ocupação ou acessão.
III. Todavia, num caso em que ambas as partes admitem, inequivocamente, o direito de propriedade do transmitente que interveio no contrato de compra e venda alegado pelo autor, estando apenas questionada a celebração deste contrato, não se mostra exigível que o autor alegue e prove a aquisição originária, por via usucapião, daquele direito por parte do transmitente.
IV. A admissão pelas partes da existência desse direito de propriedade na esfera do transmitente reconduz-se a uma situação jurídica consolidada, face à qual restará provar a subsequente celebração do contrato de compra e venda com o autor
Sem embargo, mesmo considerando que o Autor era o proprietário do referido veículo, também não se pode escamotear o acordo de partilha provado sob o ponto 22 da decisão sobre a matéria de facto.
Assim, ficou demonstrado que, aquando da separação, o Autor e a Ré acordaram que o Autor ficaria com o veículo da marca Ford, uma vez que é de cinco lugares e o mesmo tem dois filhos e que a Ré ficaria com o veículo Peugeot, que é de dois lugares, pois esta tem um filho, em comum com o Autor.
Como decorre da matéria de facto provada, Autor e Ré tiveram um relacionamento amoroso que durou sete anos, tendo vivido em união de facto na casa da Ré (pontos 1 a 3 dos factos provados).
A união de facto só tem os efeitos que a lei lhe atribuir, entre os quais os previstos na Lei n.º 7/2001, de 11.5, não sendo legítimo estender-lhe as disposições referentes ao casamento.
Finda a união de facto, não tem aplicação o disposto nos artigos 1688.º  e 1689.º do Código Civil, pois não há bens comuns sujeitos a partilha, ao contrário do que sucede com o casamento.
Deste modo, as regras a aplicar serão as que eventualmente tenham sido acordadas e, na sua falta, o direito comum das relações obrigacionais e reais.
Poderá haver lugar à liquidação do património do ex-casal unido de facto segundo os princípios das sociedades de facto quando se verifiquem os respetivos pressupostos; e admite-se que a partilha do património adquirido pelos unidos de facto se possa efetuar através duma ação em que um dos membros da ex-união que se considere empobrecido peça a condenação do outro a reembolsá-lo com fundamento no enriquecimento sem causa (cf.acórdão do TRP e 13.6.2018, p. 658/15.6T8GDM.P1, in www.dgsi).
Na situação em apreço, ficou demonstrada a celebração de um acordo de partilha relativamente aos veículos automóveis Ford e Peugeot, livremente acordado entre as partes, ao abrigo do artigo 405.º do Código Civil. Ressalta desse acordo que a propriedade do veículo Peugeot se transmitiu para a Ré por mero efeito do contrato (cf. artigo 408.º do Código Civil).
É certo que, como decorre do facto provado sob o ponto 26 da facturalidade provada, não foi assinada a declaração de venda por forma a permitir a transferência da propriedade do veículo Peugeot para a Ré.
Porém, como é sabido, um contrato que envolva a transmissão da propriedade de um veículo é consensual (artigo 219.º do Código Civil).
Logo, não estando demonstrada a propriedade atual do veículo Peugeot a favor do Autor, improcede também esta alegação do Recorrente.
Do sentido da decisão do recurso e da responsabilidade quanto a custas
Em face do exposto, a apelação deve improceder na sua totalidade, confirmando-se a sentença recorrida.
Vencido o Recorrente, as custas do recurso são da sua responsabilidade, em conformidade com os artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
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IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Mais se decide condenar o Apelante nas custas do recurso.
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Lisboa, 21 de maio de 2020
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira