Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9435/2007-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
ACESSÃO INDUSTRIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1- O objecto de uma acção de reivindicação é diverso do objectivo preconizado numa acção de demarcação, pois, enquanto naquela se reconhece o direito de propriedade, nesta pretende-se delimitar as estremas entre prédios confinantes.
2- Na reivindicação não é possível requerer que se delimite ou se determine confrontações de terrenos. Estes já estão devidamente definidos, pretendendo-se a sua restituição aos legítimos proprietários, se a ocupação for ilegal.
3- A presunção prevista no art. 7º. do CRP., respeita à propriedade do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial, mas não comprova a maior ou menor porção de terreno abrangido.
4- A acessão industrial imobiliária trata-se de uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão.
RG
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1-Relatório:
A autora, M intentou acção com processo ordinário contra a ré, F, pedindo a sua condenação a reconhecer que o prédio que lhe vendeu tem as características e a área definidas na escritura e a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio, com a consequente restituição de uma parcela de terreno, actualmente possuída pela ré.

Citada a ré, apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador no qual se julgaram improcedentes as excepções invocadas pela ré, tendo prosseguido os autos.

Na sequência de despacho proferido a fls. 464 dos autos, indeferindo a realização de uma segunda perícia, por se ter entendido não ser necessária, devido aos esclarecimentos já prestados pelos peritos e à possibilidade de outros em sede de julgamento, interpôs a ré recurso de agravo, concluindo nas suas alegações, em síntese:
- No que respeita ao quesito da A., os Senhores Peritos não mediram nenhuma parcela marcada no terreno (pois ela não existe, como admitem os mesmos), nem mediram nenhuma parcela assinalada na planta correspondente ao documento nº.1 da réplica (porquanto mediram uma parcela marcada pelos próprios numa fotocópia da planta de fls. 104).
- Nunca poderão os Senhores Peritos em sede de esclarecimentos orais a prestar em audiência final, esclarecer nada mais para além do que consta já nos autos, ficando sempre por apurar se a planta de fls. 104 e a planta de fls. 122 são ou não absolutamente idênticas, bem como ficará sempre por saber o sentido da resposta a conferir ao quesito da A.
- No que concerne ao 1º.quesito da R., a resposta dada pelos Senhores Peritos, não poderá conter qualquer tipo de contradição, pois tal quesito é essencial para prova da posição assumida pela R. nestes autos, nomeadamente, nos quesitos 32. ° a 35. ° da Base Instrutória.
- A resposta ao 1º.quesito da R., ora Recorrente, em termos técnicos, só poderá ser absolutamente positiva ou negativa, não podendo depender de determinados esclarecimentos orais dos Senhores Peritos, sendo tais eventuais esclarecimentos incapazes de sanar a contradição de base existente na resposta actual.
- Relativamente ao 2.° e 3.° quesitos da R., ora Recorrente, da Perícia realizada resulta que a faixa de terreno reclamada pela A., ora Recorrida, valia, em 14.02.85 (data em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda de fls. 16 a 19) 5 Euros/m2.
- Não obstante os esclarecimentos já solicitados pela R., ora Recorrente, os Senhores Peritos no Laudo de Esclarecimentos de fls. 433 a 435, não clarificam expressamente se na atribuição do referido valor € 5/m2, tiveram em consideração a, eventual, possibilidade da parcela em causa ter viabilidade de construção.
- É fundamental conhecer se os Senhores Peritos consideraram o Plano Director Municipal eventualmente existente, em 14.02.85, nessa data para a zona em que a parcela em causa se integra, na medida em que (i) se não tiveram em conta o referido factor, a avaliação efectuada carece de qualquer rigor face à realidade objecto dessa avaliação, (ii) se tiveram em conta o referido factor, importa saber o que esse plano previa, o que não resulta minimamente da perícia realizada.
- Qualquer das situações supra previstas, impõe a realização de Segunda Perícia capaz de responder com rigor ao quesito 3º.da R., ora Recorrente, tendo em consideração na avaliação a efectuar, entre outros, factos tão pertinentes como o PDM, existente em 14.02.85, e sendo capaz de explicar, através da competente documentação camarária, a importância do PDM para a avaliação em questão.
- No que respeita aos quesitos 4.° e 5.° da R., ora Recorrente, a Perícia realizada demonstra somente que os Senhores Peritos, pura e simplesmente, sem qualquer justificação plausível, não pretenderam responder aos mesmos.
- Quaisquer esclarecimentos que os Senhores Peritos prestem oralmente na audiência final, apenas poderão reportar-se à omissão de resposta a tais quesitos, ou seja, consistirão em esclarecimentos de uma omissão e não numa resposta activa, seja ela qual for, aos quesitos 4º.e 5º.da R, ora Recorrente.
- Da perícia realizada resulta que a (i) resposta dada ao quesito da A., ora Recorrida, é deficiente, obscura e até contraditória com os termos em que a pretensão da A. se encontra formulada; (ii) a resposta dada ao 1º. quesito da ora Recorrente é deficiente e contraditória (iii) a resposta dada ao 3, ° quesito da ora Recorrente é deficiente e não se encontra devidamente fundamentada (iv) a resposta dada aos 4. ° e 5. ° quesitos da ora Recorrente, não obstante ser uma "não resposta", é contraditória com as respostas dadas aos quesitos 2. ° e 3° da Recorrente.
- A Perícia realizada nos presentes autos e cujo resultado se encontra consubstanciado no Relatório e Laudo de esclarecimentos, equivale à não produção de prova pericial, o que não se prende com a questão das respostas dos Senhores Peritos às questões colocadas ser satisfatória ou insatisfatória para o interesse de qualquer uma das partes, prendendo-se sim com uma questão de ausência de verificação de produção de prova pericial, pelo facto das deficiências, obscuridades e contradições existentes nas "respostas" dos Senhores Peritos serem insanáveis mediante eventuais futuros esclarecimentos orais.
- Em todo o caso, ainda que os eventuais esclarecimentos dos Senhores Peritos pudessem, de alguma forma, contribuir para corrigir as deficiências da Perícia realizada, a verdade é que o Tribunal a quo, confunde a questão da prestação de esclarecimentos orais em audiência final, com a efectiva necessidade de realização de Segunda Perícia (artigo 589.º do CPC).
- O Despacho recorrido, ao não admitir a realização da Segunda Perícia acabou por vedar à Recorrente um direito que lhe assistia - um meio de prova (e contra-prova), podendo efectivamente tal decisão influir na boa decisão da causa.
- A Decisão Recorrida ao indeferir o requerimento de realização de Segunda Perícia apresentado pela R., ora Recorrente, violou o disposto no artigo 388º.do Código Civil e artigo 589º.do Código de Processo Civil.

Contra-alegou a agravada, pugnando pela manutenção do decidido.

Já em sede de julgamento, interpôs a ré recurso de agravo, do despacho concernente à confissão resultante dos depoimentos de parte, concluindo nas suas alegações, em síntese:
- O objecto do presente agravo cinge-se apenas à confissão da R., ora Recorrente, consignada no douto Despacho recorrido, designadamente, à parte seguinte: "Consigna-se ainda que a ré declarou quanto ao parágrafo 2.° que quando negociaram inicialmente não havia marcas físicas a dividir o prédio inicial".
- No que respeita aos factos vertidos no citado quesito 2. ° e no âmbito do interrogatório efectuado pelo Meritíssimo Juiz a quo, a Recorrente apenas referiu que "quando viu a propriedade pela primeira vez era uma única propriedade".
- Em instâncias do Ilustre Mandatário da Recorrida sobre o mesmo quesito, foi apenas perguntado à Recorrente se ´´Quando viu pela primeira vez a propriedade havia algumas marcas a delimitar as duas zonas?" ao que a esta respondeu "não".
- Em primeiro lugar, as citadas respostas da Recorrente ao Meritíssimo Juiz a quo e ao Ilustre Mandatário da Recorrida não se reportaram aos factos constantes do quesito 2° da Base Instrutória, porquanto o momento que aí releva é o momento em que a Recorrida e a Recorrente "ajustaram o negócio e fixaram o preço, antes de se iniciar a preparação e discussão do texto do contrato-promessa de compra e venda" e não "a primeira vez em que a R. viu o prédio".
- Em segundo lugar, nas citadas respostas a Recorrente nunca mencionou as "negociações iniciais, pelo que ainda que se fizesse uma "ampla" interpretação dos factos vertidos no quesito 2. ° da Base Instrutora também não se poderia considerar confessado que "quando negociaram inicialmente não havia marcas físicas a dividir o prédio inicial.
- Aliás, o consignado quanto à confissão da R., ora Recorrente, é até contraditório com o depoimento da mesma na sua globalidade, no qual esta referiu, por mais de uma vez, que antes da celebração do contrato-promessa as partes já tinham efectuado a demarcação entre os dois imóveis.
- Assim, nunca poderão as citadas respostas da Recorrente, ou melhor o seu depoimento de parte, ser considerado como confissão dos factos vertidos no quesito 2. °da Base Instrutória.

Não houve contra-alegação.

Prosseguiram os autos, tendo vindo a ser proferida sentença, a qual julgou a acção e a reconvenção improcedentes e absolveu a ré e a autora dos respectivos pedidos.

Inconformadas, recorreram ambas as partes.

A)- Nas suas alegações, concluíu a autora em síntese:
- A causa de pedir, deduzida pela A., quer na sua formulação originária, quer na resultante da ampliação operada na réplica, ficou provada por documento autêntico e por se compor dos factos constantes das alíneas P) a X) da matéria assente.
- A matéria da impugnação deduzida pela R. não foi provada.
- Ainda que assim não fosse, a individualização de uma parcela de terreno com área diferente da autorizada seria nula.
- Os factos integrantes das excepções e das causas de pedir dos pedidos reconvencionais não se provaram.
- A douta sentença recorrida, ao julgar improcedente a acção, violou o disposto nos arts. 7º do Código do Registo Predial, 1316º do Código Civil, 27º. nº.1 do Dec-Lei nº. 289/73, de 6 de Junho, 60º do Dec-Lei nº. 400/84, de 31 de Dezembro e 672º do Código do Processo Civil.

B)- Concluíu a ré nas suas alegações, em síntese:
- Os quesitos 23.º e 27.º da Base Instrutória, deveriam ter sido considerados “provados”, como resulta do relatório pericial e dos depoimentos das testemunhas (…) devendo este Venerando Tribunal alterar a resposta aos mesmos nos termos pugnados.
- O reconhecimento do direito de propriedade da Recorrente sobre a faixa de terreno reclamada pela Recorrida encontra-se colocado em causa nos presentes autos.
- Através da decisão proferida na acção de demarcação que precedeu a presente acção de reivindicação, ficou definitivamente ultrapassada a questão da delimitação das confrontações dos prédios da Recorrida e da Recorrente.
- Existe uma divergência entre a área do imóvel que foi “efectivamente” vendida pela Recorrida à Recorrente e a área que foi objecto das declarações que aquelas efectuaram perante Notário no âmbito de escritura pública de compra e venda de imóvel outorgada em 14.02.85.
- Independentemente da referida divergência de áreas não poder legitimar, como exemplarmente se entendeu na douta sentença recorrida, que a Recorrida “fixe por si, as confrontações dos prédios” e, consequentemente, determine que aquela não possa “reivindicar a parcela concreta que identifica nos autos”, a verdade é que parece permanecer em aberto a questão do “título” através do qual a Recorrente adquiriu a área “excedente” de 5.895,51m2 à Recorrida.
-A aludida divergência de áreas, determina que seja reconhecido à Recorrente o seu direito de propriedade sobre a faixa de terreno em causa ou, de acordo com a fundamentação da sentença recorrida, o seu direito de propriedade sobre o imóvel com a área de 34.602,51m2.
- Se por hipótese se considerasse que o imóvel da Recorrente integra algum “terreno alheio”, seja o mesmo a parcela reclamada nos autos ou quaisquer outros 5.895,51m2 situados algures na sua propriedade, a verdade é que a Recorrente adquiriu o direito de propriedade sobre a referida parcela, por acessão industrial imobiliária.
- A resposta aos quesitos 20.º e 21.º da Base Instrutória comprova que a Recorrente “construiu obra em terreno alheio e fez nele plantações”.
- A resposta aos quesitos 17.º, 18.º, 19.º, 22.º, 24.º e 26.º comprova que as “construções e plantações” foram efectuadas de Boa Fé pela Recorrente.
- A resposta que deverá ser dada aos quesitos 23.º e 27.º por este Venerando Tribunal, comprova que as “construções e plantações” em causa aumentaram não só o valor da faixa de terreno reclamada pela Recorrida, como o valor da propriedade onde a mesma se insere.
- A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1316.º e 1340.º do Código Civil.

Contra-alegou a ré e requereu a ampliação do âmbito da apelação, concluindo, em síntese:
- Qualquer que seja a configuração jurídica dos pedidos formulados pela Recorrente nos autos, a presente acção deverá improceder pelo facto da “reivindicação” da faixa de terreno em causa pela Recorrente consubstanciar uma verdadeira situação de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.
- Da factualidade provada resulta a existência de uma “situação objectiva de confiança”, na medida em que, desde 1984, a Recorrente fez indubitavelmente crer à Recorrida que lhe vendia o prédio que esta actualmente possui, bem como fez crer à Recorrida que esta era proprietária desse mesmo prédio, nada fazendo supor dez anos depois a Recorrente viria a questionar tais factos.
- Da referida factualidade resulta ainda que a Recorrida efectuou investimentos com base nessa situação objectiva de confiança, os quais são irreversíveis, na hipotética eventualidade de algum dia a Recorrida poder ser condenada a “restituir” a parcela de terreno em causa à Recorrente.
- Da referida factualidade resulta ainda que a Recorrida, para além da situação objectiva de confiança criada pela Recorrente, estava de Boa Fé.
- Da factualidade provada resulta que a Recorrente quis vender à Recorrida a parcela de terreno que esta actualmente possui e que foi a Recorrente que entregou essa parcela à Recorrida.
- Assim, a “reivindicação” da parcela em causa pretendida pela Recorrente integra a previsão legal do artigo 334.º do Código de Processo Civil.
- As conclusões das alegações da Recorrente, que delimitam necessariamente o objecto da presente apelação, não se contêm no âmbito da decisão recorrida, pelo que o objecto do recurso em causa não se traduz na impugnação da douta sentença proferida nos autos.
- A causa de pedir em que se fundamentam os pedidos formulados pela Recorrente na acção não se encontra provada nos autos, não se encontrando assente qualquer facto que permita funcionar a presunção legal prevista no artigo 7.º do Código de Registo Predial e, consequentemente, a inversão do ónus da prova estipulada nos artigos 344.º n.º 1 e 350.º n.º 1 do Código Civil.
- A escritura pública mencionada na referida alínea da matéria assente, enquanto documento autêntico, prova apenas plenamente o que se passou perante o Notário, não abrangendo a força autêntica da escritura tudo o que nela se diz.
- A matéria de facto provada nos autos não permite concluir que o prédio que a Recorrente vendeu à Recorrida possui as características e área definidas na escritura pública referida na alínea A) da Matéria Assente.
- A presunção registral consignada no artigo 7.º do CRP não abrange quaisquer circunstâncias descritivas, designadamente, a área e confrontações do prédio.
- Não resulta também provado nos autos que a Recorrente seja proprietária de um terreno rústico com a área de 14.385m2.
- Não se verifica qualquer caso julgado formal relativamente à constituição de caso julgado na anterior acção de demarcação, porquanto no douto despacho saneador profere-se uma decisão superficial, e não substancial, a respeito dessa questão.
- A Recorrente não alegou na acção factos que sufragassem que a parcela de terreno reivindicada possui os limites assinalados no documento n.º 1 junto com a réplica aos autos, nem este se encontra assente nos autos, pelo que a referida parcela com a área de 5.895,51 m2 tanto poderá possuir os limites assinalados no referido documento, como quaisquer outros limites.
- Da conjugação da factualidade provada nos autos resulta que “as partes efectivamente negociaram a venda do prédio da ré com as confrontações que actualmente ambos os prédios apresentam”.

Respondeu a autora:
- A ampliação do âmbito do recurso é inadmissível, por falta de verificação dos pressupostos do art. 684.º-A do Código de Processo Civil.
- Não se verificam os pressupostos do abuso de direito, na invocada modalidade do venire contra factum proprium.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:

As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 684º, 690º. e 749º., todos do CPC.

Nos termos constantes do artigo 710º. do CPC., a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada.
No caso vertente, uma das partes, a ré, é simultaneamente apelante e apelada, tendo interposto igualmente dois agravos.
Porém, notificada esta nos termos e para os efeitos do disposto no nº. 2 do artigo 748º. do CPC., veio a mesma requerer que os seus agravos só sejam apreciados, apenas em caso de procedência da apelação interposta pela autora.
Destarte, apreciar-se-á desde logo o recurso de apelação da autora e só depois se analisará da pertinência ou não, do conhecimento dos agravos retidos. 

As questões a dirimir são as seguintes:
- No 1º.agravo: aquilatar da necessidade ou não da realização de uma segunda perícia.
- No 2º.agravo: analisar da confissão ou não dos factos vertidos no quesito 2º.da base instrutória, na sequência do depoimento de parte prestado.
- Na apelação da autora: aquilatar se quer a causa de pedir originária quer a resultante da ampliação operada na réplica ficaram apuradas, tendo a sentença recorrida violado normativos legais.
- Na apelação da ré: analisar da correcta ou incorrecta resposta dada aos quesitos 23º. e 27º. da B.I., bem como, se houve ou não aquisição da parcela de terreno por acessão industrial imobiliária.

A matéria de facto delineada na 1ª. Instância foi a seguinte:
A - Por escritura pública outorgada em 14 ele Fevereiro de 1985, no 2º Cartório da Notarial de Cascais, a autora declarou vender à ré e esta declarou comprar o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 3238 do Livro B-10 com a seguinte composição: prédio urbano sito na Quinta da Charneca, freguesia e concelho de Cascais, inscrito na matriz (…), conforme documento de fls. 15 a 19.
B. A autora e a ré tinham, em 31 de Outubro de 1984, subscrito documento particular, intitulado Contrato-Promessa de Compra e Venda, junto a fls. 22 a 24.
C. Nesse documento, a autora declarou que prometia vender à ré e esta que prometia comprar-lhe o prédio identificado em A..
D. O teor desse documento vinha sendo objecto de negociações entre as partes desde, pelo menos, Junho de 1984.
E. Quando essa negociação teve início, a parte rústica do prédio identificado em A. não fora, ainda, desanexada do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais (…), que tinha a área total de 43.092 m2.
F. Em Maio de 1984, a autora requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Cascais a passagem da certidão junta por cópia a fls. 33 a 36.
G. A ré vira o terreno que veio a ser objecto da venda titulada pela escritura referida em A. antes de o mesmo estar desanexado da descrição nº 3234.
H. A Quinta da Charneca tinha, antes da escritura referida em A., a área de 43.092 m2, pelo que, deduzida a área de 23.707 m2 do prédio vendido à ré, ficaria com a área de 14.385 m2.
I. Em virtude do terreno da ré, tal como demarcado, ter efectivamente uma área de 34.602,51 m2, a parcela remanescente da Quinta - a descrição nº 3234, actual ficha nº 05105, de Cascais - ficaria, apenas, com 8.489,49 m2.
J. Ambos os terrenos – o vendido e o remanescente – constituem logradouros de prédios urbanos, não tendo qualquer utilização agrícola, tendo como única aptidão a construção, se autorizada, ou a de espaço de recreio e de privacidade das construções existentes.
L. As construções existentes são moradias unifamiliares e situam-se numa zona de grande procura, onde são praticados preços de venda e arrendamento dos mais elevados do mercado português.
M. Por esse motivo, a diferença de 6.000 m2, num caso para mais e noutro para menos, confere a cada um dos ditos terrenos, não só um valor radicalmente diferente no mercado imobiliário, como inclui cada um deles em categoria comercial distinta da que seria a sua sem a diferença.
N. Por outro lado, o destaque de uma parcela de 28.707 m2, retirada do prédio rústico descrito sob o nº 3234, teve lugar em 1984.
O. A autora propôs contra a aqui ré uma acção especial que correu termos com o nº 6155/94 cm que foi proferida a sentença confirmada por acórdãos da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça conforme consta de fls. 222 a 215.
P. Por escritura pública outorgada em 14 de Março de 1957 no Cartório Notarial de Cascais, N declarou que comprara a J e outros que declararam vender o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial (…), conforme documento de fls. 246 a 252.
Q. A aquisição foi inscrita definitivamente a favor da compradora na Conservatória do Registo Predial de Cascais (…), conforme certidão de fls. 270 a 281.
R. Em 22 de Abril de 1964, por escritura outorgada no 2º Cartório da Notarial de Cascais, A declarou comprar a N, que declarou vender o prédio referido em P., tendo esta aquisição sido inscrita definitivamente a seu favor (…), conforme documento de fls. 254 a 260.
S. Em 3 de Abril de 1981, por escritura lavrada no 20º Cartório Notarial de Lisboa, a autora declarou comprar o dito prédio a A, que declarou vendê-lo, tendo a inscrição dessa aquisição sido definitivamente efectuada a seu favor (…), conforme certidão de fls. 262 a 267.
T. Durante todo o período compreendido entre a compra do prédio por N, em 14 de Março de 1957, e a celebração da escritura entre a autora e a ré, em 14 de Fevereiro de 1985, todos os adquirentes do dito prédio agiram relativamente ao mesmo como seus donos, residindo na casa que constitui a sua parte urbana, reparando e conservando a mesma, instalando nela as suas mobílias, cuidando do jardim, plantando e semeando as espécies que o integram, reparando e substituindo vedações e portas, recrutando pessoal para realizar as operações antes mencionadas, recebendo visitas, pagando contribuições e taxas.
U. Durante todo o mesmo período os adquirentes supra referidos foram considerados pela generalidade das pessoas, designadamente pelos vizinhos e pelos habitantes da povoação próxima como donos do prédio.
V. O referido em T. teve lugar por forma a ser constatado por toda a gente e nunca foi objecto de oposição ou objecção por quem quer que fosse, tendo cada um dos adquirentes iniciado o descrito procedimento com respeito ao prédio após a entrega do mesmo pelo anterior dono.
X. O mencionado procedimento foi adoptado e mantido com a intenção, por parte dos indicados adquirentes, de agir como donos do prédio.
Z. Quando em 1985 a ré entrou na posse da referida parcela de terreno, jamais podia supor que lesava qualquer eventual direito da autora.
AA. Foi a própria autora que, em virtude da escritura pública e demarcação efectuadas, entregou à ré um terreno com 34.602,51 m2.
BB. A planta que constitui o anexo 2 do contrato de promessa de fls. 22 a 24 é a que consta do documento constante de fls. 24.
CC. Na acção especial referida em O., a ré foi citada no dia 4 de Outubro de 1994, conforme certidão de fls. 287 e 288.
DD. Mostra-se inscrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, o prédio rústico com 28.707 m2 sito no Lugar da Charneca, freguesia e Conselho de Cascais, a confrontar do norte com caminho denominado “Passo Mau”, do sul com M, do nascente com baldio de As e do poente com serventia, rio e Casal.
EE. Pela apresentação nº 13 de 3 de Julho de 1984 foi inscrito que o prédio 29.217 fica anexado ao prédio urbano descrito sob o nº 3238 a fls. 78vº do Livro B-10, formando um só prédio com área total de 28.920 m2.
FF. Mostra-se descrito com o nº 3.238, a fls. 78, do Livro B-10, o prédio urbano — Quinta da Charneca, C…com parte abarracada e um corpo central, área coberta de 13 m2, logradouro com 28.707 m2.
GG. Pela apresentação 05/060585 foi inscrita a aquisição do prédio referido em AF. a favor de F, por compra a M.
HH. Quando a autora e a ré ajustaram o negócio e fixaram o preço, antes de se iniciar a preparação e discussão do texto do contrato-promessa de compra e venda, a parte rústica do prédio identificado em A. ainda fazia parte da citada descrição nº 3234 e não estava nele fisicamente assinalada por marcos a futura linha divisória.
II. Em data incerta de 1985, foi efectuada uma demarcação com estacas do terreno vendido à ré na sua confrontação com aquele que permaneceu pertencente à autora.
JJ. A ré possui, desde 1985, a referida parcela de terreno agindo, desde então na convicção de ser sua proprietária.
LL. Durante muitos e muitos anos nunca reclamou a autora da ré a parcela de terreno, com 5.895,51 m2 em causa nos autos.
MM. A ré sempre agiu totalmente convencida do seu direito de propriedade sobre a área de terreno em causa.
NN. A ré deu início, logo após a aquisição do prédio, à plantação de bastantes árvores e arbustos, especialmente, junto às extremas entre as propriedades da autora e da ré, que se localizam numa encosta.
OO. Bem como à construção de um caminho de acesso à moradia integrada no terreno comprado à autora.
PP. Os factos referidos em NN. e OO. foram praticados pela ré na convicção de não lesar direito de outrem e convencida do seu direito de propriedade do terreno em causa.
QQ. A autora teve conhecimento da plantação e construção da estrada de acesso efectuadas pela ré logo após a celebrarão da escritura pública.
RR. Sem que a autora se tivesse oposto de alguma forma, quer em 1985, quer nos anos seguintes.
SS. A ilustre mandatária remeteu à Agência Imobiliária a carta que consta de fls. 103.
TT. Aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda, a autora tinha conhecimento que o prédio rústico já se encontrava destacado da descrição 3234.
UU. A autora estava presente aquando da colocação das estacas referida em

II.
Vejamos:
A)-Recurso de apelação da autora:
Insurge-se a autora relativamente à sentença proferida, atento o entendimento de que as suas invocadas causas de pedir lograram ficar provadas, contrariamente, ao sucedido com a impugnação, excepções e as causas de pedir formuladas pela ré no pedido reconvencional.
As causas de pedir alegadas na acção, reportam-se à presunção derivada do registo predial, constante de documento autêntico e à aquisição do direito de propriedade, por usucapião, constante das alíneas P) a X) da matéria assente.
Ora, compulsada a sentença proferida, dir-se-á desde logo que, não faz sentido a preocupação da autora relativamente ao desfecho do pedido reconvencional da ré, uma vez que o mesmo não obteve qualquer êxito, não lhe sendo, por isso, desfavorável a decisão, nesta parte.
Assim, o que é pertinente analisar é o conteúdo da sentença, na parte a que se reporta directamente à pretensão da autora e que de acordo com a delimitação do recurso, diz respeito à presunção de registo e à aquisição originária da propriedade, bem como, à questão do caso julgado formal. 
A causa de pedir na lide reivindicatória é complexa consistindo no facto jurídico de que deriva o direito de propriedade, materializado este na alegação de uma das formas originárias de adquirir, ou na existência de uma presunção registral, exigindo-se a alegação e prova da ocupação abusiva e da coincidência entre a coisa reivindicada e a efectivamente detida.
No caso concreto, o litígio reporta-se a uma parcela de terreno muito específica, pretendendo a autora com as pretensões formuladas nos autos, que se reconheça que o prédio que vendeu à ré tem as características e área definidas na escritura de compra e venda, reconhecendo-se o seu direito de propriedade sobre o mesmo, com a consequente condenação da ré a restituir-lhe uma área de 5.895,51 m2.
Pretende a autora que esta área seja reconhecida como fazendo parte do seu prédio, o que implicaria que se aceitassem as confrontações que a mesma descreve.
Ora, o que se diz na sentença recorrida é que, «ambas as partes pretendem que se reconheça que do seu prédio faz parte a parcela de terreno em causa, com as confrontações que cada uma lhes assinala. Porém, tal não pode ser efectuado através da presente acção, mas somente através da acção de demarcação que a autora já intentou e que foi julgada improcedente. A autora não reivindica a parcela de terreno, mas sim o prédio com determinadas confrontações, o que já pedira na acção de demarcação»
Com efeito, o objecto de uma acção de reivindicação é diverso do objectivo preconizado numa acção de demarcação, pois, enquanto naquela se reconhece o direito de propriedade, nesta pretende-se delimitar as estremas entre prédios confinantes.
Na reivindicação não é possível requerer que se delimite ou se determine confrontações de terrenos. Estes já estão devidamente definidos, pretendendo-se a sua restituição aos legítimos proprietários, se a ocupação for ilegal.
Na acção de reivindicação não se requer o reconhecimento de um prédio cujas áreas não estejam devidamente delineadas e em que se pretenda que o tribunal defira tal desiderato.
O que aqui sucede é que a autora pretende reivindicar uma parcela de terreno, integrando-a no seu imóvel, mas definindo ela própria as confrontações que assinala, como sendo inquestionáveis.
Ora, a determinação das confrontações já foi objecto de uma acção de demarcação, a qual não obteve qualquer sucesso desde a 1ª. instância até ao STJ., nada legitimando agora que através de uma acção de reivindicação se persista na mesma questão, o que, como já se aludiu não é a vocação destas acções.
Não há que falar aqui em violação de caso julgado formal, nos termos exarados no artigo 672º. do CPC.
Quando foi proferido nos autos o respectivo despacho saneador, entendeu-se não existir a excepção de caso julgado, uma vez que na acção de demarcação intentada e na presente, não havia identidade do pedido e da causa de pedir.
No caso vertente, não se diz na sentença recorrida que o pedido aqui seja o mesmo. O que se diz é que a autora não reivindica uma parcela de terreno, mas sim o prédio com determinadas confrontações e essas confrontações é que já tinham sido alvo da pretensão formulada naquela outra acção que claudicou, não sendo, por isso possível, apreciar as confrontações de uma faixa de terreno, a reboque da reivindicação de um prédio a que se pretenda aditar aquela.
É que se houvesse uma certeza da localização da parcela em causa, dúvidas não se suscitariam relativamente à apreciação do pedido reivindicatório.
Mas, não tendo a autora logrado demonstrar que a parcela em litígio correspondia àquela que assinalou no documento que juntou, nem que a ré a ocupe indevidamente, o que resta é equivalente ao que já tinha formulado na demarcação e daí que se diga, como na sentença recorrida «A autora nada mais pede que o mesmo que já pretendia, o que não é aceitável».
Até à prolação da sentença nos autos, não tinha havido qualquer conhecimento de fundo, mas tão só um mero conhecimento de uma excepção de caso julgado que foi afastada, pelos fundamentos supra aludidos, nada se conhecendo em termos substanciais.
Ora, não havendo um conhecimento de mérito não há que falar em caso julgado formal.
Assim, não há qualquer violação do art.672º. do CPC., decaindo nesta parte, as conclusões do recurso apresentado.

Invoca também a autora dispôr a seu favor, de uma presunção do registo e de uma escritura pública, enquanto documento autêntico, que constituem suporte da sua pretensão.
Ora, não podemos deixar de ter presente que o que aqui está em disputa é apenas uma faixa de terreno, ou seja, existe prova do direito de propriedade da autora, mas não existe prova da extensão ou limitação rigorosa do espaço físico do prédio, das suas estremas, em suma, se o prédio integra ou não aquela parcela em litígio.
Ambas as partes têm registado a seu favor a aquisição dos seus prédios, mas não consta da factualidade apurada nos autos, quais as respectivas áreas componentes, ou seja, não ficou demonstrado se quando as partes efectuaram o negócio, a parcela de terreno em causa estava devidamente determinada e aceite sem dúvidas, nem se o documento junto pela autora na réplica, correspondia ou não aos limites daquela.
Não ficou de igual modo determinado, que o prédio vendido fosse constituído por uma área de 14.385m2, fazendo parte do mesmo a parcela com a área de 5.895,51m2, em suma, a divergência relativamente às áreas manteve-se.
A presunção prevista no art. 7º. do CRP., respeita à propriedade do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial, mas não comprova a maior ou menor porção de terreno abrangido.
Conforme se alude no Ac. do STJ. de 28-6-2007, in http://www.dgsi.pt.«As presunções registrais emergentes do art. 7º. do Código do Registo Predial, não abrangem factores descritivos, tais como as áreas, limites e confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que com os elementos identificadores do prédio se relacione».
O registo da propriedade respeita a factos jurídicos causais dos direitos reais mas já não à sua materialidade, à composição física dos prédios (cfr. Acs. do STJ. de 12-1-2006 e 19-2-2004, in http://www.).
Deste modo, falece de razão também esta argumentação expendida.
Por último, pretende a recorrente que, atenta a natureza de documento autêntico que uma escritura pública representa, a matéria de facto constante da alínea A) dos factos assentes, permite concluir que o imóvel vendido à ré tinha as características e áreas ali descritas.
Ora, os documentos autênticos só fazem prova plena quanto à materialidade das declarações neles exaradas, mas não quanto à sua sinceridade, à sua veracidade ou à falta de qualquer outro vício ou anomalia (cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pág. 211).
Com efeito, a prova documental tem que ser articulada com a globalidade dos restantes elementos probatórios.
A escritura em causa só por si nada demonstra, sob pena de apenas a mesma ser suficiente para dirimir o litígio.
Incumbia à autora articulá-la com outros elementos, com o objectivo de demonstrar e provar a sua posição, de acordo com o ónus que sobre si pendia.
Porém, os factos controvertidos e pertinentes para tal, não ficaram devidamente apurados e os que se provaram não permitem extrair as conclusões pretendidas pela recorrente.
Destarte, nenhum reparo nos merece a sentença recorrida, a qual não violou qualquer preceito legal, decaindo na totalidade as conclusões da apelação da autora.

Atenta a improcedência do recurso da apelação interposto pela autora, nos termos constantes do nº 1, in fine, do art. 710º. do CPC., não se apreciarão os recursos de agravo interpostos pela ré.

B)-Recurso de apelação da ré:
Pretende a recorrente a alteração das respostas atribuídas aos quesitos 23º. e 27º.da base instrutória, no sentido de os mesmos serem considerados como provados.
Nos termos constantes do artigo 655º.do CPC., vigora no nosso ordenamento jurídico, o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
Perante o disposto no art. 712º. do CPC., a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a verificação de um erro de apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, que tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante (cfr. Ac. RL. de 26-6-03, in http://www.dgsi.pt.).
Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao Tribunal da Relação para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto.
(…)
É evidente que qualquer parcela de terreno terá sempre um valor. E a respeito de um valor concreto, o que os senhores peritos disseram foi que desconheciam como se encontrava o terreno na data da escritura pública, pelo que nada podiam concretizar.
Com efeito, sempre que se impugne a matéria de facto, incumbe ao recorrente observar o ónus da discriminação fáctica e probatória, ou seja, especificar obrigatoriamente, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo da gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados de modo diferente.
Ora, a ré limitou-se a apresentar passagens da gravação desgarradas do contexto, para mostrar desagrado com o julgador.
Porém, não só aqueles excertos não alcançaram o seu escopo, como inclusivamente vieram reforçar a convicção já formulada.
A matéria de facto apurada reflecte a prova efectivamente produzida.
O juiz tem que fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da sua segurança e da forma como se exteriorizam.
Mas, uma coisa é a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, que se compreende mas não se acolhe é a vontade subjectiva da parte no sentido de alcançar a sua própria verdade.
A modificação da matéria de facto só se justifica quando haja um erro evidente, na sua apreciação.
Contudo, no caso vertente, o reexame das provas produzidas, não conduz a qualquer outro resultado que não o apurado nos autos, nada justificando que os quesitos em apreço passem de não provados a provados.
Assim, manter-se-ão os mesmos inalterados, decaindo nesta parte a pretensão da ré.

Pretende ainda a recorrente que se reconheça que adquiriu o direito de propriedade sobre a parcela, por acessão industrial imobiliária, independentemente daquela poder ou não integrar terreno alheio.
A acessão industrial imobiliária trata-se de uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão.
Ora, do disposto no artigo 1340º. do Código Civil resulta que são requisitos substantivos cumulativos da acessão industrial imobiliária : a incorporação consistente no acto voluntário de realização da obra, sementeira ou plantação; a natureza alheia do terreno sobre o qual é erguida a construção; a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação; a formação de um todo único entre o terreno e a obra; o maior valor da obra relativamente ao terreno; e a boa fé do autor da incorporação (cfr. Ac. STJ. de 22-6-2005, in http://www.dgsi.).
Da análise da materialidade fáctica apurada, não resulta a conjugação de todos os pressupostos conduzentes a tal forma de aquisição.
Com efeito, falta desde logo o apuramento de um valor, ou seja, em que medida foi ou não valorizada a parcela onde foram efectuadas plantações ou construções, ou a propriedade onde aquela se insere.
Como se alude no Ac. STJ. de 6-7-2006, in, http://www., o valor da justa indemnização tem de ser encontrado face ao valor que o prédio tinha antes de nele ser incorporada a obra ou plantação e o valor actualizado perante a incorporação.  
A aquisição por acessão ocorre no momento da verificação dos factos respectivos.
Assim, não se verificando tal elemento, afastada fica desde logo a pretensão requerida pela ré.
Destarte, não foram violados os arts. 1316º e 1340º, ambos do Código Civil, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado.

Por último veio a ré requerer a ampliação do recurso, nos termos constantes do nº.1 do art.684º-A do CPC., invocando abuso de direito por banda da autora.
Face a tal normativo «No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaíu, desde que esta requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação».
O recurso de apelação interposto pela autora não obteve qualquer êxito, conforme resulta da fundamentação explanada, na respectiva parte pertinente.
Quer nos fundamentos da acção quer nos da defesa, não foi suscitada a questão do abuso de direito, nem a mesma foi conhecida na sentença proferida.
O tribunal só investiga e decide as questões que as partes lhes submetem, nos termos exarados nos artigos 264º e 660º, nº2 ambos do CPC.
O facto invocado pela ré, no sentido de que sufragou uma situação de abuso de direito, aquando da discussão do aspecto jurídico da causa, não releva para os presentes efeitos, pois, o objecto do litígio fica delineado na fase dos articulados.
Assim, não se tratando de matéria em que a parte vencedora decaiu, nem sendo de conhecer a título subsidiário, não se encontram preenchidos os pressupostos legais para a admissibilidade da requerida ampliação e, por isso, não se conhecerá da mesma.

3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação da autora e improcedente a apelação da ré, mantendo-se a sentença proferida.

Custas em ambas as apelações a cargo das respectivas recorrentes.   

Lisboa, 22-1-2008
Maria do Rosário Gonçalves
Maria José Simões
José Augusto Ramos