Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
446/15.0PATVD-A.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: MEDIDAS DE COACÇÃO
RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: Tendo sido aplicadas aos arguidos de nacionalidade espanhola e residentes habitualmente em Espanha, indiciados pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, do Código Penal, as medidas de coacção de termo de identidade e residência, obrigação de apresentação diária em posto policial, proibição de se ausentarem para o estrangeiro sem prévia autorização do Tribunal e proibição de contactarem entre si por qualquer meio, por despacho de 22/08/2015, é aplicável o regime jurídico estabelecido pela Lei nº 36/2015, de 04/05 - regime jurídico da emissão, do reconhecimento e da fiscalização da execução de decisões sobre medidas de coacção em alternativa à prisão preventiva, bem como da entrega de uma pessoa singular entre Estados membros no caso de incumprimento das medidas impostas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

   1. Na Comarca de Lisboa Norte – Torres Vedras – Instância Local – Secção Criminal – J2, NUIPC 446/15.0PATVD, foi proferido despacho, aos 21/09/2015, que manteve as medida de coacção de termo de identidade e residência, obrigação de apresentação diária em posto policial, proibição de se ausentarem para o estrangeiro sem prévia autorização do Tribunal e proibição de contactarem entre si por qualquer meio, aplicadas aos arguidos A, B e C por despacho de 22/08/2015 da Mmª Juíza desse Tribunal.

2. Inconformados com o teor do referido despacho, dele interpuseram recurso os arguidos, para o que formularam as conclusões que de seguida se transcrevem:

            2.1 Recurso de A

1. Vem o presente interposto do despacho proferido em 21/09/2015, a final do Interrogatório Complementar de Arguido, nos termos da qual se decidiu manter as medidas de coacção a que foi sujeito por despacho proferido em 22/08/2015 e indeferiu o pedido de cumprimento dessas medidas no país da nacionalidade e residência do Recorrente.

2. O Arguido encontra-se desde 22/08/2015, sujeito às medidas de coacção de prestação de termo de identidade e residência, obrigação de apresentação diária em posto policial da área da residência que venha a indicar, proibição de se ausentar para o estrangeiro sem prévia autorização do Tribunal e proibição de contactar, por qualquer meio, com os co-arguidos.

3. A decisão recorrida assenta no juízo formulado pelo Tribunal a quo sobre a existência de fortes indícios do cometimento pelo Recorrente do crime de passagem de moeda falsa p. e p, pelo art.º 265.º, n.º l, al. a), do Código Penal, na gravidade dos factos imputados e nos perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa, bem como no alarme social.

4. A existência de fortes indícios da prática dos factos não constitui um pressuposto ou requisito da aplicação das medidas coactivas em causa, antes se impondo a verificação, no caso concreto, da adequação, necessidade e proporcionalidade da medida para acautelamento dos perigos descritos nas alíneas a) e c) do art.204.º do C.P.P.

5. Contudo, a verificação ou não da existência de fortes indícios da prática do crime indiciariamente imputado ao Recorrente é relevante na medida em que esteve marcadamente subjacente à decisão que aplicou as medidas de coacção, com repercussão no juízo de verificação dos aludidos perigos e na consequente escolha das medidas de coacção aplicadas.

6. No entender da Tribunal o quo, os fortes indícios recolhidos decorrem dos autos de denúncia e de notícia, das apreensões, das fotografias e documentação respeitante ao veículo.

7. Mas daqueles elementos e meios de prova decorre apenas que no dia 21/08/2015, os Arguidos se deslocaram de Espanha a Torres Vedras para participarem na Exposição Canina que se prolongaria até ao dia 23/08/2015, na qual os co-arguidos iam apresentar três cães, tendo o Recorrente acompanhado os ajudar no tratamento e exibição dos animais, tendo-se dirigido no final da exposição desse dia a um bar localizado no recinto da exposição onde comprou duas garrafas de água e duas de refrigerante, que pagou com uma nota de 50 € que se veio a apurar que poderá ser falsa, vindo a ser interceptado por agentes de autoridade que nada lhe encontraram que permitisse concluir ter conhecimento de que a nota era falsa e da existência, na posse dos co-arguidos, de outras notas igualmente suspeitas de serem falsas.

8. Daqueles meios de prova e das declarações prestadas pelo Arguidos e seus co-arguidos, bem como dos documentos por ele juntos aos autos, decorre que a co-arguida C pediu ao Recorrente que fosse adquirir aquelas bebidas, entregando-lhe a referida nota de 50 €, com a qual as pagou, tendo-lhe devolvido o troco.

9. Não se tendo apurado, ainda que indiciariamente, quaisquer outros factos que permitam concluir que o Recorrente sabia que a nota que lhe foi entregue era falsa, que os co-arguidos detinham notas falsas e que tenha actuado em conjugação com estes, em execução de plano previamente gizado com vista à colocação daquelas notas em Portugal.

10. Analisados as provas indiciárias recolhidos nos autos, quer as que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo quanto à existência de fortes indícios - Autos de Notícia, Auto de Detenção, Autos de Apreensão e Documentos da Viatura -, quer os decorrentes das declarações prestadas pelos Arguidos e dos documentos juntos aos autos, não se pode afirmar que relativamente ao Recorrente se mantiveram inalterados os fortes indícios da prática do crime que indiciariamente lhe é imputado e que se consideraram verificados aquando do despacho que inicialmente aplicou as medidas de coacção.

            11. Considerou ainda o Tribunal a quo como não crível, de acordo com as regras da experiência, que o Arguido A se tivesse limitado a vir auxiliar os arguidos na exposição canina sem que nada recebesse a título de pagamento por essa ajuda.

            12. Mas tal apreciação efectuada pelo Tribunal a quo não pode ser sufragada, porquanto os autos decorre que à data dos factos o Arguido A tinha 19 anos de idade, iniciara trabalho como tratador e cabeleireiro de animais, tem um cão, frequenta exposições caninas e tem como hobby passear e apresentar cães, nomeadamente em exposições caninas, já o tendo feito para os co-arguidos, podendo concluir-se, de acordo com as regras da experiência, que é um jovem que ama os animais e que lhes é dedicado.

13. Assim, para um indivíduo que gosta de animais, em particular de cães, e cuja formação tem sido toda ela orientada para a área agropecuária, com incidência nos animais, o passear, preparar e apresentar cães, nomeadamente em exposições caninas e na sua idade é já uma gratificação bastante, para mais sendo-lhe pagas as despesas de deslocação, estadia e alimentação, como era o caso.

14. Pelo que, do não recebimento de qualquer quantia pela ajuda que prestou ao co-arguidos no âmbito do cuidado e acompanhamento dos cães levados à Exposição Canina de Torres Vedras -que não trabalho no sentido estrito do termo -, não se pode pois inferir, de acordo com as regras da experiência, que o Arguido tivesse conhecimento que os co-arguidos fossem portadores de notas falsas e que juntamente com eles tivesse elaborado um plano para passagem dessas notas em Portugal.

15. Tanto mais que dos autos e até da própria fundamentação da decisão em crise resulta que as notas foram apreendidas aos co-arguidos, que a Arguida C assumiu que todas as notas apreendidas suspeitas de serem falsas são suas, que essas notas, a serem falsas, estão relacionadas com a actividade de venda de cães dos co-arguidos, que o Recorrente nenhum participação tem nessa actividade, limitando-se a acompanhar os co-arguidos em exposições caninas, ajudando-os no tratamento dos animais para essas exposições, suportando estes, em contrapartida as suas despesas.

16. O Tribunal a quo ao não considerou as declarações do Recorrente, nem dos seus co-arguidos, reveladoras do desconhecimento por este da existência de notas falsas, mas tais declarações do Recorrente não podem deixar de ser aferidas em concordância com a ausência de factos indiciários bastantes que permitam formular o juízo de que o Arguido sabia da existência de notas falsas e que as quis introduzir na circulação de moeda em Portugal, actuando em execução de um plano previamente gizado com os outros co-arguidos.

