Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
499/15.0T9SXL.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: CRIME DE ABUSO SEXUAL DE MENORES
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA VÍTIMA
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I-O crime de trato sucessivo não se aplica aos crimes de abuso sexual de menores, pois o resultado prático pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime continuado em caso de condutas contra bens eminentemente pessoais (ainda que por referência à figura jurídica do crime continuado – com a alteração ao n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal realizada pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, que excluiu expressamente a admissibilidade da possibilidade de unificação de uma pluralidade de condutas na figura do crime continuado, quando estejam em causa bens eminentemente pessoais), também é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime de trato sucessivo, ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções;
II-Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador, pois este ao suprimir o segmento então acrescentado, ditou a sentença de morte do crime continuado nos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais. O crime continuado foi, então, excluído desse tipo de crimes, sem qualquer excepção, ficando restringido à violação plúrima de bens jurídicos não eminentemente pessoais;
III- De facto o crime de trato sucessivo, englobando a realização plúrima e essencialmente homogénea do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, basta-se com a prática de qualquer das condutas reiteradas praticadas, para que fique preenchido o tipo legal de crime, já que as mesmas são unificadas pela mesma «unidade resolutiva, e assim o tipo penal do crime de abuso sexual de crianças não é compaginável com tal figura jurídica, uma vez que, a específica configuração do crime de abuso sexual de crianças exige, pressupõe, a afirmação de uma pluralidade de resoluções criminosas na produção do resultado que desencadeiam e que, portanto, se autonomizam como tal, pois o traço caracterizador da figura do crime de trato sucessivo residirá no facto de o crime, na sua estrutura típica, pressupor a reiteração, punindo-se, desta forma, a prática, antes de mais, de uma actividade, que pode consumar-se em um ou mais actos;
IV-A estrutura típica do crime de abuso sexual de crianças não pressupõe tal reiteração, isto é, não se pretende com o mesmo punir uma actividade, pelo que não lhe é aplicável a figura do crime de trato sucessivo. Refira-se, ainda, que a eventual admissão da unificação de uma pluralidade de condutas essencialmente homogéneas, através da figura do crime de trato sucessivo, no âmbito do tipo penal de abuso sexual de crianças, poderia redundar num resultado que o legislador claramente quis afastar;
V- Às vítimas, são hoje concedidos direitos melhor enquadrados/ respaldados, do que no pretérito e espelhados em legislação, sendo exemplo disso o direito Comunitário como a DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL .De facto não se pode entender que face a dois depoimentos contraditórios, o do arguido/a e do/a ofendida, se deva dar sempre prevalência ao depoimento do arguido, pois para além do mais, tal não está legalmente consagrado, ficando tal missão de apreciação da prova e da sua livre convicção concedido ao poder jurisdicional, Constitucionalmente consagrado. Entendimento diverso se tivera tal afrontaria no seu cerne o estatuto de vítima e cercearia o processo de formação da livre convicção do julgador, tanto mais que no caso dos autos outros elementos de prova foram válidamente considerados para a formação da decisão proferida pelo Tribunal “ a quo”;
VI- O crime de abuso sexual de menores, cometido no seio da família nuclear, por ascendente do sexo masculino (avô), contra criança do sexo feminimo com quatro e cinco anos de idade, impõe a consideração pelo julgador, que na ponderação da medida concreta da pena a aplicar, tenha em vista as elevadissimas circunstâncias de protecção da vitima, da insensibilidade e irreverssibilidade da conduta predatória do agressor, que naturalmente aqui se impõem com especial acuidade, elevadas necessidades de prevenção geral por forma a mitigar o impacto e o alarme negativo da pratica do crime no tecido social português e a frequência com que à data se constata de facto um aumento considerável deste fenómeno que urge colmatar.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO
O arguido MM, melhor identificado nos autos a folhas 493, e no processo comum colectivo nº499/15.0T9SX, do Tribunal central criminal de Almada-J1, foi condenado através de sentença proferida a folhas 493 e seguintes, nos seguintes termos:
“-Pelo exposto, o Tribunal Colectivo acorda em julgar a acusação procedente por provada, condenado o arguido MM como autor material e em concurso real pela prática de três crimes de abuso sexual de criança agravado previstos e punidos pelos arts. 171" nº1 e art. l77° nº1 alínea a), do Cód.Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses por cada crime.
Nos termos do art.77° do Cód. Penal operando o cúmulo jurídico, ponderando os limites abstractos do cúmulo, condena-se o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.”
 (…)
Não se conformando com o acórdão, veio o arguido interpor recurso daquela decisão a folhas 514 e seguintes, apresentando as seguintes conclusões:
1- a queixa de f1s 1 foi subscrita por Ilustre Advogada sem poderes especiais para apresentar queixa criminal; ocorre violação dos arts 49 CPP e 112 do Cod. Penal.
2- A douta Sentença deve ser revogada; os factos alegadamente ocorridos em 2012-2013 não estão demonstrados de forma categórica; inexiste mais prova do que a mera declaração da menor; o arguido negou os factos; as declarações contraditórias são insuficientes para preencher a LIVRE CONVICÇÂO do JUIZ JULGADOR; assim,
3- Face ao princípio in dubio pro reo só restava ao Tribunal absolver o arguido à luz dos arts 127, 410-a) e c) do CPP e 6°_ 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem conceito de processo equitativo e fair trial; na verdade,
4- Sob a brilhante Lição de ENRICO MALATESTA " ... sempre que, portanto, a imputação do acusado deriva da testemunha única, ainda que esta seja, sob o ponto de vista da lógica criminal, da maior credibilidade, não pode prevalecer sobre a palavra contrária do acusado, de modo a produzir aquela certeza que é base legítima da condenação- pago 263 in "Lógica das Provas em Matéria Criminal "- MALATESTA; e conclui que "a declaração de criminalidade por parte da testemunha única, é destruída pela declaração de inocência por parte do acusado." - O cit., pag 259
5- No caso sub judice sob depoimento inócuo da menor não podia o Tribunal a quo fundamentar a sua íntima convicção com declarações vagas e sem apuramento por outros meios ... sendo certo que inexiste outra prova, o arguido negou os factos e não resulta dos autos exame médico conclusivo;
6-0 Tribunal a quo não valorizou o tempo decorrido desde a "possivel ocorrência dos factos" e a data do acórdão; na verdade, entre a data possível dos factos- 2012-2013 - e a condenação de 2-7-2019 decorreram quase SETE ANOS.
7-A f1s 122 consta o Relatório final da P.J.: "DATA DOS FACTOS: possivelmente em junho ou julho de 2013 ... "; no Acórdão consta 2012 ou 2013 - facto 5, o que traduz desconformidade, não explicitada em concreto na Decisão condenatória e nulidade; no Relatório policial refere-se "possivelmente" e no Acórdão que ocorreram antes ....
8- Decorreram 7 anos sobre os factos, o que o Tribunal a quo desvalorizou ao arrepio do are 72°-2-d) do Codigo Penal; efectivamente,
9-0 recorrente nasceu em …….-1947, conta, portanto, 72 ANOS de idade; pouco tempo de Vida lhe resta face à idade média de vida útil (76-80 anos); a ausencia de valoração do tempo decorrido traduz violação do art. 72-2-d) do Codigo Penal: a duração excessiva do processo deve ser relevada para efeitos de circunstância atenuante ....
10- é injusto, desproporcional e não equitativo condenar o arguido a vegetar numa cela fria e húmida por 5 anos e 4 meses, por 1580 DIAS longe da Família e amigos;
11-0 custo de manutenção do recorrente em cela fria e húmida de 5 m2 custa 55 € por dia, o que causa "rombo" financeiro de quase 120.000,00 € em 5 anos e 4 meses; e como ensinava o Marquês Cesar de BECCARIA:- não é a crueldade das penas que põe um travão ao crime mas antes a inefabilidade daquelas e, consequentemente a vigilância dos magistrados .... Dos Delitos e das Penas - 1764
12-A pena não deve exceder a medida da culpa; é inconcebível que a pena seja expiada ad eternum; a idade do arguido, 72 anos, mais os 5 anos e 4 meses de prisão raia os 77 anos, idade consentânea com o repouso ad eternum no "Jardim das tabuletas" ou, na vertente económica, uma breve ''passagem pelo crematório" ....
13-na decisão recorrida não se realizou sob o art. 40 do Cod. Penal um prognóstico individualizado e favorável de Reinserção social, assente na probabilidade séria de que o recorrente, uma vez em liberdade, adoptará um comportamento socialmente responsável; "olhou-se" apenas a factos alegadamente ocorridos em 201212013, condenou-se a prisão efectiva e pronto!!!. .. sem atentar na IDADE do arguido, nas GRAVES DOENÇAS de que padece- facto provado em 16 e documento anexo- doe 1
14- Dos factos provados em 5 no Acórdão consta que terão ocorrido em três ocasiões distintas o que traduz unificação num só crime de trato sucessivo ou prolongado ou protelado ou exaurido, pelo que o Tribunal a quo errou ao condenar por três crimes...
15- A ABSOLVIÇÃO é o desideratum correcto e JUSTO! ou uma pena não superior a 3 anos e suspensa na sua execução ....
16- O art. 127 CPP viola os arts" 32° da CRP e 6°-1 da CEDH quando entendido que, para formar a íntima convicção basta a declaração de outrem, sem mais elementos de prova.;
da interpretação das normas:
- O Tribunal a quo errou ao condenar o arguido pelo que foram violados os arts 171 e 177 do Cod Penal; o Tribunal errou; julgou erradamente os factos; arts 127 do CPP, 171 e 177 do CPP o Tribunal interpretou estes artigos no sentido de que a conduta do arguido preenche a previsão de 3 crimes de abuso sexual; bastando-se com as declarações da menor, o arguido entende que ausencia de exame medido e a inexistência de mais elementos do que as meras declarações da menor sem apoio de mais prova e contrariadas pelas declarações do arguido, deveriam e devem conduzir á absolvição em obediência ao principio in dubio pro reo.
-art° 40 Cod Penal: o Tribunal ostracizou esta norma pois não valorizou ad futuram um meio de satisfação do desideratum da Sociedade sob plano adequado da Reinserção Social; o arguido entende que deveria ser elaborado plano no sentido de aguardar em liberdade sob pena suspensa .... face à IDADE e DOENÇAS de que é portador
-O Tribunal a quo interpretou o art 127 do CPP no sentido de que as declarações da menor preenchem de per si o substrato da condenação pelos arts 171 e 177 do CP; o julgamento demonstra a ausencia de mais prova que as declarações da menor e o recorrente negou a prática do crime;
-O arguido entende que o art 127 do CPP deve ser interpretado no sentido da dúvida razoável, do in dubio pro reo e, consequentemente, o arguido absolvido.
-O art. 127 CPP viola os arts" 32° da CRP e 6°-1 da CEDH quando entendido que, para formar a íntima convicção basta a declaração de outrem, sem mais elementos de prova; pelo que deve o arguido ser absolvido de tal crime ....
Audiência publica: o arguido deve ser ouvido na Veneranda Relação sobre o vertido nos factos provados em 5 e 6; deve ser ouvida a gravação do julgamento para apreciação do modo como a menor prestou declarações face ao disposto nos arts 127 CPP, 171 e 177 CP, sob manifesta insuficiência para o preenchimento da intima convicção; o julgamento padece de ausencia de mais prova que as declarações da menor e o recorrente negou a pratica do crime;
Deve ser concedido provimento ao recurso e arguido absolvido !!!!!!
Só assim se fará JUSTIÇA I!!!
Ou se assim não se entender, condenado por um (1) único crime em 3 anos e pena suspensa na sua execução !!!
CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGANDO A DOUTA SENTENÇA E ABSOLVENDO O ARGUIDO MANUEL COSTA, OU CONDENANDO EM PENA DE 3 ANOS SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, VOSSAS EXCELENCIAS FARÃO A MAIS LÍDIMA justiça«:
O recurso foi admitido através do despacho de folhas 519.
O MºPº junto da primeira instância, respondeu à motivação do recurso apresentado pelo arguido a folhas 526 e seguintes, pugnando a final pela improcedência total do recurso.
O MºPº junto deste Tribunal, elaborou douto parecer o qual se encontra junto a folhas 538, concluindo pela improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º nº 2 do CPP.
O arguido apresentou resposta a folhas 542, na qual em suma, se debruça só sobre a pena que lhe foi aplicada, pugnando que não seja uma pena privativa da liberdade.
 Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.
Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.
Como é sabido, e resulta do disposto nos arts. 368.º e 369.º, ex vi art. 424.º, n.º 2, todos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem o objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois, dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
Por fim, das questões relativas à matéria de direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas.
Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).
O objecto do recurso interposto pelo arguido, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões: 
1-Ter sido efectuada uma queixa-crime porquem não detinha poderes para tal violando-se o artº 49º do CPP e 112º do m.m. diploma legal;
2-Ausência de prova directa e científica para a sua condenação sendo que esta só se estriba no depoimento da menor/ ofendida, sua neta;
3-Violação do principio in dúbio pro reo, tendo sido violados os artigos 127º, 410º al a) e c) do CPP e artº 6º nº 1 da CEDH;
4-O Tribunal “ a quo errou ao condenar o arguido pela prática dos crimes p.p. pelos artigos 171 e 177 do CPP;
5- O artº 127º do CPP viola o artigo 32º da CRP , atº 6º nº 1 da CEDH, quando entendido no sentido que quando para formar a intima convicção basta a declaração da ofendida sem mais elementos de prova, bastando para tal ouvir a gravação do julgamento pelo que deverá o arguido ser absolvido;
6- Violação dos artº 72º nº 2 d) e 40º, ambos do C.P. e quanto à ponderação da medida da pena, pois existe aqui uma ausência de valoração do tempo entretanto decorrido , à idade do arguido, bem como a doença que padece e tudo na óptica de que a pena não deve exceder a medida da culpa, pelo que o arguido devré ser absolvido ou condenado em pena de prisão não superior a três anos e suspensa na sua execução.
Vejamos então:
A sentença proferida pelo Tribunal Colectivo sob censura tem o seguinte teor:
(…)
O Digno Magistrado do Ministério Público, em processo comum com intervençào do Tribunal Colectivo, acusa o arguido:
MM, viúvo, reformado, nascido a ……..-1947, filho de AA, natural de Mangualde, residente na Rua ………………….., Amora, como autor material, de um crime de abuso sexual de crianças, de trato sucessivo, p. e p. pelos arts.171, n" 1 e 177, n? I, a) do C. Penal, imputando-lhe a prática dos factos constantes da acusação, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
A acusação foi recebida e o processo seguiu os seus termos ulteriores.
Em audiência de julgamento foi alterada a qualificação jurídica para o cometimento em concurso efectivo de três crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelos arts.171, n" 1 e 177, n° 1, a) do C. Penal.
Após o despacho que designou data para julgamento, a instância manteve-se regular e o processo válido, não tendo sido arguidas nulidades ou excepções.
Procedeu-se a julgamento com a observância das fonnalidades legais. Tudo visto e considerado.
FACTOS PROV ADOS.
Está provado que:
1-A ofendida XX, nascida em ……….. 2005, é filha de LL e de CC e é neta paterna do ora arguido MM.
2 - No mês de Maio de 2011 LL emigrou para o Luxemburgo e deixou a filha XX aos cuidados da avó materna PP, residente na Praceta ……………….., Seixal, muito embora tivesse sido decidido no processo de R R P n" 4301/11.4TBSXL do TFM, 11 do Seixal que a menor ficava a residir com o pai.
3 - Em data não apurada de 2011 o pai da ofendida Clara passou a residir na residência da sua avó PP, onde a partir de 2012 também passaram a viver II, nascida em ……..2003 e III, nascida em ………..1997, filhas de relacionamentos anteriores da LL.
4 - Desde a ida da mãe para o Luxemburgo e até ao mês de Maio de 2014 (altura em que foi para Inglaterra com o pai), a ofendida ficou por inúmeras vezes alguns períodos de tempo a sós com o arguido na residência deste, a maioria das vezes levada pelo pai e outras vezes levada pelo arguido, o qual a ia buscar à residência da avó PP, ficando sozinhos sempre que o pai da ofendida ia ao café, sendo que o período de maior permanência na residência do arguido ocorreu num determinado período no ano de 2013 em que o seu pai por motivo de doença foi morar com o arguido.
S - Aproveitando o facto de se encontrar a sós na sua residência com a ofendida, ao longo dos anos de 2012, 2013, o arguido em três ocasiões distintas em datas não concretamente apuradas, baixou as cuecas da ofendida, roçou o seu pénis erecto na região vulvar daquela.
6 - Só uns meses antes de ir para Inglaterra é que a ofendida contou à sua irmã II que o arguido lhe puxava as cuecas e lhe punha a pilinha no pipi, causando-lhe dor e só mais tarde tal chegou ao conhecimento da mãe da ofendida.
7 - O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, praticando actos com um significado directamente relacionado com a esfera da sexualidade e com a liberdade de determinação sexual da menor, pondo em crise o seu sentimento de pudor e de vergonha inato à generalidade das pessoas, querendo satisfazer a sua lascívia, bem ciente da idade da menor e da sua relação de parentesco, estando bem ciente do carácter ilícito da sua conduta.
8 - o arguido foi condenado em processo sumário n0932/03.4PBSXL que correu termos no 1 ° Juízo Criminal do Tribunal do Seixal por sentença transitada em julgado em 18/09/2003 pela prática de um crime de desobediência na pena de 450€ de multa por factos praticados em 8/06/2003, pena que vem a ser extinta por prescrição.
9 - Foi condenado em processo comum singular nº13211 O. 7PHSXL que correu termos no 2° Juízo Criminal do Tribunal do Seixal por sentença transitada em julgado em 13109/2012 pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5,50E e no período de 5 meses e 15 dias de proibição de conduzir. Sendo que a pena veio a ser substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade, por factos praticados em Maio de 2010. Penas que vem a ser extintas pejo cumprimento.
10 - O arguido primeiramente concluiu o 4° ano de escolaridade, tendo iniciado funções profissionais indiferenciadas.
II - Veio residir para Lisboa trabalhando na indústria hoteleira e na restauração durante alguns anos.
12 - Depois trabalhou no Banco Borges e Irmão concluindo na altura o 9° ano de escolaridade no ensino nocturno, mantendo-se nessa instituição bancária até à reforma na casa dos 50 anos de idade.
13 - Com cerca de 29 anos o arguido casou com a companheira com quem já mantinha uma relação de namoro, do qual nasceram dois filhos, união que se manteve durante 21 anos até o cônjuge falecer.
14 - Actualmente o arguido mantém-se no agregado familiar da filha, composta por três assoalhadas
15 - O arguido aufere a pensão mensal de 1.250€ tendo despesas médicas e participando nas despesas do seu agregado familiar.
16 - O arguido é seguido medicamente em consultas de pneumologia, cardiologia, gastroentologia e oncologia, apresentando factores de risco vascular e doença coronária, padecendo de aneurisma da aorta abdominal.
17 - O arguido tem défice de auto-crítica sobre os seus comportamentos faltosos.
18 - A ofendida XX ao ser surpreendida com os actos do arguido, sofreu choque e constrangimento nas três situações.
19 - A ofendida sofreu e continua a sofrer, sentindo-se perturbada com a conduta invasiva do arguido, supra descrita.
Não está provado que:
- o arguido tentou introduzir o pénis na vagina da ofendida.
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
O Tribunal na formação da sua convicção (atendendo aos critérios enunciados no art.1270 do Cód.Proc.Penal), ponderou o conjunto de todos os elementos probatórios. Interessaram as declarações da menor onde a vítima Clara Sofia Costa, mostrando a maior dificuldade/impossibilidade em verbalizar os factos, pelo sofrimento inerente (de que o Tribunal se apercebeu), prestou o depoimento por escrito escrevendo na presença do Tribunal Colectivo e de todos os presentes em plena audiência de julgamento as respostas às perguntas que lhe foram sendo feitas em audiência, conforme fls.484.
Assim, à pergunta sobre o que aconteceu com o arguido, a menor ofendida escreveu "ele ponha a pilinha no pipi varias vezes e chamava nomes e as vezes tratava-me mal."; e à pergunta onde terá acontecido a menor escreveu "em casa do meu pai.", à pergunta sobre quanto tempo duraram essas situações respondeu escrevendo "foram varias meses" esclarecendo as circunstâncias dizendo que o seu pai "deixava-me sozinha com ele" e que o arguido "dizia para eu não contar!". A menor confirmou o essencial da conduta do arguido embora não tenha sido possível apurar a tentativa de penetração que consta da acusação.
Das declarações da menor na forma acabada de referir resultou evidente o constrangimento e trauma que a mesma sofreu, e que ainda sofre.
Os depoimentos das testemunhas, irmãs da ofendida, foram especialmente relevantes, dando notícia de que a dado momento a menor XX mostrou alterações drásticas de comportamento, evidenciando sinais de abuso sexual.
Assim, a testemunha II (irmã da ofendida), depondo com isenção e objectividade referiu que viveu com a irmã desde 2012, assim como com as outras irmãs. No agregado familiar estava lá o CC que é o pai da XX e a avó materna. Viu que a irmã XX andava estranha e a dado momento perguntou à depoente se podia contar uma coisa e contou que o avô lhe tinha posto a pilinha dentro do pipi. Ficou com a ideia que isso teria acontecido há pouco tempo, há meses e várias vezes. Ela contou a chorar, tendo a depoente ficado convencida que era verdadeiro. Acha que uma criança pequenina não ia dizer uma coisa destas. A avó estava em casa. A XX disse para a depoente não contar à avó, mas a depoente contou. Ela disse que o arguido fazia isso várias vezes, sempre que o pai saia para- o Café e ficava sozinha com ele, ele fazia isso. Ela disse que puxava as cuecas para baixo e punha a pilinha no pipi. A XX sempre foi uma miúda que gostava da brincadeira, era alegre, e de um momento para o outro deixou de brincar, não queria tomar banho, não queria que ninguém a despisse. A mãe emigrou e nessa altura já tinha emigrado. Depois de ter contado, o pai saiu de casa com a filha e disse que a filha era mentirosa. A mãe soube disso e quis em 2015 que a XX fizesse exames. A XX ainda se fecha um bocadinho. Hoje em dia ela conta, mas depois, cada vez que fala no assunto (mantendo a versão inicial) fica triste, dorme ou fecha-se no quarto sozinha. Mais referiu que não existia razão nenhuma para a XX inventar uma história destas, sempre se deu bem com o avô e gostava dele até isto acontecer. Depois passou a ter receio de ficar em casa sozinha com o avô. Acha que a irmã deixou de viver com a depoente em 2014 em casa da avó (materna). A depoente acrescentou que também o avô, quando a depoente tinha 9 anos tentou tocar nas pernas e a depoente fugiu para a casa de banho.
A testemunha JJ funcionária de um posto de abastecimento (irmã da XX) referiu de forma objectiva e isenta ter vivido com a irmã XX entre os anos de 2012 e 2013 em casa da avó materna (PP) e com o pai da XX em conjunto com as irmãs II e a III(irmãs da depoente), enquanto a mãe foi viver para o Luxemburgo. A XX sempre foi uma miúda esperta e alegre e de um momento para o outro deixou de ser assim. O Pai da Clara esteve internado. A irmã XX escondia-se, tinha medo do avô. Antes disto acontecer a XX era vaidosa, e depois deixou de querer tomar banho. A XX falou com a II e esta irmã contou à depoente, concretamente que o Avô mandava o pai comprar vinho ao café e depois, sempre que o pai saía, o avô despia-lhe as cuecas e colocava a pilinha no pipi. A XX depois de contar estas coisas, refugia-se no quarto e fica debaixo da cama. Em Junho de 2013 o pai já tinha saído de casa há uns 4 a 5 meses (pois aborreceu-se com a avó da XX) e foi viver com o seu pai, arguido. Depois, o pai da XX voltou a reconciliar-se com a avó e voltaram a viver juntos. Ainda em 2012 e 2013 quando todos viviam juntos, o avô ia lá a casa e aí é que terá acontecido.
A testemunha III (irmã da XX), operadora de loja, referiu igualmente de forma objectiva que o avô ajudou muito o agregado familiar, mas muitas vezes ofereceu dinheiro às netas (também à depoente) para lhe mostrarem as partes íntimas. Viveu em casa da avó matema desde o início. O avô estava em casa todos os dias. O pai da XX era viciado no jogo, e queria que o avô ficasse com a XX, mas a partir de certa altura a XX recusou-se a ficar com o avô e passou a recusar-se tomar banho e não deixava que lhe tocassem nas partes íntimas (isto foi de um momento para o outro). Deixou de ter alegria, ficou fechada. A depoente tentou ir ao Hospital com a XX dizendo que a irmã tinha sido tocada, e aí não deixaram fazer o exame, porque a depoente (que acompanhava a XX) era menor. A avó não quis saber porque vivia maritalmente com o pai da menor.
A XX calava-se e não queria falar, estes comportamentos aconteceram entre finais de 2012 e no ano 2013. Mas depois contou que o pai ia ao Pingo Doce e o avô baixava as cuecas e começava a mexer no pipi. As situações pioraram quando o pai ficou hospitalizado com cancro. Até 2013, aconteceram as situações e depois disso, a menor XX foi com o pai para a Inglaterra. Durou quase todos os dias, durante vários meses, não queria ir para o pé do avô e era obrigada pela avó.
De relevante para os autos, deve também sublinhar-se que inexistia qualquer conflito entre o arguido e a vítima ou os familiares desta, e por isso, qualquer motivo que fundasse uma qualquer fabulação (sendo que uma denúncia gratuita seria sempre lesivo para a própria vítima), convencendo-se o Tribunal que a pluralidade de abusos cometidos pelo arguido assumem a expressão mínima de três vezes, dado que se prolongaram ao longo de vários meses.
O Arguido MM, negou a autoria dos factos e que tudo isto foi inventado pela mãe.
Portanto, pese embora o relatório de perícia médico-legal nas conclusões de fls.355 seja inconcludente (embora a fis.353 haja detectado sintomatologia depressiva), precisamente, pela falta de colaboração da menor, o que também aconteceu nas declarações para memória futura, porém, essa resistência apenas assume a expressão de sofrimento da menor que procura a todo o transe evitar a recuperação dessas memórias, muito menos verbaliza-las.
A testemunha LL, mãe da Clara, ajudante de cozinha, foi para o Luxemburgo em finais de 2011 e deixou-os com a mãe da depoente e o pai da XX também vivia lá. Em 2014 tomou conhecimento através da II que a irmã XX tinha sido tocada pelo avô paterno. Em Novembro de 2015 falou com a filha, mas nunca conseguiu contar à depoente. A menina andava sempre pedir dinheiro ao avô. A II contou-lhe que o avô a quis abusar e ficou em choque (embora o avô lhe desse palmadas no rabo).A XX depois desta situação ficou com medo, quando sai, olha para todo o lado, na rua tem sempre medo de aparecer o carro do avô. A mãe da depoente ficou a viver com o marido da depoente. E ficou sempre do lado do pai e do avô paterno. Depois o pai foi viver para o estrangeiro e a menor foi afastada da depoente. Desde Fevereiro do ano passado a menor está a Viver numa instituição.
A testemunha SS, auxiliar de geriatria, viveu em casa da família, na torre da Marinha desde 2013 (em Agosto e de Agosto até Abril de 2014) até início de 2014, na casa da avó materna com as irmãs, e a XX ia lá quase todas as semanas, por vezes pernoitava. Mas ia com irregularidade. Era o avô que a levava lá a casa. Na altura apercebeu¬se que ela não queria tomar banho, porque o avô a aleijava no pipi.
A testemunha CC, empregado de mesa, filho do arguido e pai da vítima XX, depondo de forma manifestamente tendenciosa referiu que as queixas começaram quando o depoente estava hospitalizado no final de 2013 até 2014 (depois foi para a Inglaterra), na altura vivia com o pai e a menina estava com o avô que a ia levar à avó materna. O avô nessa altura ia busca-la à escola e depois ia entrega-la à avô materna. A neta sempre se deu bem com o avô. No periodo em que estava em casa a filha ia ter com o depoente. Já havia queixas e a sua filha sempre correu para o avô. Sempre viu, as irmãs e a avó materna a dar banho à sua filha e esta nunca fez birras. Houve situações em que o depoente ia ao supermercado e o avô ficava com a neta. O pai chegou a dar banho à neta. A sua filha terá feito uma conversa a uma pessoa amiga (conversa que o depoente assistiu), terá dito a essa pessoa que tinha sido a sua mãe para dizer mal do avô. Instado sobre a razão de ser desse estratagema, referiu a mãe queria atingir o depoente através do avô. E perguntado sobre qual a razão de ser o pai e não o depoente o visado do esquema, não soube explicar. Esta testemunha não mereceu qualquer credibilidade pela forma tendenciosa como depôs.
O tribunal convenceu-se que de a menor depôs com verdade quando descreveu os factos, não se verificando quaisquer sinais de exagero ou de recriação de quaisquer dos factos, por outro lado, a alteração de comportamento verificado pelas irmãs é exuberante, não deixando quaisquer dúvidas sobre a conduta de abusos cometidos sobre a Clara, e que esta explicou.
Mais interessou o assento de nascimento de fls.12, o teor do relatório social de fls.453 a 455 e o registo criminal de fls.443 a 447.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL.
Encontra-se o arguido acusado de haver cometido, em concurso efectivo de três crimes de abuso sexual de criança, p.p. pelo ar171 nº1 do CP.
Da [actualidade apurada resulta que o arguido por três vezes praticou actos sexuais de relevo, colocando e tocando o seu pénis na região vulvar da menor com 4 a 5 anos de idade, condutas que integram os elementos típicos objectivos e subjectivos de um crime de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo art.171 ° n'º l do Cód.Penal, interferindo o arguido de modo delitual e plúrimo com a sexualidade da menor Clara. Tais comportamentos inequivocamente representam a prática de plúrimos actos sexuais sobre a Clara, a qual dessa forma foi condicionada e lesada.
Estes factos integram claramente a tipicidade do "acto sexual de relevo" previsto no art.171 ° n 1 do Cód.Penal, pois constituem actos que traduzem e integram o contexto do relacionamento sexual directo, onde a criança abusada tanto pode ter a posição activa, quer a posição passiva (neste sentido ver PAULO ALBUQUERQUE in "COMENTÁRIO DO CÓDIGO PENAL", 2a ed., pág.537, Lisboa, 2010).
PAULO ALBUQUERQUE neste tipo de crime refere que "O bem jurídico protegido pelas incriminações é a liberdade de autodeterminação sexual da criança, isto é, do menor de 14 anos de idade. Em qualquer dos casos, trata-se de um crime de perigo abstracto ... " in "COMENTÁRIO DO CÓDIGO PENAL", 2a ed., pág.537, Lisboa, 2010).
A doutrina penalista tem classificado este ilícito como um crime de perigo abstracto "na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre,/físico ou psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique afastada," (in "Comentário Conimbricense do Código Penal", pág.542 e 543, Coimbra, 1999).
O comportamento do arguido, sendo fortemente constrangedor sobre a XX cuja maturidade sexual ainda se encontrava a considerável distância de se iniciar (com 4 a 5 anos de idade), inequivocamente representa a prática de abuso sexual de crianças, sobre a menor ofendida, com sede legal no referido art.171 ° n° 1 do Cód.Penal, operando a agravação que resulta do art.177° nº1 alínea a), dado que o arguido sendo avó é ascendente da menor.
Deste modo, haverá o arguido de ser condenado em concurso real por três crimes de abuso sexual de criança, p.p. pelo art.171 n'T, agravado pelo art.177° nº 1 alínea a), ambos do CP,
Avaliação oficiosa de danos cíveis na menor XX.
Nos termos dos arts.16° 0°2 do Estatuto da Vítima e art.82°-A nºl do CPP tem o Tribunal de aferir oficiosamente os termos da responsabilidade cível delitual do arguido para eventual ressarcimento dos danos que hajam sido provocados à ofendida.
Da matéria de facto apurada quanto à conduta do arguido encontram-se verificados os requisitos da responsabilidade civil delitual - art.483° n''l do Cód.Civil - fonte jurídica da obrigação de indemnizar a aferir. Com efeito, nos termos do art.483° do Cód. Civil são pressupostos da responsabilidade subjectiva ou por factos ilícitos:
1) Um facto voluntário do agente (não o mero facto natural causador de danos);
2) A ilicitude desse facto;
3) Que haja um nexo de imputação do facto ao lesante;
4) Que da violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano;
5) E que se verifique a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (neste sentido ver Prof. ANTUNES VARELA, in "DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL", Vo1. I, pág. 495, 6a ed., Coimbra-1989).
Analisando o comportamento delitivo do arguido em cada um dos três abusos que infligiu à vítima, existe eficácia causal determinante e exclusiva na produção de danos que se apuraram na ofendida. Da matéria de facto provada, resulta da conduta do arguido que advieram danos não patrimoniais na personalidade da ofendida, que constituem pressuposto essencial da responsabilidade civil.
Quanto aos danos provados.
A obrigação de reparar um dano pressupõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo (cfr. art.563 do Cód. Civil), que certamente houve.
Quanto aos danos morais decorrentes da agressão mostram-se lesados os bens jurídicos atinente à tutela dos direitos da personalidade da menor (cfr.art.70° n1 do Cód.Civil) designadamente a ofensa ao sistema afectivo da menor, manifestado de um modo pluriforme, quer no sofrimento inerente ao constrangimento e impreparação e sujeição padecidas; quer no receio sentido; quer na qualidade de vida substancialmente afectada com danos intensos provocados no processo de formação e da livre manifestação da sua sexualidade, sendo atingido o direito que a menor tinha ao desenvolvimento harmonioso da sua sexualidade, perturbada que foi pela conduta invasiva e torpe do arguido, prejudicando aspectos essenciais da sua personalidade, que agora é atingida por constrangimentos vários. Dos factos provados são evidentes as pesadas perturbações sofridas pela criança até ao presente, todos elas geradoras de traumas com a potencialidade de persistir, e cuja intensidade que poderá variar, não deixando de prejudicar a menor continuando a causar¬lhe sofrimento, com um horizonte futuro comprometido, o que é muito lesivo.
