Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6600/2004-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
MATÉRIA DE FACTO
RENOVAÇÃO DE PROVA
INADMISSIBILIDADE
APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
PEDIDO CÍVEL
CULPA DO LESADO
PROVA DA CULPA
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
DIREITO COMUNITÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I – Não deve ser admitida a renovação da prova quando do texto da sentença não resulte que a decisão da matéria de facto está inquinada por qualquer dos vícios a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
II – Em obediência ao princípio in dubio pro reo, segundo o qual, perante a existência de factos incertos e perante uma dúvida irremovível e razoável, deverá o tribunal, na apreciação e valoração das provas e na determinação dos factos provados, favorecer o arguido, no sentido de não ter como provados os factos que lhe são imputados na acusação e que, a provarem-se, seriam fundamento para a aplicação de uma pena.
III – Afastada, por aplicação daquele princípio, a prova de que o acidente de viação se deveu, de forma causal, a conduta ilícita e culposa do arguido, daí não resulta, necessariamente, provada a culpa da parte contrária.
IV – Se, na motivação da convicção do tribunal, não se explicam de forma convincente as razões objectivas – e não de mera convicção íntima e pessoal –, que, à luz das regras da experiência, levaram a aceitar, por mais credível, como verdadeira, uma versão dos factos (a do arguido) e a não acolher versão diferente (a do lesado), e da apreciação, em sede de recurso, das provas gravadas, globalmente analisadas em conjugação com a prova documental, não resultam elementos para, racionalmente, se concluir que deva merecer maior credibilidade uma versão em detrimento da outra, impõe-se ao tribunal superior a modificação da decisão, fundada na reapreciação das provas registadas em audiência conjugadas com outros elementos de prova constantes dos autos.
V – A incerteza quanto a aspectos essenciais da dinâmica de um acidente de viação e do comportamento dos condutores dos veículos nele envolvidos impede a formulação de juízo de culpa, na produção do sinistro, em relação a qualquer deles, dando lugar à aplicação das normas que regem a obrigação de indemnizar com fundamento na responsabilidade pelo risco.
VI – De harmonia com as Directivas do Conselho das Comunidades Europeias relativas à uniformização das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, na interpretação do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, vertida em acórdão proferido em acção prejudicial, os artigos 1.º, n.º 2, e 5.º, n.º 3, na redacção que lhe foi dada pelo Anexo I, Parte IX, F, que tem por epígrafe “Seguros”, do Acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, da Segunda Directiva 84/5, obstam à existência de uma legislação nacional que prevê montantes máximos de indemnização inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados por esses artigos, quando, não havendo culpa do condutor do veículo que provocou o acidente, só haja lugar a responsabilidade civil pelo risco.
VII – Tal interpretação, assumida em acção prejudicial – que é um instrumento ao serviço do primado da ordem jurídica comunitária, com a função de uniformização da jurisprudência, que se impõe, simultânea a uniformemente, aos Estados-Membros , obriga os órgãos jurisdicionais nacionais, por força do disposto no artigo 5.º do Tratado de Roma.
VIII – A correcta harmonização daquelas Directivas com o Direito interno português, em matéria de limites de indemnização fundada na responsabilidade pelo risco, leva – independentemente do modo como foi operada a transposição das Directivas –, no respeito pelo n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, a ter-se por revogado, tacitamente, pelo artigo 6.º do Decreto -Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção alterada pelo Decreto-Lei n.º 3/96, de 25 de Janeiro, o segmento do n.º 1 do artigo 508.º do mesmo Código – na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 59/2004, de 19 de Março –, em que se fixavam limites máximos de indemnização a pagar aos lesados em acidentes de viação causados por veículos sujeitos ao regime de seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, como veio a ser reconhecido pelo Acórdão n.º 3/2004, de 25 de Março de 2004, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 112, de 13 de Maio de 2004.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 5.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.
No processo comum n.º 115/01.8 GTALQ do 1.º Juízo do Tribunal de Benavente foi julgado pelo tribunal singular RJPO, acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo art.º 148.º, n.º 1 CP revisto com referência ao art.º 38.º CE.
IJRNG, assistente, e MASNG deduziram pedido de indemnização civil contra a seguradora “O – Companhia de Seguros, SA” para quem fora transferida por contrato a responsabilidade civil, nos montantes respectivos de 27.579,13 euros acrescido de 396,90 euros de juros de mora vencidos e de 6.808,24 euros, acrescido de 963,60 euros de juros de mora vencidos, além de juros vincendos até pagamento integral.
Realizado o julgamento, com gravação dos depoimentos orais, foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação e absolveu o arguido e que julgou improcedentes os pedidos cíveis deles absolvendo igualmente a demandada civil.

Inconformados interpuseram recurso os demandantes IJRNG e MASNG, motivando os recursos que sintetizam com as conclusões:

- A sentença sob censura funda-se em conclusões probatórias que não encontram fundamento nas provas em que alegadamente se estribam, como decorre dos exemplos acima transcritos, de produção de prova testemunhal.
2º- Segundo tais depoimentos o veículo conduzido pelo Ofendido MASNG, a certo passo, abrandou a marcha com “pisca” aberto à esquerda, para se dirigir a um caminho de acesso a uma quinta onde num segundo momento viria a inverter o sentido de marcha.
3º- O Arguido iniciou uma manobra de ultrapassagem sem se ter certificado de que podia fazê-lo em segurança, razão por que se verificou o acidente (embate da frente do veículo do Arguido na parte de trás esquerda do veículo do Ofendido) de que os autos se ocupam.
4º - A Mma. Juíza não fez adequada leitura do “croquis” (pese embora a sua insuficiência e até inexactidão, acima sublinhadas), designadamente na sua versão corrigida, e não valorou outros documentos, como o da oficina, que permitiam determinar que o embate incidiu na parte traseira do veículo do Ofendido.
5º- Deveria, pois, a Mma. Juíza “a quo” ter dados como provados os factos descritos sob os n.os 48º, 49º, 50º e 51º do ponto 2.2. da sentença e como não provados os factos descritos sob os nºs 4º, 5º, 6º e 7º do ponto 2.1 da mesma sentença, devendo afirma-se que a prova produzida nos autos impunha, como se vê, decisão de facto diversa da que foi proferida.
6º- A decisão de facto e respectiva fundamentação incorrem, como melhor se analisou “supra”, em manifestas incoerências e contradições mormente quando nela a Mma. Juíza:
- Entende que se encontra perante depoimentos que traduzem versões contraditórias dos factos, mas afirma que se fundou neles todos para assentar os factos provados.
- Afirma ter dúvidas sérias acerca da culpa do Arguido na produção do acidente mas acaba por consignar factos que de todo a arredam e a imputam ao Ofendido.
7º - Nenhuma razão se vislumbra como susceptível de abalar a credibilidade da testemunha MI, que, de todos os depoentes, era aquela que menos interesse tinha na causa e que tinha uma razão objectiva de ciência manifestamente incontestável e ainda menos se percebe que o sentido das suas palavras tenha sido adulterado, na súmula que do depoimento a Mma. Juíza se permite fazer.
8º - E que, apesar do seu manifesto estado de doença, no dia da audiência, fez um depoimento coerente e credível.
9º - Parece manifesto que a renovação da prova, supra referida e tal como supra requerida – até porque evitará o reenvio do processo para reapreciação na 1ª instância – se impõe como meio correctivo das asserções de facto que a Mma. Juíza perfilhou.
10º - Os factos que realmente devem ter-se como provados constituem fundamento para condenação da demandada no pedido cível formulado pela Assistente, por isso que traduzem um comportamento ilícito do Arguido, causador dos danos e sequelas provados dos autos.
11º - A sentença recorrida violou, pois, entre outros, os artigos 127º, 374º, ambos do Código de Processo Penal e o art. 483º do Código Civil
Termos em que deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida e
a) - Ordenando-se a renovação da prova e reapreciando-se a mesma conforme requerido.
b) – Condenando-se o Arguido pela prática do crime de que foi acusado.
c) – Julgando-se provado e procedente o pedido cível, com a consequente condenação da demandada civil “O Companhia de Seguros SA” no pedido cível formulado pela Assistente, como é de Justiça.
Requerimento de renovação da prova:
Requer sejam tomadas declarações à testemunha MI, melhor identificada nos autos, sobre os factos insertos sob os números 4º, 5º e 6º do ponto 2.1 da sentença e sob os números 48º, 49º e 50º do ponto 2.2 da mesma sentença.
Mais se requer que a testemunha esclareça designadamente qual o momento exacto desde o qual se apercebeu das circunstâncias do acidente se no momento imediatamente anterior ao início do respectivo processo causal, se apenas no momento posterior ao embate.

Admitidos os recursos com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, respondeu o M.º P.º pugnando pela improcedência dos recursos, para o que refere em síntese:

- O comportamento do arguido em nada merece, a nosso ver, qualquer censura.
- Seguia atrás de uma viatura mais lenta que a sua, verificou que não existia qualquer trânsito em sentido contrário e iniciou então, com a devida segurança, uma manobra de ultrapassagem, em local permitido.
- Já quanto à viatura em que seguia a assistente, nos parece que o respectivo condutor terá agido de forma precipitada e irresponsável.
- Ao aperceber-se que tinha deixado passar o local pelo qual pretendia entrar, decidiu então inverter o sentido de marcha, quando era precedido por diversas viaturas e em plena estrada nacional, manobra que efectuou de forma atabalhoada e inesperada, conforme se depreende da surpresa do arguido, ao efectuar a travagem à sua viatura.
- Ou seja, a situação de perigo e de desrespeito às regras da prudência e da circulação rodoviária parte da viatura em que seguia a assistente e não da viatura em que seguia o arguido.
- De acordo com o princípio da confiança que deve presidir na circulação rodoviária, o arguido devia esperar, naquele caso concreto, que todos os condutores se comportassem de acordo com o direito, o que não veio a acontecer, mas sem que tal pudesse o arguido prever.
- Não se vislumbra assim qualquer motivo para considerar que, naquele caso concreto, o arguido não actuou com o cuidado que podia e a estava obrigado.
- Entende-se assim que a douta sentença apreciou correctamente a prova produzida e examinada em audiência e decidiu com toda a propriedade absolver o arguido da prática do crime que lhe era imputado.
- Somos pois de parecer que o recurso interposto pelos arguidos não deve merecer provimento, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida.

Também o arguido respondeu, concluindo pela improcedência dos recursos, concluindo:

1. A Douta Sentença fundou-se em conclusões probatórias na produção de prova testemunhal, como decorre dos exemplos acima transcritos, e das regras da experiência comum.
2. Segundo tais depoimentos, o veículo conduzido pelo ora Recorrente, MASNG, por se ter enganado na direcção que pretendia tomar, iniciou uma manobra de inversão de sentido de marcha, de forma súbita e repentina, sem se certificar que podia fazê-lo com segurança, atravessando-se na hemi-faixa de rodagem de sentido contrário àquela que seguia e colocou-se perpendicularmente à mesma, de forma a ganhar ângulo com o espaço do portão de uma quinta que se situava no lado contrário onde aquele seguia.
3. O Arguido, ora recorrido, iniciou uma manobra de ultrapassagem após se ter certificado que o podia fazer com segurança, não se tendo apercebido, nem podia ter apercebido da manobra efectuada pelo ora Recorrente, a não ser quando o embate era inevitável.
4. O veículo conduzido pelo ora Recorrente encontrava-se quase totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem de sentido contrário àquela em que seguia, razão pela qual o embate se terá dado com a frente do veículo conduzido pelo arguido na lateral esquerda do veículo conduzido por MASNG.
5. A Mma. Juíza fez a adequada leitura dos croquis, baseando-se na existência de rastos de travagem de 25 m provocados paralelos à sinalização longitudinal de cor branca que assinala delimitação das duas faixas de rodagem, para formular a conclusão de o embate ter-se dado na lateral esquerda do veículo conduzido por MASNG.
6. Face à prova produzida nos autos, a decisão de facto não poderia ser diversa.
7. A decisão de facto e respectiva fundamentação não incorre, como supra se analisou, em manifestas incoerências e contradições.
8. Apesar das versões “contraditórias” dos factos, existiram pontos de conexão entre as versões, suficiente para esclarecer a verdade material.
9. As sérias dúvidas acerca da culpa do Arguido na produção do acidente deveu-se às provas apontarem para a culpa exclusiva do ora Recorrente MASNG na produção do evento danoso.
10.  A testemunha MI apresentou-se nos autos após cerca de dois anos do acidente, só o ora recorrente MASNG conhecia a sua existência por esta se ter apresentado como testemunha exclusivamente a ele, não tendo se dirigido nem às autoridades competentes nem ao ora recorrido RGPO, apesar de se ter encontrado no local do acidente durante todo o período de medições e de socorro às vítimas, por isso existiram várias razões para o depoimento merecer as maiores reservas pelo Douto Tribunal a quo.
11.  Não será de admitir a renovação da prova testemunhal de MI por não se ter verificado contradição na fundamentação de facto nem erro notório na apreciação das declarações da testemunha.
12.  A Douta Sentença recorrida não violou quaisquer preceitos legais, nomeadamente os artigos 127º, 374º, ambos do Código de Processo Penal e o art. 483.º do Código Civil 
Termos em que, devem os presentes recursos serem julgados improcedentes por não provados e, consequentemente ser mantida a Douta Sentença recorrida e não ser admitido o requerimento de renovação de prova apresentado pela ora Recorrente IJRNG, para que seja feita a acostumada e habitual JUSTIÇA.

Neste tribunal a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pelo indeferimento do pedido de renovação da prova por se não verificarem os vícios do art.º 410.º, n.º 2 CPP estando, como tal, prejudicada a eventual utilidade de a mesma evitar o reenvio para novo julgamento.
Determinada a transcrição integral da prova gravada pelo tribunal recorrido e efectuada a mesma, foram colhidos os vistos legais e procedeu-se a audiência.

2.
O objecto do recurso, tal como se mostra configurado pelas conclusões das motivações de recurso, reporta-se à apreciação das seguintes questões:
- das contradições na fundamentação e entre esta e a decisão por esta se ter apoiado em duas versões opostas corroboradas por pessoas ligadas por laços de parentesco ao arguido e aos ofendidos e por referir que o tribunal ficou com sérias dúvidas acerca da culpa do arguido na produção do acidente acabando por dar como provados factos segundo os quais o arguido teve um comportamento de grande prudência e cuidado na condução e que determinam a culpa exclusiva do ofendido na verificação do acidente ;
- da discordância acerca da decisão de facto tida por assente na sentença, impondo a prova que esta devesse ter sido outra, nomeadamente quanto à  matéria de facto dada como provada descrita sob os n.os  4, 5, 6 e 7 do ponto 2.1. da sentença que os recorrentes entendem deveria ter sido dada como não provada e da matéria dada como não provada sob os n.os 48, 49,50 e 51 do ponto 2.2. da sentença que concluem deveria ter sido dada como provada, por isso resultar da prova produzida devidamente avaliada.
 
2.1. É a seguinte a fundamentação da decisão:

2.1.1.- Factos provados
 
Produzida a prova e discutida a causa, resultou provada a seguinte factualidade:
1º No dia 27 de Dezembro de 2000, pelas 14h00m, ao Km 30,250 da EN 118, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros com as matrículas 1 e 2, conduzidos respectivamente por RGPO (arguido) e MASNG;
2º IJRNG seguia como passageira do veículo conduzido por MASNG, no banco de trás;
3º Ambos os veículos seguiam na aludida EN no sentido Porto-Alto – Montijo;
4º O arguido RGPO, que circulava a uma velocidade compreendida entre os 80 e os 90 Km/h, decidiu proceder à ultrapassagem do veículo que seguia à sua frente, manobra que iniciou após se ter previamente certificado que ninguém o estava a ultrapassar;
5º Entretanto, o condutor da viatura 2, (porque constatou que se enganara na direcção que pretendia tomar) iniciou uma manobra de inversão de sentido marcha, de forma súbita e repentina, atravessou-se na hemi-faixa de rodagem de sentido contrário àquela em que seguia e colocou-se perpendicularmente à mesma, de forma a ganhar ângulo, com a frente do seu carro virado para o portão de uma quinta que se situa do lado contrário àquele em que seguia:
6º- O arguido não se apercebeu, nem se podia ter apercebido da manobra efectuada pelo condutor MASNG a não ser quando o embate já era inevitável;
7º- O embate deu-se com a frente do veículo conduzido pelo arguido na lateral esquerda do veículo conduzido por MASNG;
8º- A cerca de 25 m do local do embate ficaram no pavimento rastos de travagem paralelos à sinalização longitudinal de cor branca que assinala delimitação das duas faixas de rodagem;
9º- No local do embate, a faixa de rodagem tem a largura de 6,6 m e não existe qualquer sinal de proibição de ultrapassagem;
10º O arguido é casado e tem um filho a cargo;
11º O arguido é carpinteiro, declara rendimentos mensais na ordem dos 450,00 Euros;
12º- O arguido tem de habilitações literárias o 2º ano do ciclo;
13º- Não tem antecedentes criminais.
14º- A responsabilidade civil emergente da circulação da viatura 1 encontrava-se transferida através de apólice válida n.º ... para a “O Companhia de Seguros SA”;
15º- Em consequência do embate sofreu IJRNG as lesões descritas a fls. 48, 51 a 53 e 60 e cujo teor se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais e que lhe demandaram 60 dias de doença com incapacidade para o trabalho;
Dos Pedidos de Indemnização Cíveis:
16º- A assistente IJRNG sofreu designadamente, traumatismo dorsal e costal fractura da vértebra D-8 e traumatismo craniano;
17º- Imediatamente a seguir ao acidente foi conduzida ao Hospital de V. Franca de Xira onde lhe foram prestados os primeiros tratamentos;
18º- Teve alta deste Hospital na noite do mesmo dia, tendo permanecido na sua residência até à manhã seguinte;
19º- Durante toda essa noite a assistente teve dores violentas e não conseguia dormir;
20º- Na manhã seguinte, o marido levou-a ao Hospital Particular onde foi submetida a exames médicos;
21º- Tendo sido detectadas as lesões supra referidas;
22º- A assistente esteve de baixa médica desde o dia do acidente até 28/02/01;
 23º- Fez tratamentos de fisioterapia diários durante todo o período em que esteve de baixa, excepto durante as três primeiras semanas;
24º- E continuou a fazê-lo após a alta também todos os dias após o termo do seu dia de trabalho os quais se prolongaram até Setembro de 2002;
25º- As dores sofridas pela assistente foram violentíssimas nas primeiras semanas que se seguiram ao acidente, tendo-se mantido com intensidade nos cinco a seis meses seguintes, posteriormente diminuíram de intensidade mas nunca desapareceram;
26º- Ainda hoje a assistente sente dores que são mais intensas nuns dias e menos noutros;
27º- Não pode pegar em objectos pesados nem efectuar movimentos que impliquem maiores esforços e é frequente os braços ficarem dormentes;
28º- Antes do acidente a assistente era uma pessoa saudável e sem qualquer limitação;
29º- A assistente sentiu e continua a sentir enorme mágoa e desgosto por se ver com 47 anos de idade uma pessoa doente e diminuída;
30º- Nas três primeiras semanas que se seguiram ao acidente a assistentes esteve acamada e totalmente dependente de terceiros para satisfazer as suas necessidades básicas;
31º- O filho, que então já trabalhava teve que faltar uma semana ao trabalho para lhe prestar assistência;
32º- E a irmã da assistente teve também ela que lhe prestar cuidados durante esse período;
33º- Bem como o marido que após o horário laboral tinha que tratar da esposa e conjuntamente com o filho fazer todas as tarefas domésticas;
34º- Durante cerca de dois meses a assistente só podia sair acompanhada e em carro particular ou táxi;
35º- Tinha enormes dificuldades de locomoção;
36º- A assistente é funcionária pública e estudante do ensino superior nocturno na CEU-Cooperativa de Ensino Universitário, CRL pagando de propinas mensalmente o valor de Esc.: 39.000$00;
37º- Como consequência do acidente faltou às aulas nos meses de Janeiro e de Fevereiro de 2001 e nos meses seguintes frequentou-as com grande dificuldade e sacrifício pessoal;
38º- A assistente sofreu angústia, sofrimento e ansiedade resultantes do estado de doença e incapacidade resultantes do acidente;
39º- Durante os primeiros meses a assistente, para se deslocar aos tratamentos, às consultas e exames médicos teve de utilizar o táxi por manifesta impossibilidade de usar transportes públicos;
40º- O marido e o filho não podiam faltar sistematicamente ao trabalho para a transportar pelo que despendeu em deslocações a quantia de Esc.: 241.330$00;
41º- Gastou em consultas médicas, hospitalares, exames médicos, tratamentos e medicamentos a quantia de Esc.: 77.936$00;
42º- Devido à situação de baixa médica em que se encontrou a assistente deixou de auferir a quantia de Esc.: 119.804$00;
43º- A assistente deixou de frequentar as aulas nos meses de Janeiro e de Fevereiro de 2001 mas teve que pagar as respectivas propinas no valor de Esc.: 78.000$00;
44º- A assistente é beneficiária da ADSE com o n.º.....SS e dos serviços sociais do Ministério da Justiça com o n.º...;
45º- A assistente nasceu no dia 03/11/1954;
46º- O veículo de matrícula 2 é propriedade de MASNG e como consequência directa e necessária do embate na sua lateral esquerda sofreu danos que obrigaram a reparações;
47º- Essas reparações ascenderam a Esc.: 1.364.930$00 com IVA incluído e que o referido MASNG pagou em 06/04/01;
2.1.2. Factos não provados
Da decisão de pronúncia:
Da audiência de discussão e julgamento, não se provaram os seguintes factos:
48º- O condutor do veículo 2, reduziu a velocidade, e ao chegar à entrada de uma quinta (onde era possível efectuar tal manobra), verificou que os carros que vinham atrás de si pararam e accionou o «pisca» esquerdo;
49º- Aguardou que passassem os carros que seguiam em sentido contrário e iniciou a manobra;
50º- Quando já tinha cerca de 90% do seu carro fora da faixa de rodagem foi embatido pelo veículo conduzido pelo arguido que ultrapassava a grande velocidade, os veículos que se encontravam parados aguardando a realização da referida manobra;
51º- O embate deu-se com a frente do veículo conduzido pelo arguido na esquerda traseira da viatura conduzida por MASNG;
52º- O campo de visibilidade do arguido, para efectuar a referida manobra de ultrapassagem era reduzido, dadas as dimensões do veículo que o antecedia;
53º- Ao efectuar a manobra de ultrapassagem sem se certificar se o podia fazer sem perigo de colidir com os restantes veículos que transitavam na via, atenta a visibilidade reduzida e o facto de os veículos que o antecediam terem parado ou reduzido a velocidade, o arguido não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias estava obrigado e de que era capaz e por esse motivo embateu no veículo conduzido por MASNG, nos termos supra descritos;
54º- Agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, com o que se conformou. 

Fundamentação de Facto:
O Tribunal tem de dizer o porquê decidiu de um modo e não de outro. E esta obrigação é ainda mais obrigação na decisão sobre a matéria de facto. Como resulta da disciplina dos recursos, normalmente a matéria de facto fica decidida na 1ª instância; o contrário constitui excepção.
O Tribunal tem nesta decisão sobre a matéria de facto de deixar claramente expressas as razões do julgamento que fez. Tem obrigação de expor aos destinatários o julgamento que faz. O tribunal não tem qualquer poder arbitrário, secreto, não controlado de dizer este facto está provado e aquele facto não está provado. O Tribunal tem de esclarecer porque é que um está provado e o outro não está. O Tribunal tem de deixar às claras o caminho da decisão.
Não basta dizer que a convicção se baseou no depoimento das testemunhas. É necessário esclarecer porque é que um depoimento mereceu crédito e outro não.
O Princípio da prova livre só quer dizer que o Tribunal livremente a aprecia as provas (mas as provas), sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos. Não há qualquer convicção íntima do juiz que não se alicerce nas provas produzidas. Está afastado qualquer julgamento com base em meras opiniões ou conjecturas do julgador.
Por outro lado, o Tribunal na apreciação das provas, na reflexão dos factos, deve utilizar o seu saber da experiência, a sua capacidade de raciocínio, a reflexão nas regras da experiência comum, a sua compreensão das coisas. Mas esta essencial actividade só lícita na apreciação das provas e nunca se lhes substitui.
O caso presente.
Relativamente aos factos provados a convicção do tribunal fundou-se nas declarações do arguido, da assistente IJRNG, do lesado MASNG e das demais testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.
Finalmente, o Tribunal teve em conta o “croquis” de fls. 4, e os demais documentos juntos aos autos a cuja análise procedeu.
Quanto aos factos não provados, nenhuma prova se fez seja por confissão, testemunhal, pericial ou documental.
O arguido afirmou que seguia à sua frente no sentido Porto Alto-Montijo, uma carrinha de caixa frigorífica e que se preparou para a ultrapassar, certificando-se previamente que o podia fazer em segurança, nomeadamente, que não circulava qualquer viatura em sentido contrário.
No momento que já estava a ultrapassar a aludida carrinha e portanto, na hemi-faixa de rodagem oposta, deparou-se subitamente com o Jeep conduzido por MASNG que iniciara uma manobra de inversão do sentido de marcha e invadira a faixa de rodagem contrária à sua. Estas declarações do arguido foram corroboradas em sede de julgamento pelos depoimentos de CO (sua esposa) e ALO, filho do arguido, e que seguiam na mesma viatura.
Inquirido, MASNG, afirmou que circulava na EN 118 no sentido Porto-Alto/Montijo quando se apercebeu que se enganara e pretendeu inverter o sentido de marcha de molde a passar a circular em sentido oposto aquele em que seguia, tendo para o efeito, encostado ao eixo da via e ligado o «pisca» da esquerda para, quando pudesse, inverter a manobra. Este depoimento foi corroborado por IJRNG sua esposa e ora assistente bem como pelo depoimento de PARS filho dos ofendidos.
Temos então duas versões opostas corroboradas cada uma delas por pessoas ligadas por laços de parentesco ao arguido e aos ofendidos.
Cumpre salientar que a testemunha ouvida em sede de audiência de julgamento, LI, não presenciou o acidente porquanto, nesse momento, se encontrava em casa quando «ouviu um barulho» segundo afirmou, pelo que o seu depoimento apenas poderá ser tido em conta no que concerne às características da via naquele local e posição dos veículos, nada de relevante podendo acrescentar em relação à dinâmica do sinistro.
O depoimento da testemunha MI mereceu-nos as maiores reservas porquanto se revelou pouco credível. Na verdade, esta testemunha afirmou que se encontrava no quintal de sua casa a estender a roupa quando ouviu um barulho e foi ver o que se passava, tendo então constatado que se dera um acidente entre um Jeep e um Golf. Ora, se a testemunha se encontrava a estender a roupa, como afirmou, não é verosímil que tenha presenciado os factos mas sim, que apenas tenha sido alertada para os mesmos aquando do embate. Por esta razão e ainda pela forma titubeante como foi prestando as suas declarações relativamente à dinâmica do embate, as mesmas nos pareceram pouco credíveis.
Do croquis junto aos autos e elaborado pelo agente da GNR, resulta assinalado uma rasto de travagem, de cerca de 25 m, sendo que o mesmo se encontrava paralelo ao eixo da via, o que parece indicar que a manobra de ultrapassagem efectuada pelo arguido RJPO já se havia iniciado, estando em plena hemifaixa contrária, no momento em que o Jeep  se lhe deparou de forma súbita.
Todos estes elementos de devidamente conjugados, tendo em conta as regras da experiência comum, levaram a que o Tribunal ficasse com dúvidas sérias acerca da culpa do arguido na produção do acidente.
De facto em nosso entender os elementos objectivos que constam do croquis e já mencionados, conjugados com as declarações do arguido (que nos pareceram sinceras e objectivas) e com o facto do próprio MASNG ter admitido que se enganara no caminho que pretendia seguir e visava passar a circular em sentido oposto, tudo isto aponta no sentido da culpa exclusiva deste último na produção do evento danoso.
No tocante aos pedidos cíveis formulados nos autos a convicção do Tribunal resultou, para além da extensa prova documental junta aos autos, da conjugação de todos esses elementos documentais juntos aos autos e bem assim dos depoimentos prestados em sede de audiência por cada uma das testemunhas arroladas que nos mereceram toda a credibilidade pela forma espontânea e sincera como prestaram depoimento.

3.
3.1.
3.1.1. A decisão recorrida refere todos os elementos probatórios analisados e que, devidamente conjugados e tendo em conta as regras da experiência comum, levaram a que o tribunal ficasse com dúvidas sérias acerca da culpa do arguido na produção do acidente, concluindo ainda que os elementos objectivos que constam do croquis junto aos autos – de que resulta assinalado um rasto de travagem de cerca de 25 metros, paralelo ao eixo da via o que, de acordo com tal decisão, parece indicar que a manobra de ultrapassagem efectuada pelo arguido já se havia iniciado, estando em plena semi-faixa contrária no momento em que o jeep se lhe deparou de forma súbita, a tentar inverter o sentido de marcha ocupando a semi-faixa por onde seguia o arguido – conjugados com as declarações do arguido que pareceram sinceras e objectivas e com o facto de o ofendido ter admitido que se enganara no caminho que pretendia seguir e visava passar a circular em sentido oposto, tudo aponta no sentido da culpa exclusiva deste último na produção do evento danoso.
A apreciação completa e atenta da motivação da decisão, contendo as razões que levaram o tribunal a formar uma dada convicção, não se mostram contraditórias se analisadas na sua totalidade e não apenas no excerto referido pelos recorrentes.
Contradição insanável de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão é a que se apresenta como insanável e irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com o recurso às regras da experiência comum.
Para que se verifique terão de constar do texto da decisão, sobre a mesma questão posições antagónicas e inconciliáveis como seja a de dar como provado e como não provado o mesmo facto, em situação inultrapassável pelo tribunal de recurso. Tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto e pode existir ainda contradição entre a fundamentação e a decisão.  
Não constitui qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão de facto, a circunstância de se ter justificado a opção pela versão tida por provada partindo da constatação de que “Todos estes elementos devidamente conjugados, tendo em conta as regras da experiência comum, levaram a que o Tribunal ficasse com dúvidas sérias acerca da culpa do arguido na produção do acidente” para, prosseguindo no exame racional feito quanto aos meios de prova produzidos, se concluir que “... os elementos objectivos que constam do croquis e já mencionados, conjugados com as declarações do arguido (que nos pareceram sinceras e objectivas) e com o facto do próprio MASNG ter admitido que se enganara no caminho que pretendia seguir e visava passar a circular em sentido oposto, tudo isto aponta no sentido da culpa exclusiva deste último na produção do evento danoso”.
O tribunal, além de enumerar os factos provados e as provas analisadas, indicou “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência “ (Marques Ferreira, Jornadas, 229 ss.). 
Não foi perante as dúvidas acerca da culpabilidade do arguido que se criou a convicção necessária para fixar os factos provados por forma a atribuir a culpa do acidente ao ofendido MASNG. Foi a análise concertada e conjugada dos elementos objectivos juntos aos autos e que constam do croquis e as declarações do próprio ofendido MASNG que justificaram a definição pelo tribunal dos factos provados e não provados. Podem os recorrentes discordar da forma como o tribunal adquiriu uma dada convicção quanto à verificação do acidente mas a decisão mostra-se fundamentada e não reflecte qualquer contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão.  
Questão diversa é a de saber se a motivação se mostra feita de forma suficientemente esclarecedora e completa quanto à indicação dos meios de prova e respectivo exame crítico e se este é consentâneo com a convicção formada pelo tribunal, o que a acontecer poderá integrar a nulidade da decisão por falta ou insuficiência de fundamentação.      
A motivação deve consistir numa exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.
E coisa diversa também e que requer a análise concreta do conteúdo da prova transcrita – não se satisfazendo com a mera apreciação do texto da decisão – é a de saber se a prova produzida justifica a opção do tribunal quanto à matéria de facto dada como provada.
Aliás, da leitura do texto da decisão, mesmo que conjugada com as regras da experiência e sem recurso a elementos que lhe sejam estranhos, não resulta que a decisão contenha vício daqueles a que alude o art.º 410.º, n.º 2 CPP.
E, embora os recorrentes se refiram na motivação de recurso a erro notório na apreciação da prova, é evidente que o que invocam é a sua discordância quanto a alguns dos factos tidos como provados e não provados pela decisão recorrida, ou seja o que suscitam é o erro na apreciação da prova e não o erro notório que só é susceptível de se verificar nas circunstâncias supramencionadas.
Também, pelo menos no que por ora cuidamos de apreciar, relativamente à vertente criminal da decisão, esta não contém qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão nem a matéria de facto se mostra insuficiente para a decisão que foi proferida.
Não estando a sentença afectada pelos vícios que lhe imputam os recorrentes nem outros de que cumpra conhecer oficiosamente e que não possam ser resolvidos através da consulta da transcrição da prova, não se vê necessidade de proceder à renovação da prova requerida nem ela se justifica perante a inexistência dos vícios que lhe são imputados, face ao disposto no art.º 430.º CPP que se destina essencialmente em caso desses vícios a evitar o reenvio para novo julgamento e não a repetir prova já produzida em 1ª instância.
Indefere-se pois o pedido de renovação da prova.