17. No despacho recorrido, tal como no âmbito das declarações prestadas pelo Arguido, o Tribunal a quo exprimiu convicções pessoais e teceu considerações subjectivas sobre a conduta do Recorrente, formulando conclusões infundadas por desapoiadas da prova indiciária recolhida.

18. Tais conclusões, infundadas e temerárias, determinam, no discurso do despacho recorrido, uma avaliação hipotética da realidade, conjugada com uma desvaloração dos comportamentos do Recorrente e um juízo, muito semelhante a um preconceito, que anula programaticamente a presunção de inocência, da qual gozam todos os arguidos até ao trânsito em julgado do acórdão final.

19. Não resultam, pois, dos autos, indícios, para mais fortes, de que o Arguido A tinha conhecimento da existência de notas falsas e, por conseguinte, que estivesse em colaboração e no âmbito de um plano gizado com os co-arguidos, a passar moeda falsa.

20. À data da aplicação da medida, mas sobretudo à data da sua manutenção, não subsistiam, pois, as circunstâncias e as exigências cautelares que no entender do Tribunal inicialmente sustentavam a adequação e necessidade da aplicação das medidas de coacção em causa.

21. A decisão proferida assenta ainda na gravidade dos factos imputados ao Recorrente, em violação dos princípios acolhidos no nosso ordenamento jurídico, que vedam a aplicação das medidas de coacção por razões de carácter geral unicamente ligadas à gravidade do crime ou qualquer a finalidade punitiva, antes impondo que a sua aplicação esteja condicionada à verificação, no caso concreto, dos requisitos específicos da medida de coacção em causa e de pelo menos um dos requisitos enumerados nas alíneas do art.º 204.º do C.P.P.

22. O Tribunal a quo concluiu pela verificação dos perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, bem como pelo alarme social mas, procedendo-se a interpretação das als. a) e c) do artigo 204.º do CPP conforme com os princípios e normas que a eles presidem bem como à delimitação da sua aplicação e à sua integração com as circunstâncias do caso concreto, verifica-se não ter sido efectuada correcta aplicação dos mesmos.

23. Visando os perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, obstar que o arguido se exima à acção da justiça e venha a cometer novos crimes na pendência do processo, perigo esse a ser aferido em relação ao concreto sujeito visado por tal medida de coacção e por referência ao momento em que é apreciada a sua verificação, deve ser rejeitada uma prognose de verificação desses perigos sem suporte nas circunstâncias concretas do caso e assente em considerações subjectivas e convicções pessoais do julgador, como sucede in casu.

24. Ao concluir pela existência dos perigos previstos nas alíneas a) e c) do art.º 204do C.P.P., o Tribunal a quo revelou, também nesta vertente, incorrecção no juízo formulado sobre a verificação do perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa, bem como do alarme social e do preenchimento desses requisitos.

25. Os critérios de verificação dos pressupostos de aplicação e manutenção das medidas de coacção adoptados pelo Tribunal o quo, as considerações que efectuou sobres perigos que considerou verificados não são aceitáveis nem admissíveis face aos elementos constantes dos autos e ao ordenamento jurídico vigente.

26. O Tribunal a quo não podia fundar em tais considerações o juízo de prognose de continuação da prática de actos da mesma natureza dos imputados, ignorando, por essa via, a necessidade de verificação de factualidade concreta apta para o preenchimento do pressuposto das alíneas a) e c) do artigo 204.º, do C.P.P.

27. As conclusões e decisão do Tribunal a quo não são, pois, inaceitáveis no plano dos Princípios processuais penais e constitucionais, por corresponderem a uma violação do princípio da presunção de inocência, são inválidas no âmbito da aplicabilidade das medidas de coacção, por admitirem, em abstracto, a verificação dos pressupostos daquelas medidas e são insustentáveis no quadro de exigências materiais de uma decisão, por valorarem preconceitos e juízos infundados, em detrimento de factualidade estabelecida e verificada.

28. As medidas de coacção em causa foram mantidas ao arrepio da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, assumindo in casu um carácter antecipatório da pena.

29. O despacho recorrido não obedeceu, in casu, aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade, consagrados nos artigos 191.º,192.º e 193.º e aos pressupostos das al. a) e c) do art.º 204.º, todos do C.P.P. incluindo na sua integração e conformidade com o princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32º, nº 2, da Constituição da Republica Portuguesa e o disposto no art.º 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

30. O despacho recorrido violou por erro de interpretação o disposto nos art.ºs 191.º, 192.º, 193.º e 204º, als. a) e c), todos do Código de Processo Penal, bem como os princípios que presidem à aplicação e manutenção das medidas de coacção, incluindo o princípio da presunção da inocência consagrado no art.º 32.º, n.º 2 da CRP, bem o disposto no artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

31. A interpretação normativa das disposições conjugadas dos art.ºs 191.º, 192.º, 193.º, e 204º, al. a) e c), todos do Código de Processo Penal efectuada na decisão proferida apresenta-se assim ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio da presunção da inocência consagrado no art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e desconforme com o disposto no art.º 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

32. A continuação da sujeição do recorrente às medidas coactivas que lhe foram impostas não deverá, pois, ser mantida por Vossas Excelências.

33. Caso assim se não entenda, devem as medidas de coacção ser alteradas por medida de coacção menos gravosa, como seja a prestação de caução, a qual poderá ser prestada pelo Arguido e não coloca em causa o exercício de direitos fundamentais do Arguido, como o direito ao trabalho e à saúde.

34. Caso assim se não entenda, devem as medidas de coacção serem cumpridas e fiscalizadas no país da naturalidade e residência do Arguido, ao abrigo do estabelecido na Lei n.º 36/2015, de 4 Maio.

Termos e fundamentos por que, e ainda com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão proferida ser revogada, ou caso assim se não entenda serem as medidas de coacção substituídas pela prestação de caução ou, caso também assim se não decida, devem tais medidas serem cumpridas no país da nacionalidade e residência do Arguido, com o que se fará a esperada JUSTIÇA!

            2.2 Recurso de B:

1ª - O douto despacho recorrido indeferiu o requerido pelo recorrente (alteração das medidas de coacção) e manteve integralmente as medidas de coacção aplicadas em sede de 1º interrogatório judicial, nomeadamente a apresentação diária num posto territorial, próximo da residência, em território nacional.

2a - A aplicação da medida de coacção de apresentação diária num posto territorial, próximo da residência, em território nacional (art. 198º C.P.P.) só é admissível quando se verificam os pressupostos do artigo 204º do C.P.P. e a sua indispensabilidade e a adequação ao caso concreto.

3a - O douto despacho recorrido refere, a fls. 282, que se "mantêm inalterados os indícios probatórios já recolhidos nos autos e avaliados em sede de 12 interrogatório judicial, mantendo-se inalterados os pressupostos que consubstanciaram a aplicação das anteriores medidas de coacção", porquanto "revelam-se fortemente indiciados os perigo de fuga de continuação da actividade criminosa, bem como o alarme social originado com esta situação".

4a - Porém, o recorrente encontra-se social e familiarmente integrado e não tem quaisquer antecedentes criminais.

5a - Também não existe no presente caso qualquer perigo de fuga.

6a - Depois, no douto despacho, refere-se, a fls. 281, que "os arguidos quiseram prestar declarações justificando desconhecer a origem do dinheiro falso, sendo os arguidos C e B alegando que o mesmo era proveniente da actividade profissional desenvolvida, resultando da venda de cães e mediante pagamento em dinheiro vivo de diferentes pessoas (...)" e "Por outro lado, relevando ter os contactos dos compradores dos alegados cães e fornecedores do dinheiro falso, nesta data nada adiantaram de concreto".

7a - Porém, o certo é que, nas declarações prestadas pelo recorrente, este disse que o dinheiro que se encontrava no interior do veículo automóvel de marca Chrysler era da co-arguida C e que desconhece a origem dessas notas falsas (fls. 279 - declarações gravadas, consignando-se o seu inicio pelas 15 horas e 01 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 23 minutos).

8a - Parece-nos, ao invés e, com o devido respeito, que, no caso do recorrente, a justificação apresentada nas suas declarações, no interrogatório subsequente, referenciada pelo douto despacho como "a justificação adiantada não se revela crível", terão sopesado sobejamente na manutenção das medidas de coacção aplicadas em sede de l9 interrogatório judicial.

9ª - Por outro lado, o recorrente respondeu a todas as perguntas que lhe foram colocadas, respondendo com verdade.

10ª - Na verdade, o recorrente não tinha consigo quaisquer notas falsas, nem sequer passou ou pôs em circulação essas notas.

11a - Atento o exposto, e o que mais se dirá, entendemos, com o devido respeito que, o douto despacho recorrido não fundamenta a existência dos pressupostos do artigo 204º do C.P.P. no caso concreto do recorrente.

12a - Tais pressupostos não se verificam.

Porquanto,

13a - Inexiste perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa.

14a - Nada revela que se verifique o perigo de que o arguido persista na continuação da actividade criminosa, a qual, aliás, nem tem quaisquer antecedentes criminais.

15a - In casu, o recorrente pretende colaborar com a justiça no apuramento da verdade dos factos de que está indiciado.

16a - Ademais, o recorrente encontra-se social e familiarmente integrado.

17a - Resulta do art. 198º do C.P.P. que o Juiz na aplicação da medida de coacção de obrigação de apresentação periódica deve tomar em conta as exigências profissionais do arguido e o local em que habita.

18ª - O que não aconteceu no presente caso, pois o recorrente vive e trabalha em Granada, Espanha, estando há 2 meses em Portugal sem poder regressar à sua casa e ver os seus filhos e a sua mãe.

19a - A opção pelas medidas de coacção concretas a aplicar deve fazer-se, em última análise, pela ponderação da gravidade das condutas indiciadas, compaginada com os factos pessoais dos arguidos (tais como a sua integração social e fonte de rendimentos licita e a existência ou inexistência de antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime).

20ª - Ora, no que toca à integração social e profissional, bem como aos antecedentes criminais, tudo abona em favor do recorrente.

21ª - Por tudo o exposto, não se nos afigura verdadeiramente sustentada a tese de que, no caso do recorrente, nenhuma das restantes medidas coactivas se mostra adequada para as exigências cautelares que se verificam.

22a - Na verdade, cremos, com o devido respeito, que a medida de Termo de Identidade e Residência revela-se suficiente para satisfazer as exigências cautelares que o caso concreto do recorrente impõe.

23a - O douto despacho recorrido fez incorrecta apreciação dos factos e violou o artigo 32º da C.R.P., bem como os artigos 191º,193º,198º e 204º do C.P.P., pelo que deve ser revogado.

24a - Nestes termos, não se mantêm os pressupostos que conduziram à aplicação das medidas de coacção, nomeadamente perigo de fuga e continuação da actividade criminosa, pelo que deve ser revogado o douto despacho que manteve as medidas de coacção aplicadas ao ora recorrente.

25a - Sem prescindir do supra exposto, caso assim não se entenda, então, deverá o recorrente cumprir as medidas de coacção que lhe foram impostas no seu país de residência legal e habitual, isto é, Espanha, nos termos e para os efeitos do art. 12º n.º 1 da Lei n.º 36/2015, de 04 de Maio.

26a - Refere o douto despacho recorrido, a fls. 282, que "Finalmente resta adiantar que dada a nacionalidade dos arguidos e fora do território nacional, revela-se impossível de controlar a execução dessas medidas".

27a - Salvo melhor opinião, o douto despacho não teve em consideração a Lei n36/2015, de 04 de Maio, que entrou em vigor em 04/08/2015 e estabelece o regime jurídico da emissão, do reconhecimento e da fiscalização da execução de decisões sobre medidas de coacção em alternativa à prisão preventiva, bem como da entrega de uma pessoa singular entre Estados membros no caso de incumprimento das medidas impostas, transpondo a Decisão-Quadro 2009/829/JAI do Conselho, de 23 de Outubro de 2009.

28a - A Decisão-Quadro n2009/829/JAI do Conselho, de 23 de Outubro de 2009, visa "reforçar a proteção do público em geral, permitindo que uma pessoa residente num Estado-Membro, mas que seja arguida num processo penal noutro Estado-Membro, seja supervisionada pelas autoridades do Estado onde reside enquanto aguarda o julgamento. Permite, assim, controlar os movimentos do arguido, garantindo a proteção do público em geral e permitindo que a aplicação de medidas diferentes da prisão preventiva seja possível, porque a fiscalização das mesmas, ainda que fora do território nacional, passa a ser também ela possível."

29a - Pelo que, não se pode vedar ao ora recorrente o direito assegurado pela Decisão-Quadro e Lei supra melhor identificadas, que permitem que o recorrente, residente num Estado-Membro (Espanha), sendo arguido num processo penal noutro Estado-Membro (Portugal), seja supervisionado pelas autoridades do Estado onde reside enquanto aguarda o julgamento.

30- - Nestes termos e pelo mais que for doutamente suprido deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogado o douto despacho recorrido, ordenando-se a alteração da medida de coacção de apresentação diária num posto territorial, próximo da residência, em território nacional, pela medida de coacção de Termo de Identidade e Residência, ou caso assim não se entenda, deve o arguido, cumprir as medidas de coacção que lhe foram impostas no seu país de residência legal e habitual, isto é, Espanha, nos termos e para os efeitos do art. 12º n.º 1 da Lei n.º 36/2015, de 04 de Maio, fazendo assim V. Exas. a Costumada JUSTIÇA!

            2.3 Recurso de C

1ª - O douto despacho recorrido indeferiu o requerido pela recorrente (alteração das medidas de coacção) e manteve integralmente as medidas de coacção aplicadas em sede de 1º interrogatório, nomeadamente a apresentação diária num posto territorial, próximo da residência, em território nacional.

2ª - A aplicação da medida de coacção de apresentação diária num posto territorial, próximo da residência, em território nacional (art. 198º C.P.P.) só é admissível quando se verificam os pressupostos do artigo 204º do C.P.P. e a sua indispensabilidade e a adequação ao caso concreto.

3ª - O douto despacho recorrido refere, a fls. 282, que se "mantêm inalterados os indícios probatórios já recolhidos nos autos e avaliados em sede de 1º interrogatório judicial, mantendo-se inalterados os pressupostos que consubstanciaram a aplicação das anteriores medidas de coacção", porquanto "revelam-se fortemente indiciados os perigo de fuga de continuação da actividade criminosa, bem como o alarme social originado com esta situação".

4ª - Porém, a recorrente encontra-se social e familiarmente integrada e não tem quaisquer antecedentes criminais, pelo que não existe perigo de continuação da actividade criminosa.

5a - Também não existe no presente caso qualquer perigo de fuga.

6ª - Depois, no douto despacho, refere-se a fls. 281, que "os arguidos quiseram prestar declarações justificando desconhecer a origem do dinheiro falso, sendo os arguidos C e B alegando que o mesmo era proveniente da actividade profissional desenvolvida, resultando da venda de cães e mediante pagamento em dinheiro vivo de diferentes pessoas (...)" e "Por outro lado, relevando ter os contactos dos compradores dos alegados cães e fornecedores do dinheiro falso, nesta data nada adiantaram de concreto".

7ª - Porém, o certo é que, nas declarações prestadas pela recorrente, esta disse que consegue identificar a quem vendeu os cães, contudo essa informação encontra-se no seu telemóvel que está aprendido nos presentes autos, tendo dito ainda que caso lhe fosse entregue o mesmo podia identificar todas essas pessoas (fls. 278 - declarações gravadas, consignando-se o seu inicio pelas 14 horas e 20 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 49 minutos).

- Parece-nos, ao invés e, com o devido respeito, que, no caso da recorrente, a justificação apresentada nas suas declarações, no interrogatório subsequente, referenciada pelo douto despacho como "a justificação adiantada não se revela crível", terão sopesado sobejamente na manutenção das medidas de coacção aplicadas em sede de 1º interrogatório judicial.

9ª - Por outro lado, a recorrente respondeu a todas as perguntas que lhe foram colocadas, respondendo com verdade.

10a - Na verdade, a recorrente não tinha consciência, de que a nota que entregou ao co-arguido A e de que as restantes notas que tinha consigo, seriam notas falsas, conforme declarações prestadas pela mesma (fls. 278 - declarações gravadas, consignando-se o seu inicio pelas 14 horas e 20 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 49 minutos).

11ª - Atento o exposto, e o que mais se dirá, entendemos, com o devido respeito que, o douto despacho recorrido não fundamenta a existência dos pressupostos do artigo 204º do C.P.P. no caso concreto da recorrente.

12a - Sendo que tais pressupostos não se verificam. Porquanto,

13a - Inexiste perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa.

14a - Nada revela que se verifique o perigo de que a arguida persista na continuação da actividade criminosa, a qual, aliás, nem tem quaisquer antecedentes criminais.

15a - In casu, a recorrente pretende colaborar com a justiça no apuramento da verdade dos factos de que está indiciada.

16a - Ademais, a recorrente encontra-se social e familiarmente integrada.

17a - Resulta do art. 198º do C.P.P. que o Juiz na aplicação da medida de coacção de obrigação de apresentação periódica deve tomar em conta as exigências profissionais do arguido e o local em que habita.

18ª - O que não aconteceu no presente caso, pois a recorrente vive e trabalha em Granada, Espanha, estando há 2 meses em Portugal sem poder regressar à sua casa e ver os seus filhos menores e a sua mãe.

19ª - A opção pelas medidas de coacção concretas a aplicar deve fazer-se, em ultima análise, pela ponderação da gravidade das condutas indiciadas, compaginada com os factos pessoais dos arguidos (tais como a sua integração social e fonte de rendimentos licita e a existência ou inexistência de antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime).

20a - Ora, no que toca à integração social e profissional, bem como aos antecedentes criminais, tudo abona em favor da recorrente.

21a - Por tudo o exposto, não se nos afigura verdadeiramente sustentada a tese de que, no caso da recorrente, nenhuma das restantes medidas coactivas se mostra adequada para as exigências cautelares que se verificam.

22a - Na verdade, cremos, com o devido respeito, que a medida de Termo de Identidade e Residência revela-se suficiente para satisfazer as exigências cautelares que o caso concreto da recorrente impõe.

23a - O douto despacho recorrido fez incorrecta apreciação dos factos e violou o artigo 32º da C.R.P., bem como os artigos 191º,193º,198º e 204º do C.P.P., pelo que deve ser revogado.

24a - Nestes termos, não se mantêm os pressupostos que conduziram à aplicação das medidas de coacção, nomeadamente perigo de fuga e continuação da actividade criminosa, pelo que deve ser revogado o douto despacho que manteve as medidas de coacção aplicadas à ora recorrente.

25a - Sem prescindir do supra exposto, caso assim não se entenda, então, deverá a arguida cumprir as medidas de coacção que lhe foram impostas no seu país de residência legal e habitual, isto é, Espanha, nos termos e para os efeitos do art. 12º nº 1 da Lei n.º 36/2015, de 04 de Maio.

26a - Refere o douto despacho recorrido, a fls. 282, que "Finalmente resta adiantar que dada a nacionalidade dos arguidos e fora do território nacional, revela-se impossível de controlar a execução dessas medidas".

27a - Salvo melhor opinião, o douto despacho não teve em consideração a Lei n.º 36/2015, de 04 de Maio, que entrou em vigor em 04/08/2015 e estabelece o regime jurídico da emissão, do reconhecimento e da fiscalização da execução de decisões sobre medidas de coacção em alternativa à prisão preventiva, bem como da entrega de uma pessoa singular entre Estados membros no caso de incumprimento das medidas impostas, transpondo a Decisão-Quadro 2009/829/JAI do Conselho, de 23 de Outubro de 2009.

28a - A Decisão-Quadro n.º 2009/829/JAI do Conselho, de 23 de Outubro de 2009, visa "reforçar a proteção do público em geral, permitindo que uma pessoa residente num Estado-Membro, mas que seja arguida num processo penal noutro Estado-Membro, seja supervisionada pelas autoridades do Estado onde reside enquanto aguarda o julgamento. Permite, assim, controlar os movimentos do arguido, garantindo a proteção do público em geral e permitindo que a aplicação de medidas diferentes da prisão preventiva seja possível, porque a fiscalização das mesmas, ainda que fora do território nacional, passa a ser também ela possível."

29ª - Pelo que, não se pode vedar à ora recorrente o direito assegurado pela Decisão-Quadro e Lei n.º 36/2015 supra melhor identificadas, que permitem que a recorrente, residente num Estado-Membro (Espanha), sendo arguida num processo penal noutro Estado-Membro (Portugal), seja supervisionada pelas autoridades do Estado onde reside enquanto aguarda o julgamento.

30a - Nestes termos e pelo mais que for doutamente suprido deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogado o douto despacho recorrido, ordenando-se a alteração da medida de coacção de apresentação diária num posto territorial, próximo da residência, em território nacional, pela medida de coacção de Termo de Identidade e Residência, ou caso assim não se entenda, deve a arguida, cumprir as medidas de coacção que lhe foram impostas no seu país de residência legal e habitual, isto é, Espanha, nos termos e para os efeitos do art. 12º n.º 1 da Lei n.º 36/2015, de 04 de Maio, fazendo assim V. Exas. a Costumada JUSTIÇA!

3. Respondeu às motivações de recurso o Ministério Público junto do tribunal a quo, pugnando por lhes ser negado provimento.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “Visto”.

5. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

            Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO


1.Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

  No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Recurso de A

Inexistência de fortes indícios da prática do crime imputado.

Verificação dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção/violação do princípio da presunção de inocência/adequação da medida de prestação de caução.

Iumprimento das medidas de coacção em Espanha.

Recurso de B

Verificação dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção.

Cumprimento das medidas de coacção em Espanha.

Recurso deC

Verificação dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção.

Cumprimento das medidas de coacção em Espanha.

            2. Elementos relevantes para a apreciação deste recurso

2.1 Após 1º interrogatório judicial de arguido detido foi, aos 22/08/2015, proferido despacho que aplicou aos recorrentes as medidas de coacção de termo de identidade e residência, obrigação de apresentação diária em posto policial da área da residência, proibição de se ausentarem para o estrangeiro sem prévia autorização do tribunal e proibição de contactarem entre si por qualquer meio, por existirem fortes indícios da prática pelos mesmos, em co-autoria, de um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, nº 1, alínea a), do Código Penal e se verificarem em concreto os perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e “alarme social”.

   2.2 Em 25/08/2015, vieram os arguidos requerer se permitisse o cumprimento das medidas de coacção aplicadas no local da respectiva residência habitual, ou seja, em Espanha.

  2.3 A juntou aos autos, em 04/09/2015, documentos para comprovar a sua residência em Espanha, a composição do seu agregado familiar e sua actividade laboral em território espanhol.

    2.4 B juntou aos autos, em 07/09/2015, documentos para demonstrar a sua morada em Espanha, que tem duas filhas e é casado, bem como o exercício de actividade laboral.

   2.5C juntou aos autos, em 07/09/2015, documentos visando comprovar sua morada em Espanha, o nascimento dos dois filhos e o exercício de actividade laboral.

2.2 É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte que releva (transcrição):


Vêm os arguidos requerer alteração da sua medida de coacção, invocando para o efeito as dificuldades de permanência em território nacional uma vez que têm família e negócios no seu país de origem, estando em causa a sua própria subsistência em Portugal.
Consagra o artigo 212, nº 1 a 4 do C.P.P. de que caso existam alterações nos indícios e nas circunstâncias que justificaram essas mesmas medidas de coacção, estas podem ser revogadas, alteradas e mesmo extintas.
Nesta sede os arguidos quiseram prestar declarações justificando desconhecer a origem do dinheiro falso, sendo os arguidos C e B alegando que o mesmo era proveniente da actividade profissional desenvolvida, resultando da venda de cães e mediante pagamento com dinheiro vivo de diferentes pessoas, enquanto que o arguido A alega que veio apenas prestar auxilio na exposição canina aos seus amigos e aqui co-arguidos, que ficaram encarregues de suportar todas as despesas.
Não obstante a justificação apresentada e pretendendo a arguida C assumir a integral responsabilidade, a verdade é que a justificação adiantada não se revela crível, pelo menos nesta fase indiciária, uma vez que reconheceu deter sociedade com o arguido B e na repartição dos proveitos, todas as notas indiciariamente falsas ficaram na sua posse.
Por outro lado revelando ter os contactos dos compradores dos alegados cães e fornecedores do dinheiro falso, nesta data nada adiantaram de concreto.
Já no que concerne à justificação apresentada pelo arguido A, não se revela crível que viesse ajudar os arguidos a Portugal a troco de nada, uma vez que estes se limitavam a suportar as suas despesas.
Desta forma e atentos os indícios recolhidos até ao momento e plasmados nos autos e decorrentes dos autos de denúncia e de notícia, das apreensões, das fotografias e documentação respeitante ao veículo não se alcança que as declarações dos arguidos tenham colocado em causa tal documentação, uma vez que as justificações não se revelaram plausíveis com as regras da experiência.
Mais resulta fortemente indiciado nos autos que o elevado montante monetário apreendido com o mesmo número de série, faz crer que esta não terá sido uma situação pontual, sendo que a alegada proveniência do dinheiro e de diferentes pessoas não foi justificada, mesmo quando confrontados para o efeito, com o mesmo número de série constante de todas as notas.
Por outro lado e detendo os arguidos nacionalidade espanhola, e revelando rendimentos pessoais abaixo da média, até pela documentação apresentada, e sem qualquer património pessoal fazem crer que poderão dedicar-se a esta actividade ilícita, não revelando igualmente condições para que se possa ponderar a alteração das medidas de coacção já aplicadas por outra menos gravosa e do foro patrimonial.
Assim sendo, consideramos que se mantêm inalterados os indícios probatórios já recolhidos nos autos e avaliados em sede de 1o interrogatório judicial, mantendo-se igualmente inalterados os pressupostos que consubstanciaram a aplicação das anteriores medidas de coacção.
Efectivamente revelam-se fortemente indiciados os perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, bem como o alarme social originado com esta situação, plasmado no artigo 204º, al. a) e c)do C.P.P.
Finalmente resta adiantar que dada a nacionalidade dos arguidos e fora do território nacional, revela-se impossível de controlar a execução destas medidas.
Pelo exposto indefere-se o requerido pelos arguidos mantendo-se integralmente as medidas de coacção aplicadas em sede de 1o interrogatório conforme decorre de fls. 68/69 dos autos.

Apreciemos.

Recurso de A

Questão prévia

Com a motivação de recurso junta o recorrente treze documentos.

Ora, a finalidade do recurso é que o Tribunal Superior aprecie a decisão recorrida e não que se pronuncie sobre questões novas.

  E a decisão recorrida tem de ser apreciada tomando em consideração o direito aplicável ao caso concreto e bem assim os elementos existentes nos autos quando da sua prolação, pois ao tribunal de recurso não compete proferir decisões que não tenham sido colocadas perante o tribunal recorrido, mas analisar as decisões por este proferidas e aferir da sua conformidade com as provas e com a lei e este juízo terá que se circunscrever aos elementos a que o tribunal a quo teve acesso.

            É que, conforme tem sido uniformemente entendido pelos nossos tribunais superiores e mormente pelo Supremo Tribunal de Justiça, os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições, posto que, como remédios jurídicos que são, com eles não se visa o conhecimento de questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso (cfr., por todos, Ac. do STJ de 26/09/2007, Proc. nº 07P1890, disponível em www.dgsi.pt) e, para tanto, é manifesto que terão de se considerar apenas os elementos a que o tribunal recorrido teve acesso no momento em que foi proferida a decisão.

            Daí que estes elementos devam manter-se inalterados.

            Ora, aquilo que o arguido/recorrente pretende com a junção dos documentos é a alteração da decisão com recurso a novos elementos não acessíveis no momento da prolação da decisão, o que a lei não contempla.

    Face ao que, os documento juntos com a motivação não serão levados em conta.

Inexistência de fortes indícios da prática do crime imputado

Importa desde logo salientar que estamos perante recurso de uma decisão que mantém decisão anterior (de 22/08/2015) em que foram aplicadas as medidas de coacção que o arguido/recorrente agora critica, mas que deste despacho oportunamente não interpôs recurso.

No despacho que aplicou as medidas de coacção contra as quais o recorrente se insurge, considerou-se existirem fortes indícios da prática pelos três arguidos, em co-autoria, de um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, nº 1, alínea a), do Código Penal e se verificarem em concreto os perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e “alarme social”.

Assim, e sob pena de violação do princípio da submissão das medidas de coacção à condição “rebus sic stantibus” (que resulta da conjugação do estabelecido nos artigos 212º e 213º, do CPP) importa apenas analisar se sobreveio motivo que justifique alteração legal das medidas anteriormente tomada, posto que a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham conduzido à sua aplicação – neste sentido, vd. por todos, o Acórdão desta Relação e Secção de 13/10/2009, Proc. nº 117/08.3SHLSB-A.L2-5, disponível em www.dgsi.pt.

   Ou seja, cumpre apurar se os pressupostos que determinaram a aplicação daquelas medidas ao recorrente se alteraram e, assim sendo, se resulta atenuação das exigências cautelares que constituíram seus fundamentos.

  Considerou-se na decisão revidenda que, face à factualidade indiciariamente apurada, os elementos probatórios recolhidos continuam a evidenciar fortemente a prática pelos arguidos/recorrentes do crime então imputado, mantendo-se o juízo formulado no despacho inicial sobre a existência de indícios clara e suficientemente fortes para determinar a aplicação das medidas de coacção em causa.

  O recorrente A pretende colocar, porém, em crise a existência desses indícios.

            Resulta dos autos que, no âmbito do 1º interrogatório judicial de arguido detido, o ora recorrente (bem como os outros dois arguidos) declarou não pretender prestar declarações.

            Em 21/09/2015, prestou declarações sobre os factos imputados e suas condições pessoais, referindo, entre o mais, que não trabalhava para os outros arguidos e que apenas lhes tratava dos cães nas exposições caninas, como hobby, pagando-lhe eles as despesas relativas a viagem, estadia e alimentação. Desconhecia que a nota do BCE com o valor facial de 50,00 euros queC lhe entregara para adquirir bebidas era falsa, bem como desconhecia que os outros arguidos fossem possuidores de notas com essas características. Desenvolve actividade laboral como cabeleireiro de cães em part-time, auferindo 450,00 euros mensais e vive com a progenitora e um irmão.

Mais referiu o recorrente que reside em Barcelona e os arguidos C e B em Granada.

C Navarro prestou também declarações na mesma data, relatando que desconhecia ser possuidora de notas falsas, sendo que, antes de se deslocar para a exposição canina em Portugal, vendeu em Espanha nove cachorros a nove pessoas diferentes. Parte dos preços foi paga por transferência bancária e outra parte em numerário. Todas as notas falsas apreendidas eram suas e provenientes da venda dos animais.

Confirmou que A apenas os vinha ajudar e que ela e o B, seu sócio, lhe pagavam as despesas.

Quanto a B, nas declarações que prestou nessa data, referiu que as notas que se encontravam no interior da viatura e no casaco (que era seu) não lhe pertenciam e que o A tinha vindo para os ajudar na exposição dos cães.

            Vejamos então.

O crime de passagem de moeda falsa imputado é punível com pena de prisão até 5 anos.

As medidas aplicadas foram as de termo de identidade e residência, obrigação de apresentação diária em posto policial da área da residência, proibição de se ausentarem para o estrangeiro sem prévia autorização do Tribunal e proibição de contactarem entre si por qualquer meio.

Condições gerais de aplicação das medidas de coacção são as enunciadas no artigo 192º, do CPP, sendo que, no que tange à indiciação do crime, as exigências legais para cada uma delas não se mostram unívocas.

Assim:

É sujeito a termo de identidade e residência todo aquele que for constituído arguido, pelo que para a aplicação desta medida prescinde a lei de estar ou não demonstrada a existência de indícios, bastando que não estejam presentes causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.

Para a obrigação de apresentação periódica, prevista no artigo 198º, do CPP, exige-se que o crime imputado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 6 meses, de onde resulta a necessidade da existência de indícios da prática do crime, ou seja, como salienta Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II Volume, 3º edição, Editorial Verbo, 2002, págs. 261/262, “é sempre necessário que seja possível formular um juízo de indiciação da prática de um determinado crime” e “a indiciação do crime necessária para aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial significa probatio levior, isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior à que é necessária para a condenação (…) não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime”.

Para a imposição das obrigações de não se ausentar para o estrangeiro sem autorização e não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas – previstas no artigo 200º, nº 1, alíneas b) e d), do CPP – têm de se verificarem fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.

Inexiste, no texto legal, a definição do que se entende por “fortes indícios” e certo é que no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, se consagra o princípio da presunção de inocência (de onde emana o princípio “in dubio pro reo”) segundo o qual “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença da condenação” pelo que podemos afirmar, desde logo e na esteira do Ac. R. do Porto de 25/03/2010, Proc. nº 1936/09.9JAPRT-A.P1, in www.dgsi.pt, que existem fortes indícios da prática de um crime quando os mesmos sejam concretos e contrariem de modo inexorável essa presunção de inocência.

            De acordo com a lição de Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 262, “nos casos em que a lei exige fortes indícios a exigência é naturalmente maior; embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos da prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”.


   No despacho que aplicou as medidas de coacção – o de 22/08/2015 - considerou o tribunal a quo, com alicerce no teor do auto de notícia de fls. 5 e 6, registos fotográficos de fls. 7 a 10, autos de apreensão de fls. 13, 14, 17 e 18 e declarações de P e IP, fortemente indiciada a seguinte materialidade:


Em data não concretamente apurada, mas anterior a 21 de Agosto de 2015, os arguidos, de forma não apurada adquiriram várias notas com o valor facial de € 50,00 euros, todas com o número de série - SI 1175422611, tendo perfeita noção de que as mesmas não haviam sido emitidas pela entidade pública competente.

Seguidamente, e na execução de plano previamente gizado, os arguidos vieram para Portugal, onde, em conjugação de esforços e intenções, resolveram colocar em circulação as referidas notas, com o intuito de obter benefícios financeiros que sabiam ser indevidos.

Assim, no dia 21.08.2015, pelas 18 h, no Parque de Exposições de Torres Vedras, onde decorria uma exposição canina, no estabelecimento de bar explorado por P, o arguido A, em concretização do referido plano, entregou-lhe, para pagamento de duas garrafas de água e dois refrigerantes, uma nota de € 50,00 (cinquenta euros) com o número de série - SI 1175422611.

        O papel da nota aparentava ser mais espesso que o das notas em circulação, o que suscitou a suspeita de P, quanto à sua falsidade, a qual se veio a confirmar quando passada por um detector existente no bar do Terminal Rodoviário.

Contactada a PSP que de imediato se deslocou ao local, o arguido A, veio a ser encontrado, acompanhado pelos arguidosC e B, no interior da viatura de matrícula 7578 BBR, a qual se preparava para abandonar o supracitado Parque de Exposições.

Aquando da abordagem pela PSP, os arguidos, manifestaram algum nervosismo, pelo que foram sujeitos a uma revista de segurança.

No interior da mala deC foram encontradas 10 notas de € 50,00 euros, todas com o mesmo número de série - SI 1175422611, igual ao da nota que havia sido entregue a P.

            Efectuada uma busca à viatura em que se faziam transportar os arguidos, propriedade do arguido B, foram encontradas:

            por debaixo do banco em que se encontrava a arguidaC 9 notas de € 50,00 euros,

            no interior de um fato masculino, pendurado num cabido do banco traseiro, 6 notas de € 50,00 euros, todas com o mesmo número de série.

Na mesma data e local, a hora não concretamente apurada, os arguidos haviam já entregue a IP, responsável pela exposição canina, uma nota de € 50,00 euros com o mesmo número de série - SI 1175422611.

A semelhança com as notas autênticas, facilmente as fazia passar por verdadeiras perante a generalidade das pessoas.

Os arguidos ao deterem e utilizarem, nas descritas circunstâncias, como meio de pagamento as identificadas notas, sabiam que estavam a colocar em circulação notas que não haviam sido emitidas pela entidade pública competente, dado tratarem-se de imitações.

Sabiam ainda que assim causavam prejuízos a terceiros e ao Estado, afectando ainda a credibilidade e confiança na circulação fiduciária.

Os arguidos agiram de modo livre e voluntário, com perfeito conhecimento que a sua conduta era prevista e punida pela lei penal, o que não os coibiu de actuar do modo descrito.

            Deste despacho não recorreu qualquer dos arguidos.

Prestadas que foram as retro mencionadas declarações pelos arguidos, entendeu o tribunal recorrido que:

(…) os arguidos quiseram prestar declarações justificando desconhecer a origem do dinheiro falso, sendo os arguidos C e B alegando que o mesmo era proveniente da actividade profissional desenvolvida, resultando da venda de cães e mediante pagamento com dinheiro vivo de diferentes pessoas, enquanto que o arguido Arnau alega que veio apenas prestar auxilio na exposição canina aos seus amigos e aqui co-arguidos, que ficaram encarregues de suportar todas as despesas.

Não obstante a justificação apresentada e pretendendo a arguida C assumir a integral responsabilidade, a verdade é que a justificação adiantada não se revela crível, pelo menos nesta fase indiciária, uma vez que reconheceu deter sociedade com o arguido B e na repartição dos proveitos, todas as notas indiciariamente falsas ficaram na sua posse.

Por outro lado revelando ter os contactos dos compradores dos alegados cães e fornecedores do dinheiro falso, nesta data nada adiantaram de concreto.

Já no que concerne à justificação apresentada pelo arguido Arnau, não se revela crível que viesse ajudar os arguidos a Portugal a troco de nada, uma vez que estes se limitavam a suportar as suas despesas.

Desta forma e atentos os indícios recolhidos até ao momento e plasmados nos autos e decorrentes dos autos de denúncia e de notícia, das apreensões, das fotografias e documentação respeitante ao veículo não se alcança que as declarações dos arguidos tenham colocado em causa tal documentação, uma vez que as justificações não se revelaram plausíveis com as regras da experiência.

Mais resulta fortemente indiciado nos autos que o elevado montante monetário apreendido com o mesmo número de série, faz crer que esta não terá sido uma situação pontual, sendo que a alegada proveniência do dinheiro e de diferentes pessoas não foi justificada, mesmo quando confrontados para o efeito, com o mesmo número de série constante de todas as notas.

Por outro lado e detendo os arguidos nacionalidade espanhola, e revelando rendimentos pessoais abaixo da média, até pela documentação apresentada, e sem qualquer património pessoal fazem crer que poderão dedicar-se a esta actividade ilícita, não revelando igualmente condições para que se possa ponderar a alteração das medidas de coacção já aplicadas por outra menos gravosa e do foro patrimonial.

Assim sendo, consideramos que se mantêm inalterados os indícios probatórios já recolhidos nos autos e avaliados em sede de 1o interrogatório judicial (…).

            Face a esta explicitação e aos aludidos elementos probatórios constantes dos autos, entendemos que a indiciação apurada após o 1º interrogatório judicial de arguido detido não se alterou, porquanto a versão apresentada pelo recorrente A (bem como as relatadas pelos outros arguidos) é, efectivamente, pouco ou mesmo nada verosímil face às regras da experiência comum, não se mostrando crível, desde logo, que residindo e exercendo actividade laboral em Barcelona, tendo celebrado o contrato de trabalho em 17/08/2015, se tivesse deslocado para Granada para se encontrar com B eC – que nesta cidade residem e que dista cerca de 900 km daquela – para depois seguirem para Portugal apenas para ajudar estes no tratamento dos cães durante a exposição canina que se realizava no Parque de Exposições de Torres Vedras e sem auferir qualquer remuneração.

Assim como não se apresenta como credível a versão aventada por B de que fosse possuidor de notas falsas, quando parte delas se encontrava no bolso exterior de um casaco que lhe pertencia, bem como a exposta porC de que desconhecia as características das dez notas falsas com o valor facial de 50,00 euros que se encontravam no interior da respectiva mala; nove notas com o mesmo valor facial que estavam dissimuladas sob o banco que ocupava na viatura automóvel em que todos se faziam transportar e seis notas de igual valor inseridas no bolso de um casaco masculino pendurado num cabide junto ao assento traseiro, para além das que foram entregues a IP e a P.

Assim, conjugando todos os referidos elementos que individualizados se encontram na decisão revidenda, podemos concluir estar, nesta fase processual, fortemente indiciada a prática pelo recorrente (e, pelos arguidosC e B também) dos factos que lhe são imputados na decisão sob censura, bem como correctamente subsumida a sua conduta enquanto integradora da prática, em co-autoria, de um crime de passagem de moeda falsa, não se verificando violação alguma dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo, carecendo de razão neste segmento do recurso.

Verificação dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção/violação do princípio da presunção de inocência/adequação da medida de prestação de caução

Sustenta o recorrente ainda que não se verificam os requisitos previstos no artigo 204º, do CPP, de verificação dos perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e alarme social, em que se fundou o tribunal recorrido para a aplicação e manutenção das medidas de coacção agora censuradas.

Constituem requisitos gerais de aplicação de qualquer medida de coacção, salvo a de termo de identidade e residência, conforme consagrado no artigo 204º, do CPP, a verificação de:

“a) Fuga ou perigo de fuga;


b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”


No que tange ao perigo de fuga, explicitou-se na decisão que aplicou as medidas de coacção, que:
(…) uma vez que os arguidos não ignoram a gravidade das suas condutas, as penas abstractamente aplicáveis e a alta probabilidade de virem a ser condenados em pena de prisão efectiva, afigurando-se-lhes, certamente, como mais vantajoso eximirem-se à acção da justiça.
Além disso, os arguidos possuem nacionalidade espanhola, pelo que é evidente a facilidade que possuem em encetar fuga do território nacional, importando notar que beneficiam de enorme mobilidade por serem cidadãos da União Europeia.
A alta probabilidade de os arguidos serem condenados numa pena de prisão efectiva, atenta a gravidade dos factos indiciados, é um critério que permite avaliar a vantagem que a fuga representa, considerando, ademais, que os arguidos, sendo espanhóis, têm grande facilidade em estabelecer-se no seu país natal. Agrava este perigo o facto de os arguidos não terem paradeiro certo em Portugal, como decorre dos TIR já prestados.
Assim, o perigo de fuga faz-se sentir de modo intenso.

E, na decisão recorrida mantém-se que continua esse perigo a verificar-se.

            Ora, o recorrente não trouxe aos autos factos ou circunstâncias alguns susceptíveis de integrarem alteração significativa dos que levaram à conclusão pela sua existência, limitando-se à censura do entendimento vertido no despacho proferido após o 1º interrogatório judicial, sendo que este entendimento da Mmª Juíza não pode agora aqui ser colocado em causa sem mais, como ficou dito.
Quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa, entendeu-se na decisão de 22/08/2015 estar presente, porquanto, face ao número de notas falsas apreendido, não se podendo olvidar que os arguidos são de nacionalidade espanhola, sendo, pois, muito provável que os mesmos tenham na sua posse, designadamente, nas suas residências ou num outro local do seu conhecimento, mais notas falsas.
Por outro lado, os arguidos não esclareceram as suas condições pessoais, indiciando-se uma forte probabilidade de virem a cometer novos factos de idêntica natureza para prover às suas necessidades, como tudo indica que têm vindo a fazer, sendo certo que se deslocaram para território nacional com esse desígnio.

E na decisão agora sob censura, reafirma-se a existência desse perigo, acrescentando-se que detendo os arguidos nacionalidade espanhola, e revelando rendimentos pessoais abaixo da média, até pela documentação apresentada, e sem qualquer património pessoal fazem crer que poderão dedicar-se a esta actividade ilícita (…).

Ora, o que resulta dos documentos juntos pelo recorrente em 04/09/2015 é que reside em Barcelona, sendo o seu agregado familiar integrado também pela progenitora e um irmão.

Mais resulta que celebrou contrato de trabalho com início em 17/08/2015, com uma jornada semanal de vinte horas, em estabelecimento de “cabeleireiro canino” situado na mesma cidade, o que, segundo as suas declarações, iria começar a desenvolver (a actividade laboral) no dia 24 de Agosto.

Como é patente, face ao que dos autos consta e pode ser valorado por este Tribunal de recurso, a situação financeira do recorrente apresenta-se pouco favorável, notoriamente abaixo da média.

Por outro lado, atento o número de notas falsas apreendidas e a natureza significativamente lucrativa – por isso fortemente aliciante – da passagem de moeda falsa, indiciando os autos actividade em execução, configura-se realmente o perigo de que a mesma persistirá, não sendo esta conclusão infirmada pela ausência de antecedentes criminais.

Relativamente ao “alarme social”, elucida-nos o despacho que aplicou as medidas que os factos indiciados são geradores de alarme social. Com efeito, há fortes indícios de que os arguidos, na concretização de um plano previamente gizado, decidiram colocar em circulação no território nacional notas falsas, o que lograram fazer, pondo em causa a intangibilidade do sistema monetário, incluindo a confiança e credibilidade na circulação fiduciária, o que é gerador de perturbação e instabilidade social.

Mas, na verdade, o “alarme social” não consta da enunciação dos perigos feita no artigo 204º, do CPP, mormente da sua alínea c), pois o perigo ali consagrado é o de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.

E, como refere Vítor Sequinho dos Santos, Medidas de Coacção, Revista do CEJ, 1º semestre de 2008, nº 9 Especial, pág. 131, “mesmo anteriormente à Lei nº 48/2007, o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devia ser entendido como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade. A nova redacção da al. c) do art. 204º veio afastar qualquer possível dúvida sobre este aspecto, apontando claramente no sentido que já antes era correcto.” Ou seja, exige-se que “haja perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devido a um previsível comportamento futuro do arguido”, o que não é de todo coincidente com o denominado “alarme social”.

De qualquer modo, os perigos mencionados nas diversas alíneas daquele artigo são de verificação alternativa e não cumulativa, pelo que sempre restam os de fuga e continuação da actividade criminosa para alicerçar a aplicação das medidas de coacção.

Em suma, as razões aduzidas pelo recorrente não fazem claudicar os perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa que no despacho recorrido se considerou continuarem verificados.

Diz-se ainda nas conclusões de recurso que o despacho recorrido não obedeceu aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade, consagrados nos artigos 191º, 192º e 193º, do CPP.

Quanto à aplicação das medidas, estabelece-se no nº 1, do artigo 191º, do CPP, o princípio da legalidade das medidas de coacção, segundo o qual “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”.

Por seu lado, no artigo 193º, nº 1, do CPP afirmam-se os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade dessas medidas, em função das exigências cautelares e da gravidade do crime e das sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas no caso concreto.

Cumpre se reafirme, que em causa só está o despacho de manutenção das medidas e não aquele que as aplicou, de que não foi interposto recurso.

Ora, o recorrente não concretiza em que termos a decisão recorrida viola os aludidos princípios, nem o da presunção de inocência ou qual o fundamento para se concluir que está em desconformidade com o estabelecido no artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não vislumbrando este Tribunal onde essa obliteração possa ser comprovada.

Pugna ainda o recorrente pela aplicação da medida de prestação de caução em substituição das aplicadas.

Tal pretensão não tem, porém, apoio legal pois, nos termos do estabelecido no artigo 212º, nº 2, do CPP, o juiz só substituirá uma medida de coacção por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução, quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que à primeira conduziram, o que, como vimos, não ocorre.

            Face ao exposto, improcede o recurso nesta parte.

Cumprimento das medidas de coacção em Espanha

   Subsidiariamente, pretende o recorrente que as medidas de coacção aplicadas sejam cumpridas e fiscalizadas no seu país de origem e residência - a Espanha - ao abrigo do estabelecido na Lei nº 36/2015, de 04/05.

No caso em apreço, cumpre ter em atenção os seguintes normativos da mencionada Lei:

            Artigo 1º

“A presente lei estabelece o regime jurídico da emissão, do reconhecimento e da fiscalização da execução de decisões sobre medidas de coação em alternativa à prisão preventiva, bem como da entrega de uma pessoa singular entre Estados membros no caso de incumprimento das medidas impostas, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão -Quadro 2009/829/JAI, do Conselho, de 23 de outubro de 2009, relativa à aplicação, entre os Estados membros da União Europeia, do princípio do reconhecimento mútuo às decisões sobre medidas de controlo, em alternativa à prisão preventiva.”

Artigo 3º 

“1 - São reconhecidas, sem controlo da dupla incriminação do facto, as decisões sobre medidas de coação que respeitem às seguintes infrações, desde que, de acordo com a lei do Estado de emissão, estas sejam puníveis com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a três anos:

(…)

j) Falsificação de moeda, incluindo a contrafação do euro;”

Artigo 4º

“1 — A presente lei aplica -se às seguintes medidas de coação:


a) Obrigação de comunicar às autoridades competentes qualquer mudança de residência, especialmente para receber a notificação para comparecer em audiência ou julgamento durante o processo penal;

(…)

d) Obrigação de respeitar certas restrições no que se refere à saída do território do Estado de execução;


e) Obrigação de comparecer em determinadas datas perante uma autoridade especificada;

f) Obrigação de evitar o contacto com determinadas pessoas relacionadas com a ou as infrações alegadamente cometidas (…)”.

Artigo 12º

“1 - Quando o arguido tenha a sua residência legal e habitual noutro Estado membro da União Europeia, o tribunal onde decorre o processo pode enviar para o Estado de residência uma decisão que aplique uma medida de coação visando a sua fiscalização nesse Estado, caso o arguido, depois de ter sido informado das medidas em questão, aceite regressar a esse Estado.”

Esta Lei entrou em vigor 90 dias após a sua publicação e é aplicável às decisões tomadas após a sua entrada em vigor, ainda que as mesmas tenham sido proferidas relativamente a processos iniciados anteriormente a esta data – artigos – artigos 25º e 26º.

            Ora, a decisão que aplicou as medidas de coacção foi proferida em 22/08/2015 e a que as manteve aos 21/09/2015.

O crime indiciariamente praticado de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, do Código Penal, mostra-se sistematicamente inserido na Secção deste que tem precisamente por epígrafe “Falsificação de moeda, título de crédito e valor selado”.

O recorrente é cidadão espanhol e tem residência habitual em Espanha.

As medidas de coacção aplicadas enquadram-se nas alíneas a), d), e) e f), do artigo 4º mencionado.

Assim sendo, estão verificados os pressupostos legais para a aplicação daquele regime jurídico merecendo, nesta parte, provimento o recurso.

Recursos de B eC

As questões suscitadas por estes recorrentes prendem-se com a verificação dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção e cumprimento das mesmas em Espanha, pelo que, existindo comunhão entre elas, serão apreciadas em conjunto, com as especificidades que se impõem.

Verificação dos pressupostos de aplicação das medidas de coacção

Entendem os recorrentes que não ficaram demonstrados os perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, pois não possuem antecedentes criminais e encontram-se social e familiarmente inseridos.

Quando da apreciação do recurso interposto por A se explicitou a manutenção de fortes indícios da prática por todos os recorrentes, em co-autoria, de factos integradores do crime de passagem de moeda falsa, enunciaram os requisitos gerais de aplicação de qualquer medida de coacção e bem assim os fundamentos que determinaram, quer a aplicação, quer a manutenção das medidas agora criticadas, pelo que nos coibimos de o repetir, por constituir acto inútil.

Ora, no que concerne ao perigo de fuga, também estes recorrentes não acrescentaram quaisquer factos ou circunstâncias com o mérito de consubstanciarem alteração relevante dos que levaram à verificação da sua existência, tão só criticando o entendimento constante do despacho lavrado aos 22/08/2015 e pretendendo colocá-lo em causa, o que, neste momento processual, não tem cabimento.

E, quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa, para além da crítica à decisão de aplicação das medidas, no que respeita à sua manutenção apenas se refere que se encontram social e familiarmente integrados, não averbando antecedentes criminais.

O que resulta dos documentos juntos pelos recorrentes e das suas declarações no interrogatório complementar é o seguinte:

O recorrente nasceu em Espanha e reside em Chimeneas – Granada; é casado; tem duas filhas nascidas, respectivamente, em 16/06/1994 e 24/03/2000; é sócio com C (e Ana ) da sociedade denominada “NOOR Y ALBARRAL IMPORT EXPORT, S.L.”, cujo fim é a criação de exemplares de canídeos; Não tem antecedentes criminais.

A recorrente nasceu em Espanha e reside em Ogíjares – Granada; tem um filho nascido em 25/06/2004 e uma filha em 08/01/2001; é sócia com B (e Ana ) da sociedade denominada “NOOR Y ALBARRAL IMPORT EXPORT, S.L.”; não tem antecedentes criminais.

Demonstrados não estão os rendimentos auferidos pelos recorrentes no desenvolvimento da sua actividade e certo é que a respectiva situação social e familiar que invocam já existia à data da indiciada conduta delituosa, o que não impediu que a ela se dedicassem.

   Assim, mantém-se o perigo de continuação da actividade criminosa pelos fundamentos igualmente já aduzidos.

  Sustentam igualmente os recorrentes que, na aplicação da medida de apresentação periódica, não se tomou em consideração as suas exigências profissionais e o local de habitação, contrariando o que se consagra no artigo 198º, do CPP, bem como que a medida de termo de identidade e residência se revela suficiente para satisfazer as exigências cautelares que o caso exige.

  Mas, como já também se mencionou supra, conforme estabelecido no artigo 212º, nº 2, do CPP, o juiz só substituirá uma medida de coacção por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução, quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que à primeira conduziram.

     Esta atenuação não se verifica, pelo que carecem os recorrentes de razão, quer na crítica que fazem, quer na sua pretensão.

Cumprimento das medidas de coacção em Espanha

Almejam também os recorrentes o cumprimento das medidas de coacção no seu país natal, onde residem.

Tal pretensão merece acolhimento, pelos fundamentos expendidos relativamente ao recorrente A, que aqui se dão por reproduzidos, por integralmente aplicáveis.

Termos em que, merecem parcial provimento os recurso interpostos pelos arguidos B eC.

III - DISPOSITIVO

   Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em:

A) Julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido A e, em consequência, determinam que no caso seja aplicado o regime jurídico estabelecido na Lei nº 36/2015, de 04/05.

No mais, improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

            Sem tributação.

  B) Julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido B e, em consequência, determinam que no caso seja aplicado o regime jurídico estabelecido na Lei nº 36/2015, de 04/05;

No mais, improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

            Sem tributação.

  C) Julgar parcialmente provido o recurso interposto pela arguida C e, em consequência, determinam que no caso seja aplicado o regime jurídico estabelecido na Lei nº 36/2015, de 04/05;

No mais, improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

            Sem tributação.

            Lisboa, 26 de Janeiro de 2016.

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP).


(Artur Vargues)

(Jorge Gonçalves)