Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2085/16.9T8ALM.L1-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: PERSI
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
ÓNUS DE PROVA
CONDIÇÕES DE PROCEDIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), regulado pelo DL 227/2012, de 25-10, visa promover a tutela dos consumidores em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, impondo às instituições financeiras um conjunto de deveres prévios à instauração de ação judicial (declarativa ou executiva), tendentes a proporcionar uma solução extrajudicial para o litígio.
II – Recai sobre a instituição de crédito exequente o ónus da prova do cumprimento de tais obrigações que para si decorrem do artigo 12º, e ss do DL 227/2012, de 25-10, demonstrando, designadamente, as comunicações de integração e de extinção de PERSI, que constituem condições objetiva de procedibilidade da execução, consubstanciando, a sua ausência, exceção dilatória inominada geradora da extinção da instância.
III – A comunicação de integração e de extinção de PERSI, nos termos do disposto nos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do Dl 227/2012, de 25-10 deve ser efetuada em “suporte duradouro”, sendo este qualquer instrumento que lhe permita armazenar informações durante um certo período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilitem a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
IV – A simples junção de cópia das cartas de implementação e de extinção de PERSI, desacompanhadas de outros meios de prova, é insuficiente para demonstrar o seu envio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO

1.1– A primitiva exequente “(...)”, identificada nos autos, instaurou em 10-03-2016 a presente execução sumária contra a executada (...), também identificada nos autos alegando que por escritura pública celebrada em 21-10-2004 lhe mutuou a quantia de €122.500,00, que esta se obrigou a restituir no prazo de 40 anos, tendo sido constituída para garantia do crédito, hipoteca sobre fração habitacional da executada .
Porém, a executada cessou o pagamento das prestações devidas em agosto de 2013, cifrando-se a dívida exequenda à data da apresentação do requerimento executivo em €140.377,87.
Concluiu a exequente solicitando a citação da executada para, no prazo legal, lhe pagar a referida quantia, acrescida de juros sobre o capital.

1.2 – Prosseguindo os autos os seus termos, foi deduzido por apenso incidente de habilitação de cessionário, no qual foi proferida decisão em 25-10-2018 que julgou habilitada como cessionária do crédito exequendo a aí requerente “...”.

 1.3 - A executada, por requerimento de 25-09-2023 (referência 37078523), arguiu exceção dilatória inominada relativa a falta de condição objetiva de procedibilidade, considerando que a primitiva exequente (…), não deu cumprimento às obrigações que para si resultam do DL 227/2012, de 25/19, designadamente no que se reporta à implementação do “Plano de Ação para o Risco de Incumprimento” (PARI”) e à execução do “Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento” (PERSI). Efetivamente, no seu requerimento executivo, a exequente nem sequer efetuou qualquer alusão a tal procedimento pelo que lhe estava vedada a interposição da presente ação executiva, bem como a resolução do contrato de mútuo, ocorrendo, em consequência, falta de uma condição objetiva de procedibilidade, insanável, que deverá ser apreciada pelo tribunal, tanto mais que a venda executiva ainda não foi consumada.
Concluiu a executada que a primitiva exequente violou normas com caráter imperativo, às quais a cessionária também se encontra vinculada, não devendo os autos prosseguir, por carência de condição objetiva de procedibilidade, configuradora de exceção dilatória, que determina a sua absolvição da instância.

1.3 – Exercendo contraditório relativamente a tal pretensão, invocou a exequente ser extemporânea a arguição da falta de integração em PERSI, dado que deveria ter fundamentado a dedução de embargos à execução. Caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar que a executada foi integrada em PERSI, que veio a ser extinto, factos de que teve conhecimento por cartas que lhe foram enviadas para o seu domicílio em 17-02-2013 e 20-05-2013.

1.4 – Foi designada data para inquirição das testemunhas arroladas no âmbito do incidente suscitado e dirigido convite à exequente para juntar os talões de registo postal comprovativos do envio de cartas para integração e extinção de PERSI (Referência 429419270).

1.5 – A exequente, por requerimento apresentado em 23-10-2023, declarou prescindir da testemunha que havia indicado com vista à instrução do incidente, tendo ainda considerado que a regulamentação legal do PERSI não exige que as comunicações de integração e extinção de PERSI sejam enviadas por carta registada com aviso de receção, sendo admissível o seu envio por correio simples ou até por correio eletrónico, dado que apenas se exige tal envio em “suporte duradouro”. Concluiu que a integração da executada no procedimento de PERSI deveria considerar-se demonstrado, tendo por base as cartas por si juntas no requerimento de 05-10-2023.

1.6 – Respondendo ao convite que lhes foi dirigido pelo tribunal, ambas as partes alegaram por escrito, mantendo, no essencial as posições anteriormente assumidas (requerimentos com as referências 46975454 e 46990433).

1.7 – Em 13-11-2023, foi proferida decisão na qual foi julgada verificada a exceção de falta de integração da executada em PERSI e determinada a sua absolvição da instância executiva, que foi julgada extinta, tendo ainda sido ordenado o levantamento da penhora de imóvel (referência 430238066).

2 - Não se conformando com a decisão proferida, a exequente da mesma interpôs recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que considere estar demonstrado nos autos que as cartas de integração e extinção  PERSI foram enviadas e recebidas pela executada, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1.A apelante não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo que dela decorre;
2. O Tribunal de 1ª instância não considerou como prova, a junção aos autos do envio das cartas de integração e extinção de PERSI, enviadas à executada.
3. O Tribunal a quo, faz uma interpretação errada dos factos carreados aos autos, nomeadamente da aplicação do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro;
4. Não resulta deste artigo que as comunicações referentes ao PERSI devem ser feitas através de carta registada com aviso de receção.
5. O Acórdão do T.R. Évora de 14/10/2021, com o processo n.º 2915/18.0T8ENT.E1, relator Mário Coelho refere que se fosse intenção do legislador sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente na lei, o que não fez.
6. «A letra da lei não exige que as cartas dirigidas aos clientes tenham que obedecer a qualquer formalidade, maxime, registo com A/R, bastando o envio em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre as partes, admitindo-se o envio de e-mail ou de cartas simples para a morada contratualmente convencionada».
7. De igual entendimento perfilha o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05/01/2021, Relatora: Maria da Conceição Saavedra, proc. n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, o Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/06/2021, proc. n.º 2738/21.0T8SNT.L1, disponível em www.dgsi.pt.
8. É facto que é prova suficiente o envio de cartas de integração e extinção PERSI com registo simples.
9. A Executada foi integrada no PERSI, conforme a junção aos autos das cartas de integração e extinção PERSI;
10. O procedimento do PERSI ficou cumprido através do envio das cartas que se encontram nos autos;
11. Andou mal, portanto, o Tribunal a quo ao entender que não houve prova da receção das cartas pelos executados, quando este confessaram a sua receção, e quando estas foram juntas nos autos, (cartas de integração e extinção do PERSI);
12. Não está legalmente expresso na lei, que estas cartas deverão seguir registadas com aviso de receção, como provado ao longo do recurso”