3.1.2. Revendo a motivação da sentença, verifica-se que o julgador partiu essencialmente da apreciação de dados objectivos, como o croquis e dados dele constantes, mormente o rasto de travagem de 25 metros até ao local de embate, paralelo ao eixo da via, “o que parece indicar que a manobra de ultrapassagem efectuada pelo arguido RGPO já se havia iniciado, estando em plena hemifaixa contrária, no momento em que o Jeep se lhe deparou de forma súbita” (sic), conjugados com “as declarações do arguido (que nos pareceram sinceras e objectivas)” (sic) e as declarações do ofendido que forneceram ao tribunal a ideia de que “se enganara no caminho que pretendia seguir e visava passar a circular em sentido oposto, tudo isto aponta no sentido da culpa exclusiva deste último na produção do evento danoso.” (sic).
Em contrapartida, a decisão desvalorizou o depoimento da testemunha MI por a ter considerado pouco credível. Adiante se verá se o justifica adequadamente e se teve razões objectivas para tal.
Foram, estas as razões para a decisão concluir pela culpabilidade do ofendido que, numa análise meramente formal da decisão, nos parecem suficientes para fornecer as razões por que se considerou existirem dúvidas acerca da culpa do arguido mas que são manifestamente insuficientes para justificar a conclusão quanto à culpa do outro condutor interveniente no acidente.
No capítulo da motivação das razões que levaram o tribunal a formular um determinado “visionamento” da forma como terá ocorrido o acidente, não se entende quais as razões por que, perante os meios de prova produzidos e analisados e o exame que faz dos mesmos, se deverá, sem mais, concluir pela culpa do ofendido na produção do acidente.
O tribunal parece ter feito uma reconstrução acerca do que considerou ter sido a lógica dos acontecimentos e não propriamente a reconstrução assente na prova produzida. Nessa perspectiva mais não fez do que uma suposição pessoal e lógica, de cariz meramente íntimo e subjectivo, sem que tivesse conseguido sustentar no exame crítico da prova as razões por que, objectiva e racionalmente, aqueles meios de prova deveriam ter sido apreciados daquela forma e não de outra e sem demonstrar que tal constatação se imporia a qualquer cidadão de experiência média. 
Assim, parece ter feito uma reconstrução possível e assente em critérios de uma determinada lógica mas que não justifica porque afastou outra ou outras reconstruções do acidente que, perante a prova, também seriam possíveis e lógicas.
Assim, por exemplo, nem o facto de o ofendido ter admitido que se enganara e que pretendia inverter o sentido de marcha implicam necessariamente que tenha actuado de forma ilícita e culposa, ou mais especificamente que o tenha feito de forma súbita e de forma a pôr em causa os demais utentes da via, nem o facto de o veículo do arguido ter deixado um rasto de 25 metros de travagem até ao local do embate, paralelo ao eixo da via, impõem a conclusão de que a manobra de ultrapassagem efectuada pelo arguido RJPO já se havia iniciado, estando em plena hemifaixa contrária, no momento em que o Jeep se lhe deparou de forma súbita. (Aliás, mesmo esta conclusão, só por si, não exclui necessariamente a culpa do arguido. Há que averiguar as razões por que o jeep se lhe deparou de forma súbita: se porque o condutor do outro veículo fez a manobra de forma súbita e inesperada e sem a assinalar devida e atempadamente se de forma a o arguido não poder ter evitado o embate; se porque o arguido conduzia de forma a ser surpreendido pela manobra sendo-lhe imputável tal situação por razões relativas à sua própria condução). 
Em sede de actuações negligentes haverá que apurar se o resultado poderia ter sido evitado com uma conduta conforme ao dever de cuidado.
A questão de saber se alguém se comportou ilicitamente – descurou o cuidado devido – e, concomitantemente a questão de determinar se ele produziu o resultado de forma adequada, só podem ser respondidas tomando por base aquelas circunstâncias que “ex ante” eram conhecidas ou reconhecíveis pelo agente, pelo menos como não improvavelmente inexistentes.
O raciocínio a formular é: “Era previsível para uma pessoa média, colocada naquela situação e com os conhecimentos do agente, prever aquele acontecimento, como resultado da sua actuação?”. 
Numa dada perspectiva, os dados objectivos resultantes do croquis e referentes ao rasto de travagem e posicionamento dos veículos poderão, por exemplo, significar que o arguido procedia à ultrapassagem, não de um só veículo que o precedia, como afirma, mas de vários veículos o que o impossibilitou de ter uma visão correcta do trânsito que o precedia e que pretendia ultrapassar, nomeadamente do veículo do ofendido que estaria parado junto ao eixo da via esperando a melhor oportunidade para proceder à mudança de direcção para a esquerda, conforme assinalara, e dos veículos que seguiam atrás dele e que pararam na sua retaguarda, esperando que aquele completasse a manobra. Tal como poderia significar que o arguido durante a ultrapassagem circulava a uma velocidade tal que o impossibilitou de parar de forma a evitar o embate não esquecendo ainda que o rasto de travagem se inicia sempre no momento em que o condutor inicia a travagem, o que logicamente apenas indica o ponto em que ele se apercebe da existência de um obstáculo.   
Também a decisão se não mostra suficientemente fundamentada quanto à convicção formada acerca dos locais ou partes dos veículos envolvidos no embate, nomeadamente quanto ao jeep do ofendido, circunstância que pode ser decisiva para aquilatar da dinâmica do acidente, determinável a partir da posição relativa dos veículos no momento em que este se deu.
Porém, constando dos autos a transcrição da prova produzida é possível a este tribunal avaliar se a opção do tribunal – mesmo que insuficientemente fundamentada – se mostra justificada perante a prova produzida, nomeadamente quanto aos pontos de facto impugnados nos recursos, ou se deveria ter sido outra a matéria de facto dada como assente.

3.2.
No campo da apreciação das provas, é livre a forma como o tribunal atinge a sua convicção. Trata-se de emanação do princípio que vigora no nosso sistema processual penal, o princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, consagrado no art.º 127º do C.P.P., de acordo com o qual, e ressalvados os casos em que a lei dispuser diferentemente, "a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".
O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja "vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório" (Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1º vol., fls. 211).
Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias ("Direito Processual Penal I, 202) " a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo ".
Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Outro princípio geral da prova é o “in dubio pro reo”, segundo o qual, perante a existência de factos incertos e perante uma dúvida irremovível e razoável, deverá o tribunal, na decisão acerca da apreciação e valoração das provas e determinação dos factos provados, favorecer o arguido.
O que há que apurar, para resolver a questão colocada pelo recorrente, é se, perante as provas produzidas, o tribunal deveria razoavelmente ter permanecido em dúvida quanto à verificação dos factos que deu como provados e, se tal dúvida era insanável e impossível de remover pelos meios de prova valorados em audiência ou por outros de que ainda pudesse lançar mão, com vista a remover tais dúvidas ou a atingir a plena e justificada convicção de que tais dúvidas eram definitivamente inultrapassáveis. 
O local ideal para apreciar valorativa e criticamente as provas é, por excelência, a audiência de julgamento em que o julgador dispõe das melhores condições para apreciar, mormente em sede de prova testemunhal, a forma como são prestados os depoimentos, para analisar todas as questões relevantes e susceptíveis de serem ponderadas, de acarear os depoimentos contraditórios para, de um modo geral, criar a convicção necessária à fixação dos factos.
A imediação é condição fundamental de aquisição da verdade processual.
Assim, não é de estranhar que o processo de avaliação da prova feita pelo tribunal de recurso possa ser diferente do alcançado pelo tribunal “a quo” sem que essa avaliação envolva alguma crítica à forma com este tribunal ponderou a prova produzida.
Porém, nesta fase e, colocada em crise a forma como o tribunal adquiriu a sua convicção, apenas nos é permitido reanalisar as provas produzidas pelo tribunal a quo, se bem que este reexame parta sempre, necessariamente, de uma análise desinserida das possibilidades que a imediação proporciona.
Não oferece discussão a alegação de ambos de que o embate se deu na semi-faixa contrária àquela em que ambos seguiam.
Porém, o recorrente alega ter sido erradamente fixado o facto de que o embate se terá dado na parte lateral esquerda do carro do ofendido e não na sua esquerda traseira, ao contrário do que é reflectido por elementos probatórios como o documento junto pelos recorrentes e descritivo das peças do seu carro afectadas pelo embate e pelas próprias declarações do arguido.
O depoimento deste não é conclusivo pois, embora pareça ter admitido que o centro do seu carro apanhou o outro no centro da roda traseira e quando este se encontrava com as rodas da frente já dentro do terreno, tal realidade não é incompatível com o facto dado como provado ou seja de que a parte do carro do ofendido afectada pelo embate foi a lateral esquerda, o que abrange a lateral esquerda traseira, mais precisamente a partir da roda traseira do lado do condutor, o que também não seria completamente traduzido pela expressão “esquerda traseira ”que mais parece significar “traseira esquerda”, quando é certo que a melhor definição deste facto será a lateral esquerda a partir da roda traseira.
O documento referido de onde constam as peças do veículo que foram danificadas e a própria circunstância de ter sido a ofendida IJRNG a principal afectada por lesões corporais, seguindo ela no banco traseiro, por trás do condutor, ajudam a esclarecer a referida matéria. Neste domínio também é decisivo, para a formação da convicção do tribunal, o teor do croquis que localiza os danos do veículo do ofendido “por trás da roda traseira do lado do condutor” (fls. 4 vº).
O próprio arguido apesar de estar pouco seguro acerca dessa matéria e depois de ter localizado o embate na parte esquerda do veículo do ofendido refere “Eu apanhei-lhe a traseira, pronto essa lateral “. 
Admite-se porém, uma correcção da decisão, nessa parte, por forma a precisar melhor o facto em causa:
7º- O embate deu-se com a frente do veículo conduzido pelo arguido na lateral esquerda, a partir da roda traseira do veículo conduzido por MASNG.
E quanto aos demais factos colocados em causa pelos recorrentes e relativos às versões acerca do acidente que opõem recorrentes e arguido?
Há que relembrar que, em súmula, se mostram apresentadas duas versões opostas acerca do acidente:
A do arguido: segundo a qual iniciou uma ultrapassagem a uma carrinha que o precedia, manobra que assinalou devidamente, depois de verificar que não IJRNG perturbar o restante tráfico e no momento em que ultrapassava o veículo que o precedia, estando em plena semi-faixa contrária, o ofendido, que circulava à frente do veículo ultrapassado, ocupou a semi-faixa por onde seguia o arguido, atravessando-se à sua frente de forma a que teve de travar mas não conseguiu evitar o embate.
A do ofendido: que invoca que, por se ter enganado no caminho que pretendia seguir, tentou mudar de direcção aproveitando a entrada de uma quinta situada do lado esquerdo da estrada (e que sabia aí existir por já ter feito a mesma manobra naquele local, havia algum tempo antes dos factos em causa e em igualdade de circunstâncias) para depois poder retomar esta em sentido oposto ao que trazia, pelo que reduziu a velocidade e, depois de assinalar a mudança de direcção com o sinal de pisca e de se ter encostado ao eixo da via, tendo então parado atrás de si dois ou três carros que o seguiam e, depois de verificar que não circulava nenhum carro na semi-faixa contrária, virou à esquerda para a entrada da referida quinta, para depois retomar a estrada em sentido oposto ao que trazia, assim que as condições de trânsito o consentissem. Foi embatido pelo carro do arguido quando já tinha cerca de 90% do seu carro fora da estrada.        
A decisão recorrida, depois de indicar as duas diferentes e antagónicas versões apresentadas quanto à produção do acidente, pelo arguido – corroborado pela mulher e filho deste que com ele seguiam no carro – e pelo ofendido, acompanhado pela assistente, sua mulher e pelo filho que seguiam também no carro com o ofendido – refere que as demais testemunhas inquiridas não presenciaram o acidente e a testemunha MI “mereceu as maiores reservas ao tribunal porquanto se revelou pouco credível por ter referido que estava a estender a roupa no quintal de sua casa quando ouviu um barulho e foi ver o que se passava tendo então constatado que se tratava de um acidente...”.
A decisão considerou ainda que do croquis junto aos autos resulta assinalado um rasto de travagem de cerca de 25 metros, paralelo ao eixo da via, o que parece indicar que a manobra de ultrapassagem efectuada pelo arguido já se havia iniciado, estando em plena semi-faixa contrária no momento em que o jeep se lhe deparou de forma súbita, a tentar inverter o sentido de marcha ocupando a semi-faixa por onde seguia o arguido.
Refere todos os elementos probatórios que, devidamente conjugados e tendo em conta as regras da experiência comum, levaram a que o tribunal ficasse com dúvidas sérias acerca da culpa do arguido na produção do acidente e conclui que os elementos objectivos que constam do croquis, conjugados com as declarações do arguido que pareceram sinceras e objectivas e com o facto de o ofendido ter admitido que se enganara no caminho que pretendia seguir e visava passar a circular em sentido oposto, tudo aponta no sentido da culpa exclusiva deste último na produção do evento danoso.
Resulta ainda da sentença que “O depoimento da testemunha MI mereceu-nos as maiores reservas porquanto se revelou pouco credível. Na verdade, esta testemunha afirmou que se encontrava no quintal de sua casa a estender a roupa quando ouviu um barulho e foi ver o que se passava, tendo então constatado que se dera um acidente entre um Jeep e um Golf. Ora, se a testemunha se encontrava a estender a roupa, como afirmou, não é verosímil que tenha presenciado os factos mas sim, que apenas tenha sido alertada para os mesmos aquando do embate. Por esta razão e ainda pela forma titubeante como foi prestando as suas declarações relativamente à dinâmica do embate, as mesmas nos pareceram pouco credíveis”.
Relembre-se o que no essencial foi dito pela testemunha, ao ser interrogada pelo Mº Pº:

MI (Test.3) – Eu vi um carro estranho a entrar para a minha casa, porque não conhecia aquele carro. E fiquei a ver se conseguia ver quem era. Vi que estavam dois ou três carros atrás do Sr. e que estavam parados. De repente vejo vir de lá um carro em velocidade. Eu ia, e vi que ia acontecer qualquer coisa e fechei os olhos à espera que batessem. Quando bateram fui a correr...
MP – A Sra. quando diz que viu um carro estranho a ir para a sua casa, quer dizer que esse carro onde é que estava exactamente?
Test.3 – Estava parado no eixo da via a fazer pisca.
MP – A fazer pisca. Dava ideia que ia entrar para a sua casa?
Test.3 – Sim.
MP – Estava a preparar-se para entrar. Estava parado? Estava a andar?
Test.3 – Estava parado.
MP – A primeira vez que a Sra. vê esse carro, ele já estava parado?
Test.3 – Sim. Começo a ouvir travar e vários carros atrás, a ouvir-se aquele barulho de desaceleração.
MP – Mas de travagens bruscas?
Test.3 – Não. Os que estavam a parar era normal. De paragem normal do outro carro que ia à frente.
MP – O carro que seguia à frente estava....acabou por parar, é isso?
Test.3 – Sim.
MP – Estava encostado ao eixo da via, disse a Sra.?
Test.3 – Estava, estava.
MP – Tinha o pisca ligado?
Test.3 – Tinha sim.
MP – Não tem dúvidas quanto a isso?
Test.3 – Não tenho dúvidas.
MP – Que carro é que era? Tem ideia?
Test.3 – Era um jipe.
MP – Era um jipe. Uma viatura larga? Grande?
Test.3 – Um jipe grande, eu não sei qual é que é a marca do jipe.
MP – Um jipe normal? Um jipe de dimensões normais?
Test.3 – Sim.
MP – Recorda-se da cor da viatura?
Test.3 – Se quer que lhe diga não sei.
MP – Cor escura? Clara?
Test.3 – Eu acho que é mais para o claro?
MP – Estou só a perguntar...
Test.3 – Mais para o claro.
MP – Até porque a cor da viatura creio que se veja melhor...
Test.3 – Se quer que lhe diga, olhe, eu nunca mais vi o carro.
MP – Pois, mas podia recorda-se, não é?
Test.3 – Naquela altura…aquilo já foi…sim, mas não era muito escuro.
MP – Pelo que se recorda seria uma viatura que não seria escura?
Test.3 – Sim.
MP – Portanto, apercebe-se de que essa viatura está parada, tem o pisca ligado, está encostada ao eixo da via?
Test.3 – Sim.
MP – E a Sra. pergunta-se a si própria quem era?
Test.3 – Eu até me perguntei: “quem é a jipose que aí vem para a minha casa?”
MP – Perguntou-se a si própria que viatura era aquela?
Test.3 – Sim, porque não é normal aquele carro ir à minha casa.
MP – Portanto, a Sra. apercebe-se das viaturas que o precediam? Cada uma sucessivamente a parar, a travar?
Test.3 – Foi sim.
MP – Mais ou menos quantas viaturas é que estavam paradas?
Test.3 – Duas ou três, também não sei precisar.
MP – E que tipo de viaturas é que eram?
Test.3 – Eram carros normais.
MP – Ligeiros?
Test.3 – Carros normais. Ligeiros, normais.
MP – O chamado ligeiro de passageiros. Todos?
Test.3 – Sim.
MP – Não existia nenhuma outra viatura de dimensões superiores?
Test.3 – Que eu me recorde não.
MP – Carrinhas? Autocarros? Outros jipes?
Test.3 – Não. 
MP – Tudo ligeiro de passageiros. Quantos eram, já agora?
Test.3 – Dois, três.
MP – Pronto, mais ou menos. Não seriam muitos. É então que a Sra. se apercebe da outra viatura?
Test.3 – Sim, vem em velocidade.
MP – A outra viatura surgiu de onde? Para tentarmos perceber. Era uma viatura que vem atrás dessa duas ou três viaturas que estão paradas e que não quer esperar e que começa a ultrapassar ou é uma viatura que vem lá de trás a andar com velocidade elevada e que vê ali três ou quatro viaturas paradas e começa a ultrapassar?
Test.3 – Sim, eu acho que essa viatura...porque quando eu me apercebi já foi mais relativo, mais perto do meu portão. E vi que vinha, já na outra faixa com uma velocidade que eu não sei relacionar.
MP – A Sra. ficou com a percepção que vinha muito depressa, é isso?
Test.3 – Fiquei. Porque eu fiquei à espera que batessem. Porque vi que não...
MP – Pois, a Sra. teve a noção que iam bater?
Test.3 – Sim, e fechei os olhos à espera.
MP – Só para tentar perceber melhor. Portanto, a viatura que está à frente, pára. As duas ou três que se apercebem param também.
Test.3 – Sim.
MP – Essa outra viatura que aparece muito depressa é uma viatura que vem lá de trás? Não é uma viatura que seguisse, que viesse imediatamente atrás das outras viaturas que estavam paradas?
Test.3 – Eu penso que já era uma viatura que vinha mais...lá atrás.
MP – Portanto, é uma viatura que vem sozinha e que vem a alta velocidade?
Test.3 – Sim.
MP – É essa a ideia que a Sra. tem?
Test.3 – É.
MP – E ao ver aquelas várias viaturas paradas resolve começar a ultrapassar?
Test.3 – Sim.
MP – Portanto, o primeiro momento em que a Sra. vê a viatura, a outra viatura já vinha na faixa contrária?
Test.3 – Sim, já vinha na outra faixa.
MP – Já vinha na faixa do lado esquerdo? Tem a certeza disso? E nessa altura estava mais ou menos a que distância da última viatura, desses dois ou três carros?
Test.3 – Isso eu já não sei precisar, porque eu já vejo relativamente perto de que ia ver que aquilo ia acontecer um acidente.
MP – Apercebeu-se se essa viatura estava a fazer pisca?
Test.3 – Isso aí se quer que lhe diga…com a velocidade que vinha, não sei.
MP – A Sra. apercebe-se entretanto que a viatura, a primeira viatura da fila começa a fazer a manobra?
Test.3 – Sim.
MP – E ao ver a outra viatura a ultrapassar muito depressa a Sra. apercebeu-se que...
Test.3 – Sim.
MP – Que ia acontecer um acidente e fechou os olhos?
Test.3 – Sim fechei.
MP – Viu o embate?
Test.3 – O embate não vi porque eu fiquei à espera de ouvir o som.
MP – Ouviu o barulho, só?
Test.3 – Ouvi.
MP – Ouviu o estrondo?
Test.3 – Ouvi.
MP – Essa outra viatura que vinha a fazer a ultrapassagem, que viatura era?
Test.3 – Era um carro ligeiro.
MP – Carro ligeiro. Recorda-se da cor?
Test.3 – Esse já era mais escuro.
MP – Já era mais escuro?
Test.3 – Sim.
MP – Marcas não sabe?
Test.3 – Não sei.
MP – Não conhece?
Test.3 – Pois, isso também...o meu sei que é um Opel.
MP – Não sabe marcas, sabe….
Test.3 – Sei que era um jipe e que era um carro como o meu, pronto, assim ligeiro.
MP – A Sra. ouviu alguma travagem ou…?
Test.3 – Sim. Ainda ouvi uma travagem e fiquei naquele momento da travagem e que vai bater e fiquei com os olhos fechados e fiquei especada no sítio.
MP – Travagem. Portanto a Sra. não sabe exactamente em que sítio é que se deu o embate? Que zonas das viaturas é que embateram uma na outra?
Test.3 – Não. Isso não sei. Só sei depois que vi os carros mas já nem sei...o Sr. do jipe acho que foi para as partes de trás que foi batido e o outro Sr. era de frente.
MP – O que é que a Sra. fez a seguir?
Test.3 – A seguir fui lá abaixo ver se havia feridos e fui a correr para cima a telefonar à ambulância.
MP – Foi a Sra. que telefonou?
Test.3 – Fui sim senhor.
MP – Diga-me outra coisa, para além dos ocupantes, dos condutores, das viaturas, estava lá mais alguém? Estavam lá outras viaturas? Outras pessoas? Quem é que lá estava?
Test.3 – Quando...quando foi o acidente...depois?
MP – A seguir ao acidente?
Test.3 – A seguir ao acidente pararam vários carros para ver.
MP – Pararam vários carros?
Test.3 – Sim, pela berma e isso.
MP – E os tais carros que antecediam o jipe ficaram também parados ou seguiram?
Test.3 – Os que estavam atrás do jipe?
MP – Sim, sim.
Test.3 – Olhe, isso eu não sei porque eu depois fui a correr a casa telefonar e já não sei se foram os carros que estavam atrás se foram outros.
MP – Quando voltou viu que estavam vários carros parados mas não sabe se eram mirones que estavam a ver?
Test.3 – Ah! Isso eram. Eram porque estavam todos de volta das pessoas que estavam feridas.
MP – Outras pessoas lá do seu local, da sua residência, da quinta? Foi mais alguém ao local do acidente?
Test.3 – Foram depois quando ouviram a travagem e o embate.
MP – Foram lá outras pessoas?
Test.3 – Foram.
MP – As pessoas são conhecidas? Trabalham na quinta? Que pessoas eram?
Test.3 – Era o meu pai, a minha mãe. Aquilo foi para lá tudo.
MP – Mas ninguém tinha visto o acidente?
Test.3 – Não.
MP – Só a Sra. porque estava a estender a roupa?
Test.3 – Sim. Estava a estender a roupa.
MP – Das outras pessoas mais ninguém assistiu ao acidente?
Test.3 – Não, não.
MP – Sim senhora. Foi isto que a Sra. viu. Diga-me outra coisa, no local onde a Sra....a Sra. já disse onde estava. Estava num plano superior ao da estrada?
Test.3 – Sim, sim. Estava mais alta.
MP – A cerca de dez metros. Portanto tinha boa visibilidade da estrada.
Test.3 – Tenho, porque também é rede. O muro é de rede.
MP – Via perfeitamente toda a estrada?
Test.3 – Via. Até certo...
MP – De um lado ao outro da via?
Test.3 - Sim, vê-se perfeitamente.
MP – E para os lados? Qual é o seu ponto de visão?
Test.3 – Vejo dos dois lados, porque aquilo é tudo aberto.
MP – Para a esquerda e para a direita da estrada, vê mais ou menos?
Test. 3 – Vejo.
MP – Não tem nenhum obstáculo? Portanto tem uma perspectiva óptima? Quer para a frente quer para os lados da estrada?
Test. 3 – Sim, tem.

Perante o teor do depoimento desta testemunha resulta com alguma evidência que ela explicou as razões que a levaram a passar a prestar atenção ao que se passava na estrada, enquanto estendia roupa no estendal de onde avistava o local do acidente. A testemunha explicou, de forma razoável e aceitável, de acordo com as regras da experiência comum, que foi alertada pelo barulho de carros a pararem (de “desaceleração”) e que ficou interessada em saber quem seria que vinha no jipe que se encontrava parado a fazer sinal de pisca para virar para a entrada da sua quinta. Mostra-se razoável a explicação de que, estando inicialmente a estender roupa, a sua atenção tenha sido desviada dessa tarefa para a referida situação. A testemunha teria ficado intrigada e daí o ter passado a dar atenção ao que se passava na estrada, junto à entrada da sua quinta.
Não se vê que resulte do seu depoimento que se encontrava a “estender a roupa quando ouviu um barulho e foi ver o que se passava, tendo então constatado que se dera um acidente entre um Jeep e um Golf”, como refere a decisão recorrida. Antes resulta que o barulho que a alertou não foi o do acidente mas sim o de carros a pararem à sua porta, sendo verosímil que isso a tenha feito passar a dar atenção ao trânsito.
Outras razões, como as relativas à forma titubeante como prestou o depoimento ou às circunstâncias que terão determinado que não tenha sido indicada como testemunha presencial do acidente ao longo do inquérito, apenas tendo surgido como meio de prova na instrução, já poderão justificar que tenha merecido pouca credibilidade por parte do tribunal.
É legítimo concluir que a escassez de uma prova isenta e imparcial, acerca das circunstâncias em que ocorreu o acidente, já que os demais depoimentos são de pessoas envolvidas no processo tendo um evidente interesse, directo ou indirecto, no respectivo desfecho, poderá colocar dúvidas sérias acerca da forma como este se desenrolou.
Só os depoimentos dos condutores dos carros que eventualmente seguiam o ofendido e que alegadamente pararam atrás deste aguardando que ele efectuasse a manobra (o arguido nega a existência destes) e da carrinha que o arguido ultrapassou poderiam ajudar a esclarecer as circunstâncias que antecederam imediatamente o embate.
Não se entende se a entidade policial não efectuou diligências para encontrar testemunhas presenciais ou se, tendo-o feito, ninguém se revelou como tal.
Reconhece-se que o tribunal a quo, apreciando a prova com as vantagens da imediação e analisando os depoimentos testemunhais, nomeadamente da testemunha MI que não tendo sido ouvida nem referenciada no inquérito apenas veio a ser indicada na fase da instrução, embora se não reconheça razões para pôr em crise a sua verosimilhança interna, tenha tido, porém, reservas em aceitar o sentido do referido depoimento como inteiramente credível, mormente estando perante a necessidade de obter um grau de certeza razoável que se impõe na formulação dos juízos probatórios em sede de processo penal.
A instância de recurso, dispondo apenas da mera leitura da prova transcrita gravada e não tendo a possibilidade de a apreciar com imediação, não colocará em causa a alegada pouca credibilidade do referido depoimento por forma a concluir pela versão da culpabilidade do arguido.
A motivação da decisão recorrida também não encontrou uma forma convincente para explicar por que razões objectivas – e não de mera convicção íntima e pessoal – concluiu pela maior credibilidade de uma das versões, a do arguido. A este propósito renovam-se aqui as considerações feitas em 3.1. desta decisão acerca das dúvidas suscitadas perante a fundamentação da sentença recorrida.   
Por último, perante a prova gravada, não haverá motivo para concluir, de forma racional e assente na efectiva prova produzida, que deva merecer maior acolhimento esta versão em detrimento da do ofendido MASNG.
Com efeito, a avaliação global da prova que aqui se faz em sede de recurso, repete-se sem as possibilidades proporcionadas pela imediação, apenas permite concluir que não se vêem razões, traduzidas na ponderação conjugada dos meios probatórios produzidos mesmo que analisados à luz das regras da experiência comum, que justifiquem que o tribunal tenha considerado provada a culpa do ofendido MASNG na produção do acidente.
Um acidente rodoviário é sempre um facto dinâmico que, via de regra, implica a existência de dois intervenientes. E as possibilidades de imputação podem ser as seguintes: ou um deles contribuiu única e decisivamente para a ocorrência do mesmo; ou contribuíram os dois; ou não se sabe se algum deles contribuiu.
Não é possível no caso pender para a versão que imputa a culpa, mesmo que não exclusiva, ao arguido por circular a uma velocidade desadequada às condições de trânsito que dele eram conhecidas ou que eram cognoscíveis em presença das condições do tráfego ou com desatenção a este.
Mas se não é possível, nesta sede, criticar a conclusão de que se deverá ter por afastada a possibilidade de imputar ao arguido a culpa na produção do acidente, dadas as dúvidas que prevalecem a esse propósito, perante as versões contraditórias e a ausência de uma prova irrefutável acerca da sua culpabilidade, também não se vê que a prova produzida seja concludente quanto à verificação da culpa do ofendido. Aliás, a parte do carro embatida parece afastar esta possibilidade.
Mas, perante a prova produzida, não se pode também acolher a versão de que o ofendido cumpriu todas as regras rodoviárias ou a de que, não o tendo feito, também ele contribuiu para o acidente de forma decisiva ainda que não exclusiva.
A incerteza que resulta da apreciação global da prova apenas poderá beneficiar o arguido dadas as regras e princípios aplicáveis ao processo penal mas não permite definir qual dos intervenientes determinou causalmente ou contribuiu, seja de forma exclusiva seja concorrencial, para o embate. 
Não obstante se ter como provado que o arguido se terá certificado de que ninguém o estava a ultrapassar e de só ter iniciado a ultrapassagem depois de o ter assegurado, não afasta a possibilidade de que não se tenha certificado de que o restante trânsito, nomeadamente o que o precedia não seria afectado por tal manobra.
Também, não se dando como provado que existissem outros carros entre a carrinha que antecedia o arguido e o veículo do ofendido, não significa que eles não circulassem nas referidas circunstâncias.
Nem o facto de se ter concluído que o arguido não se apercebeu da manobra do ofendido, a não ser quando o embate era já inevitável, impõe a conclusão lógica de que tal facto não era imputável àquele como não significa necessariamente que tal facto tenha sido imputável ao ofendido.
A incerteza acerca destes factos e de outros – como os relativos ao facto de o ofendido ter ou não assinalado previa e devidamente a manobra de mudança de direcção o que terá sido respeitado pelos veículos que alegadamente o seguiam e em momento em que o arguido ainda não iniciara a ultrapassagem, ou de que o ofendido tenha ou não tido o cuidado de averiguar se a sua manobra iria perturbar o demais trânsito nomeadamente o que o perseguia, ou quanto ao facto de o arguido ter procedido a ultrapassagem não apenas ao carro que o precedia mas a vários carros, sem tido o cuidado de verificar se a sua ultrapassagem iria perturbar o demais tráfico que o precedia, ou de ter sido a falta de atenção ou a velocidade a que o fazia que determinou causalmente e de forma culposa o acidente – não  permitem afastar a dúvida inicial inerente ao processo.
Em obediência ao princípio “in dubio pro reo”, segundo o qual, perante a existência de factos incertos e perante uma dúvida irremovível e razoável, deverá o tribunal, na decisão acerca da apreciação e valoração das provas e determinação dos factos provados, favorecer o arguido no sentido de não ter como provados os factos que lhe são imputados na acusação e que, a provarem-se seriam fundamento de aplicação de uma pena, mas não por forma a concluir que se deverão ter como provados os factos que o favorecem. Apenas deverá retirar da dúvida as consequências de não o desfavorecer.
Mas, afastada a prova de que o acidente se deveu, de forma causal, à sua conduta ilícita e culposa, não poderá, perante as dúvidas, concluir pela culpa da parte contrária.

Como tal a matéria a ter por assente perante a prova produzida é a seguinte:

4º O arguido RJPO, que circulava a uma velocidade compreendida entre os 80 e os 90 Km/h, decidiu proceder à ultrapassagem do veículo que seguia à sua frente, manobra que iniciou após se ter previamente certificado que ninguém o estava a ultrapassar;
5º Entretanto, o condutor da viatura 2, que seguia no mesmo sentido do arguido mas à frente deste e da carrinha que ele pretendia ultrapassar, embora a distância não apurada, porque constatou que se enganara na direcção que pretendia tomar, iniciou uma manobra com vista a passar a circular no sentido contrário ao que trazia, para o que atravessou a hemi-faixa de rodagem de sentido contrário àquela em que seguia e colocou-se perpendicularmente à mesma, de forma a ganhar ângulo, com a frente do seu carro virado para o portão de uma quinta que se situa do lado contrário àquele em que seguia, ao KM 30, 250 :
6º- O arguido não se apercebeu da manobra efectuada pelo condutor MASNG a não ser quando o embate já era inevitável;
7º- O embate deu-se com a frente do veículo conduzido pelo arguido na lateral esquerda a partir da roda traseira do veículo conduzido por MASNG;

Consequentemente e pelas razões expostas considera-se não provado que:

48º- O condutor do veículo 2, reduziu a velocidade, e ao chegar à entrada da quinta (onde era possível efectuar tal manobra), verificou que os carros que vinham atrás de si pararam e accionou o «pisca» esquerdo;
49º- Aguardou que passassem os carros que seguiam em sentido contrário e iniciou a manobra;
50º- Quando já tinha cerca de 90% do seu carro fora da faixa de rodagem foi embatido pelo veículo conduzido pelo arguido que ultrapassava a grande velocidade, os veículos que se encontravam parados aguardando a realização da referida manobra;
51º- O embate deu-se com a frente do veículo conduzido pelo arguido na esquerda traseira da viatura conduzida por MASNG;

Também se não provou que:

- o ofendido tenha realizado a manobra descrita em 5. de forma súbita e repentina
- o arguido se tenha certificado de que a sua manobra não IJRNG perturbar o trânsito que circulava à sua frente 
- o arguido não se poderia ter apercebido da manobra efectuada pelo ofendido senão quando o embate já era inevitável.

De todo o modo afastada a prova da culpabilidade do arguido, mesmo que só concorrencial, improcede a argumentação do recorrente ao pedir a sua condenação pelo crime que lhe era imputado, mantendo-se a decisão na parte em que absolveu o arguido.

3.3.

A incerteza quanto a esta contribuição reflectir-se-á no preenchimento dos elementos constitutivos da obrigação de indemnizar, objecto do pedido cível formulado que, não obstante a absolvição do arguido, se passará a apreciar.
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art.º 71.º CPP), sendo a indemnização de perdas e danos emergentes do crime é regulada pela lei civil (art.º 129.º CP).
Existe obrigação de indemnizar sempre que alguém viola “ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, pelos danos emergentes da violação, mas, excepcionalmente, pode existir “obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei” (art.º 483.º, n.º 1 e 2 CC).
Tal obrigação pode emergir de acidente causado por veículo de circulação terrestre:
“Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse (...) responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”(art.º 503º, n.º 1 CC) sendo, porém, tal responsabilidade “excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo” (art.º 505.º CC).
Sendo a causa de pedir nas acções de responsabilidade civil, por acidente de viação, constituída pelo conjunto de factos exigidos pela lei para que surja o direito de indemnização e a correlativa obrigação, independentemente de estes se basearem na culpa ou no risco, intentada acção com fundamento na culpa, tem-se entendido maioritariamente na jurisprudência que, não se provando a culpa poderá vir a ser julgada procedente com base na responsabilidade pelo risco, já que, nas acções por acidentes de viação, a causa de pedir é constituída pelo conjunto de factos exigidos pela lei para que surja o direito de indemnização e a correlativa obrigação, independentemente de estes se basearem na culpa ou no risco daí o poder-se condenar por esta responsabilidade, mesmo quando a acção seja fundada na culpa”
Também conforme doutrina fixada pelo Assento n.º 7/99 de 17.6.99, DR I Série- A de 3.8.99, “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual”.
Como se referiu, invocada a culpa considera-se implicitamente invocado o risco.
A falta de indicação na factualidade apurada da qualidade de proprietário do veículo 1, o que faz presumir ter a sua direcção efectiva, além de ser susceptível de consubstanciar a nulidade de omissão de pronúncia, por falta de referência dessa circunstância na matéria de facto, poderia conduzir a uma insuficiência para a decisão da matéria de facto, com o consequente reenvio para apuramento de tal facto ou com a necessidade de renovação da prova.
Porém, estando transcrita a prova produzida é possível concluir que o arguido era, à data do acidente, o proprietário do veículo de matrícula 1 e tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente da circulação da viatura, através de apólice válida n.º AU 331 197 91, para a “O – Companhia de Seguros SA”, o que corresponde à matéria alegada pela demandante no art.º 57º do pedido cível deduzido (fls. 239), e resulta nomeadamente da apólice de seguro (fls. 433) e do croquis (fls. 4).    
Este facto (em sublinhado) passará a fazer parte integrante da matéria de facto provada.
 Os dispositivos legais e a jurisprudência referidos têm plena aplicação ao caso dos autos, em que foi deduzido pedido de indemnização civil, com fundamento na culpa do condutor e proprietário do veículo automóvel de matrícula 1, também acusado da prática de um crime de ofensa contra a integridade física por negligência, do qual veio a ser absolvido, por não se ter provado a sua culpa, sendo certo que não se demonstrou a culpa do lesado, nem que o acidente tenha resultado de qualquer causa de força maior estranha ao funcionamento daquele automóvel.
Estando demonstrados danos emergentes da colisão de dois veículos de circulação terrestre, tem de considerar-se, face às citadas disposições legais, que o tribunal recorrido não procedeu correctamente ao absolver a demandada dos pedidos formulados.
“Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou a um deles, e nenhum tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que cada um tiver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar”, e, em “caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos”.(art.º 506.º, n.os 1 e 2 CC).
Reporta-se o presente caso à colisão entre dois veículos ligeiros de passageiros. O jeep, por um lado, é mais pesado que o outro veículo, ocupa maior espaço e tem maior potência em confronto com outros ligeiros de menor porte mas é mais estável e resistente perante uma colisão. Estes factores e as circunstâncias concretas do acidente, relacionadas com a velocidade de cada um dos veículos, no momento da colisão, por seu turno, permitem ter por equilibrada a proporção na repartição do risco, de 50% para cada viatura.

Vejamos, agora, quais os danos indemnizáveis:

Danos patrimoniais:
São os seguintes os valores que a assistente teve de suportar em consequência do acidente:
1.203,75 euros (241.330$00)  - deslocações
  388,74 euros  (77.936$00) - consultas, exames e tratamentos médicos
  309,06 euros (78.000$00) - propinas que teve de pagar sem qualquer contrapartida
597,58 euros (119.804$00 ) - rendimentos de trabalho que deixou de auferir
Por seu turno, o demandante MASNG teve de suportar o pagamento de 6.808,24 euros (1.364.930$00) com a reparação do veículo.
Tratam-se de danos indemnizáveis nos termos das disposições combinadas dos artigos 562.º, 563º, 564.º, n.º 1, todos do Código Civil.

Danos não patrimoniais
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo causado.
Embora a lei não defina o que são os danos merecedores de tutela tem sido entendido unanimemente que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os ferimentos e traumatismos, as dores sofridas quer com as lesões quer com os tratamentos a que foi sujeita e que foram violentíssimas nas primeiras semanas após o acidente e que ainda se mantém em certos dias e as limitações que ainda a afectam, bem como os incómodos que teve, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e o desgosto decorrente da actual limitação, com as restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
Na fixação do seu valor haverá que ponderar as circunstâncias e critérios definidos no art.º 496.º, n.º 3 ou seja deverá o respectivo montante ser fixado equitativamente tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494º C. Civil, a saber “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.
No caso há que atender ao não apuramento de culpa do agente.
Considerando as circunstâncias supra descritas e fazendo jus a critérios não miserabilistas, mas antes ajustados à realidade que se pretende seja praticada, destacando-se a necessidade de proteger as vítimas que, não podendo ver reconstituída uma situação anterior aos danos, terão de encontrar nessa indemnização um valor para compensar esses danos e “anestesiar”, com dignidade, os seus padecimentos.
Com efeito, o aumento dos prémios de seguros estradais que, se reflectem por um lado o aumento da sinistralidade e dos prejuízos daí decorrentes a cargo das seguradoras, também justificam que se pratiquem montantes indemnizatórios ajustados e reveladores de uma verdadeira consideração pelo sofrimento das vítimas e não valores meramente simbólicos.
Como tal, considera-se adequado fixar o valor a atribuir, a título de danos não patrimoniais devidos à demandante, na quantia de 7.500,00 euros, valor que se tem por ajustado com referência à data do pedido indemnizatório.
A responsabilidade da demandada, como seguradora, do veículo automóvel acima identificado é, como se viu, limitada a 50%.
Assim, o valor indemnizatório a cargo da seguradora fixar-se-á em 4.999,57 euros a favor da demandante IJRNG e em 3.404,12 euros a favor do demandante MASNG.
Dispõe o artigo 508.º, n.º 1, do Código Civil:

“A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites máximos: no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação; no caso de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo acidente, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação para cada uma delas, com o máximo total do sêxtuplo da alçada da relação; no caso de danos causados em coisas, ainda que pertencentes a diferentes proprietários, o montante correspondente à alçada da relação”.

Ter-se-á porém que questionar a vigência de tal preceito, face ao teor das Directivas do Conselho das Comunidades Europeias n.os 72/166/CEE[1] e 84/5/CEE[2], relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis.
A jurisprudência dividia-se havendo um representativo sector que considerava que no estado actual do direito comunitário português não seria admissível a aplicação directa de Directivas e que concluía que a Directiva 84/5/CEE do Conselho de 30.12.83 não transposta para o direito interno português era desprovida de efeito directo horizontal, ou seja não pode ser invocada contra particulares, apenas o podendo ser contra entidades públicas (efeito vertical), não sendo de aceitar a tese de que os limites indemnizatórios do art.º 508.º CC estavam revogados pelo art.º 6.º do DL 522/85, ainda que só parcialmente, nem na versão originária nem nas alterações que sofreu, dada a falta de transposição dessa directiva relativa à responsabilidade pelo risco. Era o entendimento, entre outros, dos Ac. STJ 19.9.2002, CJ 2002, 3º, 46 e de 18.12.2002, CJ 2002, 3º, 167. 
Mas também tem sido sustentado outro entendimento a que aderimos.
A este propósito seguiremos de perto o texto do acórdão de 22 de Janeiro de 2002, proferido no recurso n.º 1812/99 da 5ª Secção desta Relação, relatado pelo Desembargador Vasques Dinis que, com a devida vénia, citamos dada a excelência do mesmo:

“... O artigo 3.º da Directiva n.º 72/166/CEE (Primeira Directiva) reza assim:
Cada Estado-membro, sem prejuízo da aplicação do artigo 4.º, adopta todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades do seguro.
Cada Estado-membro adopta todas a medidas adequadas para que o contrato de seguro abranja igualmente:
 os prejuízos causados no território de um outro Estado-membro, de acordo com a respectiva legislação nacional em vigor,
 os prejuízos de que podem ser vítimas os nacionais dos Estados-membros, durante o trajecto que ligue directamente dois territórios onde o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia é aplicável, quando não exista, no território percorrido, Serviço Nacional de Seguros; neste caso os prejuízos são ressarcidos de acordo com a legislação nacional do seguro obrigatório em vigor no Estado-membro, no território no qual o veículo tem o seu estacionamento habitual.
A Directiva n.º 84/5/CEE (Segunda Directiva), no sentido de eliminar importantes divergências, subsistentes entre as diversas legislações dos Estado-membros, quanto à extensão do seguro obrigatório, e de garantir que “os montantes até cujo limite o seguro é obrigatório devem permitir, em toda e qualquer circunstância, que seja garantida às vítimas uma indemnização suficiente, seja qual for o Estado-membro onde o sinistro ocorra”, estipulou o seguinte:

Artigo 1.º
1.  O seguro referido no n.º 1 do artigo 3.º da Directiva n.º 72/166/CEE deve, obrigatoriamente, cobrir os danos materiais e corporais.
2. Sem prejuízo de montantes de garantia superiores eventualmente estabelecidos pelos Estados-membros, cada Estado-membro deve exigir que os montantes pelos quais este seguro é obrigatório, se situem, pelo menos, nos seguintes valores:
 350 000 ECUs, relativamente aos danos corporais, quando haja apenas uma vítima, devendo tal montante ser multiplicado pelo número de vítimas, sempre que haja mais do que uma vítima em consequência de um mesmo sinistro;
 100 000 ECUs, relativamente a danos materiais seja qual for o número de vítimas.
Os Estado-membros podem estabelecer, em vez dos montantes mínimos acima referidos, um montante mínimo de 500 000 ECUs para os danos corporais, sempre que haja mais que uma vítima em consequência de um mesmo sinistro, ou um montante global mínimo de 600 000 ECUs por sinistro, por danos materiais e corporais seja qual for o número de vítimas ou a natureza dos danos.
(...)
Artigo 5.º
1. Os Estados-membros alterarão as suas disposições nacionais para darem cumprimento à presente Directiva o mais tardar até 31 de Dezembro de 1987. Desse facto informarão imediatamente a Comissão.
2. As disposições alteradas nos termos acima referidos serão aplicadas o mais tardar em 31 de Dezembro de 1988.
3. Por derrogação do n.º 2:
a) O Reino de Espanha, a República Helénica e a República Portuguesa dispõem do período até 31 de Dezembro de 1995 para aumentarem os montantes das garantias até aos montantes previstos no n.º 2 do artigo 1.º. Se fizerem uso dessa faculdade, os montantes de garantia devem, em relação aos montantes previstos no referido artigo, atingir:
 uma percentagem superior a 16% o mais tardar em 31 de Dezembro de 1988;
 uma percentagem de 31% o mais tardar em 31 de Dezembro de 1992.[3]
(...)
A fim de dar cumprimento aos princípios comunitários em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, foi publicado o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, o qual, no seu artigo 6.º estabeleceu limites mínimos de capital obrigatoriamente seguro.
Não foi, no entanto, expressamente, revogado, o artigo 508.º do Código Civil, que consagra, para os casos de responsabilidade objectiva, limites máximos de indemnização.
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias – adiante designado por Tribunal de Justiça –, solicitado, ao abrigo do artigo 177.º, alínea b), do Tratado de Roma (reenvio prejudicial), pelo Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, a pronunciar-se sobre a interpretação das referidas Directivas, declarou, no que ao caso interessa, o seguinte:
Os artigos 1.º, n.º 2, e 5.º, n.º 3, na redacção que lhe foi dada pelo Anexo I, Parte IX, F, que tem por epígrafe “Seguros”, do Acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, da Segunda Directiva 84/5, obstam à existência de uma legislação nacional que prevê montantes máximos de indemnização inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados por esses artigos, quando, não havendo culpa do condutor do veículo que provocou o acidente, só haja lugar a responsabilidade civil pelo risco.[4]
Para chegar a tal conclusão, observou aquele Tribunal:[5]
O artigo 3.º, n.º 1, da Primeira Directiva, tal como foi precisado e completado pelas Segunda e Terceira Directivas, impõe, portanto, aos Estados-Membros que assegurem que a responsabilidade civil relativa à circulação dos veículos com estabelecimento habitual no seu território seja coberta por um seguro e precisa, designadamente, os tipos de danos e terceiros vítimas que esse seguro deverá cobrir. Em contrapartida, este artigo não se pronuncia sobre o tipo de responsabilidade civil, por risco ou por culpa, que o seguro deverá cobrir.
Na falta de regulamentação comunitária que precise qual o tipo de responsabilidade civil relativa à circulação dos veículos que deve ser coberta pelo seguro obrigatório, a escolha do regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos é, em princípio, da competência dos Estados-Membros.
Daí decorre que, no estado actual do direito comunitário, os Estados-Membros continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos, mas são obrigados a garantir que a responsabilidade civil aplicável segundo o seu direito nacional esteja coberta por um seguro conforme às disposições das três directivas referidas.
(...)
(...) a responsabilidade civil que, segundo o direito nacional do Estado - Membro em causa, se aplica aos acidentes resultantes  da circulação dos veículos deve ser coberta por um seguro e que este seguro deve respeitar os montantes mínimos de garantia fixados nos artigos 1.º, n.º 2, e 5.º, n.º 3, na redacção que lhe foi dada pelo acto de adesão, da Segunda Directiva. Por conseguinte, em relação aos sinistros cobertos por esta responsabilidade civil, a legislação não pode prever limites máximos de indemnização inferiores a esses montantes mínimos.
Ao Tribunal de Justiça é reconhecida a função de garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratado de Roma[6], e, por via do reenvio prejudicial, compete-lhe, nomeadamente, decidir sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas Instituições das Comunidades[7] (entre os quais se encontram os actos normativos consubstanciados em Directivas), sendo a acção prejudicial um instrumento ao serviço do primado ou da primazia da ordem comunitária, que se impõe, simultânea e uniformemente, aos Estados-Membros[8].
Pode, pois, afirmar-se que exerce a função de uniformizar jurisprudência, quando declara o sentido e alcance de normas comunitárias originárias ou derivadas, impondo-se tal interpretação aos órgãos jurisdicionais nacionais, sob pena de violação do artigo 5.º do Tratado de Roma, do qual “resulta para os Estados uma obrigação genérica de facere (...), bem como uma obrigação genérica de non facere”[9], posto que, por um lado, estão obrigados a tomar todas as medidas gerais ou especiais para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do Tratado ou resultantes de actos das Instituições da Comunidade e a facilitar à Comunidade o cumprimento da sua missão, e, por outro lado, estão vinculados a abster-se de tomar quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do Tratado.
Neste sentido, o Tribunal de Grande Instância de Evry (França), na sentença datada de 17 de Setembro de 1991[10], afirmou num dos considerandos que os acórdãos do Tribunal de Justiça são de ordem geral porque destinados à unificação das jurisprudências dos Estados-Membros e, por isso, se impõem às jurisdições desses Estados.
Temos, assim, por seguro que os tribunais portugueses estão vinculados à interpretação das supra referidas Directivas, declarada no citado Acórdão de 14 de Setembro de 2000, da qual decorre haver incompatibilidade entre as normas daquelas Directivas e a norma do artigo 508.º, do Código Civil.
Sobre o modo de solucionar tal incompatibilidade o Tribunal da Relação do Porto considerou:[11]
A obrigação de transposição da segunda Directiva 84/5/CEE, em prazos definidos, consta de um tratado internacional devidamente ratificado e publicado pelo Estado Português: o Acto Relativo às Condições da Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Adaptações dos Tratados, publicado em Suplemento ao DR I Série, de 85.09.18.
Em cumprimento dessa Directiva e dos prazos de transposição fixados no Acto de Adesão, o art.º 6.º do DL 522/85, de 31.12, na sua redacção original, estabeleceu um capital obrigatoriamente seguro de 3.000.000$00, sucessivamente aumentado por diversos diplomas posteriores.
Assumem, assim, expressamente, a sua função de transposição da Directiva aqui em discussão.
(...)
Duas soluções de interpretação se afiguram possíveis: ou o art.º 508.º é uma norma especial em relação ao aludido art.º 6.º do DL 522/85, ou então este último revogou tacitamente aquele outro.
(...)
Ora, tendo em conta que, como se disse, existe a obrigação de a interpretação ser feita conforme as Directivas Comunitárias, os Tribunais Portugueses têm de optar por uma solução que torne o direito nacional conforme aos art.os 1.º, n.º 2, e 5.º, n.º 3, da Segunda Directiva.
E essa interpretação obedece, além do mais, aos requisitos estabelecidos no n.º 1 do art.º 9.º do Código Civil: reconstitui o pensamento legislativo, que seria a transposição correcta da Segunda Directiva; cumpre o objectivo de unidade do sistema jurídico, pois o direito comunitário é objecto de recepção automática e incondicional na nossa ordem jurídica e pondera as circunstâncias em que a lei foi elaborada, de integração de Portugal no espaço comunitário.
Tanto mais que, conforme refere Mota Campos in Direito Comunitário 4.ª Ed. Vol. II, p. 128, “impõe-se aos estados acatar a obrigação de resultado prescrita pela directiva comunitária – o que implica o cumprimento da obrigação de comportamento que para eles se traduz no dever de aplicar esse acto na ordem interna ou, como é corrente dizer-se em linguagem comunitária, o dever de proceder à sua transposição. Nem sempre, porém, se impõe ao Estado adoptar disposições formais de transposição, constantes de diploma legislativo ou regulamentar. A liberdade de escolha da forma do instrumento jurídico abarca também a liberdade quanto ao conteúdo com acto interno, desde que isso não prejudique a finalidade visada, ou seja, a realização do objectivo prescrito pela Directiva”.
A este propósito refere o citado autor o acórdão do TJCE de 87.04.09, em que se diz que “resulta do terceiro parágrafo do art.º 189.º do Tratado que a transposição de uma Directiva para o direito interno não exige necessariamente uma repetição formal e textual das suas disposições numa disposição legal expressa e específica, podendo, em função do seu conteúdo, ser suficiente para tanto um contexto jurídico-legal, desde que este assegure efectivamente plena aplicação de modo suficientemente claro e preciso, a fim de que, no caso de a Directiva se destinar a criar direitos aos particulares, os beneficiários tenham a possibilidade de conhecer plenamente os seus direitos e de os invocar, se for caso disso, perante os órgãos jurisdicionais nacionais”.
Estas considerações merecem inteira adesão e, tendo em atenção que o conteúdo das Directivas em causa, na interpretação do Tribunal de Justiça, cria efectivamente direitos a particulares, deve concluir-se que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, revogou tacitamente[12] o artigo 508.º do Código Civil, não sendo, pois, aplicável qualquer limite máximo de indemnização, mesmo em caso de responsabilidade objectiva, quando inferior aos limites mínimos fixados naquele artigo 6.º.”

Este é também o sentido da interpretação que temos por correcta.

Recentemente foi proferido pelo STJ, o Ac. n.º 3/2004, 25.Mar.2004, DR I-A, 112, 13.05.2004 segundo o qual:

O segmento do artigo 508.º, n.º 1, do Código Civil, em que se fixam limites máximos de indemnização a pagar aos lesados em acidentes de viação causados por veículos sujeitos ao regime de seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, foi tacitamente revogado pelo artigo 6.º do Decreto -Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 3/96, de 25 de Janeiro.

Este o entendimento consagrado pelo STJ que, apesar de proferido em data posterior ao acidente dos autos, tem a virtualidade de clarificar e consagrar a interpretação acabada de sustentar no sentido que consideramos aceitável.
À data do acidente, o limite mínimo de capital obrigatoriamente seguro fixado, no que ao caso interessa, pelo referido artigo 6.º, era de Esc.: 120.000.000$00[13] por sinistro para danos corporais e materiais, seja qual for o número de vítimas ou a natureza dos danos, sendo que a responsabilidade civil, emergente da circulação do veículo, estava transferida para a demandada até ao montante de Esc.: 50.000.000$00[14], enquanto a alçada da relação estava fixada em Esc.: 3.000.000$00[15].

Assim sendo, têm os demandantes direito às indemnizações supra referidas.
Igualmente têm direito a juros, o que reclamaram, sobre os quantitativos das indemnizações, nos termos dos artigos 804.º, n.º 1, 805.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, 2.ª parte, 806.º, n.os 1 e 2, 1.ª parte, e 559.º, todos do Código Civil, tendo em atenção o teor da Portaria n.º 292/03 de 8.4.   

4. Nos termos expostos, decide-se, concedendo parcial provimento aos recursos:
- Manter a decisão de absolvição do arguido do crime que lhe fora imputado, improcedendo nessa parte os recursos
- Revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou provada a culpa do lesado MASNG alterando a matéria de facto provada e não provada da forma consignada nos pontos 3.2. e 3.3 (sublinhados) desta decisão e na parte que julgou totalmente improcedentes os pedidos de indemnização civil;
- Condenar a demandada “O Companhia de Seguros SA” a pagar aos demandantes :
IJRNG o montante global de 4.999,57 euros;
e
MASNG a quantia de 3.404,12 euros
A estas quantias acrescem juros à taxa anual de 4% desde a notificação para contestar o pedido cível até pagamento integral.

Custas do segmento cível da decisão por demandantes e demandada na proporção do decaimento.

Lisboa, 3 de Maio de 2005

Filomena Clemente Lima
Ana Sebastião
Vieira Lamin
Celestino Sousa Nogueira

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[1] Publicada no Jornal Oficial n.º L 103, de 2 de Maio de 1972, pp. 1 a 4 (Edição Especial Portuguesa: Capítulo 13, Fascículo 2, p. 113)/ Disponível em www.dgsi.pt, Legislação União Europeia, Documento n.º 31972L0366.
[2] Publicada no Jornal Oficial n.º L 8, de 11 de Janeiro de 1984, pp. 17 a 20 (Edição Especial Portuguesa: Capítulo 13, Fascículo 15, p. 244)/ Disponível em www.dgsi.pt, Legislação da União Europeia, Documento n.º 31984L0005.

[3] Redacção introduzida pelo Anexo I – Lista prevista no artigo 26.º do Acto de Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Comunidades Europeias, IX, APROXIMAÇÃO DE LEGISLAÇÕES, F, Seguros – Jornal Oficial n.º L 302, de 15 de Novembro de 1985, p. 218/Suplemento ao Boletim do Ministério da Justiça n.º 350, Legislação, Vol. 2, p. 444. 
[4] Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 14 de Setembro de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência 2000, p. I-6711/Disponível em www.dgsi.pt, Jurisprudência da União Europeia, Documento n.º 61998J0348.
[5] Idem
[6] Artigo 164.º do Tratado de Roma.
[7] Artigo 177.º, alínea b), do Tratado de Roma
[8] Acórdão n.º 163/90 do Tribunal Constitucional, Diário da República, II Série, n.º 240, de 18.10.91, p. 10431.
[9]  Maria Isabel Jalles, Implicações Jurídico-Constitucionais da Adesão de Portugal às Comunidades Europeias – Alguns Aspectos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (116), Lisboa, 1980.
[10] Citada por Isabel Jalles, in Colectânea Anotada de Jurisprudência Comunitária (Os Casos Portugueses), Edição do Gabinete de Direito Europeu, Ano 4, n.º 10, 1992, p. 210.
[11] Acórdão de 8 de Novembro de 2001, proferido na Apelação n.º 1438/01-3.ª Secção, subscrito pelos Exmos. Desembargadores Oliveira Vasconcelos (relator), Viriato Bernardo e João Bernardo.
[12] Artigo 7.º, n.º 2, segundo segmento, do Código Civil
[13] Por força da alteração introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 3/96 de 25.01.
[14] Documento de fls. 433.
[15] Artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro.