Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LÍGIA TROVÃO | ||
Descritores: | RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL LEIS COVID 19 | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/10/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I- Nos termos dos nº 3 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, sendo que o nº 4 do citado art. 7º estabelece que “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional; II- Tal significa face à situação excepcional, que a prescrição tem lugar quando desde o seu início tiver decorrido o prazo da prescrição que for aplicával à contraordenação sub judice, acrescido de metade, ao qual devem acrescer os períodos temporais da suspensão dos prazos por causa da contenção da pandemia da doença Covid-19 da Lei 1-A/2020, de 19 de Março. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO 1.1 Por decisão de 26 de Julho de 2019, proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a arguida S, foi condenada pela prática de uma contraordenação rodoviária muito grave ao disposto no art. 69º nº 1 e 76º a) ambos do Regulamento de Sinalização de Trânsito p. e p. pelos arts. 138º, 146º alínea l) e 147º nº 2, todos do Código da Estrada, na sanção acessória, especialmente atenuada, de inibição de conduzir pelo período de 30 dias. * Inconformada, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial da decisão para o tribunal competente. * O Tribunal recorrido proferiu decisão, por despacho(1), ( de 20 de Outubro de 2021, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra – Juiz 2 ) por a tal não se terem oposto quer a recorrente quer o Ministério Público, que, julgando improcedente a impugnação, manteve a decisão administrativa. * Por requerimento de 04/11/2021, veio a arguida solicitar a correção do despacho nos termos do art. 380º do CPP ( sic ), por nada decidir quanto à prescrição do procedimento contraordenacional nos termos do art. 189º do Cód. da Estrada, argumentando que: - os factos ocorreram no dia 16/12/2018; - a multa foi paga no mesmo dia; - o processo só deu entrada no tribunal no dia 07/09/2021; - a prescrição ocorreu no dia 16/12/2020; - inexiste qualquer facto que suspenda ou interrompa a prescrição da aplicação de sanção acessória. * Por despacho proferido em 11/11/2021, o Tribunal a quo, entendendo que a decisão judicial de 20/10/2021 não padece de qualquer omissão que importe sanar, julgou improcedente a invocada prescrição, por só ocorrer quando decorridos 3 anos e seis meses sobre a data da prática dos factos, nos termos dos arts. 188º do Cód. da Estrada, 27º, 27º-A e 28º do RGCO, a qual será atingida apenas em 04/11/2021. * 1.2 Recurso da decisão De novo inconformada com a decisão judicial da impugnação da decisão da autoridade administrativa de 20/10/2021, que não conheceu oficiosamente da prescrição da sanção acessória de inibição de conduzir, recorreu a arguida para esta Relação, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “ Entende, o Recorrente, que em face da Sentença que não se pronuncia sobre a questão de conhecimento oficioso da prescrição, apenas remetendo por mero despacho posterior para um acórdão sem qualquer fundamentação legal e nada diz em relação ao caso concreto, a mesma viola às mais elementares regras processuais penais de direito, que desde já invoca, e não deixando o Recorrente de invocar a prescrição já suscitada. Ser declarada a prescrição do procedimento contraordenacional. a) Ser a sentença considerada nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPC, ou b) Ser ainda considerada nula a sentença nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, com remissão para o n.º 2 do art.º 374.º do CPP “. * 1.3 Resposta do Ministério Público A este recurso veio o Ministério Público responder, concluindo nos seguintes termos ( transcrição): “ I. Perante as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo, as questões a decidir consistem em saber se, aquando da prolação da sentença, estava prescrito o procedimento contraordenacional e se, ao não ter apreciado tal questão, a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea c) do n' 1 do artigo 379' do Código de Processo Penal. II. O conhecimento da prescrição (tal como de qualquer outra questão que obste ao conhecimento do mérito da causa) só se impõe verdadeiramente ao tribunal – sob pena de verificação da nulidade de sentença respetiva – quando seja invocada por algum dos sujeitos processuais ou quando o tribunal de julgamento deva conhecê-la oficiosamente por ser confrontado com situação processual que suscite fundadamente a questão da sua verificação. III. A prescrição do procedimento contraordenacional não foi suscitada por qualquer interveniente processual, nomeadamente pela ora recorrente, até ao momento da prolação da sentença recorrida e não se impunha a sua apreciação oficiosa porquanto, nessa ocasião e mesmo na presente data, era manifesta a sua improcedência considerando a data da prática dos factos, o prazo normal de prescrição e a ocorrência de diversos factos com efeito suspensivo e interruptivo. IV. O tribunal recorrido pronunciou-se, assim, sobre todas as questões que se impunha apreciar pelo que a sentença condenatória não é nula, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n' 1 do artigo 379' do Código de Processo Penal. V. a improcedência da alegada prescrição – quer na data da prolação da sentença recorrida quer na presente data –, em resultado da ocorrência de diversos factos com efeito suspensivo e interruptivo, nos termos supra enunciados, ao contrário da afirmação da recorrente na motivação do presente recurso de que “desconhece qualquer facto que suspenda ou interrompa a prescrição”, não se impunha uma apreciação expressa de tal matéria na sentença recorrida. VI.Não obstante a recorrer alegar que “a prescrição ocorreu no dia 16/12/2020” e que “desconhece qualquer facto que suspenda ou interrompa a prescrição”, o procedimento contraordenacional não se encontra prescrito porquanto: a) os factos ocorreram em 16/12/2018; b) o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de dois anos (cf. artigo n' 1 do artigo 188º, nº1, do Código da Estrada); c) em 26/07/2019 a ANSR proferiu a decisão administrativa impugnada o que, nos termos do disposto no artigo 28º, nº 1, d) do RGCOC, interrompeu o prazo de prescrição em curso; d) em 18/08/2019 a decisão administrativa da ANSR foi notificada à recorrente o que, nos termos do disposto no artigo 28', n' 1, al. a) do RGCOC, e no artigo 188º, nº 2, do Código da Estrada, interrompeu o prazo de prescrição em curso, começando a contar um novo prazo de prescrição; e) o termo do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional ocorreria, assim, face aos referidos factos com efeito interruptivo, e atenta a ausência de quaisquer outros, em 18/08/2021; f) porém, e na esteira da jurisprudência firmada, entre outros, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/03/2021, proferida no processo nº 309/20.7YUSTR.L1-PICRS e disponível em dgsi.pt, importa ter em conta “a suspensão do curso dos prazos de prescrição em matéria de contraordenações, imposta pela resposta normativa nacional à crise sanitária SARS-Covid 19”; g) tal suspensão integra a previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 27º-A do RGCOC que estabelece que “a prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmen iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal”. i. acrescem, assim, ao referido período de prescrição, 86 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 09/03/2020 e 02/06/2020 nos termos do regime estabelecido pela Lei n° 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n° 4-A/2020, de 6 de abril, e da Lei n' 16/2020, de 29 de maio; j. e acrescem 73 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 22/01/2021 e 05/04/2021 nos termos do regime estabelecido pela Lei n° 4B/2021, de 1 de fevereiro, e pela Lei n° 13-B/2021, de 5 de abril; k. o termo do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional ocorreria, assim, ressalvados os referidos períodos de suspensão, em 25/01/2022; l. porém, m 10/09/2021 o Meritíssimo Juiz a quo proferiu o despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso o que, após a respetiva notificação, consubstancia simultaneamente uma causa de interrupção do período de suspensão e uma causa de suspensão, pelo período máximo de seis meses, nos termos dos artigos 27°-A, n° 1, al. c), e n° 2, e 28°, n° 1, al. a), do RGCOC; m. em 20/10/2021 foi proferida a sentença recorrida cuja notificação consubstancia, igualmente, uma causa de interrupção do período de suspensão nos termos do artigo 28°, n° 1, al. a), do RGCOC; n. o prazo máximo a que alude o n° 3 do artigo 28° do RGCOC, ou seja, “o prazo da prescrição acrescido de metade” (dois anos + um ano) e “ressalvado o tempo de suspensão” (6 meses + 86 dias + 73 dias), só ocorrerá em 24/11/2022 “. * 1.4 Parecer do Ministério Público Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a resposta do Ministério Público. * 1.5 Resposta ao Parecer Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não tendo havido resposta. * 1.6 Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. * II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 Questões a decidir No processo contraordenacional existe um ónus de alegar e de formular o pedido recursivo, sendo este que delimita inicial e essencialmente o objeto do recurso e os poderes de cognição do tribunal “ad quem” ( 74º nº 4 RGCO e 412º nº 1 CPP )(2), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – cfr. Ac. do STJ nº 7/95 publicado no D.R. I Série-A, de 28/12/95. Assim, tendo em consideração a limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso no âmbito do direito de mera ordenação social, imposta pelo art. 75º nº 1 do RGCO, as questões a decidir, atentas as conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes: 1ª saber se quando foi proferido o despacho a que se refere o art. 64º nº 2 do RGCO, o procedimento contraordenacional já se encontrava extinto por efeito da prescrição, por se mostrar decorrido o prazo de dois anos, contado da prática da contraordenação; 2ª saber se tal despacho é nulo por violar as disposições conjugadas dos arts. 379º nº 1 c) ou no art. 379º nº 1 a) e 374º nº 2 do CPP, aplicáveis ex vi do art. 41º do D.L. nº 433/82 e 58º da CRP. * 2 – Decisão recorrida É o seguinte o teor da decisão recorrida: “ II. Fundamentação II. 1. Matéria de facto provada: 1.No dia 16 de Dezembro de 2018, pelas 11h18, na Estrada ………………………., concelho de Sintra, a arguida S conduzia o veículo ligeiro, de matrícula XXXXXXXX. 2. Ao deparar-se com a sinalização semafórica existente na via, que indicava luz vermelha, a arguida avançou pela dita via, não tendo imobilizado a sua viatura. 3.A arguida não procedeu com os cuidados exigidos a um condutor de normal diligência naquelas circunstâncias concretas e de que era capaz. 4. Procedeu ao pagamento voluntário da coima. 5. A arguida carece de carta de condução quer para a sua vida profissional, quer para a sua vida pessoal/familiar. 6. Não lhe são conhecidos antecedentes contraordenacionais. * II. 2. Factos não provados: Para além dos factos acima mencionados, não se lograram provar quaisquer outros com interesse para a apreciação e decisão da presente causa. * II. 3. Motivação da decisão de facto: O Tribunal fundamentou a sua convicção quanto aos factos constantes dos pontos 1) a 3) com base no auto de notícia de 16/12/2018, devidamente preenchido e assinado pelo autuante e sobre o qual não foi feita qualquer prova em sentido contrário por parte da recorrente/impugnante (que aliás procedeu ao pagamento voluntário da coima), pelo que tal auto faz fé em juízo nos termos do disposto no artigo 170.º, n.o 3 do Código da Estrada “3 - O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.” No que tange aos factos atinentes ao preenchimento do elemento subjectivo (negligência), a prova dos mesmos advém da análise dos factos objectivamente apurados (e que são confessados na impugnação judicial). A necessidade de utilização de carta de condução da arguida decorre do que esta alegou a esse respeito, tratando-se, aliás, de situação comum a qualquer cidadão “. * 3 – Apreciação do recurso 1ª Questão: saber se quando foi proferido o despacho previsto no art. 64º nº 2 do RGCO, já estava prescrito o procedimento contraordenacional. Com relevo para a decisão, resultam ainda dos autos as seguintes ocorrências processuais: 7)A decisão da ANSR de 26/07/2019 foi notificada à recorrente em 18/08/2019; 8)O recurso de impugnação judicial foi interposto em 04/09/2019; 9)Os autos deram entrada nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Local Criminal de Sintra em 04/08/2021 e foram apresentados pelo Sr. Procurador da República em juízo, em 07/09/2021; 10) Os autos foram conclusos ao Mmº Juiz a quo em 10/09/2021 que, na mesma data, proferiu despacho liminar de recebimento do recurso de impugnação judicial e, considerando que a questão poderia ser apreciada por mero despacho nos termos do art. 64º nº 1 do RGCO, uma vez que a arguida desde logo referiu não se opor, ordenou a notificação do MP para, em 10 dias, declarar se se opunha à decisão naqueles termos, com a advertência de que nada sendo dito, se presumiria a sua não oposição; 11) Tal despacho foi notificado ao MP em 10/09/2021; 12) Em 14/09/2021 o MP lavrou douta promoção declarando nada ter a opor à prolação da decisão através de simples despacho nos termos do disposto no art. 64º nºs 1 e 2 do RGCO. Isto posto. Entende a recorrente que, face ao disposto no art. 189º do Cód. da Estrada e a data da prática da contraordenação, a aplicação da sanção acessória prescreveu no dia 16/12/2020; que não ocorreu qualquer facto que suspenda ou interrompa a prescrição da aplicação da sanção acessória e, em consequência, deverá ser absolvida da sanção acessória aplicada. Cumpre apreciar e decidir. Os factos imputados à arguida ocorreram no dia 16 de Dezembro de 2018, pelas 11.18 horas, no local Estrada ………………, freguesia …………., concelho de Sintra. Estando em causa uma contraordenação ao Código da Estrada, nos termos do seu art. 188º nº 1, o prazo de prescrição é de dois anos, o que equivale a dizer que, caso não se verificasse qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição, esta ocorreria em 17 de Dezembro de 2020. A interrupção da prescrição tem como efeito a inutilização do prazo que se iniciou com a prática da infracção, começando a correr um novo prazo de prescrição no dia em que se produz o acto interruptivo; já a suspensão da prescrição não inutiliza o prazo que estava em curso até à ocorrência de uma causa de suspensão; neste caso, o prazo deixa de correr durante o período fixado ou até ao desaparecimento do obstáculo legalmente previsto, voltando a partir daí a correr(3); como se exarou no Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 4/2011(4), a suspensão da prescrição impede o decurso do prazo da prescrição; significsa que, consoante as causas, se paralisam o começo e o decurso do prazo de prescrição. No caso dos autos, tendo começado a correr no dia 16 de Dezembro de 2018 ( cfr. arts. 32º do RGCO e 119º nº 1 do Cód. Penal ), o prazo de prescrição interrompeu-se com a prolação da decisão da ANSR em 26/07/2019 ( cfr. art. 28º nº 1 d) do D.L. nº 433/82 de 27 de Outubro ) começando a contar um novo prazo ( cfr. 32º do RGCO e 121º nº 2 do Cód. Penal ) que foi, por sua vez, interrompido com a notificação daquela decisão à arguida em 18/08/2019 ( cfr. art. 28º nº 1 a) do RGCO e 188º nº 2 do Código da Estrada ). A partir desta última data, começou a contar um novo prazo de prescrição(5). A recorrente interpôs recurso de impugnação judicial em 04/09/2019. A autoridade administrativa só em 04/08/2021 fez chegar os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Local Criminal de Sintra que, por sua vez, os apresentou em juízo em 07/09/2021, vindo o Mmº Juíz a quo a proferir despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso em 10/09/2021 que foi notificado ao MP no mesmo dia 10/09/2021. O termo do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional ocorreria, assim, face aos referidos factos com efeito interruptivo, e atenta a ausência de quaisquer outros, em 18/08/2021, como refere o MP na sua muito bem fundamentada resposta ao recurso. Todavia, conforme sustenta o MP, é necessário levar-se em conta o contexto legal emergente da resposta dada pelo legislador à contenção dos efeitos da pandemia denominada Covid-19 porquanto a suspensão dos prazos para a prática de todos os atos processuais e procedimentais determinada nessa ocasião integra a previsão do art. 27º-A nº 1 a) do RGCO que estabelece que “ A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal “ – cfr. nestesentido, o Ac. da R.L. de 16/03/2021, no processo nº 309/20.7YUSTR.L1-PICRS, disponível in www.dgsi.pt. E foi o que resultou dos diversos diplomas legais a que alude o MP na sua douta resposta. Nos termos dos nº 3 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, “ A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. O nº 4 do citado art. 7º estabelece que “ O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional “. Da conjugação do disposto nesses números com o estabelecido na norma interpretativa constante do art. 5º da Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, extraímos que a referida suspensão especial de prazos se iniciou em 9 de Março de 2020. E essa suspensão manteve-se até 2 de Junho de 2020 – cfr. art.10º da Lei 16/2020 de 29/05, que entrou em vigor no dia 3 desse mês e ano. Dos referidos diplomas resulta que ao prazo de prescrição, acrescem: - 84 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 09/03/2020 e 02/06/2020 nos termos do regime estabelecido pela Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril, e da Lei nº 16/2020, de 29 de maio; - e acrescem 73 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 22/01/2021 e 05/04/2021 nos termos do regime estabelecido pela Lei nº 4B/2021, de 1 de fevereiro, e pela Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril. O termo do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional ocorreria, assim, ressalvados os referidos períodos de suspensão, em 22/01/2022. Dispõe ainda o art. 27º-A nº 1 do RGCO que “ A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso “. Ora, em 10/09/2021 o Mm0 Juiz a quo proferiu despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa, que foi notificado apenas ao MP na mesma data. Do exame dos autos, constata-se que a arguida não foi notificada deste despacho, pelo que deverá decidir-se em favor da arguida e consequentemente, considerar-se que não ocorre a causa de suspensão da prescrição prevista no art. 27º-A nº 1 c) do RGCO. Mas no dia 20/10/2021, foi proferida decisão judicial que recaiu sobre a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, cuja notificação à arguida se presume como verificada em 25/10/2021 – cfr. arts 41º nº 1 do RGCO e 113º nº 2 do CPP - e que constitui causa de interrupção do período de suspensão, nos termos do art. 28º nº 1 a) do RGCO. No entanto o ( novo ) prazo de prescrição de 2 anos previsto no art. 188º nº1 do Cód. da Estrada não irá correr na sua totalidade como resultaria arts. 121º nº 2 do Cód. Penal aplicável por força do art. 32º do RGCO ( e que terminaria só em 25 de Outubro de 2023 ), em face do disposto no nº 3 do art. 28º do RGCO que prescreve que “ A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade “, o que significa que a prescrição tem lugar quando desde o seu início ( 16/12/2018 ) tiver decorrido o prazo da prescrição ( 2 anos previsto no art. 188º nº 1 do Cód. da Estrada = 16/12/2020 ) acrescido de metade ( ou seja, 1 ano = 16/12/2021 ), ao qual deve acrescer os períodos temporais da suspensão dos prazos por causa da contenção da pandemia da doença Covid-19, ou seja, + 84 dias + 73 dias; logo, a prescrição do procedimento contraordenacional só ocorrerá em 15 de Abril de 2022. Consequentemente, o referido prazo de prescrição ainda não se esgotou. * 2ª Questão: Da nulidade da decisão judicial recorrida, por omissão de pronúncia ( cfr. arts. 379º nº 1 c) ou no art. 379º nº 1 a) e 374º nº 2 do CPP, aplicáveis ex vi do art. 41º do D.L. nº 433/82 e 58º da CRP ). Entende ainda a recorrente que a decisão judicial recorrida enferma de nulidade por não se ter pronunciado sobre questão de conhecimento oficioso do tribunal, no caso, da prescrição do procedimento contraordenacional. Como se diz no citado Ac. da R.C. de 21/02/2018, partindo do princípio que regime de nulidades previsto no art. 379º do CPP também se deve considerar aplicável às decisões do juiz que, sendo formalmente despachos ( pese embora no caso destes autos o Sr. Juiz a quo a tivesse apelidado de “Sentença”, não obstante ter sido dispensada a audiência de julgamento ), são substancialmente sentenças, e a invocada omissão de pronúncia diz respeito a questão não invocada pela recorrente na impugnação judicial nem até ao momento da prolação da decisão judicial recorrida, como bem refere o MP na resposta ao recurso, esse conhecimento oficioso da prescrição só se imporia se tivesse influência na decisão, o que não era o caso, pois na data em que foi proferida a decisão recorrida, tal prazo de prescrição – considerando a data da prática dos factos, o prazo normal de prescrição e a ocorrência de diversos factos com efeito suspensivo e interruptivo - assim como agora, ainda não tinha decorrido. Daí resulta que o tribunal recorrido pronunciou-se sobre todas as questões que se impunha apreciar nos termos do disposto no art. 379º nº 1 c) do CPP e consequentemente, improcede, a invocada nulidade do despacho judicial proferido nos termos do art. 64º nº 2 primeira parte, do RGCO. Em suma, improcede na totalidade o recurso interposto. * III – DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação, em negar provimento ao recurso interposto. Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – cfr. arts. 92º nº 1 do RGCO, 513º nº 1 do CPP e 8º nº 9 do RCP por referência à Tabela III, anexa a este último diploma legal. Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022 Lígia Maria da Nova Araújo Sá Trovão Manuel Fernando Almeida Cabral _______________________________________________________ 1 A sentença tem lugar quando o juiz decide o caso mediante audiência de julgamento. 2 Cfr. Ac. da R.P. de 11/04/2012, proc. nº 2122/11.3TBPVZ.P1, disponível in www.dgsi.pt 3 Cfr. Ac. da R.C. de 21/02/2018 no proc. nº 266/17.7T8CDN.C1, disponível in www.dgsi.pt 4 Publicado no D.R. I Série, nº 30, de 11 de Fevereiro de 2011. 5 Cfr. neste sentido, os Acs. da R.C. de 28/02/2018 no proc. nº 306/17.0T8SEI.C1 e 21/02/2018 no proc. nº 306/17.0T8PMS.C1, disponíveis in www.dgsi.pt |