Indubitavelmente que os referidos danos não patrimoniais são susceptíveis de tutela cfr.art.496° nº1 do Cc.
Deste modo, na aferição equitativa do montante dos danos não patrimoniais da indemnização que há-de fazer-se sobre a parcela de qualidade de vida afectada, interessa ponderar a natureza das lesões sofridas; o condicionamento dos hábitos de vida nesse período, com o sofrimento inerente a esse circunstancialismo, e a nefasta projecção no futuro, que sempre prejudicará a menor de maneira multiforme e gradativa, mas lesiva e francamente merecedora de tutela.
Deste modo, importará fixar um quantitativo que atenda, segundo critérios de equidade, aos sofrimentos havidos, inclusivé nas perturbações do sistema afectivo; às possibilidades económicas da lesada (que é de modesta condição), e do lesante (de média/modesta condição económica) procedendo-se à devida compensação pelos danos sofridos, sempre à luz do nível de vida do agente do ilícito e da vítima, porque é com esse grau de satisfação e de serviços que normalmente a vítima frui, que se pautará a indemnização compensadora da qualidade de vida perdida e que venha ainda a perder (cfr.arts.496° nº3 e 494° ambos do Cód.Civil), tudo sem esquecer a dimensão dos danos futuros que recairão sobre a vida da ofendida, afectando¬a em aspectos nucleares, do qual infelizmente não se encontrará isenta.
Pois quanto aos danos afectivos, escreve o PROf.RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA o seguinte: "Assim os danos afectivos são indemnizáveis, desde logo, em concurso com danos corporais, quando a lesão ilícita de uma particular constituição afectiva conduzir a uma ofensa corporal ou da saúde ou quando uma lesão directa cor oral for acom anhada de erturba ões do sistema afectivo v. . de medo de susto ou de desgosto." (Ver "O DIREITO GERAL DA PERSONALIDADE", PÁG.230 E 231, Coimbra, 1995).
Assim, fixando um quantitativo que segundo critérios de equidade, proceda à compensação da parcela de qualidade de vida equivalente àquela que foi afectada, onde os danos futuros assumem uma expressão significativa, dado que mesmo que a menor venha a superar em grande medida o sucedido, sempre terá de conviver com essas experiências nefastas, sendo que nessa operação de compensação sempre actuarão como critérios correctores acima referidos (cfr.arts.483°, 496° n03 e 494° ambos do Cód.Civil), entende-se adequado fixar para reparação dos danos morais o montante indemnizatório em 45.000€.
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA A APLICAR.
Em face da factualidade apurada, importa aferir dos critérios previstos no art. 71 ° do Cód.Penal.
Assim, cabe considerar que agrava o grau de ilicitude a circunstância da tenra idade da ofendida (com 4 a 5 anos de idade, período onde ocorreram os abusos sexuais, durante três ocasiões), o modo gravoso como interferiu com a menor condicionando esta à prática de diversos actos sexuais de relevo com contactos ostensivos, de forma repetida e claramente marcante para a menor, condicionado a sua formação sexual e afectando-lhe a liberdade futura que assim será gerida com as disfunções que o passado imporá no processo de crescimento, por vezes de forma subtil no plano dos afectos, ou dificil de detectar, mas com uma potencialidade lesiva das suas escolhas, e da sua afirmação.
Esta pesada ilicitude é fortemente marcante pelo dolo directo e persistente energia criminosa, mantendo o arguido a natureza dos abusos, com contacto com os genitais da menor, atingindo esta nos seus aspectos essenciais. Portanto, a sua conduta é reveladora de um grau elevado nas exigências de prevenção geral e especial, para além de que é reveladora de uma censurabilidade acentuada. Agrava a ilicitude e a culpa a circunstância do arguido se valer da sua condição de avô da proximidade da menor que lhe era entregue, e assim defraudando a protecção que deveria representar, assume-se como agressor mais cruel, assim violando os parâmetros dessa confiança que lhe foi depositada.
Com influência directa sobre a ponderação da pena, considerando a natureza eminentemente pessoal dos bens jurídicos atingidos na vítima, obviamente a prática delitual nunca poderá assumir a natureza de crime de trato sucessivo.
Agravam nas exigências de prevenção geral o pesado alarme social sempre aliado a eventos desta tipicidade. Todos os demais ítems inscrevem-se na gravidade típica.
A energia dolosa do arguido é intensa, aproveitando a proximidade fisica da menor, o que lhe agrava a culpa.
Os antecedentes criminais do arguido nào se revelam expressivos; os seus parâmetros de inserção social, atenuam as exigências de prevenção especial. Contudo, o arguido para além de não beneficiar de auto critica, encerra uma personalidade de risco e de perigo de futuros abusos, não obstante ser idoso e doente, o que está associado às elevadas elevadas exigências de prevenção geral
Sopesando todos os considerandos respeitantes ao arguido, e atenta as molduras das penas em questão, pelos actos sexuais de relevo que cometeu sobre a Clara, como autor material de três crimes de abuso sexual de crianças agravado previsto e punido pelos arts.171º nº 1 e 177 nº 1 al a) do Cód.Penal, deve cominar-se a pena parcelar de 3 anos e 4 meses de prisão para cada um dos delitos.
Nos termos do art.77 do Cód.Penal operando o cúmulo jurídico, ponderando os limites abstractos do cúmulo (entre 3 anos e 4 meses a 10 anos), o conjunto dos factos, onde arguido actuou com uma culpa elevadar, deverá o arguido ser sujeito à pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.
Assim, sem perder de vista que as exigências de prevenção especial constituindo a parte mais dinâmica e filosófica dos fins das penas, em si contendo uma etiologia modificativa do homem, com correcção do seu coração em aproximação ao valor da norma e do bem jurídico, a pena a aplicar ao arguido deverá consciencializa-lo da gravidade e censurabilidade da sua conduta, motivando-o ao futuro cumprimento das normas socialmente vigentes.
DECISÃO.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo acorda em julgar a acusação procedente por provada, condenado o arguido MM como autor material e em concurso real pela prática de três crimes de abuso sexual de criança agravado previstos e punidos pelos arts.171 nº 1 e art.177° nº 1 alínea a), do Cód.Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses por cada crime.
Nos termos do art.77° do Cód.Penal operando o cúmulo jurídico, ponderando os limites abstractos do cúmulo, condena-se o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
Mais condeno o arguido em 3 (três) UCs de taxa de justiça e nas legais custas.
Nos termos dos arts.l6° nº2 do Estatuto da Vítima e art.82°-A n  1 do CPP, o Tribunal oficiosamente condena o arguido à pagar à ofendida XX a indemnização de 45.000€ (quarenta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora vencidos desde a presente data, os quais serão depositados em conta da menor não movimentável por qualquer dos pais.
(…)
Conhecendo, dir-se-á:
Já acima se delimitou o âmbito do conhecimento do recurso interposto pelo arguido perante este Tribunal.
Decidindo diremos:
Questão prévia
Vem o arguido requerer a final do seu recurso o seguinte:
- Audiência pública: o arguido deve ser ouvido na Veneranda Relação sobre o vertido nos factos provados em 5 e 6; deve ser ouvida a gravação do julgamento para apreciação do modo como a menor prestou declarações face ao disposto nos arts 127 CPP, 171 e 177 CP, sob manifesta insuficiência para o preenchimento da íntima convicção; o julgamento padece de ausência de mais prova que as declarações da menor e o recorrente negou a pratica do crime;
Decidindo diremos neste particular desiderato, que a lei Portuguesa, mormente o Código de processo penal é bastante claro, em negar esta pretensão do arguido.
De facto claramente o artº 411º nº 5 do CPP, estabelece que “ No requerimento de interposição do recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos”.
Mas esta audiência não constitui, como é lógico uma repetição do julgamento efectuado em primeira instância, como parece ser, e é, a pretensão do arguido.
De facto esta audiência, ou melhor a sua finalidade, destina-se ao debate dos pontos da motivação indicados expressamente pelo arguido no seu recurso, e não para uma “repetição do julgamento”ouvindo a gravação da prova e querendo o arguido prestar declarações.
(…)”Ora, não nos parece que seja esta a melhor forma ou a fórmula de elaboração de requerimento para realização de audiência de julgamento  uma vez que, a especificação dos factos ( ínsitos na motivação) que pretende ver discutidos ou tratados, é um pressuposto legal da realização da audiência, conforme se afere do disposto artº 411º nº 5 do CPP.Tanto assim é que o relator elabora sumariamente os pontos que se pretende ver discutidos mas devem, por força da lei, ser indicados pelo recorrente.
O que se compreende já que a vocação do Tribunal da Relação não é a realização de um novo julgamento.
Assim sendo e perante o inovador pedido feito pelo ora requerente, entendemos que não estão reunidos os pressupostos para a realização da audiência no Tribunal da Relação de Lisboa.
Também assim no que se refere à renovação da prova que pressupõe que a prova cuja renovação se requer deva ter sido já objecto de produção de prova em 1.ª instância e que a decisão recorrida padeça de algum dos vícios indicados nas alíneas do n.º 2, do artigo 410.º, CPP e a audiência evite o reenvio.
Outro entendimento relativamente a estes pontos e, o recurso para a Relação deixaria de ser um remédio para suprir deficiências da decisão daquela instância e passando a ser um segundo julgamento, um novo julgamento, desvirtuando o regime recursivo em processo penal – ver Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2011, página 1180.
Igualmente se aduz o seguinte: existem limites à pretendida reponderação de facto (que parece ser sem dúvida essa a finalidade pretendida pelo arguido com tal pedido…), já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação, sendo caso disso, cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação, a que acresce que o arguido não veio impugnar nos termos consentidos na lei, sequer, os factos dados como provados.
A Lei n.º 48/2007, de 29.8, não só suprimiu as alegações escritas, como abandonou a regra da audiência no tribunal de recurso em processo penal”, tendo o legislador considerado que a supressão da possibilidade de apresentação de alegações escritas se justificava, na medida em que aquelas acabaram por se revelar “«actos processuais supérfluos», pois «a experiência demonstrou constituírem pura repetição das motivações» (ver a motivação da proposta de lei 109/X)”. Além disso, “com o mesmo objectivo de celeridade processual e ponderando que a audiência já constituía um direito renunciável, o legislador consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção” (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, p. 1118).
Tanto assim é, e poucas ou nenhumas dúvidas subsistem pelo que sem qualquer suporte legal se indefere o requerido.
Vide aqui o AC TRL de 8/02//2017, in www.dgsi.pt
1- O arguido vem agora invocar que houve violação dos artigos 49º e 112º do CPP em virtude de a queixa ter sido feita por quem não detinha poderes para tal.
Ora neste conspecto, não poderia estar o arguido mais equivocado.
De facto os factos denunciados que consubstanciavam a prática de crimes de abuso sexual de menores p.p. pelo artº 171º do C.P.
Ora este tipo de crimes há muito que deixaram de ter natureza semi publica.
Sendo crime que assume a natureza de crime público (artº 171º nº 1 / 177º nº 1 do C.P.), qualquer cidadão o pode exercer livremente, e no exercício da sua plena cidadania, fazendo queixa perante as entidades competentes se tiver notícia da pratica de um crime público.
Assim o prevê claramente o artº 48 do CPP.
Logo os crimes denunciados e pelos quais o arguido foi entretanto condenado  e supra referidos assumindo natureza pública, habilitam qualquer pessoa a dar noticia relevante da infrecção, com o dever inerente do posterior impulso da acção penal pelo Ministério Público, remetendo-se para uma renovada leitura do disposto nos artº 48º do CPP e artº 171º/178º  nº 1 do C.P..
Improcede assim este segmento do recurso.
2- Ausência de prova directa e científica para a sua condenação sendo que esta só se estriba no depoimento da menor, é agora o tema suscitado pelo recorrente, o qual será decidido.
Então alega o arguido que este em suma não pode ser condenado quando a convicção do Tribunal a quo se fundamentou num só depoimento em sentido contrário do querido e transmitido pelo arguido.
 Diremos então que não é por o arguido negar a prática do crime, e a ofendida relatar pela forma provada e fundamentada o que efectivamente aconteceu e que não havendo outros testemunhos presenciais, aqueles dois depoimentos se anulam um ao outro ou fazem automaticamente intervir o princípio do "in dubio pro reo".
Na verdade, acreditar na ofendida e não acreditar no arguido, ou vice-versa, é uma questão de convicção. Essencial é que a explicação do tribunal porque é que acredita naquele e já não acredita neste, seja racional e tenha lógica.
E quem está numa posição privilegiada para avaliar essa credibilidade é, sem dúvida, o tribunal da 1.ª instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova.
Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.
Aliás, segundo recentes pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação presencial, apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra, sendo que o tom de voz e a fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder – vide Lair Ribeiro, “Comunicação Global”, Lisboa, 1998, pág. 14. Ora se a audição de uma gravação permite fruir com fidelidade aqueles 7% de capacidade de influência exercida através da palavra e ainda, mas nem sempre, os 38% referentes ao tom de voz, sobram os 55% referentes à fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, a que o tribunal de 2.ª Instância nunca terá acesso.
(vide aqui AC TRE de 9.01.2018 in www.dgsi.pt )
Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.
A prova testemunhal não é, pois, para ser avaliada aritmeticamente.
Como explicitava Enrico Altavilla, em “Psicologia Judiciária, Personagens do Processo Penal”, 4° vol., Arménio Amado, Editor, Sucessor-Coimbra, 1959, pág. 112. «(...) o testemunho não é a exacta reprodução de um fenómeno objectivo, porque é modificado pela subjectividade da testemunha, e se, por isso, duas testemunhas dificilmente podem prestar depoimentos idênticos, deduzir da diversidade que se nota na sua acareação, que uma delas deva, necessariamente, estar de má fé, é um erro».
«Efectivamente, às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação (...)».
«Há, portanto, um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação, de forma que não há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica, deduzindo de não ser completo o seu depoimento que ela é reticente.»
Por isso é que o art.º 127.º, do Código de Processo Penal, dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente, o que não é o caso.
Conforme refere o Prof. Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, II-27) as regras ou normas da experiência "são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto, sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade” e a livre convicção "é um meio da descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade, portanto, uma conclusão livre porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores".
Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-11-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, III-201.
Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum – acórdãos do STJ de 6-3-02, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.002, II-44 e da Relação de Évora de 25-5-04, Colectânea de Jurisprudência, 2.004, III-258.
No caso dos autos e em última análise, o que o recorrente pretende é substituir a convicção do tribunal pela sua própria convicção.
Ou seja o argumento usado neste segmento do recurso poderia e hipoteticamente ter o mesmo valor nas suas declarações, bastando para tal, dar um giro de 360 graus, e virar-se contra ele.
Mas não queremos com isto de forma alguma, e como é de expectar, pois cada caso é um caso submetido à livre convicção do julgador, mas o que importa é que não se pode à partida desconsiderar os depoimentos das vítimas, sobreponde-lhe sempre as declarações do arguido, que na óptica do arguido prevaleceriam sempre.
E assim embora o recorrente desenvolva um quadro argumentativo com o qual pretende demonstrar, que não é válida a livre convicção obtida pelo Tribunal “ a quo” (e simplificando) quando é a palavra do arguido contra a palavra da ofendida e se obtem a convicção com base nesta última, tal não é possível, por bastas razões que nos eximimos de repetir.
Tal circunstância não é possível consagrar-se como regra, nem o nosso ordenamento jurídico Português o faz.
Apelando até ao senso comum e”  in extremis”, se acolhido tal argumento ( sem qualquer suporte legal, diga-se…) levaria a que um qualquer crime seja de que natureza for, se cometido sem outras  testemunhas que não os ofendidos, ou outros meios de possível comprovação conduziriam à absolvição dos arguidos e com tal, a vitima / neste caso vitima de abusos sexuais por parte do seu avô ficaria completamente desprotegida e os criminosos sairiam incólumes, pois o recorrente acredita, que existindo só como prova as declarações da ofendida, este não poderá nunca ser condenado.
Existe uma “coisa” que se chama livre convicção que está legalmente consagrada, e que na verdade sem ela, se fora o pretendido pelo arguido nem sequer seria necessário chegar à fase do julgamento…
De facto em analepse e em proplese a convicção formada pelo julgador, relativamente à matéria de facto provada ou não provada, tem de ser apreciada caso a caso, e só não será válida, se impossível ou desprovida de razoabilidade, não logrou convencer-nos disso, ou seja, de que a decisão do tribunal "a quo" em matéria de facto não é possível ou não é plausível, o que diga-se de forma patente não aconteceu no caso dos autos, porque para além do óbvio, no caso dos autos, é bem “visível” que o Tribunal “ a quo” não formou a sua convicção só com base nas declarações da ofendida ( e logo no que por ela foi dito e escrito), igualmente atendeu na formação da sua livre convicção no depoimento de outras testemunhas, remetendo-se aqui para uma renovada leitura da bem fundada fundamentação de facto da matéria de facto feita pelo Tribunal “a quo”.
Alías transversalmente não pode deixar de se referir que entendimento diverso se tivera tal afrontaria no seu cerne o estatuto de vítima.
Explicitando diremos que ás vítimas, são hoje concedidos direitos melhor enquadrados/ respaldados, do que no pretérito e espelhados em legislação.
Senão vejamos: - O direito Comunitário como a DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL – a qual tem por princípios orientadores (e considerando-se o disposto no artigo 16º nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, sob o titulo -Âmbito e sentido dos direitos fundamentais/ a sua aplicação no Ordenamento jurídico Português):
Princípios para a determinação dos direitos da Vítima.
 (a) Aos direitos da vítima de crime deve ser dada a mesma prioridade que aos do autor do crime. (b) Para acautelar os interesses da vítima, todos os intervenientes no processo penal devem assegurar que o procedimento adoptado para lidar com o autor do crime não agravará a vulnerabilidade da vítima nem a conduzirá a uma “vitimação secundária”. (c) A experiência profissional no âmbito das organizações de Apoio à Vítima, bem como estudos recentemente realizados, têm amplamente demonstrado que o crime pode ter consequências nefastas a longo prazo, tanto para a vítima como para a sua família, não só ao nível do seu bem-estar físico, económico e emocional, mas também das suas atitudes para com a sociedade em geral e para com as autoridades do sistema de justiça penal em particular. Um tratamento pouco esclarecido ou insensível da parte das autoridades policiais e judiciais, ou de profissionais individualmente considerados no âmbito do processo penal, tende a agravar ou a prolongar tais efeitos negativos. Pelo contrário, as vítimas que obtêm um adequado reconhecimento e respeito são mais capazes para desenvolver uma atitude positiva e mais ajustada face à sua experiência do crime e para o compreender no seu contexto próprio, sentindo-se reconfortadas pela manifestação de solidariedade no seio da sua comunidade. A protecção contra a “vitimação secundária” é tão importante como a protecção contra o crime original, sobretudo porque o poder para conferir tal protecção depende das autoridades. (d) O crime, e o receio da sua ocorrência, afecta não apenas as pessoas directamente envolvidas mas também todos aqueles que tomam conhecimento dos factos pelo contacto directo com a vítima ou através dos órgãos de comunicação social.
A ocorrência da “vitimação secundária” no âmbito do processo penal pode afectar a confiança das vítimas no sistema judicial, levando à diminuição da cooperação por parte destas.
A adopção de procedimentos tendentes a reconhecer a posição da vítima e a evitar a “vitimação secundária” deve, deste modo, ser tomada como essencial à solidariedade social e aos interesses da justiça tal como são geralmente entendidos. Acautelar os direitos da vítima é, assim, indispensável ao bem-estar da sociedade no seu todo. (e) Na Europa, o Estado tem assumido a responsabilidade da instauração da acção penal contra os autores dos crimes, retirando à vítima o ónus da responsabilidade pela prossecução de qualquer medida a tomar relativamente ao autor do crime.
A aceitação desta responsabilidade por parte do Estado deve ser reconhecida como um direito fundamental da vítima de crime, e não deverão ser admitidas quaisquer tentativas para alterar esta situação, devolvendo esta responsabilidade às vítimas. (f) Deve, porém, ser reconhecido que o retirar daquela responsabilidade à vítima em conta nas tomadas de decisão. Devem ser adoptadas medidas com o objectivo de garantir a protecção dos interesses da vítima e de assegurar que todas as partes com um interesse legítimo no caso considerem que a justiça está a ser feita. (g) Compete ao Estado garantir que sejam adoptadas as medidas adequadas, podendo, todavia, existir diferentes soluções envolvendo, por exemplo, as organizações de apoio às vítimas, as autoridades policiais e judiciais ou o autor do crime.
DIREITOS DA VÍTIMA
 1. Respeito e reconhecimento. A vítima tem direito a ser respeitada e reconhecida enquanto titular de interesses legítimos que devem ser tidos em conta em todas as fases do procedimento criminal. Em todas as fases de investigação e nas audiências judiciais, o interrogatório das vítimas e outras testemunhas deve ser conduzido com respeito pela sua dignidade pessoal. Devem ser adoptadas especiais precauções relativamente a crianças ou a testemunhas com perturbações do foro psiquiátrico, as quais deverão ser sempre interrogadas na presença de um dos pais, tutor ou pessoa da sua confiança. 2. Direito de receber informação aquando da participação de um crime, deve ser garantido a todas as vítimas o direito de optarem por um procedimento que lhes permita manterem-se informadas acerca de todos os desenvolvimentos do caso - por exemplo, captura do autor do crime, decisão sobre a acusação, datas das audiências.
Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 22.3.2001, PT, L 82/1 a 4 (Actos adoptados em aplicação do título VI do Tratado da União Europeia)
Tais princípios foram adoptados na U.E., veja-se:
 DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO DE 15 DE MARÇO DE 2001 RELATIVA AO ESTATUTO DA VÍTIMA EM PROCESSO PENAL (2001/220/JAI) O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, Tendo em conta o Tratado da União Europeia, e, nomeadamente, o seu artigo 31.º e o n.º 2, alínea b), do seu artigo 34.º, tendo em conta a iniciativa da República Portuguesa (1), Tendo em conta o parecer do Parlamento Europeu (2), Considerando o seguinte:
1.De acordo com o plano de acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amesterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, nomeadamente com o ponto 19 e a alínea c) do ponto 51, no prazo de cinco anos após a entrada em vigor do Tratado, a questão do apoio às vítimas deverá ser abordada através da realização de um estudo comparativo dos regimes de indemnização das vítimas e deverá ser avaliada a viabilidade de tomar medidas no âmbito da União Europeia. 2.Em 14 de Julho de 1999, a Comissão apresentou ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social, a comunicação intitulada «Vítimas da criminalidade na União Europeia - Reflexão sobre as normas e medidas a adoptar».
O Parlamento Europeu aprovou uma resolução relativa à comunicação da Comissão, em 15 de Junho de 2000. 3.
 Nas conclusões do Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, em particular no ponto 32, estabelece-se que deverão ser elaboradas normas mínimas sobre a protecção das vítimas da criminalidade, em especial sobre o seu acesso à justiça e os seus direitos de indemnização por danos, incluindo custas judiciais. Além disso, deverão ser criados programas nacionais para financiar medidas, públicas e não governamentais, de assistência e protecção das vítimas 4.Os Estados-Membros devem aproximar as suas disposições legislativas e regulamentares na medida do necessário para realizar o objectivo de garantir um nível elevado de protecção às vítimas do crime independentemente do Estado-Membro em que se encontrem. 5. As necessidades da vítima devem ser consideradas e tratadas de forma abrangente e articulada, evitando soluções parcelares ou incoerentes que possam dar lugar a uma vitimização secundária. 6.Por esta razão, o disposto na presente decisão-quadro não se limita a tutelar os interesses da vítima no âmbito do processo penal stricto sensu, abrangendo igualmente determinadas medidas de apoio às vítimas, antes ou depois do processo penal, que sejam susceptíveis de atenuar os efeitos do crime. 7. As medidas de apoio às vítimas do crime, nomeadamente as disposições em matéria de indemnização e mediação, não dizem respeito a soluções próprias do processo civil. 8.É necessário aproximar as regras e práticas relativas ao estatuto e aos principais direitos da vítima, com particular relevo para o direito de ser tratada com respeito pela sua dignidade, o seu direito a informar e a ser informada, o direito a compreender e ser compreendida, o direito a ser protegida nas várias fases do processo e o direito a que seja considerada a desvantagem de residir num Estado-Membro diferente daquele onde o crime foi cometido. 9. O disposto na presente decisão-quadro não impõe, porém, aos Estados- -Membros a obrigação de garantir às vítimas um tratamento equivalente ao de parte no processo. 10.É importante a intervenção de serviços especializados e organizações de apoio às vítimas, antes, durante e após o processo penal. 11.É necessário dar formação adequada e correcta a todos aqueles que contactem com a vítima, o que é fundamental tanto para a vítima como para alcançar os objectivos do processo. 12.Dever-se-á utilizar os mecanismos de coordenação existentes de pontos de contacto em rede nos Estados-Membros, seja no sistema judiciário, seja baseados em redes de organizações de apoio às vítimas.
ADOPTOU A PRESENTE DECISÃO-QUADRO: Artigo 1.º Definições Para efeitos da presente decisão-quadro, entende-se por: (a) «Vítima»: a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um dano moral, ou uma perda material, directamente causadas por acções ou omissões que infrinjam a legislação penal de um Estado-Membro; (b) «Organização de apoio às vítimas»: uma organização não governamental, legalmente estabelecida num Estado-Membro, cujas actividades de apoio a vítimas de crime sejam gratuitas e, exercidas de modo adequado, complementem a acção do Estado neste domínio; (c) «Processo penal»: o processo penal na acepção da legislação nacional aplicável; (d) «Processo»: o processo em sentido lato, ou seja, que inclui, além do processo penal propriamente dito, todos os contactos, relacionados com o seu processo, que a vítima estabeleça nessa qualidade com qualquer autoridade, serviço público ou organização de apoio às vítimas, antes, durante ou após o processo penal; (e) «Mediação em processos penais»: a tentativa de encontrar, antes ou durante o processo penal, uma solução negociada entre a vítima e o autor da infracção, mediada por uma pessoa competente.
Artigo 2.º Respeito e Reconhecimento 1.Cada Estado-Membro assegura às vítimas um papel real e adequado na sua ordem jurídica penal. Cada Estado-Membro continua a envidar esforços no sentido de assegurar que, durante o processo, as vítimas sejam tratadas com respeito pela sua dignidade pessoal e reconhece os direitos e interesses legítimos da vítima, em especial no âmbito do processo penal. 2.Cada Estado-Membro assegura às vítimas particularmente vulneráveis a possibilidade de beneficiar de um tratamento específico, o mais adaptado possível à sua situação. Artigo 3.º Audição e apresentação de provas Cada Estado-Membro garante à vítima a possibilidade de ser ouvida durante o processo e de fornecer elementos de prova. Cada Estado-Membro toma as medidas adequadas para que as suas autoridades apenas interroguem a vítima na medida do necessário para o desenrolar do processo penal. Artigo 4.º Direito de receber informações 1.Cada Estado-Membro garante à vítima em especial, desde o seu primeiro contacto com as autoridades competentes para a aplicação da lei, o acesso às informações que forem relevantes para a protecção dos seus interesses, através dos meios que aquele considere apropriados e tanto quanto possível em línguas geralmente compreendidas. Estas informações são pelo menos as seguintes: (a) O tipo de serviços ou de organizações a que pode dirigir-se para obter apoio; (b) O tipo de apoio que pode receber; (c) Onde e como pode a vítima apresentar queixa; (d) Quais são os procedimentos subsequentes à queixa e qual o papel da vítima no âmbito dos mesmos; (e) Como e em que termos poderá a vítima obter protecção; (f) Em que medida e em que condições a vítima terá acesso a: (i) aconselhamento jurídico, ou (ii) apoio judiciário, ou (iii) qualquer outra forma de aconselhamento, se, nos casos referidos nas subalíneas (i)e (ii), a vítima a tal tiver direito. (g) Quais são os requisitos que regem o direito da vítima a indemnização; (h) Se for residente noutro Estado, que mecanismos especiais de defesa dos seus interesses pode utilizar.
2.Cada Estado-Membro assegura que a vítima seja informada, sempre que manifestar essa vontade: (a) Do seguimento dado à sua queixa; (b) Dos elementos pertinentes que lhe permita, em caso de pronúncia, ser inteirada do andamento do processo penal relativo à pessoa pronunciada por factos que lhe digam respeito, excepto em casos excepcionais que possam prejudicar o bom andamento do processo; (c) Da sentença do tribunal. 3. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, pelo menos nos casos de perigo potencial para a vítima, quando a pessoa pronunciada ou condenada por essa infracção seja libertada, se possa decidir informar a vítima, se tal for considerado necessário. 4.Na medida em que comunique por sua própria iniciativa as informações a que se referem os n.ºs 2 e 3, o Estado-Membro assegura à vítima o direito de optar por não receber essas informações, salvo se a comunicação das mesmas for obrigatória, nos termos do processo penal aplicável.
(…)Artigo 17.º
 Execução Os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente decisão-quadro: até 22 de Março de 2006, no que se refere ao artigo 10.º, até 22 de Março de 2004, no que se refere aos artigos 5.º e 6.º, até 22 de Março de 2002, no que se refere às restantes disposições. Artigo 18.º Avaliação A partir das datas a que se refere o artigo 17.º, os Estados-Membros devem transmitir ao Secretariado-Geral do Conselho e à Comissão o texto das disposições de transposição para o direito nacional das obrigações decorrentes da presente decisão-quadro.
O Conselho avaliará, no prazo de um ano após cada uma das referidas datas, as medidas tomadas pelos Estados-Membros para cumprir o disposto na presente decisão-quadro, com base num relatório elaborado pelo Secretariado-Geral a partir da informação recebida dos Estados-Membros e num relatório escrito da Comissão. Artigo 19.º Entrada em vigor A presente decisão-quadro entra em vigor na data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.
Feito em Bruxelas, em 15 de Março de 2001.
Pelo Conselho
 O Presidente M-I. KLINGVALL
Igualmente relevante agora importa considerar a DIRETIVA 2012/29/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 25 de outubro de 2012 (in Jornal Oficial da União Europeia d 14.11.2012, L315/57) que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, mormente o seu artº 20º, a qual entre o mais visa proteger estes direitos, nomeadamente evitar a “dupla vitimização”.
Propostos tais considerandos, haverá ainda que aduzir e tendo em conta o despacho recorrido, o seguinte:
O artº 18º nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, consagra o principio da proporcionalidade em sentido amplo que se configura como a trave mestra de legitimação do” ius puniendi” estatal e de toda a restrição de direitos fundamentais.
De facto ai se refere que:
“ A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
O princípio da proporcionalidade decompõe-se em três ideias fundamentais: adequação, necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) da medida de ingerência. A partir deste princípio importa alcançar o justo equilíbrio entre os vários direitos ou interesses legalmente protegidos. O legislador é chamado a efectuar a devida ponderação no momento da criação das normas jurídicas que entram em conflito com outras já existentes no ordenamento jurídico.
 Exige-se a medição dos interesses em colisão de maneira a sopesar cada um deles e encontrar uma solução que permita garantir a sobrevivência dos valores fundamentais á vida em sociedade democrática. O princípio da proporcionalidade não é apenas uma bitola a ser usada pelo legislador, já que dela, em não raras ocasiões, deverá o juiz e aplicador do Direito lançar mão para a “estruturação societariamente válida” dos diversos valores com que é chamado a lidar no seu dia-a-dia decisional.
O jogo do princípio da proporcionalidade implica uma valoração concreta dos valores em liça, a sua comparação, com vista á sua limitação, na estrita medida do necessário, da mole de valores que o juiz pretende fazer prevalecer. Ninguém duvidará hoje, ao que cremos, que tal princípio é estruturante de qualquer Estado (Democrático) de Direito.
O princípio da proporcionalidade já mencionado abarca três princípios matérias:
1º O princípio da identidade-“ a individualização das medidas de intervenção corporal devem realizar-se com base em suspeitas fundadas, implicando igualmente que aquelas devem produzir ou mesmo favorecer o fim perseguido pela norma que fundamenta a intervenção, com base em dados de caracter empírico e segundo juízo de causalidade (…) assim ao falarmos deste principio da idoneidade da medida, pretende traduzir-se a ideia que se exige uma relação de adequação entre o meio usado e o fim perseguido, inerente a toda a restrição de um direito fundamental. Não basta para legitimar a intervenção corporal, apelar-se para um determinado bem jurídico ou direito ou interesse constitucionalmente protegido (seja ele a realização material da justiça ou qualquer outro de relevância societária), urge que a restrição que se pretende levar a cabo seja apropriada e útil para lograr o fim que justifica a limitação do direito (neste caso da vitima). Exige-se que as medidas restritivas possuam idoneidade face ao fim que se pretende atingir. Assim do teor do artº 193º nº 1 do CPP é legítimo retirar um princípio geral aplicável a toda e qualquer medida processual, no âmbito criminal que contenda com os direitos fundamentais, limitando-os ou restringindo-os. Mesmo sem esta norma poderíamos lançar mão do disposto no nº 2 do artº 18º da Constituição da Republica Portuguesa para contê-lo;
2º O princípio da necessidade e da mínima intervenção- o que implica a necessária utilização de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais, quando isso se afigure possível(…) De forma sintética, dir-se-á que o princípio da indispensabilidade ou da necessidade significa que, existindo outras medidas investigatórias que possam garantir, de forma satisfatória, o objecto que justifica o limite, deverão afastar-se todas aquelas que surjam mais gravosas para o direito alvo de limitação. Fala-se de medida proporcional quando a mesma surge como indispensável e insubstituível por outra, já que é a que envolve um menor sacrifício para os direitos fundamentais envolvidos. (..) A decisão judicial de ingerência no corpo somente será necessária quando da mesma, de forma única e exclusiva, depende a possibilidade de obtenção de um resultado investigatório positivo que permita ao Estado exercitar o seu “ius puniendi”. De igual modo, á luz desta compreensão, isso só acontecerá quando a adopção de tal medida, de um ponto de vista objectivo, seja apta a deslindar os factos em investigação e a permitir a ligação dos mesmos (“imputação”) á pessoas alvo da medida lesiva dos direitos fundamentais.
3º O princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da “ adequação ao fim”, que é um princípio de carácter valorativo, normativo, que exige uma ponderação do interesse em conflito segundo um critério de justiça material, (…) implica uma ponderação entre os interesses individuais que se vão constranger, e os interesse que se pretendem defender. Trata-se de valorar e ponderar todos os bens envolvidos, quer os que abonem a favor da tese restritiva quer os que militam em sentido contrário. Importa encontrar o justo equilíbrio entre as vantagens e os prejuízos que se geram quando se limita um direito com vista a proteger outro direito ou bem constitucionalmente ancorado.(…) Deve atender-se assim á absoluta necessidade de lançar mão de tal actuação para a defesa do interesse público, salvaguarda do interesse social, da ordem pública e do direito da comunidade em geral ao exercício efectivo da justiça penal, com a identificação e punição do culpado.
(vide aqui, Benjamim da Silva Rodrigues, Da prova penal, tomo II , 1ª edição, p. 178 e seg.)”
a nacional.
Por tudo o que supra se deixou exarado, improcede assim este segmento do recurso apresentado pelo recorrente.
3-Violação do principio in dúbio pro reo, dos artº 127º, 410 al a) e c) do CPP e artº 6 nº 1 da CEDH
Quanto à livre convicção do juiz que o recorrente pretende inquinar com a sua pretensão ínsita em segmento de recurso que apresentou, ela não pode esta deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela ( deve ser) uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”
(Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º volume, Coimbra, ed. 1974, pág. 203 a 205).
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355.º do Código de Processo Penal.
É ai, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova e se assegura o princípio do contraditório, que não foi beliscado nestes autos, inexistindo qualquer violação de tal princípio constitucional.
Na verdade, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem (vide aqui o teor do AC TRC de 16-09.2015, in www.dgsi.pt , relatado pelo Sr Juiz Desembargador Orlando Gonçalves)
Assim, se o recorrente impugna somente a credibilidade das declarações (ou de certas declarações e partes delas/ em detrimento de outras) ou do depoimento deve indicar elementos objectivos que imponham um diverso juízo, sobre a credibilidade das declarações ou depoimentos, pois aquela/s, quando estribada/s em elementos subjectivos é um sector especialmente dependente da imediação do tribunal recorrido, desiderato que não fez nem logrou alcançar, pois não concretiza realmente onde é que tal violação ocorreu, e entenda-se no acórdão  recorrido, não bastando invicar a solo o principio in dúbio pro reo, a que acresce o facto de nem sequer ter impugnado a matéria de facto provada nos termos do disposto no artº 412º  nº 3 a 6 do C.P.P..
Não basta dizer que se violou o artº 127º, ou o artº 410º do CPP, ou ainda o artº 6º nº1 da CEDH.
É preciso concretizar, coisa que o recorrente não fez e também se diz que não aponta concretamente, os vícios do artº 410 do CPP, os quais como se sabe, para além do mais até são de conhecimento oficioso, os quais adiantamos já, como eventualmente outros, estão completamente omissos do acórdão recorrido, nada havendo a apontar ou corrigir em seu desabono.
Mas, uma vez, porém, e uma vez que o princípio da livre apreciação da prova tanto vincula o tribunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso, e que a reforma do Código de Processo Penal de 1998 deixou inequívoco que se quis assegurar um recurso efectivo da matéria de facto, o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., deve proceder a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, avaliando se as provas indicadas por este impõem decisão diversa da recorrida.
Mas acontece aqui que o recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos preditos…
Logo se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova não se impõe decisão diversa, nos termos do art. 127.º do C.P.P., deve manter a decisão recorrida, que é exactamente o que sucede no caso dos autos, uma vez que o arguido pretende tão só sobrepor a sua pessoal e intima convicção que retirou da prova produzida e examinada, daquela convicção a que chegou, e bem o Tribunal “ a quo”.
Ora, é manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto, para o Tribunal de Recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova ( como era até pretendido pelo arguido…).
O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância (cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999).
No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha, in «O caso Julgado Parcial», 2002, pág. 37, ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos».
Anote-se aqui que também não se concede sequer que exista qualquer vício ou nulidade tendo o acórdão recorrido sido devidamente fundamente e tendo procedido ao exame crítico das provas de forma curial e perfeitamente acessível a todos os destinatários.
De facto, o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01).
- O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.
- No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - a que se refere especificamente a exigência da parte final do art. 374.°, n.° 2, do CPP -, o exame crítico das provas permite (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o art. 410.º, n.° 2, do CPP; o n.° 2 do art. 374.° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório (cf., nesta perspectiva, o Ac. do TC de 02-12-1998).
- A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência”.
E, como refere o Ac. do STJ de 30-01-2002, proc. 3063/01- 3ª, SASTJ, nº 57, 69, “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.
Condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa, dentro do que é lógico e normal, de que os factos se passaram da forma ali narrada.
Analisado o acórdão recorrido, verifica-se que o Tribunal formou a sua convicção na apreciação conjugada e crítica dos vastos elementos documentais juntos aos autos e referidos claramente na fundamentação de facto supra transcrita e da leitura da fundamentação de facto aduzida resulta bem patente que nela foram indicadas as provas produzidas – referindo-se os elementos de prova documental, por declarações e testemunhal e indicando-se a razão de ciência das testemunhas inquiridas, com uma síntese dos respectivos depoimentos – e detalhadamente descrito o seu exame crítico, por forma a explicar o porquê de serem (ou não) atendidas, permitindo compreender o percurso lógico-racional seguido pelo Tribunal.
No presente caso, e como na fundamentação da decisão se explica, apesar da negação parcial de alguns dos factos pelo ora recorrente (tendo confirmado outros que o Tribunal “ a quo” valorou), a valoração conjugada da prova documental e das testemunhas (cujos relatos dos factos foram analisados pelo Tribunal recorrido em termos críticos e conjugados) permitiu ter por demonstrada a matéria factual integradora dos ilícitos em causa nos autos.
E não resulta do texto da decisão recorrida que o Tribunal tenha efectuado uma apreciação e interpretação dos meios de prova que possa ser tida como ilógica ou arbitrária, à margem da exigível análise racional, das regras da experiência ou do valor probatório dos documentos.
A convicção do Tribunal está, repete-se, explicada de forma racional e motivada e formou-se para lá de qualquer dúvida razoável, pelo que repete-se para que dúvidas não restem que incólume está a aplicação do artº 127º do CPP.
Também incólume está o acórdão recorrido de qualquer um dos vícios indicados pelo artº 410º al. a) e c) do CPP e embora não indique o recorrente o número deste artigo só poderá ser  o nº 2, pois só este encerra em si alíneas. Então são os vícios indicados os de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
Voltamos a enfatizar que o arguido não concretiza tais vícios / nem sequer os enumerando, mas, de todo o modo, sendo vícios de conhecimento oficioso sempre se acabará por dizer o seguinte:
A “ratio” do nº2 do art. 410.º reside na garantia do escrutínio (limitado) da decisão de facto fora da possibilidade (ampla) do recurso da matéria de facto.
Qualquer um dos vícios previstos nas alíneas a) a c) do nº 2 do art. 410 do CPP, como decorre da letra da lei, só se poderá ter por verificado se resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, isto é, com exclusão de exame e consulta de quaisquer outros elementos do processo (cf. entre outros os ac. do STJ de 90-01-10 e de 94-07-13, o primeiro publicado na AJ, 5, 3 e o segundo na CJ/STJ, ano II, tomo III, 197), pelo que a actividade de fiscalização e de controlo do tribunal superior neste particular, conquanto incida sobre toda a decisão, com destaque para a proferida sobre a matéria de facto, não constitui actividade de apreciação e julgamento da prova, sendo que ao exercê-la se limita a verificar se a mesma contém algum ou alguns dos mencionados vícios, sendo que no caso de aquela deles enfermar e, em face disso, se tornar impossível decidir a causa, deverá o processo ser reenviado para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art. 426, n.º1 do CPP).
Este vício ocorre quando se afirma e nega ao mesmo tempo uma coisa ou uma emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas. A contradição pode suceder entre segmentos da própria fundamentação - dão-se como provados factos contraditórios, dá-se como provado e não provado o mesmo facto, afirma-se e nega-se a mesma coisa, enfim, as premissas contradizem-se - , como entre a fundamentação e a decisão - esta não se encontra em sintonia com os factos apurados (cf., neste sentido, Germano Marques da Silva, «Curso de Processo Penal», III, 2ª Ed., Editorial Verbo, págs. 340 e 341).
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo á impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.
Efectivamente, do texto da decisão recorrida, não ressalta qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, tornando-se necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada.
Todos os factos alegados, são úteis, necessários e não supérfluos, alegados quer pela acusação, quer pela defesa e foram tomados em conta. E não se vislumbra que outros factos essenciais não tenham sido considerados.
Nem, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre fundamentos invocados. Pois que, a matéria de facto dada como provada nos pontos permite perfeitamente efectuar o raciocínio seguido no acórdão recorrido.
Acresce que, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal não violou as regras da experiência comum ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Como já referido, nomeadamente, no acórdão recorrido, para o qual se remete, o tribunal “a quo” procedeu à indicação dos meios de prova em que o tribunal baseou a sua convicção, esclarecendo, de forma compreensível e lógica, as razões pelas quais concluiu que o recorrente praticou os factos que lhe eram imputados.
Curial será também referir que inexistem na sentença recorrida quaisquer outros vícios que fossem de conhecimento oficioso, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, que é um vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito e dela está isento o acórdão recorrido, o que se declara.
Por seu turno também não vemos onde pode ter sido violado o artº 6º nº 1 da CEDH, (na vertente do conceito de processo equitativo e de fair trial) que estatui o seguinte:
“ARTIGO 6°
Direito a um processo equitativo
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.”
No mais, diremos que e depois de devidamente escrutinado os autos, não se perfila qualquer violação da norma supra transcrita, nem na verdade o próprio recorrente para além de tabelarmente indicar o artigo e a predita violação não a concretiza, ou melhor não as concretiza, concluindo que deverá ser absolvido face ao princípio in dúbio pro reo.
Mas vemos como isso será possível pois ao longo dos autos irrepreensivelmente tais princípios não foram sob qualquer prisma beliscados, pelo que improcede também este segmento do recurso.Igualmente acrescentamos que pese embora os factos tenham ocorrido no ano de 2012/2013, a queixa só foi efectuada no ano de 2015, data em que  os factos praticados pelo arguido terão ficado mais visíveis.
Importante será referir que a menor ( neta do arguido), então com 4/ 5 anos de idade foi entretanto institucionalizada / de acordo com elementos juntos aos autos ao abrigo de um processo de promoção e protecção cuja génese se desconhece com rigor, mas a que não serão certamente alheios parte dos factos praticados pelo arguido ( avô da menor)e à falta de suporte familiar consistente ( mãe e pai da menor) e perante as pretéritas suspeitas de abusos de que aquela foi vitima e que desencadearam também as necessárias perícias medicas, as quais como se sabe, face à escassez de recursos humanos ou outros, demoram tempo  a realizar, pelo que a própria noticia do crime ficou descoberta com alguma dilação temporal, pelo que nada haverá aqui a apontar senão as circunstâncias particulares deste caso, que visam antes de mais proteger o superior interesse da ofendida, mas sem descurar naturalmente os direitos legalmente consagrados que assistem a todos os arguidos.
Julga-se assim não provido este segmento do recurso.
4- O Tribunal “ a quo errou ao condenar o arguido pela prática dos três crimes p.p. pelos artigos 171 e 177 do CPP, devendo ser reconduzidos os crimes praticados por ele, à figura do crime único de trato sucessivo, se bem que não fundamente de modo curial esta pretensão.
De todo modo iremos apreciar tal questão, tanto mais que a Lei, que se almeja ser seu desiderato fazer uma comunicação fluida, ou explicitando toda a lei é feita tendo em vista a sua fundamentação, por forma a haver uma comunicação fundamental e fluida entre a decisão e os destinatários de modo a que todos percebam de forma imaculada o percurso lógico do Tribunal,
Então, e fazendo nossas as palavras do Ac do STJ já referido relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Manuel Augisto de Matos, diremos:
-(…)
Seguindo de perto o Ac do STJ de 14/01/2016, in www.dgsi.pt
Este no seu sumário estatui:
I - Os crimes de trato sucessivo correspondem a casos especiais em que a estrutura do facto criminoso se desdobra numa multiplicidade de actos semelhantes que se vão praticando ao longo do tempo, mediando intervalos entre eles.
II -Alguma jurisprudência do STJ tem vindo a enquadrar as condutas de abuso sexual de crianças na figura do crime único de trato sucessivo. Porém, a maioria da jurisprudência do STJ é no sentido de que, no caso do crime de abuso sexual de crianças, o entendimento é o da integração da pluralidade de condutas à figura do concurso efectivo de crimes.
III - Considera a referida jurisprudência maioritária, que a estrutura típica do crime de abuso sexual de crianças não pressupõe tal reiteração, isto é, não se pretende com o mesmo punir uma actividade, pelo que não lhe é aplicável a figura do crime de trato sucessivo.
IV - A eventual admissão da unificação de uma pluralidade de condutas essencialmente homogéneas, através da figura do crime de trato sucessivo, no âmbito do tipo penal de abuso sexual de crianças, poderia redundar num resultado que o legislador claramente quis afastar – ainda que por referência à figura do crime continuado – com a alteração ao n.º 3 do art. 30.º do CP realizada pela Lei 40/2010, de 03-09, que exclui expressamente a admissibilidade da possibilidade de unificação de uma pluralidade de condutas na figura do crime continuado, quando estejam em causa bens eminentemente pessoais.
Diremos desde já que se concorda na íntegra com o exarado por este Colendo Tribunal, nesta particular temática.
E assim citando aquele Acórdão deixamos enfaticamente expressamos:
-“ É suscitada, assim, a questão da unidade ou pluralidade de infracções, tema central da dogmática penal.
Nos termos do art. 30.º, n.º 1, do Código Penal, «O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».
A nossa lei escolheu como factor decisivo a unidade ou pluralidade de tipos legais de crime violados. A simplicidade da enunciação legal é, porém, enganadora, tendo a lei deixado à doutrina e à jurisprudência a solução da questão primordial, da unidade e pluralidade de crimes, ponto de partida da teoria do concurso.
Vejamos, pois, em primeiro lugar, ainda que de forma sintética, os contributos da doutrina para tal questão[2].
Os ensinamentos de Eduardo Correia[3] e de Figueiredo Dias[4] constituem os dois grandes marcos de referência no âmbito da concretização conceptual daquele preceito legal.
Para Eduardo Correia, a antijuridicidade de uma relação social começa por se exprimir pela possibilidade da sua subsunção a um ou vários tipos de crime, pelo que é na concreta violação desta norma de determinação que assenta o juízo de censura em que se estrutura a culpa.
Assim, a uma reiterada ineficácia da mesma norma de determinação corresponderão plúrimos juízos concretos de reprovação. O critério para averiguar acerca da existência dessa reiteração é o da pluralidade de resoluções – isto é, de determinações da vontade – pelas quais o agente actuou: se foram tomadas duas ou mais resoluções no desenrolar da actividade criminosa, então duas ou mais vezes falhou a eficácia determinadora da norma. Sendo que, por cada vez que tal sucedeu, há um fundamento para o juízo de censura em que se estrutura a culpa.
A pedra de toque consiste, assim, segundo este autor, em determinar os critérios que permitem afirmar tal pluralidade de processos resolutivos. Ou seja, em determinar os critérios que permitem concluir se estamos na presença de uma ou de várias resoluções criminosas.
Tais critérios, defende Eduardo Correia, terão de passar pela análise do concreto modo como se desenvolveu o acontecimento exterior e, em particular, da conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. Assim, há uma pluralidade de resoluções sempre que medeie entre as actividades do agente um intervalo de tempo tal que, de acordo com as regras de lógica e experiência comum, se possa afirmar que o agente as levou a cabo sem qualquer renovação do processo de motivação. O critério da conexão temporal não é, contudo, rígido, admitindo a prova de que o agente se determinou efectivamente de forma diversa da que resulta do critério da conexão temporal.
Em síntese, para Eduardo Correia, o número de vezes de preenchimento do tipo pela conduta do agente conta-se pelo número de juízos de censura de que o agente se tenha tornado passível, o que, por sua vez, se deve reconduzir à pluralidade de processos resolutivos, resoluções ou decisões criminosas.
Por sua vez, Figueiredo Dias apresenta uma construção dogmática algo diferente do tema da unidade ou pluralidade de crimes. Assim, para este autor, o critério para determinar quantos os crimes cometidos pelo agente é o critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global.
Ou seja, constituindo o crime um facto punível, o mesmo traduz-se numa violação de bens jurídico-penais, que preenche um determinado tipo legal. O núcleo dessa violação não é o mero actuar do agente, nem o tipo legal que o integra, mas o ilícito-típico. Pelo que, o que está em causa é determinar a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica em que o significado do comportamento global do agente se traduz: tal operação é que permite determinar quantos os crimes cometidos pelo agente.
A apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto deverá ser feita recorrendo a alguns (concretos) subcritérios fundamentais. Esses critérios são o da unidade de sentido do comportamento ilícito global, o da relação ilícito-meio/ilícito-fim, o da unidade do desígnio criminoso do agente, o da conexão situacional espácio-temporal e o dos diferentes estádios de realização da actuação global.
As particularidades do caso concreto decidirão da premência de uns em detrimento de outros, podendo acontecer que dois ou mais critérios convirjam em direcção ao mesmo resultado. Eles funcionam, assim, como indicadores da unidade ou da pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global.
Assim, fazendo uso da síntese realizada por Leal-Henriques e Simas Santos:
«Embora a lei não o refira expressamente, para se concluir pela existência de concurso efectivo torna-se necessário, além da pluralidade de tipos violados, o recurso ao critério da pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de resoluções autónomas (Eduardo Correia), ou pluralidade de resoluções no sentido de nexos finais e de uma pluralidade de violações do próprio dever de cuidado conexado com um resultado típico concreto (Figueiredo Dias)» [5].
3.3. Especificamente no que diz respeito à figura do crime de trato sucessivo (também denominada por crime habitual), invocada pelo recorrente, muito embora a mesma não se encontre expressamente prevista na lei, a doutrina tem-lhe vindo a fazer referência, cumprindo convocar, desde logo, o entendimento Lobo Moutinho que define tal categoria como o crime «em que a consumação se não dá mediante a prática de um só acto, mas de uma multiplicidade deles – eis o que distingue o crime habitual do crime permanente; que os actos que vão consumando o crime são, não sucessivos, mas reiterados – eis o que distingue o crime habitual do crime contínuo»[6].
Assim, o ponto central da definição de tal categoria é a noção de actos reiterados, sendo que são actos reiterados « (…) a pluralidade de actos homogéneos. Actos diversos não se “reiteram”»[7].
Porém, e uma vez que a reiteração e a homogeneidade também são elementos essenciais na densificação de outras categorias de crimes (como, por exemplo, o crime continuado), ainda segundo Lobo Moutinho, «para alcançar o sentido e alcance do protraimento da consumação mediante actos reiterados, torna-se necessário ter presente a evidente necessidade da sua delimitação de forma a não esvaziar de conteúdo as referidas figuras. Assim, em face dos dados legislativos e, muito particularmente, da clara generalidade das figuras da continuação criminosa, do concurso homogéneo de crimes e da tendência criminosa, impõe-se a conclusão de que apenas se pode admitir uma “consumação por actos reiterados” (um crime habitual) em casos especiais – o mesmo é dizer, nos casos e termos em que isso é expressamente possibilitado pelo tipo de crime»[8].
Assim, e em suma, os crimes de trato sucessivo correspondem a casos especiais em que a estrutura do facto criminoso se desdobra numa multiplicidade de actos semelhantes que se vão praticando ao longo do tempo, mediando intervalos entre eles[9]. São, deste modo, apontados como exemplos de crimes habituais o crime de maus tratos, o crime de tráfico de estupefacientes e o crime de lenocínio.
Passemos agora em revista a jurisprudência sobre esta temática, especificamente quanto aos crimes sexuais.
Alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a enquadrar as condutas de abuso sexual de crianças na figura do crime único de trato sucessivo. É admitida uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando exista uma mesma resolução criminosa, desde o início, assumida pelo agente[10].
Ilustrativo do raciocínio que está na base da configuração, é o que consta das seguintes passagens do acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Novembro de 2012 (Proc. n.º 862/11.6TDLSB.P1.S1-5.ª secção), aborda a problemática dos crimes de abuso sexual de crianças que se prolongam no tempo, como crimes de trato sucessivo, afirmando:
« (…) quando os crimes sexuais são actos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva actividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem.
O mesmo sucede com outro tipo de crimes que, tal como sexo, facilmente se transformam numa “actividade”, como, por exemplo, com o crime de tráfico de droga. Pergunta-se, por isso, se nesses casos de “actividade criminosa”, o traficante de rua que, por exemplo, se vem a apurar que vendeu droga diariamente durante um ano, recebendo do “fornecedor” pequenas doses de cada vez, praticou, “pelo menos”, 200, 300 ou 365 crimes de tráfico (o que aparenta ser uma contagem arbitrária ou, pelo menos, “imaginativa”) ou se praticou um único crime de tráfico, objectiva e subjectivamente mais grave, dentro da sua moldura típica, em função do período de tempo durante o qual se prolongou a actividade.
A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há um só crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, isoladas, constituiriam um crime – tanto mais grave (no quadro da sua moldura penal) quanto mais repetidos.
(…)
O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma “unidade resolutiva”, realidade que se não deve confundir com “uma única resolução”, pois que, “para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação” (Eduardo Correia, 1968:201 e 202, citado no “Código de Penal Anotado” de P.P. Albuquerque).
Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso de crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma».
Cita-se aí o acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 23 de Janeiro de 2008 (Proc. n.º 4830/07-3.ª), que, repudiando a qualificação de três condutas criminosas como constituindo um crime continuado, entendeu deverem as mesmas ser unificadas como crime de trato sucessivo, caracterizado «pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime».
Todavia, já antes, no acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Julho de 2012 (Proc. n.º 1718/02.9.JOLSB), foi mantida a condenação do aí arguido pelo concurso de vários crimes de natureza sexual praticados contra o mesmo ofendido, referindo-se, então, após exaustivo levantamento doutrinal, que o comportamento do arguido evidenciava «uma persistente, e renovada, vontade de violar a lei e aviltar as vítimas e que, «em cada um dos actos sexuais praticados, e em relação a cada uma das vítimas, consumou-se uma decisão, uma opção de vontade, perfeitamente delimitada na sua autonomia em relação a todas as outras».
Na declaração de voto de vencido formulada no citado acórdão, de 29 de Novembro de 2012, o Conselheiro Manuel Braz pronuncia-se no sentido da inaplicabilidade, in casu, da figura do crime de trato sucessivo, dizendo:
«A categoria de crime de trato sucessivo, a que a posição maioritária faz apelo, não vem, com essa designação, contemplada na lei, que prevê o crime permanente [artº 119º, nº 2, alínea a), do CP], o crime continuado [artºs 119º, nº 2, alínea b), 30º, nºs 2 e 3, e 79º] e o crime habitual [artº 119º, nº 2, alínea b)], bem como o crime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados [artº 19º, nº 2, do CPP].
O crime de trato sucessivo será reconduzível à figura do crime habitual, como refere Lobo Moutinho (Da unidade à pluralidade dos crimes no direito penal português, página 620, nota 1854).
Este autor, depois de definir o crime contínuo como o “crime cuja consumação se protrai mediante a prática de uma pluralidade de actos sucessivos (no sentido de praticados em imediata sequência temporal)”, correspondendo “basicamente àquilo que Eduardo Correia chamou o crime único com pluralidade de actos”, caracteriza assim o crime habitual:
“O crime habitual, no sentido que à expressão confere a actual legislação, é um crime em que a consumação se protrai no tempo (dura) por força da prática de uma multiplicidade de actos “reiterados”.
Que a persistência temporal na consumação se não dá mediante a prática de um só acto, mas de uma multiplicidade deles – eis o que distingue o crime habitual do crime permanente; que os actos que vão consumando o crime são, não sucessivos, mas reiterados – eis o que distingue o crime habitual do crime contínuo.
O ponto central da definição do crime habitual é, por isso, o que deve entender-se por “actos reiterados”.
É seguro que, por “actos reiterados”, se deve entender, pelo menos, a pluralidade de actos homogéneos. Actos diversos não são reiterados.
(…) apenas se pode admitir a “consumação por actos reiterados” (um crime habitual) em casos especiais – o mesmo é dizer, nos casos e termos em que isso é expressamente possibilitado pelo tipo de crime.
Na verdade, embora a caracterização legal não se esgote nisso, os “actos reiterados” são opostos, pela própria lei, aos “actos sucessivos” no sentido de praticados em acto seguido. Isso indica um certo distanciamento temporal – pelo menos suficiente para se não admitir a existência de um crime contínuo – o que faz o crime perder o cariz episódico, para passar a estruturar-se numa actividade que se vai verificando, multi-episodicamente, ao longo do tempo.
Mas se em relação a todos os crimes fosse de admitir esta forma habitual de perpetração, as restantes figuras a que nos referimos ficariam em crise, se é que lhes sobraria qualquer espaço de aplicação.
Assim se compreende que, como a doutrina indica, os crimes “habituais” (seja qual for o entendimento a dar à “habitualidade” do crime, o mesmo é dizer, à “reiteração” dos actos de que se compõe) correspondem a casos especiais em que a estrutura do facto criminoso se apresenta ou, pelo menos, pode apresentar mais complexa do que habitualmente sucede e se desdobra numa multiplicidade de actos semelhantes que se vão praticando ao longo do tempo, mediante intervalos entre eles. Exemplos apontados são o crime de maus-tratos e infracção às regras de segurança (art. 152º), o crime de lenocínio (art. 170º)».
Admite o autor outros casos, como o crime de tráfico de estupefacientes, que considera desdobrar-se ou poder desdobrar-se numa multiplicidade de actos semelhantes, «como claramente resulta da previsão da agravação por diversas circunstâncias, a começar pela da destinação ou entrega a “menores” ou da distribuição “por um grande número de pessoas” (art. 24º, nº 1, als. a) e b), do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro)» (ob. cit., páginas 604-620).
Mais incisivo, Figueiredo Dias define crimes habituais como sendo «aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada», dando como exemplo os crimes de lenocínio e de aborto agravado do artº 141º, nº 2, do CP (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, página 314).
Não é, pois, a unidade de resolução que pode conferir a uma reiteração de actos homogéneos o cariz de crime de trato sucessivo, que se identifica com a categoria legal do crime habitual, mas somente a estrutura do respectivo tipo incriminador, que há-de supor a reiteração.
Parece claro que tanto os tipos de crime de abuso sexual de crianças e de abuso sexual de menores dependentes como o de violação não contemplam aquela «multiplicidade de actos semelhantes» que está implicada no crime habitual nem, por isso, a sua realização supõe um comportamento reiterado.
Cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Cada um desses actos não constituiu um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível. Deve por isso entender-se que, referentemente a cada grupo de actos, existe, usando palavras de Figueiredo Dias, «pluralidade de sentidos de ilicitude típica» e, portanto, de crimes (ob. cit., página 989).»
Mais recentemente, no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Setembro de 2014 (Proc. n.º 595/12.6TASLV.E1.S1), num caso em que o aí arguido fora condenado, em concurso efectivo, pela prática de vários crimes de abuso sexual de criança (sua enteada) e reivindicava a sua condenação pela prática de um crime de trato sucessivo de abuso sexual, entendeu-se:
«O crime de trato sucessivo, embora englobe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea, é unificado pela mesma resolução criminosa, bastando a prática de qualquer das condutas para que fique preenchido o tipo legal de crime.»
No caso aí tratado, «as acções adequadas à produção do resultado, ainda que de forma sucessiva, não se encontram interligadas de forma a que só possam produzir o resultado numa adequação conjunta de todas elas. Outrossim, cada acção produz o consequente resultado», inexistindo uma «unidade típica de acção». A renovação de acção criminosa reiteradamente desenvolvida produz, lê-se no mesmo aresto, o consequente e adequado resultado. Embora se verifique homogeneidade na violação do mesmo bem jurídico, há uma pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que desencadeia e que se autonomiza como tal, pelo que inexiste o crime de trato sucessivo.
Esta argumentação mereceu concordância no acórdão deste Supremo Tribunal, de 22 de Abril de 2015, proferido no Processo n.º 45/13.0JASTB.L1.S1, num caso em que o aí arguido fora condenado pela 1ª Instância, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 15 anos de prisão, respeitante à prática, «em autoria material e em concurso real» de 46 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, n.os 1 e 2, do Código Penal, e de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, n.º 4, do mesmo Código. O Tribunal da Relação, todavia, nos casos em que os ofendidos foram objecto de repetidos abusos, afastou o concurso de crimes por ter entendido que «a solução do trato sucessivo é a mais ajustada a situações como a presente». Só assim não procedeu relativamente a um ofendido, em que autonomizou dois conjuntos de factos por, entre a prática daqueles e destes, terem decorrido cerca de 5 anos. Por via dessa qualificação e correspondente punição de cada um dos crimes em trato sucessivo e da atenuação das penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes singulares, a mais elevada das penas parcelares passou para os 8 anos de prisão, enquanto a sua soma desceu para os 54 anos e 2 meses. A pena conjunta foi então fixada em 13 anos e 6 meses de prisão.
Considerou-se neste acórdão não se afigurar «como correcta a qualificação dos plúrimos abusos sexuais sobre o mesmo ofendido como constitutivos de um crime de trato sucessivo, pelo que se considera que o arguido cometeu, em concurso real, os crimes especificadas na decisão da 1.ª instância», consignado-se, no entanto, que «a alteração da qualificação no sentido que entendemos ser o correcto reclamaria penas parcelares, pelo menos em bem maior número do que as consideradas pelo Tribunal da Relação, como se viu, e, por via do agravamento do correspondente somatório, uma pena conjunta mais elevada do que a cominada no acórdão recorrido, o que, traduzindo-se em reformatio in pejus, nos estaria vedado pela proibição estabelecida no art. 409.º, n.º 1, do CPP».
Discordou-se, pois, «da qualificação dos plúrimos abusos sexuais sobre o mesmo ofendido como constitutivos de um crime de trato sucessivo», convocando o entendimento perfilhado no voto de vencido aposto no citado acórdão deste Supremo tribunal, de 29 de Novembro de 2012, exprimindo, como se referiu, a sua concordância com a argumentação do acórdão de 17 de Setembro de 2014, também já mencionado.
Cita-se ali também, de entre outros, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Junho de 2013 (Proc. nº 1291/10.4JDLSB), que, «embora tivesse mantido a subsunção das condutas a crimes de trato sucessivo, pois a questão não integrava o objecto do recurso, não deixou de anotar que a decisão era, nesse ponto, “passível de gerar controvérsia” (sublinhamos), porquanto, (citando Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Código Penal”, 2ª edição, anotação 32 ao artº 30º, pág. 162) “sustenta-se … que se o resultado prático pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime continuado em caso de condutas contra bens eminentemente pessoais, também é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime de trato sucessivo, ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções.
Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador». De facto, refere o Acórdão, depois de uma inconsequente tentativa de alterar a figura do crime continuado, com a introdução de um nº 3 ao artigo 30º do CPenal pela Lei nº 52/2007, de 4 de Setembro que admitiu o crime continuado relativamente a crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, desde que que estivesse em causa a mesma vítima, com a Lei nº 20/2010, de 3 de Setembro, o legislador, ao suprimir o segmento então acrescentado, ditou a sentença de morte do crime continuado nos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais. O crime continuado foi, então, excluído desse tipo de crimes, sem qualquer excepção, ficando restringido à violação plúrima de bens jurídicos não eminentemente pessoais”».
A aplicação do trato sucessivo quando, como sucede nos crimes de abuso sexual de menores, estão em causa bens eminentemente pessoais é igualmente rejeitada no muito recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 25 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 27/14.5.JAPTM.S1, «pelas mesmas razões por que se não aceita a configuração do crime continuado» em tais situações.
E outras decisões deste Supremo Tribunal se podem convocar no sentido de que, no caso do crime de abuso sexual de crianças, o entendimento é o da integração da pluralidade de condutas à figura do concurso efectivo de crimes, afastando-se a possibilidade de subsunção a outras figuras, designadamente ao crime de trato sucessivo[11].
Considera tal posição que o crime de trato sucessivo, englobando a realização plúrima e essencialmente homogénea do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, se basta com a prática de qualquer das condutas reiteradas praticadas, para que fique preenchido o tipo legal de crime, já que as mesmas são unificadas pela mesma «unidade resolutiva». Sendo que o tipo penal do crime de abuso sexual de crianças não é compaginável com tal figura jurídica, uma vez que, a específica configuração do crime de abuso sexual de crianças exige, pressupõe, a afirmação de uma pluralidade de resoluções criminosas na produção do resultado que desencadeiam e que, portanto, se autonomizam como tal.
O traço caracterizador da figura do crime de trato sucessivo residirá no facto de o crime, na sua estrutura típica, pressupor a reiteração, punindo-se, desta forma, a prática, antes de mais, de uma actividade, que pode consumar-se em um ou mais actos.
Assim, caso a estrutura típica do crime em causa não pressuponha tal reiteração, no sentido de que com tal tipificação não se pretende punir a prática de uma actividade, não será aplicável a figura do crime de trato sucessivo. Sendo que, considera a referida jurisprudência maioritária, que a estrutura típica do crime de abuso sexual de crianças não pressupõe tal reiteração, isto é, não se pretende com o mesmo punir uma actividade, pelo que não lhe é aplicável a figura do crime de trato sucessivo.
Refira-se, ainda, que a eventual admissão da unificação de uma pluralidade de condutas essencialmente homogéneas, através da figura do crime de trato sucessivo, no âmbito do tipo penal de abuso sexual de crianças, poderia redundar num resultado que o legislador claramente quis afastar – ainda que por referência à figura jurídica do crime continuado – com a alteração ao n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal realizada pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, que excluiu expressamente a admissibilidade da possibilidade de unificação de uma pluralidade de condutas na figura do crime continuado, quando estejam em causa bens eminentemente pessoais.
O acórdão recorrido considerou, no caso concreto, verificarem-se «relativamente a cada um dos ofendidos (à excepção do ofendido DD) diferentes resoluções criminosas por parte do arguido, relativamente a cada um dos actos sexuais de relevo que praticou, sendo estes actos ainda passíveis de diferentes juízos de censura jurídico-penal, por afectarem de forma autónoma diferentes vertentes do bem jurídico que a norma visa proteger.
Existem várias resoluções criminosas, que se traduzem no facto de o arguido em dias e horas diferentes, ter accionado e renovado os mecanismos da sua vontade para praticar os enunciados crimes sexuais e repeti-los, o que faz com que a cada uma dessas resoluções corresponda um crime».
Concluindo que «também não estamos perante um crime prolongado, ou de trato sucessivo, porquanto não se apresenta a conduta do arguido uma unidade resolutiva, posto que para tal se impunha uma conexão temporal que em regra, e de harmonia com os dados da experiência psicológica, levasse a aceitar que o agente executou toda a sua actividade, sem ter que renovar o respectivo processo de motivação».
Merece a nossa concordância a conclusão do acórdão recorrido quanto ao enquadramento jurídico do acervo factual fixado em 329 crimes de abuso sexual de crianças, enquadramento juridicamente correcto, não sendo aplicável, in casu, a figura do crime de trato sucessivo.
Com efeito, por um lado, estando em causa o tipo penal de abuso sexual de crianças, da análise da sua estrutura típica não se verifica que com o mesmo se pretenda punir uma actividade, ou seja estes crimes, transcrevendo opinião já citada, «não contemplam aquela “multiplicidade de actos semelhantes” que está implicada no crime habitual nem, por isso, a sua realização supõe um comportamento reiterado»[12].
Mais, ainda que assim não fosse – ou seja, mesmo que se admitisse a aplicabilidade da figura do crime de trato sucessivo, a reiteração da conduta do recorrente resultou de uma situação procurada, provocada e organizada pelo próprio recorrente. A reiteração criminosa não derivou de (nem se reconduz a) um único desígnio.
(…). Ou seja, a repetição criminosa ficou a dever-se à persistente vontade do recorrente em satisfazer os seus desejos, num total aproveitamento dos referidos contextos relacionais.(…)
Revisitando o nosso caso, em todas as concretas situações dadas como provadas no acórdão recorrido, o arguido/ recorrente renovou o seu desígnio criminoso, surgindo cada um deles de modo autónomo em relação aos propósitos criminosos anteriores, pois que em cada momento procurava e fomentava as oportunidades de contacto com a menor sua neta, o que se encontra, aliás, reflectido na factualidade dada como provada.
Perante a matéria de facto assente, verifica-se que os actos cometidos praticados pelo recorrente na pessoa da menor, sua neta à data com 4/5 anos de idade, se encontram delimitados no espaço e no tempo com bastante nitidez e pormenorizadamente, não se observando aqui aquela situação difusa, imprecisa, designadamente quanto ao número dos episódios criminosos, que, para alguns, justificararia o recurso à figura do trato sucessivo.
Os factos dados como provados demonstram a a existência de uma pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que desencadeia e que se autonomiza como tal.
Assim, a factualidade fixada no acórdão recorrido não é de caracterizar nos termos pretendidos pelo recorrente, ou seja não é enquadrável na figura do crime de trato sucessivo, pelo que se decide manter a qualificação jurídica ali efectuada, no sentido da existência de um concurso efectivo de crimes, julgando-se não provido, nesta parte, o recurso, o que se declara.

5- O artº 127º do CPP viola o artigo 32º da CRP , atº 6º nº 1 da CEDH, quando entendido no sentido que quando para formar a intima convicção basta a declaração da ofendida sem mais elementos de prova, bastando para tal ouvir a gravação do julgamento pelo que deverá o arguido ser absolvido.
Não nos deteremos muitos neste tema pois afirma-se aqui sem qualquer reticência que a convicção do Tribunal para condenar o arguido não se estribou SÓ, como é pelo recorrente afirmado, das declarações da ofendida. Até podia mas não foi, e para tal basta atentar na fundamentação de facto do acórdão recorrido que por dever de “ofício” se transcreve novamente e onde ali transparece de forma clara os outros meios de prova em que o mesmo se fundou para coadjuvar a sua convicção sobre a prática dos crimes pelos quais foi condenado.
Assim:
. (…)”Assim, à pergunta sobre o que aconteceu com o arguido, a menor ofendida escreveu "ele ponha a pilinha no pipi varias vezes e chamava nomes e as vezes tratava-me mal."; e à pergunta onde terá acontecido a menor escreveu "em casa do meu pai.", à pergunta sobre quanto tempo duraram essas situações respondeu escrevendo "foram varias meses" esclarecendo as circunstâncias dizendo que o seu pai "deixava-me sozinha com ele" e que o arguido "dizia para eu não contar!". A menor confirmou o essencial da conduta do arguido embora não tenha sido possível apurar a tentativa de penetração que consta da acusação.
Das declarações da menor na forma acabada de referir resultou evidente o constrangimento e trauma que a mesma sofreu, e que ainda sofre.
Os depoimentos das testemunhas, irmãs da ofendida, foram especialmente relevantes, dando notícia de que a dado momento a menor XX mostrou alterações drásticas de comportamento, evidenciando sinais de abuso sexual.
Assim, a testemunha II (irmã da ofendida), depondo com isenção e objectividade referiu que viveu com a irmã desde 2012, assim como com as outras irmãs. No agregado familiar estava lá o CC que é o pai da XX e a avó materna. Viu que a irmã XX andava estranha e a dado momento perguntou à depoente se podia contar uma coisa e contou que o avô lhe tinha posto a pilinha dentro do pipi. Ficou com a ideia que isso teria acontecido há pouco tempo, há meses e várias vezes. Ela contou a chorar, tendo a depoente ficado convencida que era verdadeiro. Acha que uma criança pequenina não ia dizer uma coisa destas. A avó estava em casa. A XX disse para a depoente não contar à avó, mas a depoente contou. Ela disse que o arguido fazia isso várias vezes, sempre que o pai saia para- o Café e ficava sozinha com ele, ele fazia isso. Ela disse que puxava as cuecas para baixo e punha a pilinha no pipi. A XX sempre foi uma miúda que gostava da brincadeira, era alegre, e de um momento para o outro deixou de brincar, não queria tomar banho, não queria que ninguém a despisse. A mãe emigrou e nessa altura já tinha emigrado. Depois de ter contado, o pai saiu de casa com a filha e disse que a filha era mentirosa. A mãe soube disso e quis em 2015 que a XX fizesse exames. A XX ainda se fecha um bocadinho. Hoje em dia ela conta, mas depois, cada vez que fala no assunto (mantendo a versão inicial) fica triste, dorme ou fecha-se no quarto sozinha. Mais referiu que não existia razão nenhuma para a XX inventar uma história destas, sempre se deu bem com o avô e gostava dele até isto acontecer. Depois passou a ter receio de ficar em casa sozinha com o avô. Acha que a irmã deixou de viver com a depoente em 2014 em casa da avó (materna). A depoente acrescentou que também o avô, quando a depoente tinha 9 anos tentou tocar nas pernas e a depoente fugiu para a casa de banho.
A testemunha JJ funcionária de um posto de abastecimento (irmã da XX) referiu de forma objectiva e isenta ter vivido com a irmã XX entre os anos de 2012 e 2013 em casa da avó materna (PP) e com o pai da XX em conjunto com as irmãs II e a III(irmãs da depoente), enquanto a mãe foi viver para o Luxemburgo. A XX sempre foi uma miúda esperta e alegre e de um momento para o outro deixou de ser assim. O Pai da Clara esteve internado. A irmã XX escondia-se, tinha medo do avô. Antes disto acontecer a XX era vaidosa, e depois deixou de querer tomar banho. A XX falou com a II e esta irmã contou à depoente, concretamente que o Avô mandava o pai comprar vinho ao café e depois, sempre que o pai saía, o avô despia-lhe as cuecas e colocava a pilinha no pipi. A XX depois de contar estas coisas, refugia-se no quarto e fica debaixo da cama. Em Junho de 2013 o pai já tinha saído de casa há uns 4 a 5 meses (pois aborreceu-se com a avó da XX) e foi viver com o seu pai, arguido. Depois, o pai da XX voltou a reconciliar-se com a avó e voltaram a viver juntos. Ainda em 2012 e 2013 quando todos viviam juntos, o avô ia lá a casa e aí é que terá acontecido.
A testemunha III (irmã da XX), operadora de loja, referiu igualmente de forma objectiva que o avô ajudou muito o agregado familiar, mas muitas vezes ofereceu dinheiro às netas (também à depoente) para lhe mostrarem as partes íntimas. Viveu em casa da avó matema desde o início. O avô estava em casa todos os dias. O pai da XX era viciado no jogo, e queria que o avô ficasse com a XX, mas a partir de certa altura a XX recusou-se a ficar com o avô e passou a recusar-se tomar banho e não deixava que lhe tocassem nas partes íntimas (isto foi de um momento para o outro). Deixou de ter alegria, ficou fechada. A depoente tentou ir ao Hospital com a XX dizendo que a irmã tinha sido tocada, e aí não deixaram fazer o exame, porque a depoente (que acompanhava a XX) era menor. A avó não quis saber porque vivia maritalmente com o pai da menor.
A XX calava-se e não queria falar, estes comportamentos aconteceram entre finais de 2012 e no ano 2013. Mas depois contou que o pai ia ao Pingo Doce e o avô baixava as cuecas e começava a mexer no pipi. As situações pioraram quando o pai ficou hospitalizado com cancro. Até 2013, aconteceram as situações e depois disso, a menor XX foi com o pai para a Inglaterra. Durou quase todos os dias, durante vários meses, não queria ir para o pé do avô e era obrigada pela avó.
De relevante para os autos, deve também sublinhar-se que inexistia qualquer conflito entre o arguido e a vítima ou os familiares desta, e por isso, qualquer motivo que fundasse uma qualquer fabulação (sendo que uma denúncia gratuita seria sempre lesivo para a própria vítima), convencendo-se o Tribunal que a pluralidade de abusos cometidos pelo arguido assumem a expressão mínima de três vezes, dado que se prolongaram ao longo de vários meses.
O Arguido MM, negou a autoria dos factos e que tudo isto foi inventado pela mãe.
Portanto, pese embora o relatório de perícia médico-legal nas conclusões de fls.355 seja inconcludente (embora a fis.353 haja detectado sintomatologia depressiva), precisamente, pela falta de colaboração da menor, o que também aconteceu nas declarações para memória futura, porém, essa resistência apenas assume a expressão de sofrimento da menor que procura a todo o transe evitar a recuperação dessas memórias, muito menos verbaliza-las.
A testemunha LL, mãe da Clara, ajudante de cozinha, foi para o Luxemburgo em finais de 2011 e deixou-os com a mãe da depoente e o pai da XX também vivia lá. Em 2014 tomou conhecimento através da II que a irmã XX tinha sido tocada pelo avô paterno. Em Novembro de 2015 falou com a filha, mas nunca conseguiu contar à depoente. A menina andava sempre pedir dinheiro ao avô. A II contou-lhe que o avô a quis abusar e ficou em choque (embora o avô lhe desse palmadas no rabo).A XX depois desta situação ficou com medo, quando sai, olha para todo o lado, na rua tem sempre medo de aparecer o carro do avô. A mãe da depoente ficou a viver com o marido da depoente. E ficou sempre do lado do pai e do avô paterno. Depois o pai foi viver para o estrangeiro e a menor foi afastada da depoente. Desde Fevereiro do ano passado a menor está a Viver numa instituição.

Rematando, diremos que as próprias premissas da invocação do arguido neste segmento do recurso não são verdadeiras, atento o que atrás acabou de se exarar, pois o Tribunal não se baseou só nas declarações da ofendida, mas sim de testemunhas, nomeadamente de irmãs da ofendida as quais relataram inclusive o que pela menor lhes foi contado, como também constataram as mudanças de comportamento da mesma, em conclusão então, pugnamos que o artº 127º do C.P.P. (Artigo 127.º/Livre apreciação da prova/ Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente) não viola o artigo 32º da CRP (sendo que o arguido nem sequer indica qual o número do artº 32º da CRP pretensamente violado…vide : 1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.), nem no artº 6º nº 1 da CEDH (ARTIGO 6° /CEDH Direito a um processo equitativo)
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente, necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. E tal  quando entendido no sentido que quando para formar a íntima convicção basta a declaração da ofendida sem mais elementos de prova.
Inexiste qualquer violação das normas indicadas e inexiste também qualquer inconstitucionalidade indicada pelo arguido genericamente no artº 32 da CRP, o que se declara.
Improcede assim este segmento do recurso.
6- Para terminar invoca o recorrente a violação dos artº 72º nº 2 d) e 40º, ambos do C.P. e quanto à ponderação da medida da pena, pois existe aqui uma ausência de valoração do tempo entretanto decorrido, à idade do arguido, bem como a doença que padece e tudo na óptica de que a pena não deve exceder a medida da culpa, pelo que o arguido deverá ser absolvido ou condenado em pena de prisão não superior a três anos e suspensa na sua execução.
Cotejando os factos dados como provados, bem como a fundamentação da escolha e medida das penas parcelares bem como da única, resumimos que o arguido Manuel José Loureiro da Costa, foi condenado nos seguintes termos: como autor material e em concurso real pela prática de três crimes de abuso sexual de criança agravado previstos e punidos pelos arts.171 nº 1 e art.177° nº 1 alínea a), do Cód.Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses por cada crime.
Nos termos do art.77° do Cód.Penal operando o cúmulo jurídico, ponderando os limites abstractos do cúmulo, condena-se o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
O Tribunal “ a quo” justificou plenamente a razão de decidir pela natureza e dosimetria das penas parcelares para cada um dos três crimes praticados pelo arguido (avô da vitima), sendo vitima a menor de 4/5 anos, sua NETA e também pela pena única resultante do cúmulo jurídico de cinco anos e quatro meses de prisão.
Então o facto de o arguido ser doente, e isto na perspectiva de se eximir de pena efectiva de prisão, não releva, primeiro, porque não se sabe desde quando sofre de tais patologias físicas, e segundo se porventura já delas sofria quando perpetrou os abusos sexuais contra a sua neta.
 Também o facto da idade actual do arguido não se sobrepõe no doseamento nem na modificação das penas aplicadas ao arguido bem como da pena única, uma vez que convenhamos, o arguido quando praticou os crimes já tinha idade avançada, e bem ciente que estava apraticar crimes de abuso sexual  onde o objecto do seu desejo era a sua neta, a ofendida, com  quatro/ cinco anos de idade completamente incapaz de resistir aos abusos do seu avô , até decorrente da imaturidade da sua idade.
O arguido com tal fito deslocava-se à casa onde a menor residia.
 E por fim o facto do hiato de tempo entre a pratica dos factos e a condenação não é imputável ao normal desenrolar deste processo crime, pois a queixa só foi efectuada no ano de 2015, ou seja cerca de dois/três anos depois da pratica dos factos, certamente devido aos contornos dos crimes cometidos no seio desta família pelo arguido, família essa que apresenta algum grau de desestruturação e anote-se o apontamento na fundamentação de facto, que uma das irmãs da vitima ( ela também menor) se deslocou às urgências do Hospital ( face aos abusos relatados pela ofendida), mas que ai não aceitaram tal devir, por a ofebdida vir acompanhada de OUTRA MENOR.
Assim tais argumentos não colhem não tendo sido violadas as normas legais indicadas, não tendo de forma alguma a pena excedido a medida da culpa.
De facto neste tipo de crimes de abuso sexual de menores as exigências prevenção geral são elevadíssimas, que pelo impacto que a sua prática tem no tecido social é enorme, causando um natural alarme e insegurança na população em geral, e repercute-se no poder punitivo do Estado para estancar a prática dos mesmos, ao limite de se poder entender o mesmo como inoperante ou inoperativo face a situações como a dos autos, muito concretas onde um avô abusa por três vezes sexualmente da sua neta uma criança de 4/5 anos do modo que resultou provado.
Mesmo atendendo à sua idade o arguido nega os factos e não revela qualquer autocritica dos factos inqualificáveis que perpetrou sobre uma criança inocente de tenra idade, e mais sendo avô da mesma devia estar imbuído de um sentimento de protecção da sua descendência e não para a usar para satisfazer os seus instintos libidinosos e desviantes.
Agiu ainda o arguido com dolo na sua forma mais intensa, o dolo directo.
A tal acresce que o arguido tem défice de auto-crítica sobre os seus comportamentos faltosos.
A ofendida XX ao ser surpreendida com os actos do arguido, sofreu choque e constrangimento nas três situações. A ofendida sofreu e continua a sofrer, sentindo-se perturbada com a conduta invasiva do arguido, supra descrita.
Neste conspecto não podemos também descurar razões de prevenção especial, bem como a vitimização da ofendida que a ela anda ancorada.
Certamente que as consequências destes actos na esfera física, psíquica e no futuro na formação da sua personalidade como criança, adolescente, jovem adulto e adulto poderão assumir sequelas incontáveis, e que irão condicionar a sua vida no futuro desta criança, as quais ainda não foram reveladas, para além das sequelas bem visíveis estas sim que resultaram provadas.
Para além disso pese embora a pedofilia não contar do elenco dos crimes do nosso Código Penal, o certo é que tais actos se encontram devidamente acautelados e previstos no nosso ordenamento Juridico pelos crimes que perfectibilizam actos de abuso sexual praticados contra menores, caso patente dos  autos/ artigo 171º/177º do C.P.
Mas não só neste caso concreto, como em muitos outros infelizmente que ocorrem na sociedade Portuguesa.
Não há que ter receio de definir tal parafilia que como se disse está e bem respaldada no nosso Código Penal, mas esta assume contornos praticamente imparáveis pelos seus autores, trata-se de uma compulsão incontrolável.
Há que acautelar a vítima, sempre indefesa neste caso (incapaz de ser protegida pela família tanto que está institucionalizada…) e a sociedade.
Tanto assim que incontáveis estudos médicos a definem, do modo que infra se deixa uma breve resenha, sempre estribados na palavra de técnicos devidamente habilitados nesta temática.
Assim sendo veja-se:
A palavra pedofilia deriva de uma combinação de radicais de origem grega: paidos é criança ou infante, e philia, amizade ou amor, sendo definida então como atração sexual por crianças (TRINDADE, 2013). Termo este utilizado pela primeira vez no século XIX, mais precisamente em 1986, pelo psiquiatra vienense Richard von Kraft-Ebing (WILLIAMS, 2012). Rodrigues (2008, p. 78) lembra que em 1989 foi aprovada a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, trazendo para o contexto jurídico a proteção integral ao menor.
Assegurando-lhes condições dignas de desenvolvimento sob todos os seus aspectos.
A criança passou a ser reconhecida como um sujeito de direitos, pois ao se tratar do tema pedofilia, esta convenção no seu artigo 19 propaga a obrigatoriedade aos estados em proteger a criança de todas as formas de violência, sendo ela, física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual. Freitas (2013) ressalta que, no artigo 34 é atestada a protecção à infância e adolescência do abuso, ameaça ou lesão a sua integridade sexual. De acordo com Machado (2013) a análise da criança em detrimento do pedófilo justifica-se, sobretudo por que na relação estabelecida entres os sujeitos é ela quem ocupa a posição de vítima, e como tal não se duvida que seus prejuízos sejam maiores em decorrência dos atos abusivos praticados.
Sobre as consequências Williams (2012) ressalta que podem ser diversificadas: apresentação de condutas sexualizadas, conhecimento atípico sobre sexo, sentimento de estigmatizarão, isolamento, hostilidade, desconfiança, medo, baixa autoestima, sentimento de culpa, fracasso ou dificuldades escolares, precocidade sexual, transtorno de estresse póstraumático, dificuldades relacionais, especialmente com homens, pais e os próprios filhos, ansiedade tensão, distúrbios alimentares etc.
As vítimas também estão predispostas a sofrer abusos na vida adulta em um processo de revitimização, pois nem sempre se pode estabelecer com segurança relações diretas de causa-efeito entre o abuso e comportamentos posteriores da criança (TRINDADE & BREIER, 2013).
Sob a forma de transtornos funcionais, Salter (2009) acrescenta pesadelos, terrores noturnos, dificuldades de conciliar o sono, medo do escuro, enurese diurna/noturna, encoprese, estranhamento, como expressão de problemas de conduta, agressão física, choro fácil, retraimento, raiva, não querer se desnudar ou tomar banho, não querer fazer ginástica e realizar desenhos sexualizados, já na adolescência, fuga de casa, automutilação, consumo de drogas, roubos, antissocialbilidade e delinquência, como dificuldades escolares, problemas de concentração, atenção, memória, entre outros.
De acordo com Vandenbos (2010) a criança pode viver o abuso sexual e não manifestar sinais do trauma, até por que os sintomas podem estar a ser sufocados pela família ou somente se manifestar muito tardiamente. Não se sabe por que algumas crianças conseguem lidar melhor com certos tipos de abusos, superando-os, "enquanto outras, sofrendo a mesma agressão, tem suas vidas drasticamente alteradas, pois a capacidade de resiliência de cada um vai definir o quanto se recuperará (CASOY, 2014)
https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1176.pdf
Igualmente se refere que o
“Transtorno pedofílico, in(…)
(Por George R. Brown , MD, East Tennessee State University /Última revisão/alteração completa setembro 2017 por George R. Brown, MD)
Transtorno pedofílico é caracterizado por fantasias, impulsos ou comportamentos intensos ou recorrentes sexualmente excitantes envolvendo adolescentes pré-púberes ou jovens (geralmente ≤ 13 anos); ele só é diagnosticado quando as pessoas têm ≥ 16 anos e são ≥ 5 anos mais velhas do que a criança que é o alvo das fantasias ou comportamentos.
A pedofilia é um forma de parafilia que causa danos a outros e, portanto, é considerada um transtorno parafílico.
Abusos sexuais contra crianças constituem uma proporção significativa dos atos sexuais criminosos relatados.
Para adolescentes mais velhos (i.e., 17 e 18 anos de idade), o interesse sexual ou envolvimento contínuo com uma criança de 12 ou 13 anos de idade pode não atender aos critérios clínicos para um transtorno. Mas os critérios legais podem ser diferentes dos critérios psiquiátricos. Por exemplo, a atividade sexual entre uma pessoa com 19 anos e outra com 16 anos pode ser um crime e não um transtorno pedofílico, dependendo da jurisdição. As diretrizes diagnósticas em relação à idade se aplicam às culturas ocidentais, mas não a muitas culturas que aceitam atividade sexual, casamento e gravidez em idades muito mais jovens e aceitam diferenças muito maiores de idade entre parceiros sexuais do que nas culturas ocidentais.
A maioria dos pedófilos é homem.
A atração pode ser por meninos, meninas ou ambos. Os pedófilos preferem crianças do sexo oposto, em vez de crianças do mesmo sexo, em proporção de 2:1.
Na maioria dos casos, o adulto é conhecido da criança e pode ser membro da família, padrasto ou madrasta, ou uma pessoa com autoridade (p. ex., professor, treinador). O olhar ou o toque parece ser mais prevalente que o contato genital. Pedófilos podem ser atraídos apenas por crianças (forma exclusiva) ou também por adultos (forma não exclusiva); alguns só são atraídos por crianças vinculadas a eles (incesto).
O curso da pedofilia é crônico e aqueles que a perpetram frequentemente desenvolvem abuso ou dependência de substâncias e depressão. Disfunção familiar generalizada, história pessoal de abuso sexual e conflito conjugal são comuns. Comorbidades incluem transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtornos de ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático.
https://www.msdmanuals.com/pt-pt/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/sexualidade,-disforia-de-g%C3%AAnero-e-parafilias/transtorno-pedof%C3%ADlico (ver Child Welfare Information Gateway).
Resumindo dir-se-à que nada haverá a apontar neste conspecto à decisão recorrida, com a qual se concorda na íntegra adiantando-se já que o recurso nesta parte não será provido como seria o desejo do arguido.
Em síntese conclusiva diz-se:
Face a tal diremos o seguinte e quanto à medida da pena:
-Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena (art. 71.º, n.º 1, do Código Penal), a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.° 40.º, n.º 1, do mesmo diploma).
O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências e a intensidade do dolo, constituem factores determinantes para avaliação da pena da culpa, tendo por certo que a concepção de culpa que perfilhamos referida está ao facto, pelo que a personalidade do agente só relevará na medida em que se encontre expressa no ilícito típico e o fundamente.
Com efeito o direito de punir e o quantum da punição têm a sua justificação a partir daquilo que se faz e não daquilo que se é.
Será, então, a pena dos autos exagerada e excessiva, violadora da “proibição de excesso”, princípio que significa que a medida da pena não pode exceder a medida da culpa?
Julgamos que não.
Culpa que, tendo por objecto de valoração uma conduta desvaliosa consubstanciada no cometimento de um facto ilícito típico “constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas-( ...)” ( v. Figueiredo Dias, ibidem, pág 230 ).
Isto é, a medida da culpa é o marco que baliza o limite máximo da pena concreta que não pode ser excedido, não para fornecer em última instância a medida da pena que dependerá, dentro desse limite, de considerações de prevenção ( V. o citado autor, ibidem, pág 238 ).
Relativamente à prevenção, dir-se-á que num sistema como nosso, em que a culpa ainda é o fundamento ético da pena e um limite inultrapassável da sua medida (art. 409.º, n.º 2, do Código Penal), a prevenção constituirá um fim e, nesta óptica, a mesma relevará para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência de pena do ponto de vista preventivo, pelo que a prevenção acabará por fornecer, em último termo, a medida da pena, sendo certo que também aqui, tal como sucede em relação à avaliação da medida da pena da culpa, os factores relevantes para aferição da medida da pena preventiva são, fundamentalmente, os respeitantes à gravidade do facto.
No entanto, estando-se aqui face a determinação da medida da pena em função da satisfação de exigências de prevenção, terão também de ser valoradas as circunstâncias ocorrentes alheias ao facto, isto é, estranhas ao ilícito típico e à culpa e/ou tipo de culpa, bem como os atinentes à personalidade do agente quer se encontrem ou não expressos no facto e quer o fundamentem ou não, desempenhando, os primeiros, um papel preponderante na avaliação da medida da pena necessária para satisfazer as exigências de prevenção geral, e, os segundos, para (prevalente) satisfação das exigências de prevenção especial.
Ora fazendo uma leitura do acórdão recorrido neste segmento parece-nos, e face ao que se apurou, que nada haverá que apontar à sua decisão neste conspecto, a qual foi proferida com acerto devido ao caso, face aos contornos e factualidade apurada.
De tal ressalta  da sua renovada leitura, que ali se fundamenta de modo perfeitamente perceptível relativamente ao arguido/recorrente todas as circunstâncias necessárias, agravantes e atenuantes que ao caso concreto cabe, estribando-se nos factos que resultaram provados e constantes do acórdão recorrido.
Não podíamos estar mais de acordo com o exarado no acórdão recorrido, não havendo nada a apontar quer no aspecto técnico, quer na ponderação da pena de prisão aplicada, considerando-se o que ali consta e para a qual se remete.
Mas enfatizamos até, que, como é por todos consabido, o recurso dirigido à natureza ou medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso (vide Ac. do TRP de 2.10.2013).
 A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à natureza ou medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada, e tal no ensinamento de Figueiredo Dias.
Sufragamos que, nesta matéria, tem plena aplicação aos tribunais de 2ª instância a jurisprudência, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Raul Borges, acessível in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, que passamos a citar: “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo nº 2693/00-5ª; de 23-11-2000, processo nº 2766/00 - 5ª; de 30-11-2000, processo nº 2808/00 - 5ª; de 28-06-2001, processos nºs 1674/01-5ª, 1169/01-5ª e 1552/01-5ª; de 30-08-2001, processo nº 2806/01 - 5ª; de 15-11-2001, processo nº 2622/01 - 5ª; de 06-12-2001, processo nº 3340/01 - 5ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5ª; de 09-05-2002, processo nº 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo nº 585/02 - 5ª; de 23-05-2002, processo nº 1205/02 - 5ª; de 26-09-2002, processo nº 2360/02 - 5ª; de 14-11-2002, processo nº 3316/02 - 5ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo nº 3399/03 - 5ª; de 04-03-2004, processo nº 456/04 - 5ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo nº 3182/04 - 5ª; de 23-06-2005, processo nº 2047/05 -5ª; de 12-07-2005, processo nº 2521/05 - 5ª; de 03-11-2005, processo nº 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 - 3ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 - 5ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 - 5ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 - 5ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 15-07-2008, processo n.º 818/08 - 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª e Acórdão do S.T.J. de 9/05/2019, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Gonçalves, AC do TRL de 24/07/2017 in www.dgsi.pt ,  e decisão individual do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 27 de Setembro de 2018, no processo 1899/17.7T9CSC.L1 (esta não publicada), entre muitas outras decisões de Tribunais superiores (…) .”
Pelo que, este Tribunal, nada tem a apontar às penas aplicadas em concreto encontrada pelo Tribunal “ a quo”, relativamente ao arguido, bem como na pena única resultante do cúmulo jurídico.
A tais considerações às quais nada temos a apontar e com as quais se concorda, cumpre ainda evidenciar mais uma vez, no que respeita aos factos que resultaram provados no acórdão proferido pelo tribunal “ a quo”, nos quais a decisão recorrida se estribou.
Nem nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º nº 2 e 379 do CPP, qualquer nulidade se perfila aqui, nem em qualquer outra ( artº 410º do CPP) cujo conhecimento oficioso seria de conhecer.
Face ao exposto, julga-se totalmente não provido o recurso deduzido pelo arguido, o que se declara.
DISPOSITIVO
Em face do exposto acordam as Juízas que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:
1.Julgar não provido na sua totalidade o recurso interposto pelo recorrente MM, mantendo-se na integra a decisão recorrida;
2.Custas a cargo do arguido fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs;
3.Notifique-se sendo o arguido pessoalmente e D.N.

Lisboa, 9 de  Janeiro de 2020
Filipa Costa Lourenço
Cristina Santana
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[1] Acessível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/criminal2012.pdf. Os demais acórdãos do Supremo tribunal de Justiça que se indicarem sem outra menção encontram-se disponíveis nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.
[2] Apud Ana Maria Barata de Brito, “Notas da teoria geral da infracção na prática judiciária da perseguição dos crimes sexuais com vítimas menores de idade”, Revista do CEJ, n.º 15, págs. 293 a 316.
[3] A Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1996, Almedina.
[4] Direito Penal – Parte Geral – Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, tomo I,  2.ª edição, 2007, Coimbra.
[5] Código Penal Anotado, 3.ª edição, 1.º volume, 2002, Rei dos Livros, pp. 384 e 385.
[6] Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, 2005, Universidade Católica Portuguesa, pp. 617 e segs..
[7] Lobo Moutinho, ob. cit., p. 617.
[8] Ob. cit., pp. 618-619.
[9] Cf., entre outros, Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, I, 4.ª ed., 1992, Verbo, p. 269, II, 1989, Verbo, p. 225; Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 1949, Atlântida, p. 309, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, 1998, Verbo, p. 32, Figueiredo Dias, ob. cit., p. 39 e Lobo Moutinho, ob. cit., p. 619.
[10]    Neste sentido, entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-03-2007 (Proc. n.º 1031/07-5.ª secção); de 17-05-2007 (Proc. n.º 1133/07-5.ª secção), cujo sumário está acessível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/criminal2007.pdf; de 23-01-2008 (Proc. n.º 4830/07-3.ª secção); de 29-11-2012 (Proc. n.º 862/11.6TDLSB.P1.S1-5.ª secção); de 12-06-2013 (Proc. n.º 1291/10.4JDLSB.S1-5.ª secção), e voto de vencido formulado pelo Conselheiro Maia Costa no acórdão de 14-05-2009 (Proc. n.º 36/07-5.ª secção), CJSTJ, 2009, tomo 2, p. 221.
[11 Neste sentido, de entre outros, acórdãos de 13-07-2011 (Proc. n.º 451/05.4JABRG.G1.S1-3.ª secção); de 2-09-2012 (Proc. n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª secção); de 22-01-2013 (Proc. n.º 182/10.3TAVPV.L1.S1-3.ª secção); de 17-09-2014 (Proc. n.º 595/12.6TASLV.E1.S1-3.ª secção); de 17-09-2014 (Proc. n.º 67/12.9JAPDL.L1.S1-3.ª secção); e de 22-04-2015 (Proc. n.º 45/13.0JASTB.L1.S1-3.ª secção).
[12]     No voto de vencido formulado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-11-2012.
[13]    Código Penal Anotado e Comentado, 15.ª edição, p. 277.
[14] Acessível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/criminal2010.pdf.