Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4877/23.3T8VNG.L1-8
Relator: OCTÁVIO DOS SANTOS DIOGO
Descritores: ACÇÃO POPULAR
ERRO DO CONSUMIDOR
PUBLICIDADE EM FOLHETO
INDEFERIMENTO LIMINAR
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A Ré ao continuar, depois de expirado o período da promoção, a anunciar o preço mais baixo do que o que vai cobrar na caixa, está a induzir em erro o consumidor, a Ré está a fazer publicidade enganosa.
2. Ainda que no citado site conste o folheto em que a Ré publicita as promoções para a semana de 6 a 12 de junho de 2023, e do mesmo resulte que o preço mais baixo indicado era válido apenas à quinta-feira, não pode, sem mais, dar-se por assente que os consumidores conheciam esse folheto.
3. Para uma formação livre e consciente da vontade dos consumidores, não basta demostrar que existia esse folheto, é necessário a prova do conhecimento desse folheto pelos consumidores.
4. A decisão de indeferimento liminar da ação com base na sua manifesta improcedência, está reservada às situações de evidente e absoluta certeza jurídica de que os fundamentos invocados nunca poderiam proceder qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos factos alegados e preceitos legais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.
A [ … Association ] - devidamente identificada nos autos - veio instaurar a presente acção popular, sob a forma comum, contra B  [ …..– Distribuição Alimentar, S. A.]  (devidamente identificada nos autos ), alegando, em síntese, ser uma associação de defesa dos consumidores e que a Ré, na sua sucursal sita na Rua Quinta do Castro, …, em Vila Nova de Gaia, vendeu bolachas “ cookies “, marca Pingo Doce e “ Pintarolas “, no dia 9.6.2023, a preço superior àquele que se encontrava divulgado quanto a tais produtos, cometendo um crime de especulação e violando regras da concorrência, tudo em prejuízo dos consumidores, os quais sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais com a sua conduta, danos que deverão ser ressarcidos.
Concluiu pela procedência da ação e ser declarado que a ré:
A. teve o comportamento descrito no §3 supra;
B. violou qualquer uma das seguintes normas:
1. artigo 35 (1, c), do decreto lei 28/84; 2. artigos 6, 10, 11 (1), 12, do decreto lei 330/90; 3. artigo 311 (1, a, e), do decreto lei 110/2018; 4. artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1, b, d), 9 (1, a), do decreto lei 57/2008; 5. artigos 3 (a) (d) (e) (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2), da lei 24/96; 6. do artigo 11, da lei 19/2012; 7. artigos 6, 7 (1) (2) e 8, da diretiva 2005/29/CE; 8. artigo 3, da diretiva 2006/114/CE; 9. artigos 2 (a) (b), 4 (1), da diretiva 98/6/CE; 10. artigo 102, do TFUE;
C. especulou nos preços das embalagens de bolachas cookies, marca Pingo Doce, 150 g, e chocolates, marca Pintarolas (Imperial), 40 g na sua sucursal, localizada em Rua Quinta do Castro, …, 4400-711, Vila Nova de Gaia, distrito do Porto;
D. publicitou enganosamente o preço das embalagens de bolachas cookies, marca Pingo Doce, 150 g, e chocolates, marca Pintarolas (Imperial), 40 g, na sua sucursal localizada em Rua Quinta do Castro, …, 4400-711, Vila Nova de Gaia, distrito do Porto;
E. teve o comportamento supra descrito em qualquer um dos pedidos anteriores e que o mesmo é ilícito e 1. doloso; ou, pelo menos, 2. grosseiramente negligente;
F. agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares;
G. com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores;
H. causou e causa danos aos interesses difusos de proteção do consumo de bens e serviços, sendo a ré condenada a reconhece-lo.
e em consequência, de qualquer um dos pedidos supra, deve a ré ser condenada a:
I. a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobrepreço, seja a titulo doloso ou negligente, em montante global:
1. a determinar nos termos do artigo 609 (2), do CPC;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
J. subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em 0,3 euros e 0,23 euros por cada embalagem de Bolachas cookies, marca Pingo Doce, 150 g, e chocolates, marca Pintarolas (Imperial), 40 g, respetivamente vendida na sua sucursal, com estabelecimento localizado em Rua Quinta do Castro, ….., 4400-711, Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, durante, pelo menos, entre 23.05.2023, às 08h00, e 09.06.2023, às 16h20 (portanto, durante 18 dias seguidos, senão mais);
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
K. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4), do CC, mas nunca inferior a 1 euro por autor popular;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
L. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares, in casu, todos os consumidores em geral, medidos por agregados familiares privativos, pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global:
1. nos termos do artigo 9 (2), da lei 23/2018, ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca menos que 1 euro por autor popular, in casu, agregados familiares privativos;~
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
M. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente tiver ou venha ainda a ter com o processo e com eventual incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3), do CPC, como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexa e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento o litígio (litigation funding) que venha a ser obtido pela autora interveniente23;
N. porque o artigo 22 (2), da lei 83/95, estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que A , agindo como autora interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2), do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes.
subsidiariamente, e nos termos do §4 (m), :
Em face do elevado número de processos judiciais intentados pela a aqui autora e a complexidade dos mesmos, provocados pelas várias exceções invocadas pelos réus nesses processos, e a necessidade de obter consultoria jurídica e pareceres de professores catedráticos, a autora encontra-se neste momento a negociar o financiamento de vários litígios com várias entidades, incluindo o presente. Assim que a autora tiver celebrado o contato de financiamento do presente litígio, informará o processo das condições do mesmo.
O. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, subsidiariamente, para o caso de não se aplicar nenhum dos casos supra, deve ser considerado mediante o instituto do enriquecimento sem causa e os autores populares indemnizados pelo sobrepreço cobrado, tal como sustentando em § 4 (m) supra.
em qualquer caso, deve:
P. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, sempre deve ser considerado com abuso de direito e, em consequência, paralisado e os autores populares indemnizados por todos os danos que tal comportamento lhes causou;
requer-se ainda que Vossa Excelência:
Q. decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;
R. decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 16, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;
S. seja publicada a decisão transitadas em julgado, a expensas da ré e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados, apesar de tal decorrer expressamente do artigo 19 (2), da lei 83/95, sem  necessidade de entrar no pedido, e com o aviso da cominação em multa de € 100.000 (cem mil euros) por dia de atraso no cumprimento da sentença a esse respeito;
T. declare que a autora interveniente tem legitimidade para representar os consumidores lesados na cobrança das quantias que a ré venha a ser condenada, nomeadamente, mas não exclusivamente, por intermédio da liquidação judicial das quantias e execução judicial de sentença;
U. declare, sem prejuízo do pedido imediatamente anterior, que a ré deve proceder ao pagamento da indemnização global a favor dos consumidores lesados diretamente à entidade designada pelo tribunal para proceder à administração da mesma tal como requerido em infra em §16, fixando uma sanção pecuniária compulsória adequada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) por cada dia de incumprimento após o trânsito em julgado de sentença que condene a ré nesse pagamento;
V. declare uma remuneração, com uma taxa anual de 5 % sobre o montante total da indemnização global administrada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) nos termos do requerido infra em §16, a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar;
W. declare que a autora interveniente tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de procuradoria, relativamente a todos os custos que teve com a presente ação, incluindo honorários com todos os serviços prestados, tanto de advogados, como de técnicos especialistas, como com a obtenção e produção de documentação e custos de financiamento e respetivo imposto de valor acrescentado nos termos dos artigos 21 e 22 (5), da lei 83/95, sendo tais valores pagos exclusivamente daquilo que resultarem dos montantes prescritos nos termos do artigo 22 (4) e (5), da lei 83/95.
X. declare a autora interveniente isenta de custas;
Y. condene a ré em custas.
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Na sequência do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, a quem havia sido distribuído o presente processo, se ter declarado incompetente, em razão do território, foram os autos distribuídos ao Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 10  que, por despacho liminar de 28/11/2023, indeferiu liminarmente a petição inicial, por ter entendido ser manifesta improcedência da presente lide.
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Inconformada com a decisão que indeferiu a liminarmente a petição inicial veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, pedindo que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, ordenando que os autos voltem à primeira instância, devendo a ação prosseguir os seus ulteriores termos, tendo, após alegações, apresentado as seguintes conclusões:
1. Os autores populares, ora apelantes, notificados da douta sentença proferida nos presentes autos e não se conformando com a mesma, vêm interpor recurso de apelação, sobre a matéria de facto e de direito, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 644 (1,a) e 647 (1), todos do CPC.
2. O tribunal a quo, ponderada toda a matéria de facto e de direito, decidiu julgar improcedente a ação, indeferindo a mesma, por considerar ser manifestamente improvável a procedência do pedido (cf. artigo 13 da Lei 83/95).
3. Tal juízo liminar, foi sustentado no entendimento que a ação é manifestamente inviável por:
a) os produtos cujo valor cobrado no momento do pagamento era superior ao preço marcado nos mesmos estava fora do período promocional anunciado e por isso, o preço mais baixo anunciado não era mais válido, para assim entender que a ré não cometeu qualquer ilícito e muito menos o de especulação de preços;
b) teria de ser demonstrado que os consumidores não optariam por esses produtos (em vez de outros da concorrência) em função do preço, para que ação fosse viável;
c) falta a homogeneidade aos interesses da classe, porque a ré, eventualmente, poderia alegar defesas diversas (sem contudo indicar quais);
d) estaremos perante abuso direito (pelo menos assim parece) quando considera que a representante da classe, em caso de procedência, poderia vir a receber a título de remuneração pela gestão da pretensa superior ao peticionado em nome dos próprios alegados consumidores lesados pela ré – esquecendo-se, contudo, que a representante de classe prescindiu de qualquer remuneração que lhe fosse devida, caso fosse a mesma nomeada a administrar e eventual indeminização global (cf. página 84 da petição inicial, onde tal está destacado a negrito, sublinhado e em letra maior do que o restante texto).
4. Ressalvado o devido respeito, que é o maior, o tribunal recorrido decidiu sem o acerto e ponderação que se lhe exigia o caso sub judice.
5. As questões a resolver circunscrevem-se a saber se:
a) não estamos perante um comportamento da ré que consubstancia publicidade enganosa e especulação de preços, suscetível de enganar os consumidores quanto ao preço dos produtos adquiridos, quando tais preços, apesar de constarem na prateleira a um preço inferior aquele que é cobrado no momento do pagamento, estão fora do período promocional anunciado;
b) seria necessário demonstrar os consumidores não optariam por esses produtos (em vez de outros da concorrência) em função do preço, para que ação fosse viável;
c) existe falta de homogeneidade nos interesses da classe, perante a hipótese, desconhecida, da ré poder invocar diferentes defesas;
d) é abuso direito a representante da classe requerer o pagamento de uma remuneração a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar, nomeadamente à Direcção-Geral do Consumidor, e com exceção da própria representante da classe que declarou desde logo prescindir de tal remuneração mesmo que fosse esta a designada pelo tribunal para esse efeito.
6. O tribunal a quo não deu como provados ou não provados quaisquer factos, mas extraiu ilações que, na verdade, são presunções judiciais que extraiu de factos conhecidos (e outros que nem sequer provados foram ou são desconhecidos). Tais presunções, reconduzem a factos presumidos que constam na sentença e que, no entendimento dos autores, salvo sempre o devido respeito, padecem de ilogicidade e em alguns casos partem mesmo de factos que não estão provados, pelo que têm de ser considerados incorretamente julgados.
7. Assim, para cada um desses factos concretos (3) que se considera incorretamente julgado, foram apontados os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impõe uma decisão diversa de tais factos [cf. artigo 640 (1, a, b), do CPC] e indicada a decisão que, em nosso entender, deve ser proferida sobre tais questões impugnadas [cf. artigo 640 (1, c), do CPC], tal como consta no §2, que aqui se dá como totalmente reproduzido por uma questão de proficiência e evitando umas conclusões prolixas.
8. Sem prejuízo, sempre se dirá que o:
a) Facto 1 – Visibilidade da Promoção Pintarolas: o tribunal considerou incorretamente que a data da promoção do produto Pintarolas era claramente visível no letreiro de preços. Argumenta-se que a visibilidade era insuficiente, destacando-se a dificuldade dos consumidores em ler informações cruciais devido ao tamanho pequeno das letras e a posição dos letreiros, sendo que por isso tal facto deve ser dado como não provado.
b) Facto 2 - Preço Pós-Promoção: O tribunal a quo, salvo o devido respeito, errou ao concluir que o preço após a promoção era necessariamente o mesmo que o preço que se encontrava riscado no letreiro e com a menção de ANTES.  Argumenta-se que a flutuação normal dos preços e o facto do preço estar riscado indicam que tal preço não levaria o consumidor a presumir que seria esse o preço válido após o término da promoção, caso do seu término tomassem conhecimento – para além de que a representante da classe poderia facilmente contraprovar tal facto, seja com prova documental como testemunhal, caso tivesse havido julgamento. Assim, também este facto deve ser dado não provado.
c) Facto 3 - Conhecimento dos Consumidores sobre a Promoção de Cookies: Questiona-se a conclusão do tribunal a quo de que os consumidores estavam cientes da promoção do produto Cookies, detalhada num folheto encontrado na internet pelo próprio tribunal a quo. Argumenta-se que a maioria dos consumidores desconhecia tal folheto, assim como a representante da classe o desconhecia, e que sua existência não garantia o conhecimento da promoção específica pelos consumidores que adquiram o produto com sobrepreço. Assim deve ser dado como não provado que os consumidores conheciam o folheto promocional da ré e os detalhes da promoção do produto Cookies.
9. Em resumo, as conclusões de facto alcançadas pelo tribunal a quo são, salvo o devido respeito, vistas como especulativas e não fundamentadas adequadamente, necessitando de uma reavaliação pelo tribunal ad quem, à luz da responsabilidade, do bom senso e das regras da experiência comum.
10. O tribunal a quo concluiu que não houve publicidade enganosa ou especulação de preços por parte da ré, mas essa interpretação é contestada, considerando a condenação criminal anterior da ré, com decisão sufragada pelo Tribunal da Relação do Porto e já transitada em julgado, em circunstâncias semelhantes e pelas razões de facto e de direito que se expõe no §3.1. para onde se remete por questão de proficiência, mas que resumindo:
a) Condenação Criminal Anterior da Ré: a ré já foi condenada por especulação de preços num caso onde cobrou um valor mais alto do que o preço anunciado, sob condições similares às do caso atual. No processo 75/19.9EAPRT, já transitado em julgado, a ré foi condenada por cobrar um preço mais alto do que o anunciado para uma garrafa de vinho, apesar de estar em um período promocional.
b) Análise do Preço Anunciado Versus Cobrado: argumenta-se que o preço cobrado aos consumidores era superior ao anunciado, independentemente de estar em promoção ou não, o que pode constituir especulação de preços.
c) Irrelevância do Elemento Subjetivo em Processos Civis: mesmo sem o elemento subjetivo necessário para um crime, a prática pode ser relevante em um contexto civil.
d) Publicidade Enganosa: alega-se que a ré fez publicidade enganosa ao destacar um preço enquanto diminui a visibilidade da data da promoção, induzindo os consumidores ao erro. Sendo que pulicidade enganosa é toda aquela que resulta numa ação enganosa, nomeadamente, mas não exclusivamente, qualquer prática comercial que, contendo informações factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor, por exemplo, relativamente ao preço [cf. artigo 7 (1, d) do decreto-lei 57/2008].
e) Variação na Diligência do Consumidor: argumenta-se que nem todos os consumidores possuem a mesma diligência ou capacidade de discernir detalhes de promoções, e que as leis visam proteger todos os consumidores, independentemente de suas diferenças particular, sem prejuízo de exceções onde tal proteção é reforçada para determinados grupos de consumidores mais vulneráveis.
f) Ilícito Objetivo e Responsabilidade Civil: se provado, o comportamento da ré é considerado objetivamente ilícito, levando à sua responsabilidade civil.
g) Enriquecimento sem Causa ou Abuso de Direito: mesmo que o comportamento não fosse considerado ilícito, ainda poderia haver enriquecimento sem causa ou abuso de direito, o que a sentença inicial não abordou, apesar de constar no pedido e na causa de pedir.
11. O tribunal a quo argumenta que não há homogeneidade nos interesses da classe de consumidores devido às possíveis variações nas circunstâncias individuais, o que poderia permitir defesas específicas para cada consumidor por parte da ré, pelas razões constante no §3.3 supra, para onde se remete por questões de proficiência, entende-se que assim não é e que a decisão recorrida, salvo o devido respeito não ponderou devidamente a questão. Mas em resumo, entende os autores que:
a) se a falta de homogeneidade, tal como observado pelo tribunal a quo, fosse um impedimento significativo, isso restringiria excessivamente a aplicabilidade das ações populares, contrariando a intenção do legislador.
b) tribunais superiores, incluindo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos mencionados e citados no §3.2.1., que aqui se dão como reproduzidos por questão de proficiência e aos quais se adere na integra, têm sustentado que divergências individuais nos danos não afetam a homogeneidade dos interesses em causa, para casos análogos ao presente.
c) o interesse difuso ou coletivo prevalece sobre as particularidades individuais, permitindo ações populares mesmo com variações individuais, sempre que seja possível, como é aqui o caso, a abstração do lastro de individualização, ou seja, o alheamento ou afastamento de algumas particularidades respeitantes a cada um dos seus titulares.
d) diferenças como a data de compra, as condições da loja, e as diferenças físicas entre consumidores são consideradas irrelevantes para a homogeneidade dos interesses na ação popular.
e) Os comportamentos ilícitos da ré, como a especulação de preços e publicidade enganosa, fornecem uma base comum para os danos sofridos por todos os consumidores, sustentando a homogeneidade dos interesses – existe uma génese comum, derivada do comportamento da ré, a todos os autores populares, e que lhes provocou danos.
f) Professores de direito, como os Professores Doutores José Lebre de Freitas e António Menezes Cordeiro, sustentam que a homogeneidade qualitativa dos interesses é suficiente para ações, tal doutrina, à qual se adere, é citada abundantemente em § 3.2.4. para onde se remete.
g) a restrição excessiva da ação popular, com base na falta de homogeneidade dos interesses tal como entende o tribunal a quo, seria contrária aos princípios fundamentais do direito e limitaria indevidamente o acesso à justiça coletiva, violando os artigos 2, 20 (1) e 52 (3) da CRP – sendo que não se suscita a inconstitucionalidade da interpretação do tribunal a quo, porquanto, com o devido respeito, a mesma carece de estrutura suficiente para ser absolutamente entendida e atacada ao nível constitucional.
12. O tribunal a quo parece sugerir que existe abuso direito a representante da classe, quando requerer o pagamento de uma remuneração a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar, nomeadamente à Direcção-Geral do Consumidor, e com exceção da própria representante da classe que declarou desde logo prescindir de tal remuneração mesmo que fosse esta a designada pelo tribunal para esse efeito.
13. Impõe-se, começar por dizer que:
a) a representante da classe é uma associação sem fins lucrativos, cujos membros dos órgãos sociais ou outros não recebem remuneração pelo exercício das suas funções;
b) a associação é mantida pelo trabalho voluntário e doações dos seus membros e associados e a presente ação não conta com financiamento de terceiros;
c) embora os autores tenham pedido uma remuneração para a entidade que administrará as quantias a serem pagas pela ré, a preferência é que esta função seja desempenhada pela Direção-Geral do Consumidor e, em qualquer caso, se porventura fosse designada a representante da classe para administrar tais quantias, a mesma, logo na petição inicial, declarou explicitamente renunciar (prescindir) de representante da classe não procurar obter qualquer vantagem económica com a presente ação;
d) também não se diga que as custas de parte são leitmotiv para a propositura desta ação, pois é consabido que as mesmas são sempre insuficientes para cobrir os custos com honorários advocatícios.
14. De qualquer modo, não estão reunidos, nem remotamente, quaisquer dos pressupostos que possam fundar abuso de direito por parte da represente da classe, isto porque não estão preenchidos os requisitos para o abuso de direito nas suas várias formas, incluindo tu quoque, exceptio doli, dolo agit, ou venire contra factum proprium, tal como se defende no §4.1. que aqui se dá como reproduzido, por questão de proficiência, mas que resumidamente consiste no seguinte:
a) segundo o Professor Doutor António Menezes Cordeiro, o abuso do direito pressupõe uma conduta anterior contraditória do titular do direito, o que não se verifica neste caso, principalmente num cenário com uma massa de consumidores representada.
b) argumenta-se que a especulação de preços é um comportamento objetivo por parte da ré e os danos causados são in re ipsa, ou seja, evidentes por si só. Assim, só a suppressio, que envolveria inação dos autores que levasse a ré a acreditar que não haveria ação judicial, poderia aqui ser invocada, mas também não se aplica, porquanto teria a ré que provar tal factualidade, designadamente que os consumidores tomaram conhecimento do seu direito, para além isso as ações foram intentadas pouco tempo dos factos que a comportam se terem realizado.
c) não há nenhum ato ilícito cometido pelos representantes da classe que poderia ser comparado ao ato de abuso de direito, como seria necessário para aplicar a teoria do tu quoque.
d) também se argumenta que não há ato doloso por parte dos autores que fundamentasse a aplicação da exceptio doli ou do dolo agit, ou seja, não há má-fé ou intenção de prejudicar a ré injustamente, pois, as ações apenas resultam do comportamento ilícito da Ré.
e) por fim, a recolha de provas por parte dos representantes da classe não deve ser confundida com a provocação dos comportamentos ilícitos da ré, reforçando a ideia de que não há abuso de direito.
f) embora fora do âmbito do abuso de direito, discute-se ainda inaplicabilidade da culpa do lesado ou do agente provocador, prevista no artigo 570 do CC, afirmando que os titulares dos interesses em causa, os consumidores, não contribuíram para os atos ilícitos da ré, pois estes foram cometidos livremente por esta última sem que os consumidores os tivessem provocado para agora recolher eventuais benefícios com a procedência da ação.
g) por fim, enfatiza-se que para que haja abuso de direito, a ré precisaria provar uma divergência significativa entre a aplicação do direito subjetivo e os valores jurídicos, o que não é demonstrado neste caso e nem a sentença, num indeferimento liminar da petição inicial, consegui demonstrar.
15. Destarte, pugna-se pela procedência do recurso.
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Por despacho de 29/01/2024 foi admitido o presente recurso.
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Citada a Ré, nos termos e para os efeitos do recurso e da causa – art.º 641, nº 7 do C. P. Civil, veio esta apresentar contra-alegações, onde contraria a versão da Apelante, alegando que nas suas ditas conclusões, a Autora limitou-se a reproduzir trechos das alegações, omitindo as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no entender da recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
As alegações e conclusões da recorrente foram produzidas por Inteligência Artificial, como a própria apelante indica na peça que apresentou, pelas conclusões deduzidas, não será possível delimitar ou definir o objeto do recurso, concluindo que deverá o recurso ser rejeitado ou, quando assim não se entenda, serem desentranhados os documentos juntos pela Apelante e a mesma ser condenado em multa, mais devendo ser negado provimento ao recurso, confirmando-se inteiramente a douta sentença recorrida e condenando-se a Apelante nas devidas custas e custas de parte, e juntou dois pareceres.
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Colhidos os vistos e preparada a deliberação, importa apreciar e decidir.
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Questões prévias.
a) - Da rejeição do recurso.
No entender da Apelada o recurso deve ser rejeitado porquanto a Apelante omitiu as normas jurídicas violadas e, pelas conclusões deduzidas, não será possível delimitar ou definir o objeto do recurso.
Não assiste razão à Apelada.
Tendo em conta o que resulta, expressamente, das conclusões o presente recurso assenta, no essencial, na imputação ao tribunal “a quo” de errada apreciação dos factos, porquanto, para sustentar o indeferimento da ação o tribunal “a quo” deu como provados factos que, no entender da apelante, devem ser dados como não provados.
b) - Dos documentos juntos pela Apelante.
 Com o recurso, veio a apelante juntar uma sentença e um acórdão, nos termos do artigo 651 (2), do CPC, alegando que ambos têm a feição de um parecer jurídico, por representar uma posição sobre determinadas questões jurídicas, que se suscitam também nos presentes autos, relevando, na sua perspetiva, para a decisão dos mesmos.
No entender da Apelada, aquelas decisões não são pareceres, por muito que a Autora os queira integrar na norma do artigo 651.º, n.º 2 do CPC.
São decisões judiciais, manifestações do poder soberano do Estado, de aplicação da Justiça àquele caso concreto, pelo que a sua apresentação não tem justificação na norma invocada, nem relevo para o julgamento desta causa.
Por outro lado, os documentos são, por definição, meios de prova de factos. Destinam-se a fazer prova dos fundamentos (dos factos necessitados de prova) da ação ou da defesa (cf. artigos 410.º e 423.º, n.º 1, do CPC), pelo que a sentença e o acórdão juntos pela Apelante não podem ser considerados documentos.
Por conseguinte, devem esses documentos ser julgados inadmissíveis e, em consequência, ser determinado o seu desentranhamento dos autos, e a Apelante ser condenada em multa (cf. artigo 443.º, n.º 1 do CPC).
Cumpre apreciar e decidir.
Sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres”, estipula o art.º 651º, do CPC:
1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.
Tendo a conta a posição assumida pela Apelante, a sentença e acórdão juntos com as alegações, não tem a natureza de documentos destinados a provar factos alegados na ação, mas antes devem ser vistos como um parecer jurídico.
Nos termos do nº 2, do art.º 651º do CPC, invocado pela Apelante - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos …”.
Donde a questão que se coloca é a de saber se a sentença e acórdão juntos com as alegações, podem ser considerados como pareceres de jurisconsultos.
Sem se por em causa que, para defenderem as teses jurídicas em que sustentam as suas pretensões, as partes podem citar e a jurisprudência que entenderem, entendemos que uma sentença ou um acórdão não podem ser considerados como pareceres de jurisconsultos, mas apenas decisões judiciais, que por mais bem elaborados e fundamentados que se encontrem e mereçam a aceitação da restante jurisprudência e doutrina, nunca revestem a natureza de pareceres de jurisconsultos.
Donde, a sua junção aos autos nos termos do nº 2, do art.º 651º do CPC, carece de fundamento.
Pelo exposto, determino o desentranhamento dos autos da sentença e do acórdão juntos pela apelante com as alegações de recurso.
Custas pela Apelante, que se fixam em ½ UC.*
2 - Mérito do recurso.
1. Objeto do recurso.
Este objeto, como é sabido, é, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Pese embora a Apelante, na conclusão 5., entender que são 4 as questões a resolver entendemos que a solução que vamos dar à questão posta sob a alínea a), prejudica as restantes.
Assim, tendo em conta o teor da decisão sob recurso e as conclusões da Apelante, a questão a apreciar é a de saber se é manifesta a improcedência da ação, que permite o indeferimento liminar da petição inicial.
A apelante defende que a conclusão do tribunal “a quo” errou ao indeferir liminarmente a petição inicial, porquanto fundamentou a decisão, além do mais, na conclusão de facto de que não estamos perante um comportamento da ré que consubstancia publicidade enganosa e especulação de preços, suscetível de enganar os consumidores quanto ao preço dos produtos adquiridos, quando tais preços, apesar de constarem na prateleira a um preço inferior aquele que é cobrado no momento do pagamento, estão fora do período promocional anunciado.
A Apelante, para sustentar a sua tese, põe em causa o julgamento da matéria de facto, nos seguintes termos:
a) Facto 1 – Visibilidade da Promoção Pintarolas: o tribunal considerou incorretamente que a data da promoção do produto Pintarolas era claramente visível no letreiro de preços.
Argumenta-se que a visibilidade era insuficiente, destacando-se a dificuldade dos consumidores em ler informações cruciais devido ao tamanho pequeno das letras e a posição dos letreiros, sendo que por isso tal facto deve ser dado como não provado.
b) Facto 2 - Preço Pós-Promoção: O tribunal a quo, salvo o devido respeito, errou ao concluir que o preço após a promoção era necessariamente o mesmo que o preço que se encontrava riscado no letreiro e com a menção de ANTES.
 Argumenta-se que a flutuação normal dos preços e o facto do preço estar riscado indicam que tal preço não levaria o consumidor a presumir que seria esse o preço válido após o término da promoção, caso do seu término tomassem conhecimento – para além de que a representante da classe poderia facilmente contraprovar tal facto, seja com prova documental como testemunhal, caso tivesse havido julgamento.
Assim, também este facto deve ser dado não provado.
c) Facto 3 - Conhecimento dos Consumidores sobre a Promoção de Cookies: Questiona-se a conclusão do tribunal a quo de que os consumidores estavam cientes da promoção do produto Cookies, detalhada num folheto encontrado na internet pelo próprio tribunal a quo. Argumenta-se que a maioria dos consumidores desconhecia tal folheto, assim como a representante da classe o desconhecia, e que sua existência não garantia o conhecimento da promoção específica pelos consumidores que adquiram o produto com sobrepreço.
Assim deve ser dado como não provado que os consumidores conheciam o folheto promocional da ré e os detalhes da promoção do produto Cookies.
Cumpre apreciar e decidir.
No presente caso a petição inicial foi liminarmente indeferida, porquanto, dando-se como assentes determinados factos, foi entendido pelo tribunal “a quo” que era manifesta improcedência da presente lide.  
Estipula o art.º 590º, nº 1 do CPC – “Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ….”.
A decisão de indeferimento liminar da ação com base na sua manifesta improcedência, está reservada 'às situações de evidente e absoluta certeza jurídica de que os fundamentos invocados nunca poderiam proceder qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais, isto é, quando se não tiver na doutrina e na jurisprudência quem os defenda" (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.06.2012, proc. 26879/11.2YYLSB-A.L1-6 em www.dgsi.pt; negrito nosso).
No mesmo sentido, já havia decidido o Tribunal da Relação de Coimbra, Acórdão de 09-02-2010 em www.dgsi.pt “A manifesta improcedência do pedido reconduz-se aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a doutrina e a jurisprudência.”
Ora, na tese da apelante o tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão em factos que não estão provados.
Assim, impõe-se apurar se os factos em que se funda a decisão devem ou não ser alterados.
a) Facto 1 – Visibilidade da Promoção Pintarolas.
Na petição inicial a Apelante nada alegou quanto às consições de visibilidade da promoção Pintarolas, fundamentou o pedido, única e exclusivamente, na publicidade enganosa determinante de erro na formação da vontade dos consumidores.
Porém, tendo o tribunal “a quo” no despacho sob recurso sustentado, além do mais, que “E nem se diga que o período de tempo da promoção não é visível - devido ao tamanho da letra usada para a sua indicação - porque a verdade é que, como se pode constatar facilmente da foto que constitui o documento de fls. 300 dos autos, quanto às “Pintarolas”, o mesmo período é claramente visível …”, é pertinente apreciar se o julgamento do tribunal “a quo” deve ser alterado, como defende a Apelante, e dar-se como não provado o facto em questão.
O tribunal deu aquele facto como provado, com fundamento no consta do documento de fls. fls. 83, verso dos autos (foto do preço marcado na prateleira), e constatando-se que o preço mais baixo, referido pela Autora, era válido apenas para o período de 23/5/2023 a 29/5/2023 pelo que, ao passar o produto, na caixa, a valor diverso e mais alto, em 9.6.2023, cobrando tal preço mais elevado, concluiu que a Ré não cometeu, como é evidente, qualquer ilícito e, muito menos, de especulação uma vez que o preço mais alto praticado na data em questão se mostra conforme com a etiqueta por, em suma, o mesmo preço ser o preço marcado fora do período promocional do produto – ver art.º 35, nº 1, al. c) do Dec. Lei nº 28/84, de 20/1.
Em nosso entender, até se pode sufragar a decisão do tribunal “a quo” quando afirma que o período da promoção é visível e, por isso, nada haver a alterar quanto ao julgamento deste facto.
Porém, tendo-se admitido, no mesmo despacho, que a Ré não deveria ter produtos anunciados com preço promocional quando já não vigente, sem daí tirar qualquer consequência, antes retirando a esse facto qualquer relevância, ao afirmar, certo é, também, que os próprios consumidores têm obrigação de verificar se o preço anunciado ainda se encontra no período promocional pois, ultrapassado esse período, o preço anterior à promoção mantém-se e encontra-se indicado na etiqueta, do seu lado esquerdo, sendo, por isso, absolutamente inócua a existência da menção a preço mais baixo durante um período curto de tempo, esta conclusão não pode ser aceite.
Com efeito, ainda que se aceite que o consumidor devesse verificar se o preço anunciado está ou não em vigor, a pergunta que deve ser colocada é, porque motivo a Ré mantém o anúncio daquele preço se já não está em vigor?
  A resposta é simples, para enganar os consumidores menos atentos, os quais decidem optar pela compra do produto tendo em conta o preço anunciado e, depois, na caixa pagam um valor superior ao anunciado, muitas vezes sem tomarem, imediatamente, consciência disso.
Ao continuar, depois de expirado o período da promoção, a anunciar o preço mais baixo do que o que vai cobrar na caixa, a Ré está a fazer publicidade enganosa, a Ré está a induzir em erro o consumidor.
b) Facto 2 - Preço Pós-Promoção.
O tribunal “a quo” concluiu que o preço anterior à promoção mantém-se e encontra-se indicado na etiqueta, do seu lado esquerdo, sendo, por isso, absolutamente inócua a existência da menção a preço mais baixo durante um período curto de tempo.
Esta conclusão de facto carece de prova, mesmo de prova de factos concretos que a fundamentem.
Com efeito, neste tipo de mercado a flutuação dos preços é uma evidência e o facto do preço, que se encontra por baixo da expressão ANTES, estar riscado, não faz presumir que o preço que se mostra riscado é válido após o término da promoção.
Assim, dá-se como não provado - o preço anterior à promoção se mantém e é o indicado na etiqueta, do seu lado esquerdo.
c) Facto 3 - Conhecimento dos Consumidores sobre a Promoção de Cookies.
Neste particular o tribunal “a quo” afirmou o seguinte:
b) no que respeita ao produto bolachas “cookies”, marca Pingo Doce, a verdade é que apesar de não ser visível, do documento constante de fls. 83 e 300 dos autos, o período promocional - durante o qual o preço seria de 0,79 Euros e não 1,09 Euros -, a verdade é que, como consta do folheto da demandada para a semana de 6 a 12 de Junho de 2023, o preço mais baixo indicado ( de 0,79 Euros ) era válido apenas à quinta-feira, como decorre do folheto logrado obter no site “ blog200porcento.com/antevisão-folheto-pingo-doce-promoções-16089652”, cuja junção o tribunal supra ordenou aos autos.
Ainda que seja verdade que no citado site conste o folheto da demandada para a semana de 6 a 12 de Junho de 2023, e do mesmo resulte que o preço mais baixo indicado (de 0,79 Euros) era válido apenas à quinta-feira, a pergunta que se coloca é esta, os clientes da Ré, os consumidores, conheciam esse folheto?
Para uma formação livre e consciente da vontade dos consumidores, não basta demostrar que existia esse folheto, é necessário a prova do conhecimento desse folheto pelos consumidores, é necessária a prova do conhecimento, por parte dos consumidores, das condições especificas da promoção, ou seja, o preço e o período de duração da campanha promocional, a existência do folheto no site da Ré não garante o conhecimento da promoção específica pelos consumidores que adquiram o produto “cookies”, marca Pingo Doce por um preço superior ao que constava da promoção.
Não pode, assim, ser mantido o despacho e altera-se também nesta parte a factualidade tida por provada e dá-se como não provado - os consumidores conheciam o folheto promocional da ré e os detalhes da promoção do produto Cookies.

Em conclusão, ainda que, em tese, se possa admitir que o comportamento da ré não consubstancia publicidade enganosa e/ou especulação de preços, entendemos, face ao que se deixou exposto, que não é possível, desde já, em sede de despacho liminar, concluir que não estamos perante um comportamento da ré que consubstancia publicidade enganosa e especulação de preços, suscetível de enganar os consumidores quanto ao preço dos produtos adquiridos, quando tais preços, apesar de constarem na prateleira a um preço inferior aquele que é cobrado no momento do pagamento, estão fora do período promocional anunciado, pelo que se impõe a revogação do despacho liminar e determinar o prosseguimento da ação.

3. Decisão.
Pelo exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar o despacho sob recurso e determinar o prosseguimento da ação.
Custas pela Apelada.
Notifique.

Lisboa, 18/4/2024
Octávio dos Santos Moutinho Diogo.
Maria Teresa Lopes Catrola.
Marília dos Reis Leal Fontes.