Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
223/14.5TTFUN.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
EMPREENDIMENTO HOTELEIRO
FIEL DEPOSITÁRIO
CONTRATO DE GESTÃO E DE EXPLORAÇÃO TURÍSTICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– Não obsta à aplicação do regime de transmissão do estabelecimento previsto no art.º 285.º e seguintes do Código do Trabalho, a circunstância do empreendimento hoteleiro em questão ter passado a ser gerido e explorado pela ré, nomeada fiel depositária do mesmo no âmbito de um processo judicial, a qual havia celebrado com a anterior detentora do estabelecimento um contrato de cessão da posição contratual relativamente aos trabalhadores deste estabelecimento, ainda que por um curto período.

II– Não sendo necessário que exista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário, não obsta igualmente à aplicação daquele regime transmissivo, a circunstância de a chamada ter celebrado com o dono do imóvel em causa, um “contrato de gestão e de exploração turística” na sequência do qual passou a mesma a gerir e a explorar o dito empreendimento.

III– Encontrando-se tal empreendimento dotado da correspondente estrutura em termos materiais e humanos, com autonomia operativa e funcional, onde se continuou a desenvolver a actividade de hotelaria (com trabalhadores daquele, no mesmo local, com a mesma designação e clientela), é de concluir estar-se em presença de uma unidade económica que manteve a sua identidade.

(Pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.–Relatório:


1.– 1. AAA  intentou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra BBB e CCC, pedindo que a presente ação seja julgada procedente por provada e, em consequência ser:

a)- Declarado que à data de 24.04.2014 o autor era trabalhador da ré CCC para a qual se transmitiu o contrato de trabalho automaticamente que aquele tinha celebrado com a R. BBB em 1.04.1999.
b)- Declarada a nulidade do despedimento do autor por ser ilícito, decretando-se que subsiste o vínculo laboral e condenando-se a ré CCC a reintegrar o autor no seu serviço e local de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria tido se não tivesse sido despedido, isto sem prejuízo de optar, em sua substituição e até à data da sentença, pela indemnização de antiguidade prevista no art.º 391º;
c)- Serem as rés condenadas solidariamente a pagar ao autor as retribuições vencidas que teria recebido se não tivesse sido despedido, no montante total de €7.507,39, acrescidas de juros à taxa legal desde o vencimento de cada uma dessas importâncias até integral pagamento;
d)- Serem as rés condenadas solidariamente a pagar ao autor as retribuições vencidas, férias e subsídios de férias, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do desconto dos montantes referidos no art.º 390º, nº 2 do CT, acrescidas de juros à taxa legal desde o vencimento de cada uma dessas importâncias. Subsidiariamente que se declare que houve transmissão da titularidade dos contratos de trabalho dos trabalhadores afetos à ré BBB e que não podia ser o autor despedido por ter havido transmissão automática do seu contrato de trabalho, devendo ser reintegrado no quadro pessoal, sendo as rés condenadas solidariamente a pagar ao autor as retribuições vencidas que teria recebido se não tivesse sido despedido até à instauração da presente ação, no montante total de €7.507,39, acrescida de juros à taxa legal desde o vencimento de cada uma dessas importâncias até integral pagamento.

Por requerimento de fls. 60 a 62 veio o autor deduzir o incidente de intervenção provocada de DDD.

Foi realizada audiência de partes, não tendo sido possível obter conciliação.

A ré CCC contestou, sustentando em síntese que o contrato de trabalho do autor não foi objeto de cessão da posição contratual, tendo-se mantido na esfera jurídica da ré BBB, como sucedeu a final com todos os trabalhadores da ré BBB, nunca tendo mantido qualquer relação laboral com o autor, tendo cumprido todas as suas obrigações aquando da assunção das funções de fiel depositária, por determinação da sentença proferida no âmbito do processo nº 530/12.1TCFUN. Concluiu, pela improcedência da presente ação seja julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser a ré CCC absolvida do pedido.

A DDD contestou por exceção e por impugnação, sendo que no primeiro caso alega que é parte ilegítima porque não celebrou nenhum contrato de trabalho com o autor e como o próprio confessa foi despedido pela ré CCC num altura em que a DDD não existia. Concluiu, pedindo que seja julgada parte ilegítima e portanto absolvida da instância, e se assim não se entender deverá a presente ação ser julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser a DDD absolvida do pedido.

Proferiu-se despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade.

Foi dispensada a identificação do objeto do litígio e a enumeração dos temas de prova.

Teve lugar a audiência final.

Proferida sentença finalizou a mesma com o seguinte dispositivo:

“ Com fundamento no atrás exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência, decido:
1.– Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente à ré BBB.
2.– Declarar que o contrato de trabalho que o autor mantinha com a ré transmitiu-se em 24.04.2014 para a ré CCC.
3.– Declarar que o autor foi objeto de despedimento ilícito pela ré CCC.
4.– Declarar que o contrato de trabalho do autor transmitiu-se em 24.06.2014 para a chamada DDD.
5.– Condenar a chamada DDD. a reintegrar o autor no estabelecimento Hotel …, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade.

6.– Condenar solidariamente a ré CCC e a chamada DDD a pagarem ao autor as seguintes quantias:
6.1.- A quantia de €1.618,00 (mil, seiscentos e dezoito euros), a título de subsídio de férias de 2013, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento.
6.2.- A quantia de €585,00 (quinhentos e oitenta e cinco euros), a título de retribuição parcial do mês de março de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento.
6.3.- A quantia de €2.728,02 (dois mil, setecentos e vinte e oito euros e dois cêntimos), a título de retribuição líquida, respeitante ao mês de abril de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento.
6.4.- A pagar ao autor as retribuições intercalares que se venceram desde a data do despedimento até à reintegração do autor, acrescida de juros de mora desde a datas dos respetivos vencimentos até integral pagamento, em prejuízo do desconto das quantias a que alude as alíneas a) e c) do nº 2 do art.º 390º do CPC, sendo que a responsabilidade solidária da ré CCC tem o limite temporal de ano acima referido.”

1.2.– Inconformadas com esta decisão dela recorrem a ré CCC e a DDD.

1.2.1.– A ré CCC concluiu as suas alegações do seguinte modo:
(…)
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.

1.2.2.– A chamada DDD, por seu turno, concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
(…)
Devem V. Exas Venerandos Juízes Desembargadores, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar a douta sentença recorrida, fazendo-se assim a ACOSTUMADA JUSTIÇA!

1.3.– Os recursos foram admitidos na espécie, efeito e regime de subida adequados (fls. 268).

1.4.– O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença (fls. 295 a 297).

1.5.– Apenas a ré CCC, respondeu a tal parecer, concluindo nos termos das alegações por si apresentadas (fls. 309 a 309 verso). 

1.6.– Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

2.– Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ainda não apreciadas com trânsito em julgado e das que se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Assinale-se ainda que se não confundem com questões todos os argumentos, as teses ou juízos invocados pelas partes sobre as quais não está o tribunal vinculado a responder.
Assim, face à similitude de conteúdo dos recursos da ré CCC e da DDD, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes: impugnação da decisão da matéria de facto; inaplicabilidade do art.º 285.º do Código do Trabalho e, subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, de não serem devidas ao autor as retribuições a partir de Julho de 2014.

3.– Fundamentação de facto

3.1.– Na primeira instância foi considerada provada a seguinte factualidade:
3.1.1.- A ré BBB desenvolvia no Hotel (…) uma atividade de exploração hoteleira e bem assim, de gestão de contratos de direitos reais de habitação periódica.
3.1.2.- O autor foi admitido ao serviço da ré BBB em 1.04.1999, para exercer as funções de diretor hoteleiro, no  (…).
3.1.3.- O autor auferia a retribuição base de 3.864,55, acrescida de €35,02 a título de subsídio de alimentação e €38,28 a título de diuturnidades, tendo recebido em dezembro de 2013 a retribuição líquida de €2.728,02.
3.1.4.- Em 24 de abril de 2014 foi comunicado verbalmente ao A. e aos demais trabalhadores da ré BBB que a partir daquele momento a ré CCC tomaria posse do referido hotel na qualidade de fiel depositária e de responsável pela exploração daquele hotel.
3.1.5.- Posição assumida em cumprimento de decisão judicial, proferida no âmbito do processo nº 530/12.1TCFUN que correu termos na 2.ª Secção das Varas de Competência Mista do Funchal.
3.1.6.- Em consequência da referida decisão judicial foi celebrado o respetivo contrato de cessão de posição contratual dos contratos de trabalho afetos à ré BBB (alterado infra).
3.1.7.- Os trabalhadores da ré BBB prestaram o seu consentimento expresso à cessão da posição contratual (alterado infra).
3.1.8.- Em princípios de maio de 2014 foi comunicado verbalmente ao autor que a ré CCC prescindia imediatamente dos seus serviços, visto ter um trabalhador com a mesma categoria profissional (diretor hoteleiro), não sendo mais necessário os seus serviços (alterado infra).
3.1.9.- Afirmando que o autor não pertencia mais aos seus quadros de pessoal (suprimido infra).
3.1.10.- O autor continuou a apresentar-se diariamente nas instalações do Hotel (…) até início de julho de 2014.
3.1.11.- A ré CCC colocou um dos seus trabalhadores a exercer as funções que anteriormente o A. exercia.
3.1.12.- O autor não consta do anexo I junto ao contrato de cessão de posição contratual dos contratos de trabalho.
3.1.13.- No dia 9.05.2014, o autor através de carta registada com A/R enviada pelo mandatário do autor solicitou à ré CCC que informasse quais as funções a serem exercidas pelo autor no referido hotel, face à transmissão da titularidade da empresa e considerando o facto do A. até à presente data encontrar-se nas instalações da mesma diariamente (alterado infra).
3.1.14.- Apesar da ré CCC Ld.ª receber a carta acima referida, não deu qualquer resposta (alterado infra).
3.1.15.- Foi feita a entrega judicial do imóvel que compreende o empreendimento hoteleiro em causa à ré CCC, que ficou assim na qualidade de fiel depositária do mesmo (alterado infra).
3.1.16.- Foi assinado um aditamento a tal acordo de cessão da posição contratual (alterado infra).
3.1.17.- Sucede que o proprietário do imóvel, o (…), expressamente recusou aprovar tal acordo (alterado infra).
3.1.18.- A DDD iniciou a exploração da unidade hoteleira em causa a 24.06.2014.
3.1.19.- Por sentença proferida no J2 da Secção Comércio-Instância Central da Comarca do Funchal, transitada em julgado em 3.07.2014 foi declarada a insolvência da ré BBB.
3.1.20.- A partir do dia 24.04.2014 a ré BBB continuou a exercer no local diversas atividades, de entre as quais a gestão dos direitos reais de habitação periódica, mantendo para o efeito um gabinete.
3.1.21.- Não foi pago ao autor o subsídio de férias do ano de 2013 no valor de €1.618,00.
3.1.22.- Não foi pago ao autor parte da retribuição referente ao mês de março de 2014, no montante de €585,00.
3.1.23. Não foi pago ao autor a retribuição líquida referente ao mês de abril do ano de 2014, no valor de €2.728,02 x 2.

3.2.– Factos não provados
3.2.1.- No dia 24.06.2014 a ré BBB indicou à ré CCC que pretendia manter nos seus quadros um conjunto de funcionários, com os quais contava no prosseguimento da sua atividade social.
3.2.2.- De entre tais trabalhadores constava o autor que nessa data contactou a ré CCC tendo-se disponibilizado para transmitir toda a informação relativa às funções que vinha desempenhando, uma vez que não pretendia trabalhar para a ré CCC, pretendo prosseguir a sua atividade para com a ré BBB e com o universo de empresas do Grupo (…) em que tal empresa se insere.
3.2.3.- O autor continuou a prestar ininterruptamente funções para a ré BBB, tendo continuado a ocupar um gabinete no piso destinado à atividade da ré BBB.
3.2.4.- Logo no dia seguinte à sua assinatura, as partes aperceberam-se que a versão assinada de tal documento não correspondia à versão final, uma vez que a sua celebração careceria de aprovação quer pelo administrador judicial provisório da ré BBB, por esta se encontrar, à data, num processo especial de revitalização.

4.– Fundamentação de Direito

4.1.– Questão Prévia
Com base no disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, passa-se a aditar à matéria de facto a seguinte factualidade que, por se mostrar assente entre as partes, resultar de documentação não impugnada junta aos autos, e ter interesse para a boa decisão da causa, é a seguinte:
- Por decisão proferida no proc. 530/12.1TCFUNC, foi a ré BBB condenada a entregar o imóvel onde se situa o Hotel (…), ao seu proprietário, o (…), nos termos de fls. 33 a 55.
- A chamada DDD, foi constituída em 27-05-2014 (conforme certidão permanente do registo comercial de fls. 142 e 143).
- Entre a ré CCC e a chamada DDD, foi celebrado em 16 de Junho  de 2014, o “contrato de gestão e exploração turística” referente ao Hotel (…), nos termos constantes de fls. 144 a 155.

E uma vez que os pontos seguintes da matéria de facto estão reportados a documentos, passam os mesmos a ter a seguinte redacção:
3.1.6.- Em consequência da referida decisão judicial (proc. 530/12.1TCFUN) foi celebrado o respetivo contrato de cessão de posição contratual dos contratos de trabalho afetos à ré BBB., nos termos constantes de fls. 15 a 17.
3.1.7.- Os trabalhadores da ré BBB prestaram o seu consentimento expresso à cessão da posição contratual, nos ternos de fls. 18 e 19.
3.1.15.- Foi feita a entrega judicial do imóvel que compreende o empreendimento hoteleiro em causa à ré CCC, que ficou assim na qualidade de fiel depositária do mesmo, nos termos de fls. 108 e 109.
3.1.16.- Foi assinado um aditamento a tal acordo de cessão da posição contratual, nos termos de fls. 11 e 112.
3.1.17.- Sucede que o proprietário do imóvel, o (…). expressamente recusou aprovar tal acordo, nos termos de fls. 113 e 114. 

4.2.– Da impugnação da matéria de facto
Antes de mais, importa referir que tanto a ré CCC como a DDD deram no essencial cumprimento aos ónus previstos no art.º 640.º do Código de Processo Civil, onde se determina que:
(…)
Relativamente à prova por declarações de parte, formulam-se apenas algumas notas enquadradoras, antes de se proceder à apreciação da impugnação fáctica deduzida pelas recorrentes. Como é sabido, a prova por declarações das partes (que foi instituída no Código de Processo de Civil por via da reforma introduzida a esse diploma pela Lei 41/2013, de 26 de Junho), está prevista no art.º 466.º onde se determina que “As partes podem requerer até ao início das alegações orais em 1.ª instância, sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham tomado directo conhecimento” (n.º 1), e que “ O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão” (n.º 3). Trata-se de um novo meio de prova, a apreciar à luz do princípio da livre apreciação da prova que já vinha, na prática, a ser utilizado pelos tribunais em alguns casos e que o julgador entendeu por bem expressamente consagrar no processo civil. Esta prova terá o valor probatório que, em função do caso, lhe for justificado atribuir, segundo a prudente convicção do juiz. Pois, como também tem sido considerado, a credibilidade das declarações deve ser aferida dentro de uma perspectiva crítica, “sem prejuízos, numa análise conjunta das demais provas (…), e em concurso com os demais elementos constantes do processo”. Podendo, ademais, esse tido de prova assumir especial relevância nos casos em que, pelas suas particularidades, apenas tenham tido intervenção as próprias partes, não tendo sido presenciados por terceiros, ou relativamente aos quais as mesmas tenham um particular conhecimento, assumindo um peso menor a produção de outros meios de prova. (Cfr., entre outros, Ruy Drummond Smith “A Prova por declarações de parte”, UAL, 2017, pág. 67; Mariana Fidalgo “A instrução no processo civil: a prova por declarações de parte”, FDUL, pág. 37 e Luís Filipe Pires de Sousa, “As declarações de parte - uma síntese, Verbo Jurídico, pág. 35 e segs.). Para além disso, encontrando-se as partes sujeitas ao dever de agir segundo a boa-fé e de prestarem a sua colaboração para a descoberta da verdade material (artigos 8.º e 417.º, do Código de Processo Civil), a prova por declarações de parte poderá consistir um relevante instrumento (às vezes o único) para a justa composição do litígio, o que constitui apanágio do processo civil. Isto para reafirmar, que é apenas no contexto particular de cada acção, em cada caso concreto, que o julgador irá aferir da pertinência, utilidade e mais-valia de tal meio de prova com vista à demonstração dos factos invocados em juízo.

(…)

(…) quanto ao ponto 3.1.8, dá-se como provado que: “Em princípios de maio de 2014 foi comunicado verbalmente ao autor que a ré CCC prescindia dos seus serviços, visto ter um trabalhador com a mesma categoria profissional (diretor hoteleiro). E, na sequência do exposto, dá-se como não provado o ponto 3.1.9

(…) deve o ponto 3.1.13 ter a seguinte redacção:  “No dia 9.05.2014, o autor através de carta registada com A/R, enviada pelo mandatário do autor para a Rua (…), onde se situam parte das instalações do Hotel (…) solicitou à ré CCC que no prazo de 5 dias informasse sobre as suas funções e quais as que irá desempenhar na nova sociedade”.

Relativamente ao ponto 3.1.14, dá-se como provado apenas o seguinte: “O autor não obteve resposta da ré CCC quanto à carta acima referida”.

(…)

4.3.– Da inaplicabilidade do disposto no art.º 285.º do Código do Trabalho
Tendo a alegada transmissão do estabelecimento ocorrido entre Abril e Junho de 2014, importa referir que é aplicável ao caso o preceituado nos artigos 285.º a 287.º, do Código do Trabalho, na versão anterior à decorrente do preceituado na Lei 14/2018, de 19 de Março, que com é sabido, alterou o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento e reforçou os direitos dos trabalhadores, tendo procedido à décima terceira alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro.
A redacção legal a considerar, é, pois, a seguinte:
“Artigo 285.º
Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento
1– Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2– O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3– O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4– O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
5– Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
6– Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3.”
Como resulta do citado preceito, a transmissão da empresa ou estabelecimento pode dar-se por qualquer título, o que, como facilmente se alcança, permite abarcar um vasto leque de situações. Assim, a transmissão pode ser total ou parcial e dizer respeito à transmissão da titularidade ou da exploração da unidade económica em que o trabalhador se insere (como sucede nos casos de trespasse, fusão, cisão, venda judicial, doação, concessão da exploração, etc). Aplicando-se, ainda, o aludido regime aos casos de cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, e ainda às hipóteses de transmissão ou de cessão da exploração inválidos e as referentes a mera transmissão de facto (Cfr. Ac. do STJ de 23-09-2009, Revista 740/07.3TTVNG.S1-4.ª Secção).

Deste modo, a transmissão pode dizer respeito quer ao negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, quer a transmissão formal ou de facto dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis, mas não necessariamente definitivas, na gestão do estabelecimento ou da empresa e mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário (Ac. do STJ de 25-02-2009, proc. 08S2309, www.dgsi.pt).

Deve ser qualificada “… como transmissão para efeitos da sujeição a este regime legal, não apenas a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (…), mas também a transmissão, a cessão ou a reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento sem alteração da respectiva titularidade (i.e., uma transmissão das responsabilidades de gestão a título temporário, embora estável) - art.º 285.º n.ºs 1 e 3” (M. Rosário Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, 6.ª Edição - Revista e actualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas até setembro de 2016, Almedina, pág. 644 e 645).

A transmissão da empresa ou estabelecimento traduz-se numa vicissitude contratual. O conteúdo do contrato de trabalho mantém-se incólume; apenas ocorre uma modificação de carácter subjectivo no que se refere ao empregador, vindo o transmissário a ocupar a posição do transmitente, mantendo o trabalhador todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho.

O desiderato do legislador é claro. Numa sociedade em permanente mudança e onde se sucedem as transformações a nível económico e social, encontrando-se as empresas sujeitas a forte concorrência e a outras contingências de mercado, sendo correntes os fenómenos de restruturação e descentralização empresarial, importa garantir aos trabalhadores a manutenção dos seus contratos de trabalho e os direitos deles decorrentes, bem como tutelar eficazmente a funcionalidade do estabelecimento. Por esse meio também se salvaguardando a segurança no emprego, bem como a liberdade de iniciativa económica, ambas consagradas nos artigos 53.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa (Cfr. Ac. do STJ de 27-05-2004, proc. 03S2467, www.dgsi.pt).

Os contratos de trabalho que se transmitem ao cessionário são apenas os contratos em vigor à data da transmissão e os contratos cuja cessação tenha sido declarada ilícita com as legais consequências, transitando para a esfera do adquirente as obrigações deles decorrentes. (Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 10-1-2007 e de 28-09-2017, proc. 1335/13.8TTCBR.S1, ambos em www.dgsi.pt.). Acresce ainda que, atentos aos valores em presença, é de considerar assumir a transmissão carácter imperativo, operando “op legis”, sendo irrelevante a vontade do cedente e do cessionário para seleccionar os trabalhadores que acompanham o estabelecimento, e também irrelevante, nesse sentido, a vontade unilateral do cedente. Nesta linha, João Reis “O regime da transmissão da empresa no Código do Trabalho” in “20 anos do Código das Sociedades Comerciais: Homenagem aos Professores Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 169.

Excluído do regime transmissivo, encontra-se o trabalhador que antes da transmissão haja sido transferido para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos art.º 194.º do Código do Trabalho (mudança definitiva do local de trabalho) e que se mantenha ao seu serviço.

Quanto ao regime de responsabilidade, pese embora o cessionário, como já dito, por via da transmissão assuma a posição de empregador, transmitindo-se-lhe os contratos de trabalho existentes, com os inerentes deveres e obrigações, o legislador estipulou que o transmitente responde “solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta”, sendo tal regime imperativo, não podendo, como tal, ser afastado pelo transmitente e operando “op lege” (Cfr. Joana Vasconcelos e Outros, “Código do Trabalho Anotado”, Almedina, 2009, 7.ª edição, pág.123).

Nos termos assinalados por David Carvalho Martins, “Da Transmissão da Unidade Económica no Direito Individual do Trabalho”, Cadernos laborais, nº 6, Almedina, pág. 324, a aplicação do presente instituto depende da verificação cumulativa de cinco pressupostos positivos e da não verificação de qualquer um dos três pressupostos negativos. Constituem pressupostos positivos: i) a existência de uma unidade económica; ii) a ligação efectiva do trabalhador à unidade económica; iii) a vigência do contrato de trabalho no momento da transmissão da unidade económica; iv) a modificação subjectiva da posição de proprietário ou de explorador da unidade económica e v) a assunção da exploração pelo cessionário. Sendo os pressupostos negativos os seguintes: i) a cessação lícita do contrato de trabalho; ii) a mudança de local de trabalho determinada licitamente pelo cedente até ao momento da transmissão e iii) o exercício do direito de oposição pelo trabalhador à transmissão da posição jurídica do empregador.

A fim de se poder concluir pela existência de uma unidade económica, a que se refere o n.º 5 do referido preceito (“conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”), que constitui pressuposto essencial da transmissão de estabelecimento (como emerge do n.º 1 do referido dispositivo legal), importa fazer apelo ao Direito da União Europeia e à interpretação que dele vem sendo feita pelo TJUE, já que, o citado art.º 285.º, à semelhança do que ocorrera com o art.º 318.º do Código do Trabalho de 2003, resultou da transposição da Directiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de Março de 2001, antecedida esta da Directiva 98/50/CE de 29 de Junho de 1998 e esta da directiva 77/187/CEE do Conselho de 14 de Fevereiro de 1977, referente à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos, ou parte de estabelecimentos.

À luz das mencionadas directivas, o TJUE tem vindo a interpretar a noção de empresa e de estabelecimento ou parte do estabelecimento com base em critérios (não comercialistas) flexíveis e não formais, realçando a existência de uma entidade (unidade) económica que mantenha a sua identidade após a transmissão, adiantando como critérios aferidores da existência de uma unidade económica, entre outros, “o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da actividade desenvolvida antes e depois da transmissão, a assunção de efectivos, a estabilidade da estrutura organizativa, etc.”(Joana Simão, “A transmissão de estabelecimento na jurisprudência do trabalho comunitária e nacional”, QL n.º 20, Coimbra Editora, pág. 205).

O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na acepção da aludida jurisprudência reside, pois, na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma, sendo considerado elemento determinante dessa definição e reconhecimento de unidade económica pela Jurisprudência Comunitária a autonomia (funcional) de parte da empresa ou do estabelecimento transmitidos. (Cfr. Acórdãos do STJ de 6-12-2017, proc. 357/13.3TTPDL.L1.S1 e de 30-10-2002, proc. 02S1579 e do TRL de 30-04-2014, proc. 306713.9TTFUNC.L.1, todos em  www.dgsi.pt).

Segundo a aludida jurisprudência do TJUE, a unidade económica deve manter a sua identidade no seio do transmissário (Proc. C-458/05 (Ac. Jouini), de 13/09/2007), o que se revela pela prossecução de um objectivo próprio a avaliar pelo conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória. Importa, assim, avaliar se a unidade económica mantém a sua identidade, se se mostra dotada de autonomia, constituindo uma unidade produtiva autónoma (Cfr. o citado Ac. do STJ de 6-12-2017 e o Ac. do mesmo Tribunal de 21-03-2018, proc. 471/10.7TTCSC.L1.S2). Tendo-se referido no Ac. do STJ de 26.09.2012, proc. 889/03.1TTLSB.L1, www.dgsi.pt, que «Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade. É, contudo, essencial que a transferência tenha por objecto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário».

Apontam-se, normalmente, como indícios dessa unidade económica, a ponderar em termos globais e no contexto de cada situação concreta: o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata; a transferência (ou não) de bens corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis; a reintegração (ou não), por parte do novo empresário dos efectivos; a continuidade da clientela; o grau de similitude entre as actividades exercidas antes e depois da transmissão e a duração de uma eventual suspensão dessas actividades.

Por conseguinte, é decisivo apurar se a entidade continuou a ser a mesma, apesar das múltiplas vicissitudes por que passa quanto ao seu titular, sendo de relevar, para tanto, se a transmissão engloba os seus bens móveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos, tais como a transmissão do know-how, a sucessão da actividade sem interrupção, a manutenção da clientela e a identidade da actividade desenvolvida após a transferência. (Cfr. Gonçalves Rocha “Transmissão de Estabelecimento e Manutenção dos Contratos de Trabalho”, PDT nºs 78-81, págs. 289 -302).

Expostas tais considerações, importa agora aquilatar da aplicabilidade do apontado regime de transmissão do estabelecimento ao caso em apreço.

Sustenta a ré CCC que o estabelecimento não se lhe transmitiu, invocando, para o efeito, que em virtude ter sido nomeada fiel-depositária por determinação judicial, assumiu apenas a posse do estabelecimento, continuando a ré BBB a desempenhar actividade nas mesmas instalações, tendo o autor escolhido livremente o seu empregador. No presente caso, ficou apurado que a ré, BBB desenvolvia no “Hotel (…)”, actividade de exploração hoteleira bem como de gestão de contratos de direitos reais de habitação periódica, sendo certo que o autor trabalhou para a BBB desde 1-04-1999, exercendo as funções de director hoteleiro. A situação alterou-se quando em 24 de abril de 2014 foi comunicado verbalmente ao autor e aos demais trabalhadores da ré BBB que a partir daquele momento a ré CCC tomaria posse do dito Hotel na qualidade de fiel depositária e de responsável pela exploração do mesmo Hotel. Com efeito, na sequência de providência cautelar de entrega judicial interposta pelo proprietário do prédio do urbano em regime de propriedade horizontal, onde se insere o mencionado Hotel, foi ordenada a sua entrega imediata àquele (certidão judicial de fls. 33 a 55). E, como resulta do termo de entrega judicial de fls. 108 e 109, veio a ser em 24.04.204 tal imóvel entregue à ré CCC na qualidade de fiel depositária. A ré CCC foi, assim, investida na qualidade de depositária do citado imóvel e assumiu-se como entidade exploradora do Hotel em questão na sequência daquela decisão judicial, tendo celebrado com a ré BBB o contrato de “cessão da posição contratual” (fls. 15 a 17), através do qual a ré BBB cedia à ré CCC a posição de empregadora perante os trabalhadores do mencionado Hotel, os quais deram o seu consentimento a esse negócio.

A “cessão da posição contratual” está prevista no art.º 424.º a 427.º do Código Civil, prescrevendo aquele normativo que no contrato prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão, e o art.º 425.º que a forma de transmissão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão. Esta modalidade contratual é aceite no âmbito das relações laborais, sendo que a cessão do contrato de origem convencional pressupõe três declarações de vontade: a proposta e a aceitação do cedente e do cessionário e o assentimento do trabalhador, que pode ser anterior ou posterior à cessão (Pedro R. Martinez, “Direito do Trabalho”, Almedina, 2013, pág. 716).

Mas, a celebração de tal contrato, a que não anuiu o autor, não implica que o mesmo fique excluído do regime transmissivo. Ponto é que se conclua pela transmissão da empresa ou do estabelecimento ou da sua exploração, nos termos legais citados.

Ora, de acordo com a factualidade provada, afigura-se-nos ter ocorrido tal transmissão. Relembra-se que a ré BBB, entretanto declarada insolvente por decisão transitada em julgado em 03-07.2014, desenvolvia no dito Hotel a actividade de exploração hoteleira e de gestão dos contratos referentes aos direitos reais de habitação periódica.

Ali trabalhavam, para além do autor, que era o director hoteleiro, outros trabalhadores com diversas categorias profissionais (empregados de andares e de quartos, governante, copeira, controlador de portas, escriturário, controlador de custos, escriturário, nadador, ajudante de banheiro, lavadeira), como emerge, expressamente, da listagem anexa ao acordo de “cessão da posição contratual”. Ou seja, a ré BBB explorava o referido empreendimento na vertente hoteleira e geria os contratos referentes aos direitos reais de habitação periódica. Para o efeito, usava as instalações físicas (prédio) onde aquele se situava, dispondo também, para tal exercício, de um conjunto de trabalhadores adstritos a várias categorias profissionais, o que naturalmente permitia o funcionamento da unidade hoteleira em questão, bem como a respectiva exploração.

Acresce ainda que reportando-se a antiguidade do autor a 1999 e a dos demais trabalhadores ali assinalados, alguns deles a finais da década de oitenta do século passado, é de concluir ter a ré BBB desenvolvido tal exploração durante vários anos, com o inerente know how, e respectiva clientela - tanto mais que o Hotel se situa na Madeira, uma das regiões do país com mais elevado índice de turismo.

Assim, a ré CCC passou a assumir a exploração daquele empreendimento hoteleiro desde 24-04-2014 (até junho de 2014), tendo o mesmo continuado a funcionar no mesmo local e com o mesmo nome.

Sustenta também a ré CCC que o autor permaneceu ao serviço da BBB, pelo que se trata de empregador livremente por ele escolhido. Sucede que também quanto a este aspecto não lhe assiste razão. É verdade que se provou que a ré BBB continuou a exercer no local a gestão dos direitos reais de habitação periódica, e que o autor ali se continuou a apresentar-se diariamente até julho de 2014. Só que isso não se traduz em qualquer opção do autor, no que concerne ao empregador. Não deve olvidar-se, que por um lado, a ré BBB não se encontrava a desenvolver actividade em termos de completa normalidade e funcionamento, pois não somente fora determinado que entregasse o imóvel ao seu proprietário, onde se situa o hotel, e onde vigoram tais direitos reais de habitação periódica (por falta de pagamento de rendas no valor de 107.414,33 euros à data de 21.05.2012, conforme consignado na sentença proferida no proc. 530/12.1TTFUN, fls. 33 a 55), como pendia contra si um processo de insolvência, a qual veio a ser declarada por decisão transitada em julgado logo em 03-07-2014. De outra banda, o facto de o autor se apresentar diariamente no Hotel, desde o início da presente situação até julho de 2014, compreende-se no apontado circunstancialismo, em que embora ainda permanecesse no local a BBB, a mesma fá-lo-ia em termos residuais, visto que a gestão, as “rédeas” do negócio de exploração do hotel, a liderança quanto ao pessoal e demais organização, passaram a ser da ré CCC - o que em termos profissionais, reconheça-se, é no mínimo perturbador para qualquer trabalhador.

Em face do apontado circunstancialismo pode concluir-se que a ré CCC, assumiu a gestão do Hotel, cuja estrutura se lhe transmitiu enquanto unidade autónoma, e funcional, dotada de meios técnicos e humanos que permitiram a continuação da sua exploração e manutenção do negócio. Operando-se, deste modo, a transmissão do estabelecimento, passando a ré CCC, por via disso, a ter a qualidade de entidade empregadora do autor - para quem o respectivo contrato de trabalho, com os inerentes direitos e obrigações, também se transmitiu.

Relativamente à situação do autor, deve ainda assinalar-se que a ré CCC ao ter- lhe comunicado verbalmente que prescindia dos seus serviços, visto ter um trabalhador com a mesma categoria profissional, perpetrou na pessoa daquele um despedimento. Na realidade, como tem sido entendido, o despedimento traduz-se num negócio jurídico unilateral recetício, através do qual o empregador revela a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho (…). A qualidade do despedimento como declaração de vontade recipienda significa que ela só é eficaz depois de recebida pelo destinatário, isto é, pelo trabalhador (Pedro Furtado Martins, “Cessação do Contrato do Trabalho”, 4ª edição revista e atualizada, Principia, Setembro de 2017, pág. 149).

Nos termos do artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita. É expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade. É tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. (Cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 11-04-2018, proc. 19318/16.4T8PRT.P1.S1). “1. O despedimento traduz-se na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um ato de carácter receptício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita). 2. Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador. 3. Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal. 4. A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante (…)”. (Cfr. Ac. do STJ de 21.10.2009, proferido no processo n.º 272/09.5YFLSB, e também citado no sobredito acórdão do STJ de 11-04-2018).

No presente caso, a declaração negocial foi expressa, porque emitida verbalmente, e inequívoca, no sentido da ruptura contratual com o autor. Pois, para além de ter sido dito ao autor que a ré prescindia dos seus serviços, esta manifestamente corroborou tal declaração ao não integrar o autor na lista do pessoal do hotel que pretendeu assumir no âmbito de “cessão da posição contratual”, e ao ter (efectivamente) colocado no hotel um dos seus trabalhadores a exercer as funções que o autor anteriormente exercia de director geral.

Não ocorrendo justa causa de despedimento, nem tendo sido elaborado processo disciplinar é ilícito o referido despedimento (art.º 381.º alíneas a) e b), do Código do Trabalho), tendo o trabalhador direito a ser indemnizado por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais e a ser reintegrado no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, caso não opte pela indemnização por antiguidade (artigos 391.º n.º1 e 389 n.º1 alíneas a) e b), do Código do Trabalho), bem como a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (art.º 390.º). Matéria esta a que adiante se retornará.

Posto isto, importa agora considerar a situação da chamada DDD. Sustenta esta, em síntese, que o contrato de trabalho do autor se não transmitiu para a ré CCC, razão pela qual se não pode falar de qualquer despedimento. A mesma iniciou ab initio a exploração da unidade hoteleira em causa a 24.06.2014, não lhe tendo sido transmitida qualquer carteira de clientes, turistas ou qualquer relação contratual com fornecedores, nem qualquer relação jurídica laboral, razão pela qual teve de contratar trabalhadores. Não lhe foi transmitido o know-how de gestão turística, a organização de meios, a comercialização e o planeamento do negócio. E que quando contratou com o (…), a ré BBB já não exercia a exploração turística do imóvel, nem tão pouco a ré CCC, nem, obviamente, o (…), havendo um acentuado lapso temporal desde o fim da gestão da ré BBB e o início contratual da gestão da recorrente, o que traduz, mais do que uma mera interrupção, o fim de uma gestão por nada haver a gerir e o início de outra.

Afigura-se-nos que também quanto a este ponto está a DDD carecida de razão. E começa por se dizer que da factualidade provada e demais elementos apurados nos autos não resulta que a actividade hoteleira desenvolvida no dito estabelecimento tenha sofrido paralisação, tudo apontando no sentido de que apesar das vicissitudes e das mudanças dos seus responsáveis, o referido Hotel não terá deixado de funcionar até ao início da exploração pela chamada. É o que se depreende da circunstância da ré CCC  ter colocado como director-geral do mesmo um seu trabalhador; de terem sido vários os trabalhadores daquele estabelecimento que, tendo dado o seu acordo à “cessão da posição contratual”, lá terão continuado a trabalhar e de o próprio “contrato de gestão de exploração turística”(fls. 144 a 155), celebrado entre o proprietário do imóvel em questão (…) e a DDD se referir ao dito empreendimento em termos que apontam para a inexistência de (qualquer) interrupção ou hiato temporal no que se refere à sua actividade. Ali se faz menção aos direitos reais de habitação periódica existentes sobre 92 das suas fracções (pontos C e E), aos termos e condições de exploração das unidades de alojamento aos turistas (ponto 2), e ao empreendimento turístico em si instalado no prédio urbano identificado (Cláusula 1.1.B). Resulta também do mesmo “contrato de gestão e de exploração turística” que foram postos à disposição da chamada as instalações e os equipamentos de exploração turística, bem como os serviços de gestão comum existentes no dito hotel (Cláusulas D, E, e G); a chamada ficou com o direito de explorar em exclusividade todas as fracções referentes a instalações e equipamentos e serviços do empreendimento identificados no anexo I (onde se faz menção, nomeadamente aos apartamentos (fracções), diversas salas, sala de vídeo, restaurante, piscina, economato, estacionamento, Health Club, arrecadação e refeitório); constituindo responsabilidade da mesma, as despesas de conservação e funcionamento das instalações, equipamentos e serviços de exploração turística (Cláusula 5.1.), sendo também obrigação da entidade exploradora conservar o recheio das unidades de alojamento e todos os equipamentos nelas instaladas, bem como todos os móveis e equipamentos nelas instalados, móveis e equipamentos das fracções destinas a instalações, equipamentos do empreendimento, repondo o que for necessário (Cláusula 7.ª alínea h).

Destarte, porque não resulta de tal contrato, nem dos demais elementos dos autos, que o empreendimento hoteleiro carecesse de remodelação, obras, ou quaisquer alterações, ou que estas tivessem sido feitas, é de concluir ter a chamada recebido um estabelecimento hoteleiro operacional e em normais condições de funcionamento. A isto acresce, como já dito, ter o mesmo Hotel mantido a sua localização e designação (…), desta maneira se permitindo uma melhor identificação do mesmo com vista à continuidade da sua exploração.

Deve ainda salientar-se, que também recursos humanos do Hotel transitaram para a esfera patronal da recorrente na medida em que, como a mesma refere, ficou com trabalhadores que já prestavam serviço na dita unidade hoteleira (artigos 14.º e 20.º da sua contestação – sendo irrelevante, no presente contexto e nos termos supra assinalados, que tenha celebrado (novos) contratos de trabalho com aqueles), os quais, como já se viu, tendo acentuada antiguidade (experiência) ao serviço da indústria hoteleira, não podem deixar de se considerar como uma mais-valia em termos de know how, acrescentando credibilidade e imagem ao estabelecimento junto dos respectivos utentes. Quanto à clientela, atenta a região onde se situa o empreendimento e a antiguidade deste, é de concluir que se mantém.

Relembra-se que a exploração da aludida unidade hoteleira adveio para a DDD na sequência da celebração entre esta e o (…), proprietário do imóvel onde se situa o Hotel, do mencionado “contrato de gestão e de exploração turística”. Todavia, uma vez que é irrelevante para efeitos da aplicabilidade do regime transmissivo, a existência de directas relações contratuais entre o cedente o cessionário, nos termos anteriormente expostos, é de concluir ter sido a recorrente investida na gestão e exploração de um estabelecimento hoteleiro, dotado da correspondente estrutura em termos materiais e humanos, com autonomia operativa e funcional, onde se continuou a desenvolver a mesma actividade de hotelaria - e que, assim, manteve a sua identidade. O que significa, à luz do citado art.º 285.º do Código do Trabalho, ter ocorrido a transmissão do referido estabelecimento e, por inerência, a transmissão do contrato de trabalho do autor para a esfera da DDD.

Retornando à situação do autor.

Vimos acima que a ré CCC perpetrou na pessoa deste um verdadeiro despedimento, que conforme referido foi ilícito. E porque “a declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência a retoma da relação de trabalho pelo trabalhador despedido como se o despedimento nunca tivesse ocorrido, mantendo, portanto, o trabalhador todos os direitos que a relação de trabalho lhe conferia” (…) “e porque essa declaração tem eficácia retroativa, restabelece-se o vínculo contratual e, bem assim, os efeitos do contrato de trabalho, como se o despedimento não tivesse existido, o que demanda a consequente restauração natural, nos termos dos artigos 389.º e 390.º, deve a entidade empregadora indemnizar o trabalhador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos; pagar-lhe o valor das retribuições correspondentes ao período decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal e reintegrá-lo, com a categoria e antiguidade devidas, salvo nos casos aludidos nos artigos 391.º e 392.º, que disciplinam a atribuição de indemnização em substituição da reintegração” (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de novembro de 2003, proc. 3743/2002, e de 9 de Setembro de 2015, 180/10.7TTVRL.L1, ambos em www.dgsi.pt.). Desta feita, sendo consequência da declaração de ilicitude do despedimento a retoma da relação laboral pelo trabalhador, tudo se passando como se não tivesse ocorrido o despedimento, mantém o autor todos os direitos decorrentes do seu contrato de trabalho, considerando-se este vigente à data da transmissão da exploração e operando-se transferência do mesmo para a esfera do cessionário, a DDD.

Quanto a esta matéria, tendo o autor optado pela reintegração, os direitos que lhe assistem são os consignados na decisão recorrida, para além dos salários que se encontravam em dívida, ali também consideradas. 

4.4.– De não serem devidas ao autor as retribuições a partir de Julho de 2014.

Pretendem ambas as recorrentes que caso se conclua pela transmissão do estabelecimento e pela sua responsabilidade no pagamento ao autor das retribuições decorrentes do contrato de trabalho, não são as mesmas devidas, visto o mesmo ter entrado de baixa em julho de 2014 e o contrato de trabalho se ter suspendido a partir dessa altura. Sucede que a presente matéria traduz uma questão nova por não ter sido alegada pelas partes nos seus articulados, nem apreciada pelo tribunal “a quo”, estando por isso vedado ao tribunal de recurso dela tomar conhecimento (art.º 627.º do Código de Processo Civil). Os recursos visam reapreciar e modificar as decisões e não criá-las sobre matérias novas, salvo casos de conhecimento oficioso, o que não ocorre -  razão pela qual se não conhece da presente questão.

5.– Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento aos recursos da ré CCC e da DDD, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelas recorrentes.


Lisboa, 2018-11-07


Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro