Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8989/2008-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
TRANSPORTE MARÍTIMO
PERDA DAS MERCADORIAS
RESPONSABILIDADE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: A acção de indemnização contra o transportador pelos danos decorrentes da perda de mercadoria ao abrigo do art.º 6ª, 4º Parágrafo da Convenção de Bruxelas de 25-08-24 tem de ser intentada no prazo de um ano sob pena de caducidade, sendo o termo a quo desse prazo o da entrega da mercadoria.
(G.A.)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE/AUTORA. GREEN HOPE – IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE BENS ALIMENTARES, LDA.(Representada em juízo pelo ilustre advogado (S) com escritório em Almada, conforme procuração de fls. 21)

*

APELADA/RÉ: BOX LINES NAVEGAÇÃO, S.A. (Representada em juízo pela ilustre advogada  (A) que, com reserva substabeleceu nos ilustres advogados (B) e (D), todos com escritório em Lisboa conforme instrumentos de fls. 64 e 65 que aqui se reproduzem).

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Ambas com os sinais dos autos.

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Inconformada com o teor da sentença de 14/03/08 que julgou improcedente a acção por extinção do direito que a Autora pretende exercer por caducidade, dela apelou a Autora em cujas alegações conclui:

a) A Apelante não julga aplicável a Convenção de Bruxelas ao caso sub iudice.

b) A Apelante contratou a “Trans Orion” para esta, como empresa transitária, lhe prestar serviços de expedição e envio de mercadorias e o transporte foi efectuado pela ora Apelada Box Lines Navegação S.A., sendo que o contrato de transporte foi estabelecido assim entre a Trans Orion e a Apelada e não com a Apelante.

c) A R., ora Apelada, reconheceu antes e reconheceu na sua contestação que indicou por lapso uma temperatura errada para o transporte da mercadoria em causa.

d) A Apelante na qualidade de proprietária e importadora da mercadoria em causa nos autos foi lesada por via da acção da R. devendo, por esta ser indemnizada.

e) A Apelante requereu a indemnização por via do prejuízo sofrido em sede de responsabilidade extracontratual.

f) As razões de direito são as fundamentadas ao abrigo do art.º 483 e 562 do CCiv, por via da responsabilidade extracontratual, não sendo aplicável a Convenção de Bruxelas, sendo aplicável ao caso concreto o prazo de prescrição ordinário. Acresce que,

g) A prescrição pode ser interrompida pelo reconhecimento do direito expresso ou tácito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, nos termos do art.º 325/1 e 2 do cCiv.

h) O reconhecimento desse lapso por parte da Apelada, tanto no documento 6 junto com a p.i., bem como, posteriormente a essa data, perante testemunhas, interrompe a prescrição/caducidade.

Conclui pedindo a procedência do recurso e a revogação do saneador/sentença.

Em contra-alegações a Ré conclui:

1. A causa de pedir e o pedido realizado pela Apelante contra a Apelada funda-se no eventual incumprimento ou no cumprimento defeituoso do contrato de transporte de mercadorias por mar, ou seja, numa relação jurídica de natureza contratual, estando apenas em causa a execução deste contrato.

2. A Apelante não alterou a causa de pedir na réplica, nem mesmo na sequência do convite que lhe foi dirigido para aperfeiçoar este articulado, sendo que, em virtude da factualidade alegada e provada, também não pode vir agora alterá-la em sede de recurso;

3. A admitir-se a tese defendida pela Apelante, estar-se-ia a consentir que esta pudesse, por via da invocação da responsabilidade extracontratual, tornear o n.º 1 do art.º 15 do DL 255/99, de 7/7, que regula a actividade transitária.

4. Assim, as normas aplicáveis são as constantes da Convenção de Bruxelas de 1924, por força do art.º 2.º do DL 352/86, de 21/10.

5. Atendendo à factualidade dada como provada, nos termos do n.º 6 do art.º 3.º da CB de 1924, a pretensão da Apelante caducou pelo decurso do prazo peremptório de 1 (um) ano para o exercício do direito a que a mesma Apelante se arroga.

6. O que a Apelada fez foi reconhecer a existência de um lapso ou engano, o que não equivale ao reconhecimento de que a mercadoria tivesse sofrido um dano ou que tivesse ficado avariada;

7. Deste modo, não há que considerar qualquer reconhecimento por parte da Apelada do direito da Apelante a uma indemnização, uma vez que o reconhecimento do dano é um dos pressupostos da efectivação da responsabilidade civil – de natureza contratual ou extracontratual desta.

Conclui pedindo a confirmação do saneador-sentença.

Recebido o recurso, foram os autos aos vistos legais dos Meritíssimos Juízes-Adjuntos que nada sugeriram. Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.

Questão a resolver: Saber se houve erro de julgamento do Tribunal recorrido ao considerar que se está perante uma situação de responsabilidade contratual resultante do cumprimento defeituoso de contrato de transporte marítimo por parte da Ré, a que é aplicável o prazo de caducidade de um ano, no caso ultrapassado, previsto no art.º 3, n.º 6 da Convenção de Bruxelas aqui assinada em 25/08/1924 a que Portugal aderiu por Carta de 5/12/1931, publicada no DG I série de 2/6/1932 e que foi tornada direito interno pelo DL 27.748, de 1/2/1950 subsidiariamente pelas disposições do DL 352/86 de 21/10; ocorrendo erro, saber se se está perante uma situação de responsabiliadde extracontratual a que se aplica o prazo prescricional do art.º 483 do CCiv no caso interrompido pelo reconhecimento constante do doc 6 e posteriormente em Maio de 2004.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerou-se no saneador-sentença a seguinte factualidade não impugnada neste recurso e necessária ao conhecimento da excepção peremptória de caducidade tal como o Tribunal recorrido a qualificou:

1. A R. BOX LINES foi telefonicamente contactada pela empresa LIDERTRAFEGO – Navegação e Trânsitos, Lda, para efectuar o transporte em contentor frigorífico de diversos cartões de manteiga, do porto de Ponta Delgada para o porto de Lisboa, à temperatura solicitada de -20º C;

2. A R. BOX LINES entregou o contentor ITLU – 781267/0 à referida LIDERTRÁFEGO para que procedesse à consolidação da mercadoria, o que esta veio a fazer;

3. Após a consolidação e devolução do contentor, os serviços da ora R. BOX LINES em Ponta Delgada, na convicção de que a mercadoria a transportar era manteiga procederam, conforme solicitado pela LIDERTRÁFEGO, à regulação da temperatura para os -20º C;

4. A agência da ora R. em Ponta delgada apresentou a bordo a respectiva Nota de Carga que designava a mercadoria como sendo manteiga e indicava como temperatura requerida para o transporte – 20º C;

5. A Nota de carga é feita em função da reserva de carga e da entrega do contentor ao cliente para enchimento, sendo que, regra geral, as instruções de preenchimento do conhecimento de embarque só são elaboradas mais tarde, o que também veio a suceder no presente caso;

6. Em conhecimento de embarque n.º CF2-002, emitido pela Box Lines Navegação S.A., textua-se:

· Carregador- LIDERTRÁFEGO, LDA (…)

· Recebedor – TRANS ORION – Transportes Internacionais, S.A. (…)

· Navio – S. Gabriel

· Porto de Carga – Ponta Delgada

· Porto de Descarga – Lisboa

· Quantidade e Qualidade de volumes: conteúdo – 1/20 D/40`Container Sic Caixas 1 x 20`que se diz conter queijo Tem. + 4º

· Data 2001/11/10

7 Os produtos foram carregados no navio S. Gabriel, em Ponta Delgada, no dia 10 de Novembro de 2001, com destino a Lisboa.

8 Posteriormente, a LÍDERTRÁFEGO, no âmbito das instruções para preenchimento do conhecimento de embarque, veio referir que a mercadoria a transportar seria queijo e não manteiga e que, como tal, o contentor deveria ser regulado para a temperatura de + 4ºC.

9 A agência da R. BOX LINES, em Ponta Delgada, fez constar do conhecimento de embarque novas indicações que lhe foram comunicadas pela LIDERTRÁFEGO quanto à carga e temperatura a observar durante o transporte.

10 Por lapso não informou os serviços de bordo do navio “S. Gabriel” destas alterações.

11 Em 14/11/2001, à descarga do contentor no porto de Lisboa, a R. BOX LINES veio a constatar o referido lapso;

12 A R. por fax datado de 15/11/2001, comunicou ao transitário contratado pela A. – TRANS ORION, Transporte s Internacionais, S.A., que tinha sido detectada à descarga em Lisboa uma anomalia na temperatura do contentor, porquanto a temperatura deveria estar regulada para 4ºC e estava regulada para -20º C, temperatura que manteve durante a viagem e que se encontrava à chegada.

13 Para o transporte das mercadorias referidas e com o destino mencionado, foi emitido e assinado pela R., na sua qualidade de transportador marítimo, o “Bill of Landing” – “Conhecimento do Embarque”, o qual titula o contrato de transporte marítimo do contentor com a mercadoria da A.

14 Em 28/11/2001, estando presentes um responsável pelo armazém do SPC, um representante da empresa UNILEITE, um representante da empresa TRANS ORION, um perito nomeado pela Companhia de Seguros Fidelidade, na qualidade de seguradora da UNILEITE e o perito da COMISMAR, indicado pela ora R., procedeu-se á abertura do contentor n.º ITLU – 781267/0 e efectuou-se vistoria conjunta do contentor e da mercadoria.

15 A ora R. BOX LINES, em face do lapso verificado e procurando preservar o seu bom nome comercial, propôs à TRANS ORION, aceitar uma desvalorização de 5% em relação do preço de venda da mercadoria

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Depois de enquadrar o contrato de transporte de mercadorias por mar no DL 325/06 de 21/10 e na Convenção de Bruxelas a que Portugal aderiu por Carta de 5/12/1931, tornada direito interno pelo DL 37.748, de 1/1/1950 (aquele subsidiário desta Convenção), designadamente no art.º 3/6 da Convenção que estatui o prazo de um ano a contra da entrega da mercadoria ou da data em que estas deveriam ser entregues para a efectivação da responsabilidade do armador e do navio de toda a responsabilidade de perdas e danos e de 2 anos previsto no art.º 27/2 do Decreto-lei referido, conclui que o prazo em questão é de caducidade que só é impedida pela prática do acto dentro do prazo legal (art.º 331 do cCiv) e porque a proposta feita pela Ré à Autora de aceitar uma desvalorização de 5% em relação ao preço de venda de mercadorias não constitui um reconhecimento concreto, preciso e sem ambiguidades do direito indemnizatório que a Autora se arroga, o direito da Autora caducou; acrescenta ainda que a responsabilidade que a Autora pretende fazer valer é a responsabilidade contratual fundada no cumprimento defeituoso do contrato.

Nas alegações a Autora/Recorrente vem sustentar que em face da contestação da Ré veio na Réplica requerer a indemnização por via do prejuízo sofrido em sede de responsabilidade extracontratual ao abrigo dos art.ºs 483 e 562 do CCiv, pelo que está em causa a prescrição do direito, não é aplicável a Convenção de Bruxelas antes o prazo de prescrição ordinária de 20 anos, direito do Autor que foi inequivocamente reconhecido pela Ré, bastando a declaração comprovada nos autos para interromper o prazo em questão, inutilizar o já transcorrido, sendo certo que o prazo cuja contagem renasceu ainda não decorrera à data da citação.

Vejamos: a Autora nos art.ºs 2, 3, 5 a 7, 8, 11, 19, 20 da petição inicial diz que adquiriu a uma certa empresa da Região Autónoma dos Açores certa quantidade de queijo e “solicitou” da Ré as operações necessárias para que a mercadoria chegasse ao seu destino (Lisboa de onde se destinavam posteriormente a Angola para ser comercializado), sendo transitário a Trans Orion, mercadoria que foi carregada num certo navio em Ponta Delgada como resulta de conhecimento de embarque, onde constam como carregadora a empresa Lídertráfego-Navegação e Trânsitos e como consignatária, transportadora e agente a Ré. Do conhecimento de Embarque resulta que a mercadoria deveria ser transportada a temperatura de + 4º e a Ré colocou o disco que regula a temperatura -20º temperatura essa que manteve durante a viagem pelo que é responsável pela desvalorização sofrida pelo queijo determinada pela cristalização excessiva e consequente alteração do aspecto do queijo.

Na Réplica a Autora alegou que Ré bem sabia que a transitária “Trans Orion” agia em representação da A. e que esta era a importadora dos queijos em causa (art.º 2.º) e que é a própria Ré quem reconhece que foi contactada pela empresa Lídertráfego para efectuar o transporte em contentor frigorífico e que a Ré pelo seu comportamento lesou a A proprietária da mercadoria estando obrigada a indemnizar nos termos dos art.ºs 483 e 562 do CCiv

Por despacho de fls. 88/89 o Meritíssimo juiz veio dizer que ocorre alteração relevante da versão de facto, já que na p.i. pareceria demandar a Ré pelo incumprimento contratual, na Réplica alega ser proprietária e importadora da mercadoria transportada pela Ré e que sofreu danos que a Ré teria de indemnizar em sede de responsabilidade contratual. Convidada ao aperfeiçoamento dos articulados no sentido de saber se mantém integralmente a matéria de facto alegada na petição inicial ou pretendeu alterar a causa de pedir com a réplica com a dilucidação das razões de direito respectivas veio a Autora a apresentar o seu requerimento de 13/07/08 onde em suma diz não existir qualquer contradição entre o alegado na p.i. e o alegado na Réplica e que contratou a “Trans Orion” para esta como transitária lhe prestar os serviços de expedição e envio de mercadorias e o transporte foi efectuado pela Ré e que na qualidade de proprietária e importadora da mercadoria em causa foi lesada devendo ser indemnizada nos termos dos art.ºs 483 e 562 do CCiv. A isto respondeu a Ré dizendo em suma que ocorre certa confusão da Autora uma vez que nos termos do art.º 15/1 do DL 255/99 de 7/7 e 406/2 do CCiv a relação entre a Autora e a transitária não produz quaisquer efeitos em relação à Ré, e sendo na versão da Réplica o contrato de transporte realizado entre a transitária e a Ré face ao art.º 1.º do DL 325/86 de 21/10 não teria qualquer eficácia em relação à Autora; pressupondo a responsabilidade extracontratual aludida sempre o direito da Autora estaria prescrito face ao art.º 498/1 do cCiv.

No saneador-sentença conheceu-se da excepção de ilegitimidade pela Ré suscitada em suma dizendo-se que “(…)A e R são sujeitos da relação jurídica tal como é configurada pela Autora e se essa relação existe ou não é matéria  que não cumpre nesta fase decidir(…)”; Em sede de mérito a sentença recorrida conclui que se está perante o cumprimento defeituoso do contrato de transporte marítimo.

À matéria de facto dada como provada poderemos acrescentar aquilo que a Autora alegou em aperfeiçoamento dos seus articulados, especificamente na Réplica, o que constitui uma alteração parcial à causa de pedir e que a Ré verdadeiramente não impugna na resposta ou seja o constante do art.º 2 desse articulado a fls. 96 em conformidade com o disposto nos art.ºs 503, 505 e 490: “A Autora contratou a “Trans Orion” para esta, como empresa transitária, lhe prestar serviços de expedição e envio de mercadorias e o transporte foi efectuado pela ora Ré.

Tal facto tem de se considerar admitido por acordo. E então em conjugação com a restante factualidade dada como provada temos a Autora a contratar a transitária Trans Orion para efectuar o transporte da mercadoria em causa para Lisboa.

A Ré, na sua contestação excepcionara a legitimidade da Autora em virtude de a Autora não ser parte ou sujeito do contrato de transporte marítimo titulado pelo conhecimento de embarque junto aos autos (cfr. art.ºs 1 a 6 da contestação);

A Autora, por seu turno, alegara no art.º 5 da p.i. (A A. solicitou à Ré as operações necessárias por forma a que a mercadoria chegasse ao seu destino, o que foi por esta aceite). O aqui alegado consubstanciaria a celebração do contrato de transporte, alegadamente celebrado entre a Autora e a Ré, mas tal alegação foi modificada na Réplica, nos termos que acima se referiram e assim sendo o contacto com a Ré não foi directo.

O conhecimento de embarque ou de carga constitui o representativo da mercadoria nos termos do art.º 11 do DL 352/86 de 21/10, que regula o contrato de transporte de mercadorias por mar e comprova juntamente com a entrega das mercadorias a emissão de declarações negociais reciprocamente aceites pelas autora e pela ré e integradoras do contrato de transporte definido pelo art.º 1.º do DL 352/86 art.º 1 da Convenção de Bruxelas (cfr. Mário Raposo in Estudos Sobre o Novo Direito Marítimo, Coimbra Editora, 1999, pág, 147). E lido o conhecimento de embarque de fls. 9 dele não consta expressamente o nome da Autora.

Embora não esteja admitido por acordo porque tal resulta, como adiante veremos da natureza jurídica das funções de transitário, a Trans Orion contactou a Ré com vista ao transporte das mercadorias e a Lidertráfego que age como carregadora da mercadoria, contacta telefonicamente a Ré como transportadora marítima para a efectivação desse mesmo transporte, esta entrega o contentor ao carregador que consolida e devolve a mercadoria (pontos i, ii, iii da decisão de facto). Parece-nos lógica a ilação de que a carregadora só pode ter sido contactada pela mencionada transitária com vista ao transporte das mesmas mercadorias (art.ºs 349 e 351 do CCiv).

A transitária não está nos autos. a sua actividade está enquadrada pelo DL 255/99 de 7/07 que estatui no seu art.º 1.ª/2: “A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios:_ a) gestão dos fluxos de bens ou mercadorias, b)Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal”

Nem o Código Comercial de 1888, em vigor, inclui o contrato de expedição no elenco dos contratos especiais do comércio a que dedica o seu Livro Segundo o contrato de expedição ou trânsito, não lhe fazendo qualquer referência, nem lha faz o Código Civil, e a intervenção legislativa (citado diploma 255/99) tem-se dirigido não ao contrato mas às condições para o exercício da actividade transitária, hoje com funções bastantes variadas e complexas, a que o Direito Internacional tem dado uma crescente importância.

É múltipla, como se vê do diploma citado, a actividade do transitário.

Não havendo uma definição nem regulamentação específica, o contrato de expedição ou trânsito, pode definir-se como sendo aquele pelo qual uma parte (transitário) se obriga perante a outra (o expedidor) a prestar-lhe certos serviços que tanto podem ser actos materiais ou jurídicos – ligados a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou mais contratos de transporte em nome e em representação do cliente[1]

Na nossa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a actividade do transitário tem sido configurada como um contrato de mandato, sem prejuízo de também se comprovar a celebração de um contrato de transporte directo.[2]

Face à matéria de facto que acima se deu como provada não é possível concluir que entre a Autora (expedidora e também adquirente das mercadorias) e a mencionada transitária se acordou, para além da prestação dos mencionados serviços também o contrato de transporte, apenas os serviços necessários à expedição e envio das mercadorias de Ponta Delgada para Lisboa, neles incluídos seguramente a celebração com a Ré do contrato de transporte.

Desconhece-se em que termos se efectivou esse mandato com a transitária a qual, repete-se, não se encontra nos autos, pelo que se desconhece se foi ou não com representação, na certeza que só nesta última hipótese (cfr. art.ºs 1178 e 258 do cCiv) é que o negócio (neste caso o contrato de transporte outorgado pelo mandatário) produz os seus efeitos, directamente, na esfera jurídica do mandante (de acordo com o art.º 15/1 do DL 255/99 as empresas transitárias respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas próprias obrigações e também pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso).

Daqui não se segue forçosamente que como pretende a recorrente nos encontremos fora do âmbito da Convenção de Bruxelas de 25/08/1924, tornada direito interno pelo DL 27.748, de 1/2/1950.

Neste diploma seu art.º 1.º refere-se expressamente que o disposto nos art.ºs 1 a 8 da mencionada Convenção é aplicável a todos os conhecimentos de carga emitidos em território português, qualquer que seja a nacionalidade das partes contratantes, o que é, seguramente, o caso. O DL 352/86 citado no seu art.º 1.º define o contrato de transporte de mercadorias por mar como sendo aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a transportar determinada mercadoria para porto diverso, mediante uma retribuição pecuniária denominada frete; e o no seu art.º 2.º estatui-se que “este contrato é disciplinado pelos tratados e convenções internacionais vigentes em Portugal e, subsidiariamente, pelas disposições do presente diploma.”

Ocorre no caso um contrato de transporte de mercadorias por mar, com conhecimento de carga emitido em Portugal da qual não consta o nome da Autora como se viu e disse; a mercadoria transportada sofre avaria durante o transporte e a Autora pretende ser ressarcida. Independentemente do critério específico da subsidiariedade[3], não estando demonstrado que os contentores de transporte da mercadoria foram estivados no convés (circunstância que de acordo com a alínea c) do art.º 1 faria excluir ipso iure a aplicabilidade da Convenção), aplica-se ao caso a Convenção de Bruxelas em referência (Unificação de Regras em Matéria de Conhecimentos de Carga).

Dispõe-se no art.º 2.º “Salvo o disposto no art.º 6.º, o armador, em todos os contratos de transporte de mercadorias por mar, ficará, quanto ao carregamento, manutenção, estiva, transporte, guarda, cuidados e descargas dessas mercadorias, sujeito às responsabilidades e obrigações e gozará dos direitos e isenções indicados nos artigos seguintes.”

E no art.º 6, § 3: “Em todos os casos o armador e o navio ficarão libertados de toda a responsabilidade por perdas ou danos, não sendo instaurada a respectiva acção no prazo de um ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues.”

Por seu turno o art.º 27/2 do DL 352/86 estatui: “Os direitos de indemnização previstos no presente diploma devem ser exercidos no prazo de dois anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.”

Em causa em primeiro lugar a natureza desse prazo, se de caducidade de se prescrição.

Dispõe o n.º 2 do art.º 298 do CCiv: Quando, por força da lei ou por vontade das partes um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição. E, salvo melhor tradução da Convenção e atento o teor do DL 352/86 nada aí se refere à prescrição, pelo que se deve ter como prazo de caducidade. Relativamente a tal questão, por se encontrar suficientemente analisada, remetemo-nos para o teor da sentença nos termos do art.º 713/5 do CPC.

Por conseguinte a responsabilidade da Ré perante a Autora está sujeita àquele prazo que é um prazo de caducidade que não de prescrição, não se lhe aplicando o prazo de prescrição ordinária de 20 anos do art.º 309 do CCiv (nem sequer esse prazo seria aplicável nas relações entre o expedidor e o transitário já que o direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve- esse sim um prazo de prescrição- no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação do serviço contratada por força do art.º 16 do DL 255/99). Poderia eventualmente estar em causa o cumprimento defeituoso do contrato de transporte se a acção se dirimisse directamente entre os contratantes desse transporte o que não está demonstrado como se disse. O que está em causa não é a inexecução do contrato de transporte antes a indemnização por perdas e danos de mercadorias transportadas e relativamente às acções contra o transportador aplica-se a Convenção de Bruxelas e o mencionado prazo.

Também a jurisprudência do nosso mais alto Tribunal assim o tem entendido como resulta dos arestos a seguir sumariados e disponíveis em www.dgsi.pt.:

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 08A1991 

Nº Convencional: JSTJ000

Relator: NUNO CAMEIRA

Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO

INCUMPRIMENTO DO CONTRATO

CONHECIMENTO DE EMBARQUE

TRANSITÁRIO

CONVENÇÃO DE BRUXELAS

Nº do Documento: SJ200809160019916

Apenso:

Data do Acordão: 16-09-2008

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA

Decisão: NEGADA A REVISTA

 Sumário :

1) Porque resulta de um manifesto lapso de que padece a tradução oficial portuguesa, a referência a “armador” que consta do artº 1º, a), e do artº 3º, nº 6, da Convenção de Bruxelas de 25.8.24, deve ser lida e entendida como “transportador”.

2) O prazo de um ano para intentar contra o transportador a acção de perdas e danos prevista no artº 6º, 4º parágrafo, da Convenção é um prazo de caducidade.

3) O contrato de expedição é aquele em que um transitário se obriga perante o expedidor a prestar-lhe serviços (que tanto podem ser actos materiais como jurídicos) ligados a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou mais contratos de transporte em nome e representação do cliente.

*

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 07A2649 

Nº Convencional: JSTJ000

Relator: MÁRIO CRUZ

Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO

PERDA DE MERCADORIA

ABUSO DE DIREITO

 

Nº do Documento: SJ2007091826491

Data do Acordão: 18-09-2007

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Privacidade: 1

 

Meio Processual: REVISTA

Decisão: CONCEDIDA A REVISTA

 

Sumário :

I. A partir do DL n.º 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950, o Estado Português passou a impor como fonte de direito a Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924 a todos os transportes marítimos cujos conhecimentos de carga tivessem sido emitidos em território português, qualquer que fosse a nacionalidade dos contratantes.

II. De acordo com a referida Convenção, a acção para ressarcimento de danos por perda de mercadoria tem de ser proposta no prazo de um ano, sob pena de caducidade.

III. Não constitui abuso de direito a invocação da caducidade por parte da entidade demandada quando se comprove que não foi ela quem alegadamente entreteve a A. com promessas de solução do problema sem necessidade de recurso judicial. 

*

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 082487 

 

Nº Convencional: JSTJ00016848

Relator: FERNANDO FABIÃO

Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO

RESPONSABILIDADE CIVIL

CADUCIDADE

PRORROGAÇÃO DO PRAZO

 

Nº do Documento: SJ199210270824871

Data do Acordão: 27-10-92

Votação: UNANIMIDADE

Tribunal Recurso: T REL LISBOA

Processo no Tribunal Recurso: 4779/91

Data: 22-10-91

Texto Integral: N

Privacidade: 1

 

Meio Processual: REVISTA.

Decisão: NEGADA A REVISTA.

Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.

DIR PROC CIV. DIR ECON - DIR TRANSP DIR MARIT.

Legislação Nacional: DL 37748 DE 1950/02/01.

CPC67 ART496 ART722 N2 ART729 N2.

CCIV66 ART279 E ART298 N2 ART303 ART330 N1 ART333 N2.

DL 352/86 DE 1986/10/21 ART2.

Referências Internacionais: CONV INTERNACIONAL DE BRUXELAS DE 1924/08/25 ART1 C ART3 N6 ART10.

Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1981/01/08 IN BMJ N363 PAG190.

AC STJ DE 1977/04/28 IN BMJ N266 PAG153.

 Sumário : I - A Convenção Internacional de Bruxelas, de 25 de Agosto de 1924, tornada direito interno português pelo Decreto-Lei 37748, de 1 de Fevereiro de 1950, é de aplicar quando a mercadoria não é transportada no convés (artigo 1, alínea c)), pelo que, nos termos do artigo 3 n. 6 de tal Convenção, o pedido de responsabilidade por perdas e danos caduca se a acção não for proposta no prazo de um ano a contar da entrega das mercadorias, ou da data em que estas deveriam ser entregues, sendo que este prazo é de caducidade (artigo 299 n. 2 do Código Civil).

II - O prazo pode ser prorrogado, pois não se trata de matéria subtraída à disponibilidade das partes (artigo

330 n. 1 do Código Civil).

III - O referido artigo 3 n. 6 da Convenção tanto contempla os casos de perda total como de perda parcial, quer pela sua letra, quer pelo seu espírito.

IV - O citado artigo 1, alínea c), da Convenção permite a aplicação desta por analogia nos casos de mercadoria transportada em navio porta-contentores, mesmo que os contentores sejam arrumados no convés.

V - O Decreto-Lei 352/86, de 21 de Outubro, é inaplicável quando o sejam as normas dos Tratados e Convenções Internacionais, pois que é subsidiário.

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 96B775 

 

Nº Convencional: JSTJ00032957

Relator: LUCIO TEIXEIRA

Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO

RESPONSABILIDADE CIVIL

CADUCIDADE DA ACÇÃO

 

Nº do Documento: SJ199710090007752

Data do Acordão: 09-10-97

Votação: UNANIMIDADE

Tribunal Recurso: T REL LISBOA

Processo no Tribunal Recurso: 11091/95

Data: 19-03-96

Texto Integral: N

Privacidade: 1

 

Meio Processual: REVISTA.

Decisão: NEGADA A REVISTA.

Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. DIR COM - TRANSP MAR. DIR INT PRIV.

Legislação Nacional: CCIV66 ART41.

DL 37748 DE 1950/02/01.

DL 352/86 DE 1986/10/21.

Referências Internacionais: CONV BRUXELAS SOBRE CONHECIMENTOS DE CARGA 1924/08/25.

Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1978/04/26 IN BMJ N276 PAG198.

Sumário : É de um ano o prazo de propositura da acção para a efectivação da responsabilidade por perdas e danos contra o transportador e o navio, prazo aquele a contar da data da entrega das mercadorias transportadas por mar, nos termos do artigo 3 n. 6 da Convenção de Bruxelas sobre conhecimento de carga, de 25 de Agosto de 1924.

O termo a quo desse prazo é o da entrega da mercadoria, data a partir do qual começa a correr o prazo de um ou dois anos em conformidade com o art.º 329 do CCiv. Tendo ela sido colocada à disposição do recebedor em 28/11/01 começou então a correr o prazo.

A caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (art.º 328/1 do CCiv); só impede a caducidade a prática dentro do prazo legal ou convencional do acto a que a lei ou a convenção atribua o efeito suspensivo (art.º 331/1 do CCiv); tratando-se prazo fixado por lei ou contrato relativa a direito disponível, também impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

Tendo a acção sido proposta em 05/1/05 foi-o mais de 3 anos após o início do termo do prazo. O reconhecimento do direito a que se refere o n.º 2 do art.º 331 do CCiv há-de ser concreto, preciso, sem ambiguidades ou de natureza vaga ou genérica.

Ora, tal como se encontra dado como provado o ponto XV “A ora R BOX LINES” em face do lapso verificado (não ter informado os serviços de bordo do navio transportador que a mercadoria era queijo e não manteiga e que deveria ser regulado o contentor para a temperatura de +4º) e procurando preservar o seu bom nome comercial propôs à TRANS ORION aceitar uma desvalorização de 5% em relação ao preço de venda da mercadoria.”, não constitui aquele reconhecimento preciso e concreto de responsabilidade, em primeiro lugar porque foi feito perante a transitária e em segundo lugar porque “aceitar” uma desvalorização da mercadoria perante a transitária não constitui um reconhecimento inequívoco da sua responsabilidade perante a proprietária dos bens.

Caducou assim o direito da Autora contra a transportadora pelas mencionadas razões.

Ainda que se concebesse ser aplicável ao caso o prazo de 3 anos previsto no art.º 498/1 do CCiv em sede de responsabilidade extracontratual  (o que se não concebe face aos termos peremptórios da Convenção e às razões acima referidas), mesmo assim e pelas razões supra referidas tendo a acção sido intentada para além do prazo prognosticável (meses depois) não havendo reconhecimento interruptivo do direito da Autora ele estaria prescrito

IV- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

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[1] Juiz de Direito e mestre em Direito Francisco Costeira da Rocha in “O Contrato de Transporte de Mercadorias (…)”, Almedina, 2000, págs. 80/81; com essa fórmula se justapõem, no entendimento do autor a acepção em sentido estricto segundo a qual o transitário celebra um contrato de mandato com o expedidor-mandante cuja obrigação principal é a de celebrar um contrato de transporte por conta do expedidor e ao qual se aplicam as disposições dos art.ºs 1159/1 do CCiv e 233 in fine do CCom e o sentido lato segundo o qual estamos perante um contrato de prestação de serviços, que poderá abranger, quer a prática de operações materiais (aos quais poderá até, só e apenas circunscrever-se, escapando à hipótese do art.ºs 1159/2 do CCiv e art.º 233 do CCom), quer a de actos jurídicos, ligados ao contrato de transporte; a ausência de representação não sendo elemento típico do contrato de expedição, antes um elemento natural do mesmo, não impede que o expedidor em certos casos possa também agir em nome do expedidor, com poderes delegados como por exemplo a procuração, sendo qua, então, a sua posição jurídica decorre das regras do mandato com representação expressão civilística ou mandato, expressão mercantilista, nomeadamente dos art.sº 231 e ss do CCom e art.ºs 1157, 1178/1179 e 258 do cCiv. Na doutrina uns utilizam a expressão contrato de expedição (cfr. Garcia Marques em o agente transitário, BMJ 360/1986, pág. 9) outros o de contrato de trânsito (cfr. Azevedo Matos, Princípios de Direito Marítimo, Edições Atica, Lisboa, 1955, vol. I, pág. 168 e vol. II, 1956, pág. 336)
[2] Cfr. Acs. STJ 1993/11/10 in CJ-STJ, 1993, III, pp 118 e o de 1193/1/14, in CJ-STJ, 1993, I, págs. 44 e ss. que põe a ênfase da distinção, assim nos parece, na circunstância fáctica, caso ocorra comprovadamente, de ao expedidor ter entregue fisicamente ao transitário as mercadorias que pretende expedir, acordando-se entre as partes que o transitário promova o transporte das mesmas, circunstâncias essas que implicariam a conclusão que entre as partes se aperfeiçoara um verdadeiro e próprio contrato de transporte de mercadorias.
[3] Mário Raposo na obra citada a fls. 220 sustenta que nas relações internas, ou seja aos transportes internos as normas dos art.ºs 1 a 8 da Convenção d e Bruxelas aplicam-se na medida em que não colidirem com as normas do DL 352/86