3. A executada (...), pronunciou-se, apresentando contra-alegações, nas quais pugnou pela manutenção da decisão recorrida, e apresentou as seguintes alegações que se passam a transcrever:
“I – A exequente instituição bancária (…) e a recorrente não deram cumprimento ao regime imperativo introduzido pelo DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, que entrou em vigor a 01 de Janeiro de 2013.
II - As alegações apresentadas, vêm apenas confirmar e reafirmar a violação por parte da Recorrente do regime do “PERSI” relativamente à mutuária/recorrida
III – A recorrente não impugnou a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo” no douto despacho ou se pronunciou relativamente aos factos não provados.
IV – Tais factos devem ser dados como provados e não provados nos moldes preconizados pelo Tribunal “a quo”.
V – O contrato sob que versam os autos trata-se de um mútuo bancário “crédito habitação” para aquisição de 1 imóvel para habitação com hipoteca, onde interveio a recorrida como mutuária e a instituição bancária como mutuante.
VI - Tal contrato está abrangido pelo DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, que entrou em vigor a 01 de janeiro de 2013, atento o disposto no artigo 2.º, Nº 1, al. a).
VII - O contrato deixou de ser cumprido pela recorrida em 10.03.2016 tendo deixado de pagar as prestações mensais, entrando em incumprimento e mora.
VIII – A recorrente e a Ex exequente, NUNCA integraram a recorrida no PERSI.
IX - Violando grosseiramente tal regime legal.
X – A recorrente nunca enviou qualquer missiva para a recorrida dando-lhe conhecimento do PERSI, integrando-a em tal regime legal ou extinguindo tal regime legal.
XI - Em 10 de Março de 2016 a Ex exequente interpôs a presente ação sem, contudo, ter integrado previamente no PERSI a recorrida.
XII – Não o fazendo igualmente a atual exequente
XIII - Estava obrigada perante a mutuária, a integrá-la, mediante comunicação em suporte duradouro, em Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data do vencimento da obrigação – art.º 12.º, e 14.º ou seja, entre 21 de Setembro de 2013 e 20 de Novembro de 2013, abrindo-se então a fase da avaliação/proposta, seguida da fase da negociação e, por fim, havendo ou não havendo acordo, a fase da extinção do PERSI – art.ºs 14.º a 17.º;
XIV - A recorrente não deu cumprimento a tais disposições legais, de índole imperativa bem como a recorrente “Marimbando-se sempre no PERSI”.
XV - A falta de integração da executada no PERSI, configura uma exceção dilatória insuprível, por falta de pressuposto prévio e antecedente da instauração da ação executiva, que determina a absolvição da instância da recorrida e, por ser de conhecimento oficioso.
XVI - A Ex exequente e a recorrente nunca implementaram o PERSI, não fazendo sentido falar em extinguir o PERSI
XVII - Bem andou o Tribunal “a quo” ao dar como provado que a recorrente violou tal regime legal absolvendo a recorrida da instância e extinguindo a execução.”

4.  Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

5.  Remetidos os autos a este tribunal em 19-01-2024, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.

II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, são as seguintes as questões a decidir:
- O tribunal recorrido, em face dos meios de prova juntos aos autos, deveria ter considerado demonstrado que foram enviadas e rececionadas pela executada as cartas de integração e extinção do PERSI?
- A decisão recorrida que determinou a absolvição da instância executiva da executada deve ser revogada e substituída por outra que ordene a prossecução dos autos?

III - FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A.1 – Foram os seguintes os factos que a decisão de primeira instância considerou provados:

