Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1827/18.2T8ALM-B.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: PERSI
PRETERIÇÃO DO DEVEDOR
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
SOCIEDADE DE TITULARIZAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - A preterição de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjectivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, com as adaptações que se revelem necessárias pelo regime jurídico das excepções dilatórias.
2 – As excepções dilatórias, nominadas ou inominadas, salvo as excepções contempladas no artigo 578º do Código de Processo Civil, são de conhecimento oficioso.
3 - A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, não está sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573º, n.º 2, in fine do Código de Processo Civil, não está abrangida pelo princípio da preclusão.
4 – As sociedades de titularização de créditos não são instituições de crédito, sendo reguladas pelo regime do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro e não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
5 – A verificação dos pressupostos para a integração do devedor no PERSI ocorrida em momento posterior à cessão de créditos pela entidade mutuante para uma sociedade de titularização de créditos não é oponível à cessionária.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A [ …. FINANCE, STC, S.A.] , com sede na …. Lisboa apresentou requerimento executivo, com data de 13 de Março de 2018, que deu origem aos autos de execução n.º 1827/18.2T8ALM para pagamento de quantia certa contra B [ JOSÉ ….] e C [ SÓNIA ….], residentes …, Amora, Seixal, com base em título executivo constituído por duas escrituras públicas: uma de compra e venda e mútuo com hipoteca, com data de 20 de Dezembro de 2006, mediante a qual adquiriram a Ana …. e Nuno ….a fracção autónoma designada pela letra “L”, segundo andar direito, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua de Mansabá, n.º …., Praceta de Canquelifá, n.º …., na Cruz de Pau, freguesia da Amora, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o n.º 04261 mediante o preço de noventa mil euros, para o que solicitaram junto da GE Consumer Finance, I.F.I.C. – Instituição Financeira de Crédito, S. A. um empréstimo nesse valor e constituíram a favor desta, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e dos respectivos juros, uma hipoteca sobre o imóvel identificado; e outra de mútuo com hipoteca, da mesma data, mediante a qual a GE Consumer Finance, I.F.I.C. – Instituição Financeira de Crédito, S. A. concedeu aos aqui executados um empréstimo para fins diversos, no montante de € 4 831,30, valor nessa data entregue aos mutuários, constituindo hipoteca sobre a fracção identificada para garantia do seu pagamento; os executados deixaram de pagar as prestações dos referidos contratos em 4 de Abril de 2016, o que conduziu a que toda a dívida fosse considerada vencida, estando em dívida, quanto ao primeiro contrato, o montante total de € 74 901,81 e quanto ao segundo, o valor de € 4 125,53 (cf. Ref. Elect. 18248687 do processo principal).
Com data de 17 de Abril de 2018 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre a fracção autónoma acima identificada (cf. Ref. Elect. 18667916 dos autos de execução).
Em 26 de Abril de 2018 foi citada a executada C (cf. Ref. Elect. 18906974).
Em 25 de Setembro de 2018 procedeu-se à citação edital do executado e em 6 de Dezembro de 2018 foi citado o Ministério Público (cf. Ref. Elect. 20433945 e 382092226).
Em 16 de Maio de 2018, a executada C deduziu oposição à execução mediante embargos de executado impugnando o número de prestações que se encontram em dívida e convocando o facto de ter ido residir e trabalhar em Angola, com proibição de saída de divisas desse país, o que dificultou o pagamento das prestações, situação que foi comunicada à exequente; mais alegou que continuou a pagar as prestações e que não foi notificada para proceder ao pagamento da dívida em determinado prazo, sob pena de se considerarem vencidas todas as prestações, pelo que a exequente age em abuso de direito e a execução deve ser julgada improcedente (cf. Ref. Elect. 19016160 dos embargos de executado, apenso A).
Citados os credores, em 13 de Janeiro de 2020 a agente de execução notificou a exequente e os executados a fim de que se pronunciassem sobre o valor a atribuir ao bem penhorado e a modalidade de venda pretendida (cf. Ref. Elect. 25182604, 25182652 e 25182704).
Em 17 de Janeiro de 2020, a executada [ SÓNIA … ] dirigiu aos autos de execução um requerimento em que solicitou a extinção da execução, com fundamento na circunstância de estar em causa um crédito contraído para aquisição de habitação, tendo ocorrido uma situação de incumprimento que originou a instauração do processo executivo, o que teve lugar sem que previamente tenha sido cumprido pela exequente o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento[1], instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro; estando as instituições de crédito obrigadas a integrar os clientes bancários em incumprimento no PERSI, o que não se verificou, estava a exequente impedida de resolver o contrato e de intentar acções judiciais, tendo em vista a satisfação do seu crédito, ocorrendo uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que implica a absolvição da executada da instância (cf. Ref. Elect. 25243107).
Em 27 de Janeiro de 2020, o executado B juntou procuração forense aos autos e deduziu um requerimento em que solicita, de igual modo, a extinção da instância executiva aduzindo os exactos fundamentos invocados pela co-executada (cf. Ref. Elect. 25329547).
Em 31 de Janeiro de 2020, a exequente pronunciou-se sobre tais requerimentos solicitando o seu desentranhamento com base no facto de estarem em causa fundamentos de oposição à execução, tendo sido já deduzidos embargos de executado pela executada C, em que tal questão não foi suscitada, sendo certo que o prazo para a dedução de oposição já transcorreu por inteiro (cf. Ref. Elect. 25391477).
Em 24 de Fevereiro de 2020 foi proferido o seguinte despacho:
“O meio próprio para deduzir oposição à execução é através de embargos de executado (nos termos dos artigos 728º ou 856º do NCPC), mediante o pagamento da respectiva taxa de justiça, e não através de simples requerimento ao processo.
Caso os executados não tenham possibilidades de proceder ao pagamento das taxas e/ou contratar advogado para o efeito, podem solicitar benefício de apoio judiciário junto da Segurança Social, desde que o façam dentro dos respectivos prazos constantes da citação. Salienta-se que, quanto à executada Sónia, a mesma já deduziu embargos de executado onde a excepção referida não foi alegada, não podendo agora usar deste meio para aditar argumentos que não foram atempadamente usados na sua defesa.
Os fundamentos que os executados carreiam para os autos traduzem-se em factos passíveis de apreciação apenas em sede de embargos de executado, pelo que os requerimentos são legalmente inadmissíveis.
Pelo exposto, indefiro ao requerido.
Custas do incidente pelos Executados, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC para cada um (artº 7º e Tabela II do RCP).
Notifique.”
É desta decisão que o executado/recorrente [ JOSÉ … ] recorre, concluindo assim as respectivas alegações:
I. O Digníssimo Tribunal ad quo à pretensão do executado que requereu a extinção da execução por previamente ao processo judicial de execução, não ter a Exequente cumprindo e que a tal estava legalmente obrigada, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro;
II. No requerimento pelo qual o executado veio aos autos requer a extinção da instância por verificação de excepção dilatória inominada, fundamentou a sua pretensão com base aplicação do supra mencionado Decreto-Lei, indicando as normas aplicáveis ao caso, quer no que concerne ao já referido Decreto-Lei, quer as normas aplicáveis do C.P.C.
III. A excepção dilatória inominada que se invoca é configurada pela preterição do dever de integrar o devedor no regime do PERSI e de o informar da sua extinção, se tal fosse o caso. De salientar que ao caso, nem integrado foi, jamais poderia ser tal procedimento extinto.
IV. O Executado invocou a referida exceção na primeira intervenção processual que teve nos autos, logo após ter conhecimento da existência dos mesmos. O executado está ausente de Portugal há vários anos e não tinha conhecimento da existência da presente execução.
V. Todavia, e logo que tomou conhecimento a sua primeira intervenção processual nos autos, foi a invocação da mencionada excepção.
VI. Contudo, e mesmo que assim não fosse, tal excepção é invocável a todo o tempo, não se encontrando precludido o prazo para arguição da invocada excepção.
VII. Fundamenta a meritíssima juiz ad quo no seu despacho de indeferimento que os fundamentos que os Executados carrearam para os autos traduzem-se em factos passíveis de apreciação apenas em sede de embargos, considerando os requerimentos dos Executados, legalmente inadmissíveis e indefere;
VIII. Violando uma das garantias dos clientes bancários contemplados no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, é a proibição legal que consta do art.º 18.º n.º 1 al. b), de as instituições de crédito não poderem intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, no período compreendido entre a data da integração do cliente bancário no PERSI e a extinção desse procedimento;
IX. A norma do art.º 18.º n.º 1 al. b), do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro é imperativa;
X. A Exequente nunca integrou os Executados no PERSI, embora os mesmos estivessem no âmbito de aplicação do diploma que regula esse procedimento, que no seu art.º 2.º n.º 1 als. a) e b), o considera aplicável, designadamente aos contratos de crédito para aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente e contractos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
XI. I) A presente execução é fundada no facto de os Executados terem deixado de pagar à Exequente, instituição financeira, algumas prestações de dois contractos de mútuo que celebraram para aquisição de habitação própria e garantidos por duas hipotecas sobre o imóvel;
XII. O Decreto-Lei n.º 227/2012 iniciou a sua vigência em 1.º de janeiro de 2013 e o requerimento executivo entrou em Tribunal em 05.03.2018, estando os Executados/Apelantes por este abrangidos, nos termos do art.º 40.º do diploma;
XIII. Aquando da instauração da presente execução, a Exequente, instituição financeira, já era titular do crédito sobre os Executados, em virtude de o ter adquirido em 07.03.2016;
XIV. Quando os Executados entraram em mora no cumprimento das prestações dos contractos de mútuo, era obrigação da exequente a integração destes no instituto PERSI, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 12.º, 13.º e 14.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 227/2012;
XV. Como assim não foi feito, a Exequente desrespeitou a imperatividade constante do art.º 18.º n.º 1 al. b), do Decreto-Lei n.º 227/2012 e que se traduz numa condição objectiva de procedibilidade da própria execução, a invocação dessa excepção conduz à absolvição da instância;
XVI. Em processo executivo a falta de condição objectiva de procedibilidade não é sanável, atenta a natureza do próprio processo.
XVII. A execução não pode prosseguir sem a integração do cliente bancário no PERSI, uma vez que a sujeição do devedor ao PERSI se traduz numa condição objectiva de procedibilidade da execução, será de concluir, que estamos perante uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e como tal a sua invocação ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo por isso a última parte do art.º 573.º que descarta a aplicação do princípio da preclusão, como se salientou no mui douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.06.2018;
XVIII. Quanto às excepções dilatórias, estatui o art.º 578.º do C.P.C. que o Tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções dilatórias, salvo das que vêm expressamente elencadas nessa disposição legal, em nenhuma das quais se integra a excepção invocada pelo Executado e ora Apelante;
XIX. Todavia, o art.º 577.º do C.P.C., enumera exemplificativamente as excepções que são dilatórias, sendo que, poderão existir outras excepções dilatórias que não apenas as contidas na norma.
XX. A excepção invocada pelo Executado é dilatória inominada, de conhecimento oficioso e que pode ser deduzida depois da defesa, porquanto pode ser conhecida pelo próprio Tribunal, independentemente de invocação da parte;
XXI. Conforme dispõe o art.º 576.º n.º 2 do C.P.C., as excepções dilatórias obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância, solução que se impunha, no caso em apreço.
XXII. Ao ter decidido, em contradição às disposições legais invocadas pelo executado, a meritíssima juiz ad quo incorreu em erros de direito ou em erros de julgamento de direito;
XXIII. A unidade do sistema jurídico português consagra parâmetros normativos ou balizas pré estabelecidas que os Tribunais têm de respeitar para não colidirem, no exercício da função jurisdicional, na interpretação e aplicação do direito, com os direitos que assistem às partes, como seja, o de invocar a excepção dilatória inominada, de incumprimento de norma imperativa do art.º 18.º n.º 1 al b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, que constitui uma condição objectiva de procedibilidade da própria execução, no âmbito do exercício dos seus direitos fundamentais consagrados na C.R.P., como sejam, os artºs. 3.º, 18.º e 20.º n.ºs 1 e 5, pelo que, o Tribunal a quo incorreu na violação daquelas normas por ofensa a direitos fundamentais, por violação do imperativo ou tutela da protecção constitucional dos direitos fundamentais, maxime o da tutela jurisdicional efectiva;
XXIV. O Tribunal a quo violou ainda as normas dos artigos 2.º n.º 1 als. a) e b), 12.º, 13.º, 14.º n.º 1, 18.º n.º 1 al. b) e 40.º, todos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro e ainda, os art.ºs 576.º n.º 2, 577.º, 578.º e 573.º n.º 2 do C.P.C. e o art.º 9.º do Cód. Civil, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada.
Finda pedindo a revogação do despacho recorrido e que seja declarada a extinção da instância.
Recorreu também a executada/recorrente [ SÓNIA ... ] cujas alegações concluiu do seguinte modo:
A) O Digníssimo Tribunal não atendeu a este caso concreto e específico em que a Executada deduziu requerimento ao processo de execução a requerer a extinção da execução e sua consequente absolvição da instância executiva por previamente ao processo judicial de execução, não ter sido cumprido pela Exequente, que a tal estava legalmente obrigada, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro;
B) No requerimento, a Executada expressamente enunciou que requeria a extinção da execução, fundamentando no mesmo a aplicação do supra mencionado Decreto-Lei, indicando as normas aplicáveis ao caso, quer no que concerne ao referido Decreto-Lei, quer as normas aplicáveis do C.P.C., invocando tratar-se de uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 578.º do C.P.C.;
C) A exceção dilatória inominada em causa é configurada pela preterição do dever de integrar o devedor no PERSI e de o informar da sua extinção, se tal fosse o caso, sendo que no caso em apreço, nem sequer integrado tinha sido nesse procedimento;
D) A Executada invocou a referida exceção posteriormente à dedução de embargos de executado;
E) O Digníssimo Tribunal a quo veio a decidir que a Executada já havia deduzido embargos de executado onde a exceção referida não foi alegada, não podendo agora usar desse meio para aditar argumentos que não foram atempadamente usados na sua defesa, acrescentando que os fundamentos que os Executados carrearam para os autos traduzem-se em factos passíveis de apreciação apenas em sede de embargos, considerando os requerimentos dos Executados (da ora Apelante e do outro Executado), legalmente inadmissíveis e indeferiu o requerido;
F) Uma das garantias que é concedida aos clientes bancários contemplados no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, é a proibição legal que consta do art.º 18.º n.º 1 als. a) e b), de as instituições de crédito não poderem resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, nem intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, no período compreendido entre a data da integração do cliente bancário no PERSI e a extinção desse procedimento;
G) A norma do art.º 18.º n.º 1 al. b), do supracitado Decreto-Lei é imperativa;
H) A Exequente nunca integrou os Executados no PERSI, embora os mesmos estivessem no âmbito de aplicação do diploma que regula esse procedimento, que no seu art.º 2.º n.º 1 als. a) e b), o considera aplicável, designadamente aos contratos de crédito para aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente e contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
I) A execução em causa nos autos é fundada no facto de os Executados terem deixado de pagar à Exequente, instituição financeira, as prestações de dois contratos de mútuo que celebraram para aquisição de habitação própria e garantidos por duas hipotecas sobre o imóvel;
J) O Decreto-Lei n.º 227/2012 iniciou a sua vigência em 1.º de janeiro de 2013 e o requerimento executivo entrou em Tribunal em 05.03.2018, estando a Executada/Apelante pelo mesmo abrangida, nos termos do art.º 40.º do diploma;
K) Quando a execução foi instaurada, a Exequente, instituição financeira, já era titular do crédito sobre os Executados, em virtude de o ter adquirido em 07.03.2016, bem como de todos os direitos e garantias acessórias ligadas ao crédito, designadamente hipotecas, bem como adquiriu a posição da cedente, também com todos os seus deveres e obrigações, não só direitos;
L) A Exequente, quando os Executados entraram em mora no cumprimento das prestações dos contratos de mútuo, teria obrigatoriamente que os ter integrado no PERSI, nos termos dos art.ºs 12.º, 13.º e 14.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 227/2012 e não poderia proceder à resolução dos contratos nos termos do art.º 18.º n.º 1 al. a) do mencionado diploma, nem intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, nos termos do art.º 18.º n.º 1 al. b);
M) Como a Exequente não o fez, desrespeitando, designadamente, a imperatividade constante do art.º 18.º n.º 1 al. b), do Decreto-Lei n.º 227/2012 e que se traduz numa condição objetiva de procedibilidade da própria execução, a invocação dessa exceção conduz à absolvição da instância;
N) Numa execução, esta falta de condição objetiva de procedibilidade não é sanável, atenta a natureza do próprio processo em si;
O) A execução não pode prosseguir dado não ter existido a integração do cliente bancário no PERSI;
P) Uma vez que a sujeição do devedor ao PERSI se traduz numa condição objetiva de procedibilidade da execução, teremos que concluir, como se salientou no mui douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.06.2018, estarmos perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo por isso a última parte do art.º 573.º que descarta a aplicação do princípio da preclusão;
Q) No que tange ao conhecimento oficioso das exceções dilatórias, estatui o art.º 578.º do C.P.C. que o Tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo das que vêm expressamente elencadas nessa disposição legal, em nenhuma das quais se integra a exceção invocada pela Executada/Apelante, logo é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso;
R) Por seu turno, o art.º 577.º do C.P.C., enumera exemplificativamente as exceções que o legislador considera dilatórias, sendo que, poderão existir outras exceções dilatórias que não apenas as contidas na norma, conforme se pode apreender logo do início da referida disposição legal: «São dilatórias, entre outras, as exceções seguintes (…)»;
S) A exceção invocada pela Executada/Apelante é uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e que pode ser deduzida depois da defesa, porquanto pode ser conhecida pelo próprio Tribunal, independentemente de invocação da parte;
T) Nos termos do art.º 576.º n.º 2 do C.P.C., as exceções dilatórias obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância, solução que se impunha, salvo o devido respeito e melhor opinião, que o Tribunal a quo assim tivesse decidido, absolvendo a Executada/Apelante da instância;
U) Ao ter decidido, que os fundamentos que os Executados carrearam para os autos, apenas poderiam ter sido apreciados em sede de embargos e que não o tendo sido são legalmente inadmissíveis, tendo indeferido o requerido, incorreu o Tribunal a quo em erros de direito ou em erros de julgamento de direito;
V) A unidade do sistema jurídico português consagra parâmetros normativos ou balizas pré estabelecidas que os Tribunais têm de respeitar para não colidirem, no exercício da função jurisdicional, na interpretação e aplicação do direito, com os direitos que assistem à Executada/Apelante, como seja, o de poder invocar a exceção dilatória inominada, de incumprimento de norma imperativa do art.º 18.º n.º 1 al b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, que constitui uma condição objetiva de procedibilidade da própria execução, no âmbito do exercício dos seus direitos fundamentais consagrados na C.R.P., como sejam, os artºs. 3.º, 18.º e 20.º n.ºs 1 e 5, pelo que, o Tribunal a quo incorreu na violação daquelas normas por ofensa a direitos fundamentais, por violação do imperativo ou tutela da protecção constitucional dos direitos fundamentais, maxime o da tutela jurisdicional efetiva;
W) O Tribunal a quo violou ainda as normas dos artigos 2.º n.º 1 als. a) e b), 12.º, 13.º, 14.º n.º 1, 18.º n.º 1 al. a) e b) e n.º 3 e 40.º, todos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro e ainda, os art.ºs 576.º n.º 2, 577.º, 578.º e 573.º n.º 2 do C.P.C., o art.º 9.º do Cód. Civil, bem como os art.ºs 3.º, 18.º e 20.º n.ºs 1 e 5 da Lei Fundamental, C.R.P., pelo que a decisão recorrida deve ser revogada.
Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida.
A exequente/recorrida não apresentou contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[2], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação dos executados/recorrentes há que apreciar se a excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração no PERSI pode ser suscitada, a qualquer momento, no processo executivo, sendo de conhecimento oficioso e, em caso afirmativo, analisar se estão reunidos os pressupostos para a sua verificação neste caso.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e ainda o seguinte, que emerge dos documentos juntos e posição das partes vertida nos autos:
1. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, lavradas a folhas 133 a 135 verso do Livro n.º 97-A das notas do Cartório Notarial do Notário Carlos Barradas, com data de 20 de Dezembro de 2006, B e C adquiriram a Ana ….. e Nuno …… a fracção autónoma designada pela letra “L”, segundo andar direito, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua de Mansabá, n.º …, Praceta de Canquelifá, n.º…., na Cruz de Pau, freguesia da Amora, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o n.º 04261, que destinam à sua habitação própria permanente, pelo preço de noventa mil euros, para o que solicitaram junto da GE Consumer Finance, I.F.I.C. – Instituição Financeira de Crédito, S. A. um empréstimo nesse valor, pelo prazo de trinta e um anos, vencendo-se as prestações de reembolso de capital e pagamento de juros com a data-valor de dia 4 de cada mês, devendo o empréstimo ser amortizado em 372 prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, para cuja garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e dos respectivos juros, constituíram a favor daquela uma hipoteca sobre o imóvel identificado (cf. escritura junta com o requerimento executivo e respectivo documento complementar – Ref. Elect. 18248687).
2. Por escritura pública de mútuo com hipoteca, lavradas a folhas 136 a 138 do Livro n.º 97-A das notas do Cartório Notarial do Notário Carlos Barradas, com data de 20 de Dezembro de 2006, a GE Consumer Finance, I.F.I.C. – Instituição Financeira de Crédito, S. A. declarou conceder a B e C um empréstimo destinado a fins diversos, no montante de € 4 831,30, valor nessa data entregue aos mutuários, de que se confessaram devedores, pelo prazo de trinta e um anos, vencendo-se as prestações de reembolso de capital e pagamento de juros com a data-valor de dia 4 de cada mês, devendo o empréstimo ser amortizado em 372 prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, para cuja garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e dos respectivos juros, constituíram hipoteca sobre a fracção identificada em 1. (cf. escritura junta com o requerimento executivo e respectivo documento complementar – Ref. Elect. 18248687).
3. Com data de 14 de Junho de 2016, a General Electric Money Financial Services, S. L. (Sociedad Unipersonal) [a quem a GE Consumer Finance, S. A. havia vendido os créditos exequendos], como vendedor, a Sagasta Finance – STC, S.A., como comprador e a Arbor Investments, S.A.R.L. subscreveram um documento intitulado “Certificado de Conclusão” mediante o qual, considerando ter sido celebrado entre esta última e o vendedor um contrato de compra e venda relativo a uma carteira de créditos hipotecários em vigor e vencidos, incumbindo à primeira designar o comprador para assumir a posição de comprador ao abrigo desse contrato, cuja conclusão estava dependente de várias condições, entretanto verificadas, as partes declararam pretender confirmar a conclusão, assim como a venda e transmissão da carteira, pelo que a Arbor cede a sua posição contratual nesse contrato ao aqui comprador, que aceita os direitos e obrigações da Arbor dele decorrentes, pelo preço de compra bruto final de € 36 256 534,00, sendo que a operação de venda e transmissão da carteira é realizada nessa data, ficando o comprador responsável por enviar as notificações de transmissão de créditos (cf. documento n.º 1 junto com o requerimento executivo – Ref. Elect. 18248687).
4. A cessão de créditos referida em 4., onde se inclui o crédito emergente dos contratos referidos em 1. e 2., incluiu a transmissão de todos os direitos e garantias acessórios, designadamente hipotecas constituídas para sua garantia, tendo sido comunicada aos executados.
5. A transmissão do crédito e garantia foi averbada na descrição da fracção junto da Conservatória do Registo Predial de Amora, conforme Averb. – Ap. 693 de 2016/11/17 da Apresent. 45 de 2006/12/07 – Hipoteca voluntária – Montante máximo assegurado: 123 300,00 euros e Ap. 694 de 2016/11/17 da Apresent. 46 de 2006/12/07 – Hipoteca voluntária - Montante máximo assegurado: 6 618,88 euros (cf. certidão do registo predial junta com o requerimento executivo – Ref. Elect. 18248687).
6. Quando os executados entraram em mora no cumprimento das prestações de reembolso, a ora exequente era já titular do crédito exequendo.
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Do conhecimento oficioso da excepção de falta de integração dos executados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento
Os recorrentes insurgem-se contra o despacho proferido em 24 de Fevereiro de 2020 através do qual o tribunal recorrido indeferiu a solicitada extinção da instância baseada na falta de integração dos devedores mutuários no PERSI, enquanto condição de procedibilidade da acção executiva, considerando que tal fundamento apenas era passível de apreciação em sede de embargos de executado e que os requerimentos deduzidos eram inadmissíveis, para o que defendem que está em causa uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, pelo que nada obstava à sua apreciação na própria execução e no momento em que foi invocada.
No dia 1 de Janeiro de 2013 entrou em vigor o DL 227/2012, de 25 de Outubro.
No preâmbulo do DL 227/2012, de 25 de Outubro consta que tal diploma visa “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”, sendo que no âmbito do PERSI “as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”.
O preâmbulo do referido diploma legal dá conta das razões subjacentes à consagração do regime ali estabelecido, convocando o contexto de degradação das condições económicas e financeiras sentido em diversos países, com um aumento significativo no incumprimento dos contratos de crédito, o que determinou a criação de um sistema de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, bem como o desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.
O DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações, consignando-se ainda no seu preâmbulo que se pretendeu “estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
Como concretização de tais medidas, além de prever que cada instituição de crédito crie um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), foi instituído “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
O citado diploma visou, assim, “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”.
As medidas e procedimentos criados pelo mencionado diploma legal destinam-se, pois, a prevenir e regular o incumprimento dos contratos de crédito ou, em último caso, regularizar, extrajudicialmente, as situações de incumprimento por parte do consumidor, obviando ao accionamento de determinadas cláusulas dos contratos de crédito. Parte-se do pressuposto que a resolução das situações de incumprimento deve realizar-se, preferencialmente, fora do contexto judicial, através da negociação entre a instituição de crédito e o cliente bancário, sendo que o PERSI tem em vista a definição de um quadro harmonizado para a negociação, entre as Instituições Creditícias e os seus clientes, de soluções para a recuperação de créditos em incumprimento – cf. art 12.º do Dl 227/2012, de 25 de Outubro.
Compete, pois, às instituições de crédito, nos termos do art. 12º do DL 227/2012, promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, começando por, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, informar o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento – cf. art.º 13.º.
Se o incumprimento persistir, o cliente é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cf. art.º 14º), após o que se segue a fase de avaliação e proposta, a que se reporta o art.º 15º do DL 227/2012, de 25-10 e a fase da negociação (art.º 16.º).
São causas de extinção do PERSI: o pagamento integral, o acordo entre as partes para regularização da situação de incumprimento, o decurso do prazo de noventa dias subsequentes à data de integração do cliente bancário neste procedimento (salvo acordo escrito no sentido da sua prorrogação) e a declaração de insolvência do cliente bancário – cf. art.º 17.º, n.º 1 do DL 227/2012.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-02-2017, relatora Fernanda Isabel Pereira, processo n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt[3] encontra-se uma síntese esclarecedora do regime instituído:
“O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (artigos 14º, 15º e 16º).
Na fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa (artigos 13º e 14º nº 1).
Na fase de avaliação e proposta, a instituição de crédito procede à avaliação da situação financeira do cliente para apurar se o incumprimento é momentâneo ou tem carácter duradouro. Findas as diligências, apresenta ao cliente uma ou mais propostas de regularização do crédito adequadas à sua situação financeira e necessidades, se considerar que o mesmo tem condições para cumprir. Se a averiguação feita tiver revelado incapacidade do cliente bancário para retomar o cumprimento das suas obrigações ou regularizar o incumprimento, mesmo com recurso à renegociação do contrato ou à sua consolidação com outros contratos de crédito, comunica ao cliente o resultado da avaliação e a inviabilidade de obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, o qual se extinguirá (artigo 17º nº 2 al. c)).
A fase da negociação tem por objectivo obter o acordo do cliente para a proposta ou uma das propostas apresentadas pela instituição de crédito com vista à regularização do incumprimento.
Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está, nomeadamente, vedado à instituição de crédito intentar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (artigo 18º nº 1 al. b)).”
Note-se que para além da situação descrita e contemplada na fase inicial do procedimento, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora – cf. art. 14º, n.º 2 do DL 227/2012.
Daqui decorre que a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória.
E porque essa integração é obrigatória, verificados que sejam os respectivos pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI – cf. art. 18º, nº 1, b) do Decreto-Lei nº 227/2012.
Com efeito, estatui o referido art. 18º do DL 227/2012, sob a epígrafe “Garantias do cliente bancário”:
“1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior.”
Ora, da conjugação dos normativos disciplinadores do regime em apreço resulta que, reunidos os pressupostos da aplicação do DL 227/2012, de 25 de Outubro, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória; sendo obrigatória e havendo lugar à integração do devedor no PERSI, enquanto o procedimento não for extinto, não é possível o accionamento judicial do devedor
De igual modo, deve também ter-se por verdadeiro que a falta de integração no PERSI, verificados que estivessem os pressupostos para tanto, impede também que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta de tentativa extrajudicial de regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial.
Assim tem concluído a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6-10-2016, relator Tomé de Carvalho, processo n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, onde se refere:
“Em estudo sobre o assunto, Francisco Almeida Garrett opinou que «o Decreto-Lei nº 227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma “renegociação forçada” e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI».
Da interligação entre as diversas normas contidas no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) ressalta claramente que, relativamente ao cliente bancário, a instituição de crédito está impedida de «intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito» (artigo 18º, n.º 1, al. b), do DL nº 227/2012, de 25 de Outubro).[…]
O conjunto dos elementos hermenêuticos – histórico, sistemático, teleológico e literal – aponta claramente que a integração do cliente bancário [e, bem assim, do fiador] no PERSI é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, posto que, consequentemente, a acção executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento. E isto porque existe igualmente um feixe de direito concedidos aos clientes bancários e a concretização dessas garantias não é compatibilizável com a existência de um processo em curso.
Desta sorte, através do recurso ao método integrativo da inferência lógica de regras imanentes, se existe um quadro de proibição de accionamento de «acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito», é manifestamente inviável, na pendência da lide, suprir a irregularidade verificada. […]
Mesmo que a situação tivesse sido detectada em sede de despacho saneador, é o regime excepcional previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que afasta liminarmente a possibilidade de ser intentada a acção e, por maioria de razão, existe uma circunstância impeditiva que obsta a que, no decurso de uma acção executiva (que não poderia ser proposta), se desenvolva um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento. Aliás, a própria designação (Procedimento Extrajudicial) é absolutamente esclarecedora da intenção do legislador e o intérprete deve presumir que este consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, tal como proclama o artigo 9º, n.º 3, do Código Civil.
Está retratado no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 227/2012, que surge como uma densificação dos princípios da boa-fé e da lealdade contratuais, que «no cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa».
Estamos, assim, perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância com as consequências descritas na decisão sob censura, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal.
Em suma, no presente caso, existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objectiva de procedibilidade. Por analogia, na busca do lugar paralelo, este vício encaixa no regime jurídico das excepções dilatórias, embora in casu seja de natureza atípica, sendo que, apelando à filosofia, intenção e objectivos legais, o mesmo não admite o respectivo suprimento da falta de pressupostos processuais, dado que se se trata de uma irregularidade insanável e sujeita a disciplina directiva e de carácter excepcional. Porém, tal não obsta a que a entidade bancária venha a interpor nova acção executiva tendente à satisfação do seu crédito, uma vez cumpridas as exigências específicas contidas no diploma sub judice.”
Não se descortinam razões jurídicas válidas para divergir deste entendimento, que surge inteiramente justificado e fundamentado à luz dos normativos convocados e que tem vindo a ser reiterado na jurisprudência dos tribunais superiores, conforme se afere do conteúdo dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-06-2018, relator Pedro Martins, processo n.º 144/13.9TCFUN-A-2; do Tribunal da Relação de Évora de 8-03-2018, processo 2267/15.0T8ENT-A.E1; do Supremo Tribunal de Justiça de 9-02-2017, já referido e de 19-02-2019, relator Fernando Samões, processo n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1.
Entendida a falta de integração do cliente bancário no PERSI como uma excepção dilatória inominada, a jurisprudência tem vindo a reconhecer a possibilidade do seu conhecimento oficioso, aplicando o regime decorrente dos art.ºs 576º, n.ºs 1 e 2 e 578º do CPC, de tal modo que, tal como sustentam os recorrentes, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado, tal como resulta da ressalva prevista no art. 573º, n.º 2, in fine do CPC, para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – cf. art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC.
Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018, relator Mata Ribeiro, processo n.º 2791/17.0T8STB-C.E1:
“Por isso, havemos de concluir estarmos perante uma exceção dilatória inominada - preterição de sujeição do devedor ao PERSI - de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artº 573º que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
Efetivamente o regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.
Deste modo, estando em causa uma exceção dilatória inominada, o Julgador podia conhecer dela no âmbito do processo executivo […]”
Em idêntico sentido pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 8-03-2018, relatora Conceição Ferreira, processo n.º 2267/15.0T8ENT-A.E1, de 16-05-2019, relator José Manuel Barata, processo n.º 4474/16.9T8ENT-A.E1, de 31-01-2019 e de 21-05-2010, relator Tomé de Carvalho, processos n.º 832/17.0T8MMN-A.E1 e n.º 715/16.1T8ENT-B.E1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-05-2019, relatora Judite Pires, processo n.º 21609/18.0T8PRT-A.P1; e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-01-2020, relatora Ana Lucinda, processo n.º 4097/14.8TBMTS.P1, referindo-se, neste último: “E o certo é que a execução não poderia ter sido instaurada sem ter ocorrido previamente o dito Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Do prisma do demandante este era uma condição de acção. Mais precisamente uma específica condição de acção cuja inexistência conduz à carência da acção, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito. Do ponto de vista da defesa do demandado é uma excepção dilatória, isto é, uma circunstância que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância. Uma excepção de cunho eminentemente processual visto o moderno entendimento da autonomia entre o processo e o direito material. Ela opera no plano da eficácia: não intenta extinguir a pretensão exercida mas apenas neutralizá-la ou retardá-la.”
Verifica-se, pois, que ao contrário do entendimento plasmado na decisão recorrida, podia e devia o tribunal de 1ª instância ter apreciado a verificação da excepção dilatória inominada em referência, mesmo que então já se mostrasse ultrapassado o prazo para a dedução de embargos de executado, podendo fazê-lo no âmbito da própria execução, porquanto ao momento ainda não tinha ocorrido qualquer acto de transmissão do bem penhorado.
Porque se trata de questão de conhecimento oficioso que o tribunal recorrido não apreciou por considerar inadequado o meio processual utilizado e dado que os autos fornecem os elementos necessários para tanto, considerando que os recorrentes pugnam nas suas alegações, precisamente, pela verificação dos pressupostos para a sua integração no PERSI, questão suscitada nos requerimentos em apreço e sobre a qual a exequente/recorrida teve oportunidade de se pronunciar, como fez, não tendo agora apresentado contra-alegações, passa-se a conhecer de tal questão, tendo presente o estatuído no art. 665º, n.º 2 do CPC.
Sustentam os recorrentes que estão preenchidos os pressupostos para considerar verificada uma situação abrangida pelo campo de aplicação do regime instituído pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, o que fazem referindo dois pontos: 1) o DL 227/2012 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2013; 2) quando os executados se constituíram em mora, a exequente, instituição financeira, era já titular do crédito sobre aqueles, por o ter adquirido em 7 de Março de 2016, pelo que estava obrigada a integrá-los no PERSI, posto que todos os direitos e garantias acessórias ligadas ao crédito, como as hipotecas, foram para si transmitidos, nos termos do art. 18º, n.º 3 do DL 227/2012.
O art. 1º, n.º 1 do DL 227/2012, de 25 de Outubro anuncia desde logo, que o diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento e na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, referentes aos contratos de crédito mencionados no n.º 1 do artigo seguintes.
Por sua vez, decorre do estatuído no art. 2º, n.º 1, a) e b) do referido DL 227/2012, no que diz respeito ao âmbito de aplicação deste diploma, que este incide sobre os contratos de crédito celebrados com clientes bancários para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento e contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel.
Face à natureza dos créditos contraídos pelos executados, tal como se afere dos pontos 1. e 2. dos factos provados, os contratos de crédito em referência encontram-se abrangidos pelo campo de aplicação do mencionado diploma legal.
No entanto, importa ter presente que o art. 3º do DL 227/2012 introduziu um elenco de conceitos que, para efeitos do presente diploma, devem ser tidos em conta, entre eles o de «Cliente bancário» que, para este efeito, é “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito” – cf. alínea a).
O art.º 2º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor estatui: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Tal como se afere dos pontos 1. e 2. os mutuários, pessoas singulares, destinaram os mútuos à aquisição da sua habitação permanente e para fins diversos, logo para um destino não profissional, pelo que devem ser considerados consumidores, nos termos do transcrito normativo legal para efeitos de aplicação do DL 227/2012.
Por sua vez, a alínea e) do art. 3º do DL 227/2012 determina que para efeitos do diploma se entende por «Instituição de crédito» “qualquer entidade habilitada a efetuar operações de crédito em Portugal, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 246/95, de 14 de setembro, 232/96, de 5 de dezembro, 222/99, de 22 de junho, 250/2000, de 13 de outubro, 285/2001, de 3 de novembro, 201/2002, de 26 de setembro, 319/2002, de 28 de dezembro, 252/2003, de 17 de outubro, 145/2006, de 31 de julho, 104/2007, de 3 de abril, 357-A/2007, de 31 de outubro, 1/2008, de 3 de janeiro, 126/2008, de 21 de julho, e 211-A/2008, de 3 de novembro, pela Lei n.º 28/2009, de 19 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 162/2009, de 20 de julho, pela Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro, pelos Decretos-Leis n.os 317/2009, de 30 de outubro, 52/2010, de 26 de maio, e 71/2010, de 18 de junho, pela Lei n.º 36/2010, de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 140-A/2010, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, e pelos Decretos-Leis n.ºs 88/2011, de 20 de julho, 119/2011, de 26 de dezembro, e 31-A/2012, de 10 de fevereiro (RGICSF)
As instituições de crédito são definidas no art. 2º-A, w) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras[4], aprovado pelo DL 298/92, de 31-12, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de Março, com inicio de vigência a 31 de Março de 2015, como “a empresa cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria”, especificando o art. 3º do mesmo diploma as várias espécies de instituições de crédito e definindo o art. 4º as operações que podem efectuar.
Por sua vez, o art. 6º do RGICSF enuncia os tipos de sociedades financeiras, estatuindo no seu n.º 5 que “Não são sociedades financeiras as entidades reguladas no Regime Jurídico da Titularização de Créditos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, na sua redação atual, no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação atual, e no Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, aprovado em anexo à Lei n.º 18/2015, de 4 de março, na sua redação atual.”
O DL nº 453/99, de 5 de Novembro estabelece o regime das cessões de créditos para efeitos de titularização e regula a constituição e o funcionamento dos fundos de titularização de créditos, das sociedades de titularização de créditos e das sociedades gestoras daqueles fundos.
Nos termos do art. 39º do DL nº 453/99 “As sociedades de titularização de créditos adotam o tipo de sociedade anónima e têm por objeto exclusivo a realização de operações de titularização de créditos ou de riscos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos ou dos riscos adquiridos.”
E acrescenta o art. 40º: “1 - A firma das sociedades de titularização de créditos deve incluir a expressão «Sociedade de titularização de créditos» ou a abreviatura STC, as quais, ou outras que com elas se confundam, não podem ser usadas por outras entidades. […]”
A exequente possui a designação Sagasta Finance, STC, S. A. pelo que, sabendo-se que apenas as sociedades de titularização de créditos podem incluir tal abreviatura, tem de aceitar-se que a exequente não é uma instituição de crédito, nem tão-pouco uma sociedade financeira, estando antes abrangida pelo regime do DL 453/99, de 5 de Novembro e apenas pode ter por objecto social realização de operações de titularização de créditos ou de riscos.
Como tal, a exequente não está abrangida pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, não estando obrigada a promover as diligências necessárias à implementação do PERSI.
Atente-se que são os próprios executados que afirmam que à data do início do incumprimento já era a exequente a titular do crédito exequendo, pelo que nem sequer se pode colocar aqui em causa uma eventual preterição por parte da instituição de crédito mutuante, a GE Consumer Finance, S. A., da obrigação de integrar os executados no PERSI, dado que até à cessão de créditos para a General Electric Money Financial Services, S. L. (Sociedad Unipersonal) não ocorreu mora ou incumprimento por banda dos mutuários que justificasse a implementação do procedimento extrajudicial de regularização do incumprimento, nos termos previstos no art. 12º e seguintes do DL 227/2012, de 25 de Outubro (assim como não se verificava, à data da entrada em vigor deste diploma legal, uma situação de incumprimento que determinasse a integração dos executados no PERSI, nos termos do respectivo art. 39º).
Caso se apurasse que, à data da cessão de créditos, a mutuante (cedente), perante uma situação de mora no cumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito, não tivesse integrado os devedores no PERSI, não tendo dado início ao referido procedimento e, não obstante, procedesse à cessão dos créditos, tal impediria a interposição da presente execução pela cessionária, pois que, ainda que esta não seja uma instituição de crédito (não estando sujeita às proibições decorrentes do art. 18º do DL 227/2012 e podendo exigir de imediato a satisfação do crédito cedido), se assim não fosse, resultaria inviabilizada a finalidade do regime instituído por aquele diploma legal, pois que estaria encontrado um meio de as entidades credoras se furtarem ao cumprimento dessa obrigação – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-01-2020, relator Alcides Rodrigues, processo n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1 – “Porém, […] a instituição de crédito pode ceder créditos para efeitos de titularização [al. b)] ou ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito [al. c)]; neste último caso, sendo exigível que a cessionária seja outra instituição de crédito, “fica esta obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual” (n.º 3). A razão de ser desta última exceção […], justifica-se desde que seja possível dar continuidade à aplicação do referido procedimento […] pois caso contrário a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime, na medida em que se o cessionário não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação do Regime Geral não estaria obrigado a dar cumprimento ao PERSI […] Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito […]”
No caso em apreço, nada se apurou que permita considerar que é essa a situação dos autos, desde logo porque está demonstrado que a mora dos executados ocorreu já após a cessão de créditos.
Por outro lado, estatui o art. 6º do DL 453/99, de 5 de Novembro sobre os efeitos da cessão, prevendo que a sua eficácia em relação aos devedores fica dependente de notificação, ainda que, sendo o cedente uma instituição de crédito, como é o caso, tal eficácia ocorra no momento em que se tornar eficaz entre o cedente e o cessionário, não dependendo do conhecimento, aceitação ou notificação dos devedores – cf. n.ºs 1 e 4.
Quanto às garantias dos devedores, o n.º 6 do art. 6º dispõe o seguinte: “Dos meios de defesa que lhes seria lícito invocar contra o cedente, os devedores dos créditos objeto de cessão só podem opor ao cessionário aqueles que provenham de facto anterior ao momento em que a cessão se torne eficaz entre o cedente e o cessionário.”
E acrescenta o n.º 7: “A cessão de créditos para titularização respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objeto de cessão e todos os direitos e garantias dos devedores oponíveis ao cedente dos créditos ou o estipulado nos contratos celebrados com os devedores dos créditos, designadamente quanto ao exercício dos respetivos direitos em matéria de reembolso antecipado, de renegociação das condições do crédito, cessão da posição contratual e sub-rogação, mantendo estes todas as relações exclusivamente com o cedente, caso este seja uma das entidades referidas no n.º 4.”
Assim, verificada a cessão de créditos para a aqui exequente num momento em que ainda não ocorria qualquer situação de mora por parte dos devedores, ora recorrentes, não podem estes pretender invocar perante o cessionário a falta de integração no PERSI, porquanto os pressupostos de que esta depende só terão ocorrido em momento posterior à cessão, não colhendo aplicação o disposto no mencionado n.º 6 do art. 6º do DL 453/99, de 5 de Novembro.
Note-se que, ainda que a cedência dos créditos não signifique, por si só, que a respectiva gestão passe para o cessionário, atento o estatuído no art. 5º do DL 453/99[5], certo é que, no caso dos autos, nem sequer foram alegados factos que permitam discernir se a instituição de crédito cedente manteve ou não essa gestão, e, ainda que a tenha mantido, seguro é que, ao momento do incumprimento, a titularidade do crédito estava já transferida para a cessionária, que, não sendo instituição de crédito, não está sujeita às obrigações decorrentes do DL 227/2012 (diversamente, se acaso esse incumprimento se verificasse ao tempo em que a titularidade do crédito era da mutuante, a cedência do crédito não impediria a obrigação de integração no PERSI, posto que o facto era oponível à cessionária, conforme decorre do acima expendido).
Com tais fundamentos, porque não verificados os respectivos pressupostos, conclui-se pela não verificação da mencionada excepção dilatória inominada de preterição de sujeição dos devedores, ora recorrentes, ao PERSI, pelo que não há fundamento para a pretendida absolvição da instância executiva.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Ainda que os recursos interpostos pelos executados/recorrentes sejam procedentes quanto à pretensão de revogação da decisão recorrida na parte em que não conheceu da excepção dilatória inominada de preterição de sujeição dos devedores ao PERSI, certo é que claudicam quanto à pretensão que trouxeram a juízo, pelo que as respectivas custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em:
a) julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida que não conheceu da excepção deduzida;
b) conhecer oficiosamente da excepção dilatória inominada de preterição da sujeição dos executados/recorrentes ao PERSI, julgando-a improcedente, com o consequente prosseguimento da acção executiva.
As custas dos recursos ficam a cargo dos respectivos executados/apelantes.
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Lisboa, 29 de Setembro de 2020[6]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
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[1] Adiante designado pelo acrónimo PERSI.
[2] Adiante designado pela sigla CPC.
[3] Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se acessíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt.
[4] Adiante designado pela sigla RGICSF.
[5] Cf. Margarida Ferraz de Oliveira, Titularização de Créditos O (In)Sucesso da Titularização no Mercado Hipotecário, Lisboa – Outubro 2016, acessível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/22129/1/Tese_vf_23102016_limpa.pdf pp. 28-29 - “Determina o art. 5.º, n.º 1, do DL n.º 453/99 que, em simultâneo com a celebração do contrato de cessão de créditos para titularização, sempre que o cedente seja instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundos de pensões, deve ser celebrado contrato pelo qual a entidade cedente fica obrigada a gerir os créditos cedidos, em nome e por conta do cessionário. Assim, o cedente ficará obrigado a praticar todos os atos que se revelem adequados à boa gestão dos créditos (e respetivas garantias, quando existam), prestar serviços administrativos e de cobrança, assegurar as relações com os devedores e praticar todos os atos conservatórios, modificativos e extintivos necessários relativamente às garantias. Tal exigência justifica-se pela particular especificidade e complexidade inerentes à atividade financeira e pela proteção que deverá necessariamente ser assegurada aos consumidores deste sector. Nos restantes casos, os créditos poderão ser administrados pelo cessionário, pelo cedente ou por terceiro que possua idoneidade para prossecução desta atividade.”
[6] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.