Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6279/22.0T8FNC-A.L1-8
Relator: MARIA TERESA CATROLA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
INVOCAÇÃO DE CONTRA-CRÉDITO
COMPENSAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: «1. A decisão recorrida pronuncia-se especificamente sobre a matéria da oposição à penhora, na sua vertente formal, ao concluir, por o fundamento invocado não se reconduzir a nenhum dos fundamentos invocados no artigo 784 do CPC, pelo indeferimento liminarmente a oposição à penhora.
2. Uma vez que não estão reunidos os pressupostos para o recebimento liminar da oposição à penhora, é manifesto que o tribunal a quo não tem de pronunciar-se sobre matéria, entenda-se, a substância, que constitui esta oposição, porque indeferida liminarmente, e por isso não existe omissão de pronúncia relativamente a esta matéria.
3. A compensação requerida pela executada na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível».
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Na execução sumária que A…, Lda” instaurou contra “B…, Ldª”, veio esta executada deduzir embargos de executado e oposição à penhora, peticionando a final que o tribunal:
a) Aceite os presentes embargos de executado nos termos conjugados dos artigos 729º alíneas g) e h) e 856º nºs 1 e 3 todos do C.P.C. e, em consequência, declare extinta a execução por liquidação da quantia em divida, operada através da compensação efetuada pela executada, comunicada à exequente nos termos do artº 847º e 848º do Código Civil.
Se assim não se entender, deverá o tribunal:
b) Dando provimento à “Questão Prévia”, ordenar, a suspensão da instância e consequente sustação da execução, nos termos do artº 272º nº1 do C.P.C. pelo tempo necessário ao julgamento da questão prejudicial nos termos do Processo …., que corre tramites no Juízo do Comércio do ….-Juiz 2.
c) Ordenar ainda o levantamento das penhoras dos imóveis descritos como verba nº3 e verba nº4, no auto de penhora pela nulidade das mesmas, e dos atos de penhora pelo incumprimento do disposto nos artigos 753º nº3 e 856ºnº2 do C.P.C.
d) Aceitar a prestação de caução idónea nos termos do artº856º nº5 do C.P.C..
Se assim não entender, deverá o tribunal:
e) Aceitar os presentes embargos de executado, bem como a oposição à penhora, sustendo a execução;
f) Conceder provimento à nulidade das penhoras efetuadas sobre os bens imóveis descritos como verba 3 e 4 do auto de penhora, ordenando o levantamento das mesmas.
Se assim não entender, deverá V. Exa.
g) Aceitar os presentes embargos de executado, bem como a oposição à penhora;
h) Conceder provimento à nulidade das penhoras efetuadas aos imóveis descritos como verba nº3 e verba nº4, ordenando o levantamento das mesmas;
i) Aceitar a prestação de caução idónea nos termos do artº 856º nº 5 do C.P.C., sustendo a execução.
Requer ainda a executada a condenação da exequente como  litigante de má-fé, em multa e indemnização à executada, em valor não inferior aos prejuízos causados pelo processo, os quais são calculados em €10.000,00 (dez mil euros), à qual acrescerá a sanção prevista no artº 858º do C.P.C. por litigância temerária, considerando os requisitos cumpridos.
Em 4 de outubro de 20023 o Mmº Juiz a quo proferiu despacho, tendo concluído do seguinte modo:
“Em face de tudo quanto ficou exposto, por serem manifestamente improcedentes, INDEFERE-SE LIMINARMENTE os presentes embargos de executado nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Custas pela executada/embargante — artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Fixa-se o valor da causa no montante da causa dos autos de execução a que se reporta, nos termos do disposto nos artigos 306.º, n.os 1 e 2, e 307.º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.
Desta decisão interpõe agora a embargante/executada recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
 “77. Os pontos I, II e III da Sentença referentes ao pedido de Litigância de Má-fé, ao pedido de prestação espontânea de caução e da oposição à penhora foram simplesmente ignorados por motivos de forma;
78. Aliás o MMº Juiz preferência a forma sob a sustância em toda a sentença, usando esta forma para se demitir de cumprir o seu dever de pronuncia quanto às questões que lhe foram dadas a conhecer;
79. Recusando-se a apreciar a litigância de má-fé por falta de pagamento de custas iniciais do “incidente anómalo”, o Mmº Juiz interpreta erradamente os normativos do Regulamento de Custas Judiciais nomeadamente o artº 7º/ 4 e 7º/8 que mandam taxar os incidentes anómalos,
80. Assim como demonstra um deficiente entendimento do que seja um Incidente da Instância, nomeadamente o artº 7º/1 que define os “Incidentes da Instância” como actos processuais aptos a alterar a marcha do processo, o que não é o caso do Pedido de Litigância de Má-fé, cuja alteração não altera o normal decorrer dos trabalhos;
81. Verifica-se também uma má aplicação do principio da Celeridade Processual nomeadamente pelo facto de não considerar a Oposição à Execução e a Oposição à Penhora, quando apresentadas em acto único, nos termos do artº 856º/2 e 3 do CPC, um acto único e como tal sujeito apenas a uma taxa de justiça única ;
82. A qual será aferida pelo valor processual do acto assim apresentado, nos termos do artº 570º/3 do CPC;
83. Quanto à prestação espontânea de caução, verificamos uma aplicação errada do regime aplicável nomeadamente do preceituado nos artº 856º al. 5 do CPC e do artº 913º e 915º todos do CPC;
84. Exigindo um comportamento à Executada além do prescrito nos referidos normativos fazendo uma interpretação extensiva do mesmo;
85. Pois que à Executada competia apenas requerer nos termos do artº 856º/5 do CPC a prestação de caução (nos termos do artº 913º/1 e 915º/1 do CPC);
86. Não tinha de a prestar de imediato, conforme alegado;
 87. Não se pretendendo caucionar por via de hipoteca voluntária, mas sim caução bancária/seguro caução, não lhe incumbia apresentar qualquer comprovativo da conversão em definitivo da hipoteca voluntária a qual ademais não conseguiria por via da penhora realizada;
88. Da mesma forma, se verifica que existe uma inércia de pronuncia quanto à questão da nulidade da Penhora, alegada em sede de Oposição à penhora;
89. A falta de notificação da executada do ato da penhora efetuada, obrigatória nos termos do artº753 nº4 do C.P.C., bem como nos termos do artº 856 nº 2 do C.P.C., constitui uma nulidade processual, a qual se arguiu em sede própria para todos os efeitos legais.
90. Pelo que tais penhoras deverão ser declaradas nulas uma vez que são arguidas em tempo
91. Incumbia ao Mmº Juiz pronunciar-se sobre a mesma, quer em sede de “Oposição à penhora” enquanto articulado próprio e específico onde se apreciam os actos de penhora, quer em sede de Oposição à Execução, porquanto constitui um acto nulo que invalida os restantes, nos termos do artº 195º/1 in fine do CPC
92. Pronuncia que foi omitida sob pretexto não se subsumir no âmbito restrito da previsão do artº 784º do CPC.
93. Quanto a estas 3 questões, refugiando-se em questões técnicas e má interpretação dos normativos, o Mmº Juiz escusou-se a pronunciar-se incumprindo no dever de pronuncia previsto no artº 615º
94. A omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais.
95. A falta de pronúncia que determina a existência desse vício incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais
96. O que resulta na nulidade da sentença nos termos e para efeitos do artº 615º/1 d) do CPC, nulidade que desde já se argui para os devidos efeitos legais.
97. Já quanto à não aceitação dos Embargos à Execução, verificamos que a decisão se baseia em pressupostos falsos, nomeadamente quanto ao de a compensação ter sido realizada antes da prolação da decisão ora titulo executivo;
98. Da mesma forma parte de pressupostos errados, quanto à possibilidade de alegação de factos em sede de acção declarativa;
99. Pois que, sendo uma decisão datada de Outubro de 2021, que convalida um contrato de arrendamento entre datas de 2013 a 2017, é natural que ao tornar o contrato válido várias questões surjam com este efeito represtinativo;
100. Aliás, ao invés de requerer a validade do contrato, deveria a Exequente requerer apenas o pagamento das rendas;
101. O que não fez, por saber que o contrato estava denunciado desde 2013, pelo que nada era devido;
102. Razão pela qual, não era possível à Executada alegar por um lado que não existia contrato, por outro que lhe eram devidos valores em cumprimento do contrato cuja existência nega;
103. É a mesma coisa que alegar a inexistência e ao mesmo tempo pedir o cumprimento, não só não faz sentido, como não são pedidos cumulativos;
104. Pelo que, sempre se dirá que a apreciação realizada pelo Mmº Juiz enferma de cumprimento das normas legais nomeadamente por os pedidos, em sede de acção declarativa não serem possíveis, porque contraditórios;
105. A cumulação de ações ou de pedidos é permitida no Direito Processual Civil, conforme previsto no art. 292º do Código de Processo Civil
106. A parte pode, no mesmo processo, formular mais de um pedido, embora não conexos, para que haja economia processual e celeridade na prestação de justiça;
107. A cumulação de pedidos é lícita, desde que haja compatibilidade entre eles e que seja respeitada a competência do juízo e o procedimento pertinente;
108. Qualquer acção relativa a créditos contra a Insolvência – aqui Exequente - o tribunal cometente é o de Comércio, e não o tribunal Civel, correndo a acção por apenso a este;
109. Logo, até por razões de competência em razão da matéria, não seria possível realizar o pedido reconvencional no âmbito daquele processo;
110. O Código admite a cumulação de pedidos em um único processo (327º/1 do CPC);
111. Contudo, há restrições (CPC, art. 327, § 1º): ( a ) os pedidos formulados devem ser compatíveis; ( b ) seja competente o mesmo juízo para conhecê-los e; ( c ) o procedimento seja compatível entre todos os pedidos.
112. As dívidas emergentes de actos de administração da massa insolvente – designadamente as que resultam de fornecimentos efectuados à empresa após a declaração da sua insolvência, nas situações em que a empresa se mantém em funcionamento – correspondem a dívidas da massa insolvente, nos termos do art. 51º, nº1, al. c), do CIRE.
113. Os créditos a que se reportam essas dívidas (créditos sobre a massa insolvente) não podem ser reclamados pelo meio previsto no art. 128º do CIRE, na medida em que este meio processual apenas se destina à reclamação e verificação dos créditos sobre a insolvência.
114. Os créditos sobre a massa insolvente – se não forem pagos, na data do vencimento, em conformidade com o disposto no art. 172º, nº3, do CIRE – terão que ser reclamados em acção própria (declarativa ou executiva) que corre por apenso ao processo de insolvência, nos termos do art. 89º, nº2, do mesmo diploma.
115. Assim, o Tribunal de Comércio (onde corre o processo de insolvência) tem competência para preparar e julgar a referida acção, ao abrigo do disposto no art. 89º, nº/s 1, al. a) e 3, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99, de 13.01).
116. Como tal, verifica-se que em cumprimento do disposto no artº 327º/1 do CPC, não estavam reunidos 2 dos 3 pressupostos que permitiriam cumular o pedido em sede de acção declarativa;
117. Razão pela qual não procede a excepção aplicada ao caso concreto segundo a qual os factos poderiam ter sido alegados em sede de acção declarativa, pelo que não poderiam proceder como excepção à execução;
118. Pelo que, a compensação de créditos deverá ser aceite, porque superveniente e posterior à acção declarativa, enquanto forma de cumprimento da obrigação exequenda;
Normas Violadas - Artº 7º/1, 4 e 8 do Reg. Custas Judiciais - Artº 3º, 195º/1 in fine, 262º/a), 327º/1, 570º/3, 615º/1 d), 753º/4, 856º/ 2, 3 e 5 todos do CPC - Artº 51º/1 c) e g), 89º/2 e 172º/3 todos do CIRE; - Artº 89º/1 a) e 3 da da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99, de 13.01)
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a decisão ora recorrida substituindo-se por decisão que aprecie o mérito da causa nas questões em que existiu omissão de pronuncia, nomeadamente quanto às questões suscitadas de Má-fé, Prestação de caução, nulidade de penhoras. E da mesma forma, que a nova decisão julgue do mérito da causa quanto à Oposição à Execução, considerando verificada a compensação de créditos, nos termos e para efeitos do art 729ºg) do CPC, e consequentemente extinguindo-se a presente Execução, com o que se fará a costumada Justiça”.
A embargada/exequente apresentou contra-alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
“I – Quanto ao pedido de Litigância de Má-Fé:
1. A litigância de má-fé traduz-se num verdadeiro incidente da instância, promovido por qualquer uma das partes ou desencadeado oficiosamente pelo tribunal.
2. A litigância de má-fé é um incidente processual não tipificado, ou anómalo, e uma vez não demonstrado, pela Recorrente, que foi efetuado o pagamento das taxas de justiça, deverá o incidente ser dado como não escrito, como muito bem decidiu o Tribunal a quo.
3. Assim, se o incidente de litigância de má foi dado como não escrito, devido à ausência de pagamento pela Recorrente da taxa de justiça devida, então o Tribunal a quo não teria de apreciar esta questão.
II – Quanto à prestação de caução:
4. Nos termos do art. 856.º, nº 5 do C.P.C., “o Executado que se oponha à execução pode, na oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea, que igualmente garanta os fins da execução.”
5. O Requerente deve logo demonstrar a idoneidade e a suficiência da caução oferecida (e não apenas requerida) maxime, ser o seu valor suficiente para garantir a totalidade das responsabilidades de quem a tem de prestar.
6. Ao Tribunal cumpre “apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo dos interessados”, conforme decorre do art. 623.º, nº 3 do Código Civil e não determinar a forma e valor da caução.
7. À Recorrente cumpria-lhe oferecer caução idónea, o que não fez e restava-lhe ainda a possibilidade de prestar, espontaneamente, caução por apenso, o que também não fez.
III - Da falta de pronuncia quanto à oposição à penhora:
8. O incidente de oposição à penhora, com fundamento em que se verifica a nulidade da penhora dos imóveis, não constitui nenhum dos fundamentos de oposição à penhora taxativamente previstos no artigo 784 do C.P.C.
9. Ainda que assim não fosse, o meio processual próprio para a Recorrente arguir a nulidade da falta dessa notificação seria através de requerimento, a apresentar no próprio processo executivo, e não por recurso ao presente incidente de oposição à penhora, posto que esse vício processual não consubstancia fundamento típico desse meio defensional.”
10. Por outro lado, sempre seria intempestiva a arguição da nulidade invocada pela Recorrente, em conformidade com o que se estabelece no art. 199º, nº 1 do C.P.C., pois o prazo que a Recorrente dispunha para suscitar essa nulidade, já há muito se havia verificado o dies ad quem, quer do prazo fixado no nº 1 do art. 149º (considerando-se, assim, sanada a irregularidade), quer do prazo perentório estabelecido no nº 1 do citado art. 785º.
11. Indeferida liminarmente a oposição à penhora, por falta de fundamento legal o Tribunal a quo não tinha a obrigação de apreciar esta matéria.
12. O Tribunal a quo não teria que apreciar a nulidade invocada porquanto o foi através de meio que não é o idóneo e fora de prazo, o que desde logo resultou que a irregularidade ficou sanada.
13. Inexiste vicio de decisão por parte do Tribunal a quo.
14. Inexiste nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
IV - Quanto aos Embargos à Execução:
15. O crédito que a Requerente pretende compensar — com fundamento em ter, por um lado, instaurado a 9.3.2022 ação de condenação da exequente a pagar-lhe quantia pecuniária (artigo 4.º da petição inicial) e, por outro, notificado a exequente da compensação de créditos por missivas enviadas a 24 de fevereiro de 2022 —, baseia-se em factos ocorridos em data anterior à prolação do acórdão dado à execução.
16. Tal crédito poderia e devia ter sido invocado na ação declarativa que deu azo à prolação do título executivo, pois poderia ser invocado a título de exceção e/ou pedido reconvencional e aí, consequentemente, sido reconhecido.
17. A Recorrente tinha o ónus de alegar que tinha um contracrédito na ação declarativa (um ónus de reconvir) o que não fez, e assim sendo, apenas quando tenha sido impossível ao devedor exercer este ónus (por superveniência do contracrédito) se admite que o devedor se oponha à execução ao abrigo do disposto/com o fundamento previsto no artigo 729.º, alínea h), do Código de Processo Civil, o que tem de ser alegado e provado, o que não foi o caso.
18. Na ação declarativa que culminou no título que se dá à execução, a Recorrente não suscitou (quer a título de exceção, quer a título de reconvenção) nenhuma das questões que, alegadamente, fundamentam o seu contracrédito.
19. A Recorrente não alegou, e muito menos provou, não lhe ter sido possível invocar o contracrédito, por via de exceção e/ou reconvenção, no âmbito da ação declarativa  proposta pela Exequente, pelo que não se encontravam reunidas as condições de aplicabilidade do art. 729.º, alínea ah) do C.P.C.,
20. Não merece qualquer censura o fundamento apontado pelo Tribunal a quo, para a defesa esgrimida por reporte à alínea g) do art. 729.º, do C.P.C.: Ou seja, é necessária uma dupla exigência para lançar mão deste fundamento de oposição à execução, sendo o primeiro a sobrevivência de facto extintivo ou modificativo da obrigação que se executa e o segundo a sua ocorrência posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração.
21. Os factos que a Recorrente alega como fundamento do seu contracrédito não emergem com a carta, mas sim dos factos alegados e vertidos nela, pelo que quanto a isto não pode haver confusão.
22. Assim sendo, como efetivamente é, o Tribunal a quo não teria outra opção que não fosse o indeferimento liminar dos embargos de executado, nos termos do disposto no art. 732.º, nº 1, alínea b) do C.P.C.
23. Todas as demais alegações da Recorrente têm por objetivo ver apreciado, em sede de recurso, o que não foi sequer alegado em sede de oposição mediante embargos de executado e oposição à penhora e, consequentemente, não pôde aí ser apreciado.
24. Deveria e podia a Recorrente dar a sua “explicação” em sede de embargos e não se admite que venha agora fazer.
25. Nos termos do artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º (negrito nosso).
26. Por outro lado, quanto ao âmbito da preclusão que afeta o réu, há que considerar que lhe incumbe o ónus de apresentar toda a defesa na contestação (cfr. artigo 489.º, n.º 1), pelo que a preclusão que o atinge é independente do caso julgado: ficam preludiados todos os factos que podiam ter sido invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, LEX, 2.ª edição, 1997, pp. 585 e 584).
Nestes termos, e sobretudo nos que serão objecto do douto suprimento de Vossas Excelências, não deverá ser admitido o recurso interposto pela Recorrente, por infundado, confirmando-se a, aliás, douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, com o que se fará a mais lídima JUSTIÇA”.
Em 25 de janeiro de 2024 o Mmº Juiz a quo proferiu despacho no qual, apreciando o requerimento de interposição de recurso:
a) rejeitou, por irrecorribilidade, o recurso na parte que tem por objeto o ponto I) do despacho de 4 de outubro de 2023;
b) rejeitou o recurso na parte que incide sobre o pagamento de duas taxas de justiças, uma para os embargos à execução e outra para o incidente de oposição à penhora, por não ter sido proferido despacho sobre esta matéria;
c) admitiu o recurso na parte restante.
 Admitido o recurso e colhidos os vistos cumpre decidir.
II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do CPC, é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo evidentemente de questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim sendo, cumpre apreciar:
- se existe omissão de pronúncia quanto à invocada nulidade da penhora e quanto à requerida prestação espontânea de caução (artigo 615/1-d) do CPC).
- se é admissível a prestação espontânea de caução nos termos requeridos pela recorrente/executada;
- se os embargos de executado, apresentados, com fundamento na compensação de créditos, devem ser admitidos.
III – Fundamentos de Facto
Os factos/incidências processuais relevantes para o conhecimento do objeto do recurso são os já supra referidos em sede de relatório.
IV. Fundamentação de Direito
4.1. Da omissão de pronúncia quanto à alegada nulidade da penhora (artigo 615/1-d) do CPC)
Alega a recorrente que na oposição à penhora arguiu a nulidade da penhora por não ter sido notificada no ato da penhora da mesma, notificação que só veio a ocorrer com a citação para a execução por carta datada de 30 de maio de 2023, e que sobre tal questão o juiz a quo deveria ter-se pronunciado, quer em sede de oposição à execução quer à penhora uma vez que a falta de notificação é uma nulidade que invalida os restantes atos, ao abrigo do disposto no artigo 195/1 do CPC.
Invoca, em consequência, a nulidade da decisão por violação do preceituado na al. d) do nº1, do art.615º do CPC.
Apreciando.
Na decisão recorrida o Mmº Juiz a quo indeferiu liminarmente a oposição à penhora apresentada por ter entendido que o fundamento apresentado- nulidade da penhora por falta de notificação no prazo de cinco dias após a efectivação daquela- não constitui fundamento de oposição à penhora.
Pode ler-se na referida decisão: “Vem a executada deduzir incidente de oposição à penhora com fundamento em que se verifica a nulidade da penhora dos imóveis descritos como verbas n.os 3 e 4 do auto de penhora datado de 30.5.2023.
 Fá-lo invocando que, não obstante o auto de penhora se encontrar datado de 30.5.2023, as penhoras ocorreram a 9.12.2022 e 17.2.2023 somente tendo ocorrido a notificação dessas penhoras juntamente com a citação para a execução por missiva datada de 31.5.2023. daí resultaria, na sua tese, a nulidade da penhora por a notificação ter ocorrido volvidos os 5 dias previstos na lei.
Ora, como se afirmou no aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 7.6.2023, processo n.º 173/10.4TBSCR.C-L1, não publicado, página 17:
«Tal inobservância não constitui nenhum dos fundamentos de oposição à penhora taxativamente previstos no artigo 784.º do CPC», tendo confirmado a decisão de indeferimento liminar da oposição à penhora.
Em face de tudo quanto ficou exposto, INDEFIRO LIMINARMENTE, por não se reconduzir a qualquer um dos fundamentos taxativos vertidos no artigo 784.º do Código de Processo Civil, a presente oposição à penhora nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 785.º, n.º 2, do citado diploma legal.
Custas pelo oponente, fixando-se o valor da causa no montante indicado — artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique, incluindo o agente de execução.
Junte aos autos as páginas 17 e 18 do citado aresto”.
Estabelece o nº 1 do artigo 615 do CPC (aplicável aos despachos ex vi do disposto no artigo 613/3 do CPC) de forma taxativa as causas de nulidade da sentença:
«1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
As causas de nulidade taxativamente enumeradas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, configurando realidades distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes.
Não deve confundir-se o erro de julgamento com os vícios que determinam as nulidades em causa.
As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo as respectivas consequências também diversas: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder, ao abrigo da qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º.
Vejamos, agora, se a decisão de indeferimento liminar, no segmento referido, padece do vício de omissão de pronúncia invocado.
Conforme se aponta no Ac. STJ de, 11.10.20221, no Proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, disponível in www.dgsi.pt:
«I - As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
II - A Nulidade de sentença/acórdão, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas.
III - O conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes.»
Ora, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o «thema decidendum», ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº1, al.d), do CPC.
Ora se assim é, importa concluir que não foi cometido o aludido vício, designadamente na sua vertente da omissão.
Atente-se que a decisão recorrida pronuncia-se especificamente sobre a matéria da oposição à penhora, na sua vertente formal, e conclui, por o fundamento invocado não se reconduzir a nenhum dos fundamentos invocados no artigo 784 do CPC, pelo indeferimento liminar da oposição à penhora.
Uma vez que não estão reunidos os pressupostos para o recebimento liminar da oposição à penhora, é manifesto que o tribunal a quo não tem de pronunciar-se sobre  matéria, entenda-se, a substância, que constitui esta oposição, porque indeferida liminarmente.
Inexiste, consequentemente, qualquer omissão de pronúncia.
Em face do exposto, improcede a arguida nulidade.
4.2. Da omissão de pronúncia quanto à pretendida prestação espontânea de caução (artigo 615/1-d) do CPC)
Pelos fundamentos já supra aduzidos, também não existe na decisão recorrida qualquer omissão de pronúncia relativamente a esta matéria. O tribunal a quo pronunciou-se sobre esta matéria, tendo concluído que “A executada não prestou tal caução juntamente com a petição inicial pelo que não poderá valer-se do disposto no artigo 856/5 do Código de Processo Civil, restando-lhe a possibilidade de prestar espontaneamente caução por apenso”.
A discordância da recorrente/executada com esta decisão não pode fundamentar a omissão de pronúncia.
Improcede, também nesta parte, a arguida nulidade.
4.3. A prestação de caução
Alega a recorrente que o tribunal a quo fez uma errada aplicação do preceituado nos artigos 856/5 e 913 e 915, todos do CPC, sustentando que à recorrente/executada apenas competia requerer nos termos da primeira disposição legal referida a prestação de caução, não tendo de a prestar de imediato.
A questão que vem colocada a este Tribunal é apenas a de se saber se no caso a recorrente/executada, ao requerer a prestação de caução tinha ou não de a prestar de imediato.
É do seguinte teor o despacho recorrido:
“II — O incidente de prestação espontânea de caução deverá ser suscitado por apenso e incidir sobre o valor em dívida peticionado acrescido das custas previsíveis e que é indicado no auto de penhora mais recente, se o mesmo tiver sido elaborado.
Em alternativa, poderá o executado, nos termos do disposto no artigo 856.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, em sede de oposição à execução/penhora, requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução.
Tal implica que preste na petição inicial caução idónea no valor indicado no auto de penhora e não, como o faz a executada, que seja o tribunal a determinar qual a forma da caução e o seu valor. A executada não prestou tal caução juntamente com a petição inicial pelo que não poderá valer-se do disposto no artigo 856.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, restando-lhe a possibilidade de prestar espontaneamente caução por apenso”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 623 do Código Civil, que regula os casos de caução imposta ou autorizada por lei, “se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária”.
Também o artigo 785 do CPC, que regula o incidente de oposição à penhora, prevê a suspensão da execução, relativamente aos bens penhorados a que a oposição respeita, se o executado prestar caução – cfr. n.º 3.
E o artigo 856/5 do CPC dispõe que “O executado que se oponha à execução pode, na oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea, que igualmente garanta os fins da execução.
A executada pretende substituir a penhora das frações que constituem as verbas 3 e 4 do auto de penhora por caução, requerendo que seja fixado valor para que possa prestar caução bancária, seguro caução ou outra forma idónea que garanta os fins da execução, libertando os referidos bens imóveis penhorados.
Contudo, nos presentes autos a recorrente/executada, para além de não concretizar a forma da caução, não indica o valor da mesma e, sobretudo, não liquida o valor (que deveria ter oferecido).
Não existe, por isso, qualquer hipótese do tribunal se debruçar sobre a idoneidade e valor (e sua consequente suficiência ou insuficiência) da caução pretendida e aquilatar se a mesma “garante os fins da execução” (artigo 856/5 do CPC).
Por isso, bem andou o tribunal a quo em não admitir a substituição da penhora por caução idónea ao abrigo do disposto no artigo 856/5 do CPC.
Improcede o recurso interposto.
4.4. A (in)admissibilidade dos embargos à execução
Alega a recorrente que a decisão recorrida, na parte em que indeferiu liminarmente os embargos à execução, assenta em pressupostos falsos, nomeadamente quanto ao facto de a compensação ter sido realizada antes da prolação da decisão ora título executivo e à possibilidade de alegação de factos em sede de ação declarativa.
A questão a resolver consiste em saber se a recorrente/executada pode opor-se à execução com o contracrédito que alega ter sobre a exequente, crédito esse que pretende ver compensado com o crédito exequendo.
Apreciando.
A nosso ver, a resposta à questão de saber se a executada pode opor-se à execução com um crédito que alega ter sobre a exequente, crédito esse que pretende ver compensado com o crédito exequendo, depende da resposta que se der a uma outra questão, qual seja a de saber se, no caso, se mostram reunidos os pressupostos para que possa operar a compensação invocada pela executada, ora recorrente, isto é, se existe, ou não, um crédito da executada judicialmente exigível.
Dito assim, a solução deverá ser encontrada no plano da admissibilidade da compensação formulada pela executada com um contracrédito sobre a exequente, não reconhecido previamente.
A compensação é, no dizer de Antunes Varela, o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor - cfr. Das Obrigações em Geral, Volume II, pág. 197.
Traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas, devedor da outra, e o credor desta última, devedor na primeira. Com esta forma de extinção das obrigações, tem-se em vista evitar pagamentos recíprocos entre credores e devedores.
A compensação funda-se na reciprocidade de créditos, como resulta do artigo 847º, n,º 1, do Código Civil, ao exigir, precisamente, que duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor.

O crédito com o qual o declarante extingue a sua dívida é o crédito activo. É com ele que o devedor opera a extinção da sua dívida.
Por sua vez, o crédito passivo é aquele contra o qual a compensação opera.
«Pode chamar-se crédito principal àquele que o compensante visa extinguir, por nele ter a posição de devedor, e contra crédito ao que ele invoca contra a outra parte, como instrumento jurídico-económico da compensação» - A. Varela, ob. cit., pág. 200.

Se as duas dívidas não forem de igual montante, a compensação opera-se na parte correspondente (artigo 847º, n.º 2), sendo certo que a iliquidez de qualquer delas não impede a compensação (artigo 847º, n.º 3).
Efectivamente, sendo um dos requisitos da compensação que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por excepções, ou seja, o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido.
Permitir que o executado utilize oposição à execução para através dela ver reconhecido o seu contra-crédito seria abrir caminho para entorpecer ou até inviabilizar a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa — cf., por todos, o ac. da RL de 07.05.2015, processo n.° 7520-13.5TBOER-A.L1-8, disponível in www.dgsi.pt.
E porque releva reproduz-se aqui o que a propósito se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2019:“A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, podendo denominar-se negócio potestativo porque, através dela, é exercido o direito potestativo do declarante. Consequentemente, traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de acção ou de defesa por excepção, ou por reconvenção, conforme a situação.
Logo, a compensação pode ser exercida, no âmbito de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo — cf., por todos, Lebre de Freitas,  in “A Acção Executiva (Depois da Reforma)”, 4.a ed., págs. 178/179, e ac. do STJ de 26 de abril de 2012, processo n.° 289/10.7TBPTB.G1.S1, disponível inwww.dgsi.pt.
Esta tem sido a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça como se pode ler no seu ac. de 2 de junho de 2015, processo n.° 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, disponível in www.dgsi.pt: «Ora bem, em recente acórdão deste Supremo (Ac. de 14.03.13, relatado pelo Ex.mo Cons. Granja da Fonseca), exarou-se que constitui orientação jurisprudencial do STJ que, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação" (Assim, Ac. de 18.01.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Rocha).
Tendo-se, igualmente, já decidido que: "(N)a fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (...) Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa " (Ac. de 22.06.06, relatado pelo Ex. mo Com. Bettencourt de Faria);
"A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível" (Ac. de 14.12.06, relatado pelo Ex. mo Cons. João Moreira Camilo);
"Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação ", pelo que, "estando o crédito que a R. apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (...) Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação " (Ac. de 29.03.07, relatado pelo Exmº Cons. Oliveira Vasconcelos); e
"Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no art. 847° do CC, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito, conforme resulta do disposto nos arts. 814°, 816°e 817°, n°l, al. b) do CPC" (Ac. de 28.06.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Pires da Rosa).
Esta orientação jurisprudencial foi ressaltada e perfilhada no  acórdão de 01.07.14, do Supremo, relatado pelo Ex. mo Cons. Paulo Sá, onde se dá conta de que decidiram em idêntico sentido os Acs. deste Supremo, de 21.11.02, 09.10.03, 27.11.03, 21.02.06, 11.07.06, 14.12.06 e 12.09.13 (acessíveis, como os demais citados, em www.dgsi.pt), acentuando-se, igualmente, em reforço do que vem sendo considerado e após se ponderar que a exigibilidade do crédito não se confunde com o seu reconhecimento, que "não se conhecem decisões do STJ no sentido da necessidade de reconhecimento do contra-crédito, fora do âmbito do processo executivo " (negrito de nossa autoria).»”.

E no recente acórdão da Relação de Guimarães de 11.11.2021, pode ler-se: “No âmbito do processo executivo, a compensação pode actuar como fundamento de oposição à execução baseada na sentença, quer ao abrigo do disposto na al. g) do art. 729º do CPC quer ao abrigo da al. h) do referido preceito legal. Se é invocado que teve lugar a compensação, que se operou já a notificação de um contracrédito, desde que seja judicialmente reconhecido, que acarretou a extinção do crédito exequendo, a situação fáctica encontra acolhimento na al. g), consubstanciando a invocação de excepção perentória; se invoca o contracrédito judicialmente reconhecido com vista à compensação com o crédito exequendo, enquadra-se na previsão da al. h).
Ora, segundo a jurisprudência que seguimos (...), para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente e, na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. (...)
A orientação jurisprudencial do STJ nesta matéria, explanada, designadamente, no supra referido Acórdão de 14-03-2013 (...) que aqui seguiremos de perto, dá conta que para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação. Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. (...)
Donde, a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contracrédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível (...). Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa da prestação, pelo que se o crédito não é exigível judicialmente, não pode ser apresentado a compensação. (...)
Em suma, é indispensável que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito. No âmbito da oposição à execução, o crédito exequendo só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contracrédito. (...)
Termos em que cabe concluir que a compensação operada em sede de execução de sentença apoia-se necessariamente num documento com força executiva. (...)
No caso em apreço, na medida em que a embargante não apresenta contracrédito titulado por documento revestido de força executiva, não constitui fundamento válido a atender em sede de oposição à execução”.

E a propósito dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença previstos nas alíneas g) e h) do artigo 729.º do Código de Processo Civil, precisa o acórdão da Relação de Guimarães de 31 de janeiro de 2019: “No tocante ao fundamento de oposição previsto na alínea h) do art. 729.º do CPC – “contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos” –, para além de se exigir a verificação dos pressupostos da compensação previstos no art. 847º do CC, o executado só poderá invocar esse fundamento desde que tal não tenha sido possível no âmbito do processo declarativo em que se formou o título executivo judicial (...), além de que, por identidade de razão (art. 9º do CC), será ainda necessário que se prove por documento o facto constitutivo do contracrédito, em conformidade com a parte final da al. g) do art. 729º do CPC (...).
A razão de ser da autonomização desse fundamento prende-se com a nova qualificação processual da compensação efetuada no art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, nos termos do qual a reconvenção é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito para obter a compensação. Tal circunstância levaria a negar a sua admissibilidade em sede de oposição à execução, por não ser admissível reconvenção. Tal interpretação seria contrária ao regime substantivo e ao próprio fim dos embargos ou oposição à execução.
A autonomização da compensação visa, assim, obviar a quaisquer dúvidas interpretativas que pudessem ser levantadas quanto à inadmissibilidade da dedução de oposição com tal fundamento em sede de embargos à execução de sentença (...)”.
E prossegue o mesmo acórdão: “Seguindo orientação jurisprudencial do STJ (...), que tende a ser maioritária (...), para efeitos de apresentação de compensação em sede de oposição à execução, o contracrédito do executado só é exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação (...).
«Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa»

Com efeito, “a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível” (...). Pois, “só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que “estando o crédito que a ré apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação” (...).
Em suma, “para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no artigo 847º do Código Civil, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-crédito (...), não sendo os embargos de executado a sede própria para o reconhecer, pelo que o crédito só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (...). Só depois de comprovado e declarado por sentença é tal crédito exigível, mesmo que a obrigação retroaja o seu vencimento para data pretérita (art. 854º do CC)”.
Revendo-nos nas posições doutrinárias e jurisprudenciais citadas, perfilhamos o entendimento de que a invocação da compensação em sede de oposição à execução exige, para que a mesma possa ser atendida, que não seja controvertido o contra crédito de que o executado se arroga titular em relação ao exequente, carecendo de estar judicialmente reconhecido, não podendo esse reconhecimento ser obtido nos próprios autos de oposição à execução.
No caso que se aprecia, a executada pretende fazer valer um facto extintivo do direito exequendo; não pretende reconvir, o que seria inadmissível em processo executivo.
Contudo, a pretensão formulada pela executada na oposição, de compensação do seu alegado contracrédito com o crédito exequendo, não estando aquele reconhecido previamente e cuja existência pretende (implicitamente) ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível. Com referido, é hoje entendimento mais ou menos consensual na jurisprudência, com o qual nos identificamos, que a compensação só poderá ser invocada no âmbito de uma oposição à execução se o contracrédito estiver já reconhecido judicialmente e não careça de o ser nos autos de oposição.
Em face da inadmissibilidade da dedução de reconvenção na oposição à execução, a compensação não pode aqui ser invocada; para a compensação poder ser invocada teriam a existência do contracrédito e os requisitos substantivos da compensação que estar provados por documento com força executiva.
Tendo tudo isto presente, entendemos ter sido a oposição bem indeferida liminarmente, embora com fundamentação algo diferente.
Improcede o recurso interposto.

V. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela executada e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa,18 de abril de 2024
Maria Teresa Lopes Catrola
Ana Paula Olivença
Carla Mendes