I. Em 07 de Março de 2016, a (...) (substituída, depois, por cessão de crédito, pela (…), propôs contra (...) ação executiva para pagamento da quantia de 140.377,87 euros, com fundamento em contrato de empréstimo celebrado entre as partes a 21 de outubro de 2004, garantido por hipoteca sobre imóvel, e incumprido desde 21 de agosto de 2013.
Em 05 de Maio de 2016, a executada foi citada e não deduziu embargos à execução.
Em 25 de Setembro de 2023, após ter constituído mandatário e na pendência da venda do imóvel hipotecado, a executada veio arguir a falta de integração em PERSI e pedir a absolvição da instância, e, a falta de afixação de editais para venda e pedir a anulação da venda.
Em 05 de Outubro de 2023, respondeu a exequente que a arguição da falta de integração em PERSI é extemporânea, porque devia tê-lo sido em embargos à execução, tendo volvido sete anos desde o decurso do prazo para a executada o fazer, e que, assim não se entendendo, a executada foi integrada em PERSI por carta enviada para o seu domicílio a 17-02-2013, e o PERSI foi extinto por carta enviada para o seu domicílio a 20-05-2013.
Em 17 de Outubro de 2023, o tribunal proferiu despacho a designar data para inquirição da testemunha arrolada pela exequente e solicitou que esta juntasse os talões de registo postais do envio das cartas para integração e extinção de PERSI.
Em 23 de Outubro de 2023, a exequente prescindiu da inquirição da testemunha arrolada e rebateu a necessidade de juntar aqueles talões dizendo “12. Da análise deste artigo (art.º 20.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro) ou outro do DL que regulamenta o PERSI, não resulta que as cartas de integração e extinção de PERSI deverão ser enviadas por carta registada com aviso de receção. 13. Pelo contrário é admissível o seu envio por correio simples ou até mesmo por correio eletrónico”.
Em 26 de Outubro de 2023, foi decidido julgar validamente prescindida a testemunha e foi concedido às partes o prazo de cinco dias para, querendo, produzirem alegações sobre a matéria do incidente – integração e extinção de PERSI, o que fizeram.
(…) – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. Facto provado (para além dos anteriormente descritos): – Nos presentes autos de execução, à data de 25 de setembro de 2023 (e à data atual), ainda não tinha ocorrido (e ainda não ocorreu) qualquer ato de transmissão de bens penhorados”

*

A.2 – Foram os seguintes os factos que a sentença da primeira instância considerou não provados:
– A (...) enviou à executada, para a sua morada, a 17 de fevereiro de 2013, carta a integrá-la em PERSI, e, a 20 de Maio de 2023, carta a declarar extinto o PERSI.
- Desde o início de 2017, a executada e a exequente encetaram tentativas de negociação extrajudicial da dívida, frustradas pela falta de pagamento por parte da executada.

A.3 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A matéria de facto foi objeto de impugnação pela exequente considerando, essencialmente, que o tribunal deveria ter considerado demonstrado que foram enviadas as cartas de integração e extinção de PERSI, atenta a junção aos autos das mesmas e a confissão da executada.

A.4 – Motivação do tribunal recorrido

O tribunal a quo, motivou a decisão de facto, nos seguintes termos:

“O facto provado resulta da consulta eletrónica (através do Citius) do processo.
Os factos não provados resultaram, o primeiro, da circunstância da junção de meras cópias de cartas ser insuficiente, desacompanhada de talões postais, de confissão, ou de depoimento testemunhal que o atestem (o tribunal bem solicitou os primeiros e bem agendou inquirição da testemunha arrolada, mas a exequente não os juntou e prescindiu da inquirição, sibi imputet), para concluir que foram enviadas (da prova do envio poderia concluir-se, por presunção judicial associada à normalidade do funcionamento dos serviços postais, a chegada ou receção no destino); o segundo, da, completa ausência de prova sobre tais negociações.”

