Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1839/11.7TBALM.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
ACÇÃO EXECUTIVA
RESPONSABILIDADE A TÍTULO DE NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / ALTERADA
Sumário:
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de LISBOA

1. - Relatório                                     

Em acção executiva instaurada (em 17/3/2011) para cobrança coerciva de quantia certa (de €10.570,46), a correr termos no Tribunal da Comarca de Lisboa (Almada, 2ª Secção) desde 2011, e proposta por A [Banco …], contra B  e  C, foi  proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos consta-se que há muito decorreu o prazo a que alude o artigo 281.° do CPC. O ónus e impulso processual é da exequente e não foi exercido no caso concreto.
Pelo exposto, declaro deserta a instância.
Notifique.
Almada, 13 de Dezembro de 2016”
1.1.- Notificada da decisão referida em 1., atravessou de imediato a exequente requerimento de interposição da competente Apelação, acompanhado das devidas alegações, e aduzindo então as seguintes conclusões:
A) Resulta evidente dos autos que a exequente não se desinteressou, nem negligenciou a sua actuação.
B) A exequente pretendeu e continua a pretender fazer valer o seu direito, direito que exerceu bem antes do prazo da deserção.
C) Não se encontram reunidos os pressupostos para a instância ser julgada deserta.
D) Em 02.04.2014 a exequente conseguiu a penhora de um imóvel registado em nome da executada Susana.
E) O produto da venda desse imóvel é suficiente para a satisfação do crédito da autora.
F)  Não tem a autora necessidade de penhorar qualquer outro bem.
G) A exequente solicitou a realização de penhoras adicionais em 02.07.2016.
H) Impulsionando de forma para si mais onerosa e também desnecessária, o processo.
I) Desnecessária uma vez que o processo aguardava a citação da executada.
J) A exequente ao impulsionar o processo fez mais do que lhe competia.
K) O acto de citação compete ao Agente de Execução.
L) A Venda do imóvel e consequente satisfação do crédito da autora só não se verificou por não ter a Agente de Execução logrado conseguir a citação da executada.
M) A conduta da executada é esquiva e pouco cooperante.
N) O despacho recorrido ao decidir como decidiu sana a violação dos Principio da Cooperação e da Boa-Fé processual a que as partes devem ficar adstritas.
O) Viola o espirito da lei, que preconiza uma justiça célere e cooperada.
P) As Agentes de Execução intervenientes no processo não representam a exequente.
Q) Não pode a exequente ser sancionada pelas suas acções ou inacções.
R) O Agente de Execução que no modelo introduzido pelo Decreto-Lei n9 38/2003, de 8 de Março, protagoniza o grosso da actividade processual e implementa as diligências tendentes a dar a conhecer à executada, o acto que expressa a intenção de contra ela exercer o direito já acertado através do título executivo.
S) É um agente autónomo de actividade processual executiva, sendo que não podem recair sobre a exequente, tal como não recairiam se originados na actividade do tribunal, os desvalores que esta acção venha a induzir no processamento da execução.
T) O Agente de Execução não é parte, nem com ela pode ser confundido.              
U) A citação da executada Susana só não se logrou em virtude da sua reiterada não cooperação.
V) O despacho recorrido viola, entre outros normativos, o artigo 281º do Código de Processo Civil, bem como o Princípio da Cooperação e o Princípio da Boa - Fé Processual.
TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EX.CIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O DESPACHO RECORRIDO SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE DETERMINE O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. ASSIM SE FAZENDO CORRECTA APLICAÇÃO DA LEI E SÃ JUSTIÇA!
1.4.- Com referência à apelação identificada em 1.3, não resulta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Thema decidendum
1.5. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a resolver resume-se à seguinte:
I - Aferir se bem andou o tribunal a quo, no âmbito do despacho recorrido, em reconhecer a verificação da deserção da instância ao abrigo do disposto no artigo 281.º,  nº 5, do CPC..
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2. - Motivação de Facto
A factualidade relevante a considerar em sede da presente apelação é a que resulta do relatório do presente Ac., para o qual se remete, sendo ainda de atender ao seguinte processado dos autos de execução:
2.1. - Após junção aos autos de expediente (de Agente de Execução) alusivo à citação de ambos os executados (sendo de frustração de citação - por via postal - no tocante à executada) e, bem assim, de penhora de bens (v.g. e em 2/4/2014,de fracção autónoma pertencente á executada B), veio em 29/9/2014 a executada atravessar nos autos de execução concreto requerimento, no mesmo expondo o seguinte:
“(…)
1 -  A presente acção executiva tem como título executivo uma livrança ...
2. - A livrança acima referida estava agregada ao contrato de mútuo nº 186142, outorgado em 17 de Maio de 2006 por C, também Executado nos presentes Autos, e no qual a aqui Executada foi fiadora
3. -Tal livrança foi subscrita "em branco", não contendo nem data, nem qualquer quantia devida ... (Cfr. doc.1)
4. -A aqui Executada nunca foi notificada, nem citada para que se pudesse opor à presente Execução e Penhora, apenas tendo conhecimento da suposta dívida com a Afixação de Edital de Imóvel Penhorado na sua residência (Cfr. doc.2).
5. - Assim sendo os presentes Autos estão feridos de nulidade e consequentemente a penhora é abusiva.
6. - A Penhora em questão foi efectuada em total desrespeito com o preceituado nos artigos 550º,nº 2, 755º, nº 3 e artigo 855º, nº 5, todos do C.P.C.
7. - Assim até à presente data a aqui Executada não foi notificada de qualquer processo executivo, e muito menos de qualquer penhora, apenas tendo tomado conhecimento dos mesmos, nos moldes e termos acima referidos, encontrando-se os seus direitos processuais de defesa e de igualdade de armas limitados. “:
2.2. - Existindo a fls. 54 dos autos de execução concreto expediente - junto em 23/9/2014 - alusivo a informação prestada por D, Agente de Execução, e no sentido de estar em curso nos autos a realização de diligências com vista à lograr-se a citação da executada após a realização/concretização de acto de penhora, do referido expediente foi a exequente notificada por via electrónica e através da Refª 333384951;
2.3.- Em 24/3/2015, vem a exequente, e no seguimento de requerimento apresentado pela mandatária da executada, requerer ao Exmº Juiz titular do processo que seja a Agente de Execução notificada para vir aos autos juntar todo o expediente relativo à citação da executada;
2.4.- No seguimento do requerimento apresentado pela exequente e identificado em 2.3, veio a Agente de Execução informar - em 27-07-2015 - que a “citação dos executados ainda está em curso “;
2.5. - Já em 3/12/2015, volta a Agente de Execução a informar nos autos que “O processo aguarda resposta do agente de execução a quem foi delegada a citação“,  informação esta que foi notificada à própria executada em 18/5/2016 (Refª 353122591, a fls. 62);
2.6. - Em 21/6/2016, vem a executada B a atravessar nos autos novo requerimento dirigido ao Exmº Juiz titular dos autos, no mesmo impetrando que sejam os autos julgados extintos por desertos, nos termos do artº 277º e 281º, ambos do CPC;
2.7.- Em 1/7/2016, vem D, Agente de Execução nomeada nos autos, informar o Juiz titular da execução que encontram-se ainda os autos a aguardar realização da citação pessoal dos executados  e, concomitantemente, solicita a referida Agente de Execução que o tribunal se digne pronunciar sobre a posição processual da executada B, maxime se em razão da sua intervenção nos autos, por conhecimento próprio, dever-se-á considerar a mesma como estando citada, ou não, uma vez que tem claro conhecimento dos autos e dos actos praticados nos mesmos;
2.8.- Em 4/7/2016, e pronunciando-se sobre o requerimento identificado em 2.6., vem a exequente solicitar que seja o mesmo indeferido pelo Exmº juiz, devendo a execução prosseguir a sua normal tramitação;
2.9.- Após o instrumento identificado em 2.8., segue-se a prolação pelo Exmº juiz titular dos autos do despacho recorrido e datado de 13 de Dezembro de 2016.
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3. - Motivação de direito
3.1.- Se bem andou o tribunal a quo, no despacho recorrido, em considerar já extinta a instância executiva, por deserção,  e ao abrigo do disposto no artigo 281.º, do CPC.
Como decorre do relatório do presente Ac., o thema decidenduum da apelação interposta pela exequente prende-se tão só com a aferição da pertinência/correcção da decisão proferida - em 13 de Dezembro de 2016 - pelo tribunal a quo e que, com fundamento no disposto no artigo 281.° do CPC e considerou-se já decorrido o prazo a que alude o artigo 281.° do CPC, declara deserta a instância.
Discordando a apelante/exequente da referida decisão do tribunal a quo, no essencial fundamenta/assenta a mesma a sua divergência no pressuposto de que, em rigor, não corresponde à verdade que a instância da execução esteve e permaneceu parada – sem a prática de quaisquer actos - por inércia e culpa da exequente, ou seja, de todo não evidencia o histórico do seu processado que a apelante foi de alguma forma negligente em promover o andamento processual da instância executiva, nem tão pouco revela/demonstra o mesmo processado a falta de interesse da apelante no impulso e prosseguimento da execução, antes nele fez mais do que lhe competia.
É que, para a apelante, porque nenhum sentido faz em se lhe atribuir qualquer responsabilidade pelo estado do processo [não tendo ele estado parado a aguardar qualquer impulso da sua parte, antes  manifesto é que o processo não prossegue tão só porque aguarda a citação da executada, acto este que é da responsabilidade do Agente de Execução, e, ademais, se não foi ele ainda concretizado, tal fica-se a dever a conduta da própria executada, que é esquiva e pouco cooperante] .
Ora bem.
Mostra-se, como acabámos de ver, o objecto da instância recursória relacionado com o instituto adjectivo da deserção da instância, o qual, a par de outros, integra uma causa de extinção da instância que, no actual Código de Processo Civil  [aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], mostra-se regulado no seu artº 281º, cuja epígrafe alude expressis verbis a “Deserção da instância e dos recursos”.
Porque a execução da qual emerge a instância recursória ora em apreciação foi instaurada ainda no decurso do ano de 2011, é verdade, mas a decisão recorrida e na acção proferida data já de 2016, temos assim que o thema decidendum mostra-se conexionado com o Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26.6 (que entrou em vigor a 1/9/2013), impondo-se portanto que o mérito da apelação seja resolvido à luz do referido diploma legal (em face do disposto no artº 6º, nº 1, da Lei nº 41/2013,de 26 de Junho, o qual reza que “O disposto no  Código de Processo Civil,aprovado em anexo à presente Lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor “) .
Acresce que, não se olvidando que com o Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11/Janeiro, foi introduzido - pelo respectivo artigo 3.º, n.º1 - um regime especial tendo por objecto a extinção da instância das acções executivas [o qual rezava que “Os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se “] o certo é que tal diploma veio a ser revogado pelo artigo 4.º, alínea f) da Lei n.º 41/2013, de 26.6, o qual entrou em vigor em 1/Setembro/2013, passando a partir desta data a vigorar o NCPC,  e, no tocante à extinção da instância executiva, a “dominar” o respectivo artigo 281º, nº 5.
Dito isto, recorda-se que, sob a epígrafe - já conhecida - de “Deserção da instância e dos recursos “, reza o artº 281º, do CPC que:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses..
O novo Código de Processo Civil, no âmbito do regime jurídico da deserção da instância declarativa, e em comparação com o que resultava dos artºs 285º e 291º, ambos do pretérito CPC, veio portanto introduzir alterações significativas exactamente no regime jurídico referido.
É assim, recorda-se, que nos termos do disposto nos artºs 285º e 291º, ambos do anterior CPC, a instância interrompia-se quando o processo estivesse  “parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento”, e,  por outro lado, a instância considerava-se já desertaindependentemente de qualquer decisão judicial”, quando estivesse interrompida durante dois ano.
Já com o CPC que actualmente vigora, e como vimos supra, reza o respectivo artº 281º, nº 1, que, nas acções declarativas, é a instância considerada deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”,  e, nas execuções (cfr. nº5, do mesmo dispositivo), a deserção ocorre quando, independentemente de qualquer decisão judicial, e por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. .
Cotejando ambos os regimes do instituto da deserção da instância, o actualmente vigente e o do pretérito CPC, verifica-se assim que, para além de com a Lei Nova ter “desaparecido” a figura da interrupção da instância, outras duas alterações essenciais foram introduzidas  - com o novo CPC - no instituto adjectivo em apreço, a saber:  primo, o prazo para a deserção da instância é agora fixado em seis meses e um dia, não se suspendendo assim durante as férias judiciais (cfr. art. 138.º, n.º 1) ;  Secundo, ao invés do que resultava do artº 291º, do pretérito CPC, a deserção da instância já não ocorre “independentemente de qualquer decisão judicial”, antes a pressupõe e exige nas acções declarativas, mas,  a mesma decisão, mas agora no âmbito do processo de execução, é  já  dispensável.
Por outra banda, e sendo ou não exigível a prolação de uma decisão judicial, a verdade é que, a deserção da instância e em qualquer  caso (ou seja, tanto na acção declarativa, como na executiva), pressupõe sempre, a montante, um reconhecimento judicial expresso e/ou pelo menos implícito da verificação de um requisito comum, qual seja, o da constatação da paragem/imobilização do processo por inércia das partes  por seis meses e um dia.
No essencial, temos assim que, “Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção ” (1), e, também na acção executiva, ainda que nesta a prolação de uma decisão judicial atinente à deserção não seja de todo exigível, a negligência das partes/exequentes - enquanto causa do estado do processo a aguardar impulso processual - é outrossim pressuposto da extinção da instância, e isto sob pena de a referência à negligência da parte a que alude o nº5, do artº 282º, do CPC, se traduzir em mera letra morta . (2)
Ou seja, da leitura do disposto no artigo 281º, nºs 1 e 5, do NCPC, inquestionável é que “a deserção da instância é uma sanção que se aplica à parte que, devendo dar impulso processual, por negligência o não faz, determinando a paragem do processo por mais de seis meses. (3)
Em conclusão, sendo inequívoco que do nº5, do artº 281º, do NCPC, e em sede de instância executiva, não se mostra exigível a prolação de despacho judicial a julgar a instância deserta, antes basta a prolação de decisão - não constitutiva - que declare/reconheça que pertinente é considerar-se que a instância executiva se extinguiu já  -  ope legis e com base em negligência da parte -, a verdade é que, manifesto é que também neste mesmo despacho o reconhecimento/verificação – ainda que em termos implícitos – do pressuposto de negligência há-de e deve estar presente. (4)
Postas estas breves considerações, e revertendo agora à situação dos autos, e perante aquilo que da instância recursória consta [e tal como do relatório do presente Ac. e subsequente motivação de facto resulta], tudo aponta para que a decisão apelada, em termos de facto, fundamenta implicitamente (porque na decisão apeada nada e diz/explica) a decisão de declaração/reconhecimento da deserção da instância tão só na circunstância de nos autos coercivos nada se mostrar praticado há mais de seis meses, ou seja, não se detecta nele a prática de um qualquer acto executivo digno de interesse ou relevância, a que acresce que, a admitir-se (também implicitamente) que a referida “letargia” é da responsabilidade da A.E (agente de execução), a verdade é que pode sempre a exequente promover a sua substituição.
Ocorre que, analisando a factualidade processual provada, temos para nós que, se é verdade que da mesma resulta efectivamente que o processo  permaneceu parado e/ou sem qualquer tramitação por período superior a 6 meses, já não é de todo a mesma factualidade minimamente reveladora e demonstrativa de que o estado de imobilidade/estagnação referido seja da responsabilidade da  exequente, maxime e v.g. em razão da inércia, incúria ou total desinteresse da  ora apelante em lançar mão de um qualquer acto que lhe incumbisse despoletar.
Dir-se-á que, se aquando da prolação da decisão apelada, ao tribunal a quo lícito era concluir que há mais de 6 meses que os autos se encontram  paralisados/parados,  já não dispunha porém a Exmª  Juiz titular dos autos de quaisquer elementos concretos através dos quais pudesse concluir também que, apenas por negligência da exequente, é que a execução não prosseguia e permanecia imóvel.
É que, e em rigor, se os autos coercivos não prosseguem e nos mesmos se aguarda a realização de actos concretos, v.g. a citação da executada, a verdade é que a realização do mesmo (acto de citação) não é da responsabilidade directa da exequente, mas da Agente de execução e, ademais, também esta última aguarda que o próprio tribunal se pronuncie - o que não resulta dos autos que o tenha feito - sobre o seu requerimento atravessado nos autos (cfr. item 2.7.) em 1/7/2016.
Não se olvida que, cabendo ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo (cfr. artº 719º, do CPC) que não sejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do Juiz, pode  ele (agente de execução) ser substituído pelo exequente (cfr. artº 720º, nº4, do CPC), bastando para tanto proceder à exposição do respectivo motivo (cfr. ainda artº 38º,nº1, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto).
Porém, e para efeitos de preenchimento do tatbestand do nº5, do artº 281º, do CPC, temos para nós que, apenas evidenciando com clareza o processado nos autos que o seu não prosseguimento ou estagnação é imputável exclusivamente a omissão processual do agente de execução, o que tudo é do perfeito conhecimento do exequente, pode a este último atribuir-se inevitavelmente a responsabilidade pela total imobilidade/paralisaçãodo processo.
Em suma e recapitulando, é vero que decorre do plasmado nos nºs 1 e 5, do artº 281º, do CPC, que para que haja lugar à deserção da instância é indispensável que [qual primeiro elemento] o processado na instância coerciva revele estar a mesma numa situação de impasse que não pode (não deve) ser superada oficiosamente pelo tribunal, e, concomitantemente, exigível é também para o referido efeito [qual segundo elemento] que o aludido impasse seja o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica da parte integrada por dois subelementos, a saber: a) a omissão de um acto que só a parte/exequente cabe praticar;  b) a negligência deste. (5)
Porque, em rigor, e para nós, a verificação do primeiro elemento referido não justifica e permite concluir (qual presunção judicial- cfr. artºs 349º e 351º, ambos do Cód. Civil), sem mais e forçosamente, pela verificação do segundo elemento, não se mostra de todo comprovada situação fáctica capaz de integrar a  previsão do nº5, do artº 281º, do CPC. (6)
Destarte, e concluindo, inevitável é assim a procedência das conclusões da Recorrente, impondo-se portanto a revogação da decisão recorrida.
Neste conspecto, afigura-se-nos ainda pertinente, por último, aduzir que se sufraga in totum [de resto, como bem chama a atenção Paulo Ramos de Faria (7), decorre com meridiana clareza da conjugação das normas contidas no n.º 1 do art. 6.º, e artº 7º, nºs 1 e 2,  ambos do CPC, que o juiz deve gerir o processo em colaboração com as partes] o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa (8), no sentido de que, a imediata e gravosa consequência que hoje pode associar-se a um tal período de imobilização, aconselham, face ao quadro normativo anterior, a uma cautelosa ponderação dos requisitos que poderá passar, em caso de dúvida, e atendendo ao princípio da cooperação previsto no art. 7 do C.P.C., pela audição das partes ou pela sua notificação prévia com aquela expressa cominação.
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4.- Sumariando  (cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC).
I – Não obstante, na acção executiva, a deserção da instância não exigir a prolação de qualquer decisão judicial, certo é que a referida deserção pressupõe também, em termos de facto, a paragem da execução por período superior a seis meses, e, bem assim, que a “responsabilidade – a título de negligência -  pela não prossecução da execução é de atribuir ao exequente, já que, conhecedor das razões que têm conduzido à paralisação dos autos, nada vem entretanto requerer no sentido de desencadear o respectivo impulso, podendo e devendo tê-lo feito .
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5. - Decisão
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, julgando procedente a apelação interposta pela actual exequente A:
5.1. - Revogar a decisão/despacho recorrido.
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Sem Custas.
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(1) Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2013, Vol. I, Almedina, págs. 249, 250.
(2) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9/7/2015, Proc. nº 3224/11.1TBPDL.L1-2, in www.dgsi.pt.
(3) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 20/10/2014, Proc. nº 189/13.9TJPRT.P1, in www.dgsi.pt.
(4) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/12/2015, Proc. nº 651/08.5TBCTB-A.C1, e o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 14/3/2016, Proc. nº 317/06.0TBLSD.P1, ambos in www.dgsi.pt
(5) Cfr. Paulo Ramos de Faria, in O JULGAMENTO DA DESERÇÃO DA INSTÂNCIA DECLARATIVA - BREVE ROTEIRO JURISPRUDENCIAL - JULGAR on line – 2015, pág. 4.
(6) Cfr. o recente Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra,  de 20/9/2016, Proc. nº 1215/14.0TBPBL-B.C1, acessível in www.dgsi.pt
(7) In O JULGAMENTO DA DESERÇÃO DA INSTÂNCIA DECLARATIVA -  BREVE ROTEIRO JURISPRUDENCIAL - JULGAR on line – 2015, pág. 16.
(8) Cfr. Acs. de 16/6/2015, Proc. nº 1404/10.6TBPDL.L1-7, e de 3/3/2016 (Proc. nº 1423-07.0TBSCR.L1-6), ambos in www.dgsi.pt.
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Lisboa,  07/6/2018

António Manuel Fernandes dos Santos  (O Relator)

Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)
  
Cristina Isabel Ferreira Neves (2ª Adjunta)