B – Fundamentação de Direito

A questão em discussão nos autos enquadra-se no regime estabelecido pelo DL 227/2012 de 25 de outubro, que estabeleceu princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização de situações de incumprimento de contratos de créditos pelos clientes bancários, procurando, como se refere no preâmbulo do diploma “(…) reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente (…) em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes, enquanto consumidores”.
Num contexto de generalizada crise económica e financeira, pautada por um aumento exponencial de incumprimento dos contratos de crédito, pretendeu-se estabelecer, “ (…) um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito (…) Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) (…) Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)…O presente diploma visa, assim, promover a adequada tutela dos direitos dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários” – cfr. preâmbulo do Dl 227/2012, de 25-10. Com a criação de tal regime visou-se, assim, a proteção do cliente bancário que, assumindo as vestes de consumidor, celebra contratos de mútuo com entidades bancárias – cfr. artigo 3º, alínea a), Dl 227/2012, de 25/10.
Nos presentes autos não se mostra controvertido que o crédito exequendo emergente de mútuo bancário garantido por hipoteca, se reconduz ao âmbito de aplicação do referido regime, definido no artigo 2º do referido diploma.
Por outro lado, também é inequívoco que a executada, que interveio como mutuária no contrato de crédito em causa, é uma consumidora na aceção dada pelo nº 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho e, consequentemente, “cliente bancária” nos termos definidos no artigo 3º, alínea a) do Dl 227/2012, de 25 de outubro.
O DL 227/2012, de 25/10, consagra fundamentalmente dois procedimentos, um dos quais, relativo à “Gestão do risco de incumprimento” que se desenvolve em momento prévio ao do incumprimento do mutuário, (artigos 9º a 11º) e outro relativo ao Procedimento Extra Judicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto nos artigos 12º a 21º, aplicável a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de crédito bancário.
O PERSI comporta a fase inicial, seguida da fase de avaliação/proposta/negociação e, por fim, a da extinção – cfr. artigos 14º, 15º, 16 e 17º do DL 227/2012 de 25 de outubro. Certo é que obriga as instituições bancárias a promoverem as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. – cfr. artigo 12º.
Por outro lado, e como decorre do artigo 18º, nº 1, alínea b) do citado diploma:
No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
 (…) b) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Ou seja, a falta de integração do cliente bancário no PERSI, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-01-2019[1].
O PERSI constitui, assim, uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, impondo ao credor (instituição bancária/financeira), em razão da maior vulnerabilidade do consumidor, especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção. Como se refere no acórdão STJ de 19-05-2020[2]: “A instituição de crédito que move ação executiva contra o mutuário consumidor, que se encontra em mora, tem o ónus de demonstrar que cumpriu as obrigações impostas pelos artigos 12º e seguintes do DL n.227/2012, que prevê o regime jurídico do PERSI. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.º 18º daquele diploma). O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância”.
Assim, a comunicação da integração do cliente no PERSI e a sua extinção, constituem condição da admissibilidade, da ação declarativa ou executiva, gerando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância – cfr. artigo 576º, nº 2, CPC.
Tais comunicações constituem declarações recetícias, incumbindo ao exequente a prova da sua existência, do seu envio e ainda da sua receção pelo devedor – Acórdão da Relação do Porto de 24/10/2023[3]. Na realidade, como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 8/10/2020[4], o regime consagrado no D.L. 227/2012, de 25/10 deve ser interpretado no sentido da “exigência de um procedimento de renegociação suficiente e materialmente efetivo e não de exigência de cumprimento de um iter sacramental de atos formais”.
Sendo inequívoco que a integração e a extinção de PERSI têm de ser comunicados pela instituição de crédito ao cliente em suporte duradouro, nos termos dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do Dl 227/2012 de 25-10, interessa decidir se, in casu, tais comunicações se mostram documentadas, como pretende a exequente/recorrente ou se se verifica a hipótese inversa, nos termos exarados na decisão recorrida.
Significa o acabado de expor que a principal questão em apreciação e que determinará a procedência ou improcedência do recurso, prende-se com a análise dos meios de prova produzidos e carreados para o processo, designadamente com a sua suficiência para demonstração do envio das referidas comunicações. Reitera-se, pois, que o recurso envolve impugnação da matéria de facto, reagindo a recorrente à consideração como “não provada” da matéria por si alegada, relativa ao envio das cartas de integração e de extinção de PERSI, como resulta expressamente das conclusões constantes dos números 2, 10 e 11, sendo esse o concreto ponto de facto que considera incorretamente julgado.
Consequentemente, a tónica da decisão não se coloca na obrigatoriedade de envio de cartas registadas com aviso de receção, como a única via para comprovar que as comunicações foram efetivadas (o que não foi afirmado na decisão recorrida), mas sim na prova de que foram enviadas comunicações em “suporte duradouro”. Este, nos termos do disposto na alínea h) do artigo 3º, do Dl 227/2012, de 25/10, corresponde a “qualquer instrumento que lhe permita armazenar informações durante um certo período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilitem a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
Certo é que o tribunal recorrido considerou que tal demonstração não foi feita, considerando insuficiente a simples apresentação de cópia das cartas, sem qualquer meio de prova complementar que comprovasse o seu efeito envio e receção pela executada.
E, na realidade, tal decisão não merece qualquer reparo por se afigurar que a junção aos autos das cartas acompanhada da alegação de que foram enviadas, por si, é insuficiente para comprovar tal envio. Ou seja, a mera junção de cópia de cartas a comunicar à executada a integração e a extinção de PERSI não é suficiente para comprovar o seu envio efetivo, constituindo apenas um princípio de prova a exigir complementação noutros elementos probatórios – neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 21-11-2023[5]. E assim é porquanto está em causa um meio de prova elaborado pela própria parte (interessada na prova do envio das cartas) mas que, em si, não comprova a sua efetiva expedição.
Consequentemente, não tendo sido produzido qualquer outro meio de prova complementar (testemunhal, documental, por confissão) tal facto fica por demonstrar. Salienta-se a este propósito que, contrariamente ao que alega o recorrente, a executada não confessa o recebimento das comunicações, pelo que tal factualidade não ficou demonstrada por confissão (cfr. artigo 352º Código Civil).
De acordo com o disposto no artigo 662º, nº 1, CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Tal significa que a decisão da matéria de facto apenas deve ser alterada se o tribunal da Relação, depois de analisada a prova produzida, conclua, com segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente à factualidade objeto da impugnação – neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 21-06-2021[6].
Porém, forçosa é a conclusão de que o tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro de apreciação dos meios de prova carreados para os autos e que a exequente soçobrou na prova de facto com que se mostrava onerada nos termos do artigo 342º, nº 1, Código Civil. Reunindo os autos todos os elementos necessários para o conhecimento da inexistência da supra referida condição de admissibilidade da presente ação executiva, mostra-se devidamente fundamentada a decisão de absolvição da instância da executada, bem como a extinção da instância executiva.
Improcedendo a impugnação da matéria de facto deduzida pela exequente, impõe-se a confirmação da decisão recorrida, reiterando-se que:
“(…) Uma coisa é a comunicação em si (que deve ser realizada em “suporte duradouro”); e, outra, a prova do envio dessa comunicação e da sua receção pelo respetivo destinatário, sendo certo que, estão em causa declarações recetícias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 224.º do CC (…) Serve esta afirmação para esclarecer o equívoco em que laborou a exequente: se é verdade que o DL. n.º 227/2012 não impõe que as cartas para integração e extinção do PERSI sejam enviadas por carta registada com aviso de receção não é menos verdade que, em juízo, controvertida a questão da integração e extinção do PERSI, a mutuante (ou a cessionária – art.º 18.º, n.º 3, do referido diploma) está onerada, por se tratar de condição de procedibilidade judicial (pressuposto processual), com a prova do envio e da receção de tais cartas (…) Ora, no caso concreto, apesar do convite que o tribunal lhe dirigiu, a exequente (…) não fez tal prova. De onde, sem mais, a conclusão a extrair é que não provou a integração da executada em PERSI e a extinção posterior do PERSI, pelo que terá a ação de ser extinta e a executada ser absolvida da instância (…)”

Revelando-se improcedente o recurso, as custas serão integralmente suportadas pela recorrente, por ter ficado vencida – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC

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III – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.

D.N.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2024
Rute Sobral
Higina Castelo
António Moreira
_______________________________________________________
[1] Proferido no processo  832/17.0T8MMN-A.E, disponível em www.dgsi.pt
[2] Proferido no processo nº 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[3] Proferido no processo 24105/19.5T8PRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt
[4] Proferido no processo nº 14235/15.8T8LRS-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt
[5] Proferido no processo nº 2457/22.0T8LRS-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt
[6] proferido no processo nº 2479/18.5T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt