Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
415/13.4TYLSB-E.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: ADMINISTRADOR JUDICIAL
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
CÁLCULO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - A redação dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, ao art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial, no tocante à forma de cálculo da remuneração variável, é de aplicação imediata nos processos pendentes: sempre que a fixação da remuneração variável ocorra após a data de entrada em vigor do diploma, deve ser calculada nos termos da nova redação do mesmo.
2 - A majoração de 5% prevista no nº7 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
VCI, Lda, foi declarada insolvente por sentença de 06/06/2013, na qual foi nomeada como administradora de insolvência, a Sra. Dra. MMR.
Realizou-se assembleia de apreciação do relatório, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para liquidação.
Foram apreendidos e liquidados bens.
Foram reclamados créditos. Foi proferida sentença final de verificação e graduação de créditos em 24/01/2021, tendo sido verificados créditos no montante global de € 1.417.971,29.
Foram prestadas contas da administração da massa insolvente, julgadas validamente prestadas por sentença de 21/03/2022, transitada em julgado, nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo as contas da administração da massa insolvente de VCI, Lda., pessoa colectiva n.º xxx xxx xxx, apresentadas pelo Sr. Administrador da Insolvência, validamente prestadas, aprovando-se despesa no valor de €19.544,43 e receita no montante de €927.286,20.”
Por decisão de 07/06/2022, o tribunal fixou a remuneração variável devida à Sra. Administradora da Insolvência nos seguintes termos:
Fixação da remuneração variável da Sra. Administradora da Insolvência:
Tendo em consideração que nestes autos os apensos de apreensão e liquidação se mostram findos desde data anterior à da entrada em vigor das alterações à Lei 22/2013, de 26/6, introduzidas pela Lei 9/2022 de 11/1, o cálculo da remuneração variável será efectuado de acordo com a legislação então vigente, posto que a actividade desenvolvida pelo Sr. Administrador de Insolvência que se visa remunerar (precisamente a liquidação dos bens e os resultados obtidos), o foi integralmente na vigência dessa legislação, inexistindo qualquer expectativa legítima a acautelar.
*
Foi apurado o valor total de receitas de €927.686,20.
Deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente que no caso concreto somam €30.605,93, sendo o montante referente a custas do processo de insolvência - €11.061,50 - (art. 51º, nº1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), as despesas da liquidação – (cfr apenso D).
O resultado da liquidação é de €897.080,27.
Por aplicação das tabelas anexas à Portaria n.º51/2005 de 20.1, tendo em conta créditos reconhecidos no valor global de €1.070.971,29, fixa-se em €29.501,61 a remuneração variável da Sra. Administradora da Insolvência.
Notifique, sendo a Sra. Administradora da Insolvência que pode retirar o valor correspondente à remuneração variável, da conta da massa insolvente, documentando essa operação pela junção do respectivo recibo, devendo após informar qual o valor remanescente para rateio.
*.”
Inconformada apelou a Sra. Administradora da Insolvência pedindo a revogação do despacho recorrido, e a fixação à administradora da insolvência recorrente da remuneração variável de € 87.026,17, acrescida de IVA à taxa em vigor, e formulando as seguintes conclusões:
“A. Nos termos do n.º 1 do artigo 60.º do CIRE, o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.
B. Em 11 de Abril de 2022 entrou em vigor a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que procedeu à alteração do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 17/2017, de 16 de Maio, e pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, na sequência da qual foi dada nova redacção ao artigo 23.º daquele Estatuto.
C. A douta decisão recorrida de 07/06/2022, enveredando por um esforço interpretativo desnecessário sobre a (in)aplicação no tempo da lei nova, procedeu ao cálculo da remuneração variável da decorrente de acordo com a lei antiga, violando flagrantemente a disposição transitória contida no artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11/1 que, de forma muito clara, no que à questão de remuneração variável do administrador da insolvência importa, determina que “a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.”
D. Uma vez que estamos na posse dos factos habilitantes ao cálculo da remuneração variável da ora recorrente, atentos os serviços prestados, os resultados obtidos com um ratio de recuperação a rondar os 80%, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções, tal remuneração deverá ser de 87.026,17€ + IVA nos termos dos artigos 60.º do CIRE e 23.º do EAJ, e não a que resulta da inaplicável lei antiga.
E. Quando assim não se entenda, e já tão só por mera cautela de patrocínio, deve ser julgada flagrantemente violadora da Constituição a interpretação normativa feita pela Meritíssima Juiz a quo, designadamente do artigo 60.º do CIRE, do artigo 23.º do EAJ e da Lei 9/2022 de 11/1 que deu nova redacção a este último, e dos arts. 3.º, 13.º, 18º e 20º, nºs 4 e 5, e 202º, n.º 2, da Lei Fundamental, enquanto concretizadores dos princípios do acesso ao Direito, tutela jurisdicional efectiva, legalidade e dos direitos por estes directamente conferidos.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 08/11/2022 (ref.ª 420297302).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas a única questão a decidir é a da aplicação no tempo das regras de cálculo da remuneração do administrador da insolvência alteradas pela Lei nº 9/2022 de 11 de janeiro.
*
3. Fundamentos de facto
Os factos relevantes para a decisão do presente recurso constam do relatório que antecede.
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4. Fundamentos do recurso
O processo de insolvência é um processo especial, regido pelas normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil, nos termos dos arts. 17º nº1 do CIRE[1] e 549º do CPC.
Nos termos do art. 60º do CIRE:
«1 - O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.
2 - Quando eleito pela assembleia de credores, a remuneração do administrador da insolvência é a que for prevista na deliberação respectiva.
3 - O administrador da insolvência que não tenha dado previamente o seu acordo à remuneração fixada pela assembleia de credores pela actividade de elaboração de um plano de insolvência, de gestão da empresa após a assembleia de apreciação do relatório ou de fiscalização do plano de insolvência aprovado, pode renunciar ao exercício do cargo, desde que o faça na própria assembleia em que a deliberação seja tomada.»
As regras relativas ao montante da remuneração do administrador da insolvência e à sua forma de cálculo constam do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26 de fevereiro, mais precisamente do seu artigo 23º, o qual foi alterado pela Lei nº 9/2022, de 11/01 e que entrou em vigor no dia 11 de abril de 2022.
No caso concreto está em causa a fixação do valor da remuneração variável do administrador da insolvência, nomeado em processo em que ocorreu liquidação do ativo.
O art. 23º do EAJ, na sua versão original prescrevia, quanto a esta matéria:
1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.
2 - O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.
3 - Para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1.
4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
5 - O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.os 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.
6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.
A norma foi alterada em 2019[2] mas sem qualquer alteração do nº4, assinalando-se que a portaria prevista relativa à forma de cálculo das remunerações nunca veio a ser publicada.
Havia, porém, sido publicada na vigência da Lei nº 32/2004 de 22 de julho, o estatuto do administrador da insolvência revogado pela Lei nº 22/2013, a Portaria 51/2005, de 20 de janeiro, que estabelecia, no seu nº3 e tabelas anexas, a forma de cálculo da remuneração variável do administrador da insolvência em processos de liquidação que, para este tipo de processos, continuou a ser utilizada, por ser a única forma de cálculo legalmente prevista e cuja formulação se adequava aos critérios previstos na Lei nº 22/2013.
O artigo 23º do EAJ vem a ser alterado pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, cujo art. 5º deu ao preceito a seguinte redação:
«1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro).
2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto.
3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.
9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10 000 por cada um dos devedores do mesmo grupo.
10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100 000 (euro).
11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.»
Já Antunes Varela[3] ensinava que, em primeiro lugar, a solução dos problemas de aplicação da lei processual no tempo “…vem a cada passo formulada na nova lei através de disposições transitórias especiais destinadas a definir o seu campo temporal de aplicação.”, e que existem ainda regras transitória setoriais ou parcelares e, finalmente, o regime geral “aplicável ao comum das leis processuais sempre que não haja disposição transitória, especial ou sectorial em contrário.”
Também João Baptista Machado[4] alude à resolução direta dos problemas de sucessão de leis no tempo mediante as disposições transitórias.
Como sintetizado no Ac. STJ de 20/03/2022 (Jorge Arcanjo)[5], “Na sucessão de leis no tempo, o problema terá que ser resolvido, em primeiro lugar, através de normas de direito transitório especial (ou seja, normas da própria lei nova que disciplinem a sua aplicação no tempo), depois pelas normas de direito transitório sectorial (ou seja, que regulem na aplicação no tempo das leis sobre certa matéria), e finalmente por normas de direito transitório geral (ou seja, que definam o modo de aplicação no tempo da generalidade das leis, independentemente da matéria sobre que versam).
Só na ausência de qualquer regime especial é que se deve indagar, sucessivamente, da existência de normas de direito transitório sectorial ou de direito transitório geral - como é o regime fixado no art.12 do CC - para, na sua falta, recorrer aos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência.”
Teremos, assim que, em primeiro lugar, recorrer ao texto da Lei nº 9/2022, onde encontramos a seguinte regra de direito transitório:
Artigo 10.º
Regime transitório
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.
2 - O disposto nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a redação introduzida pela presente lei, apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor.
3 - Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei.
4 - O disposto no número anterior não prejudica a tramitação e o julgamento, na primeira instância ou em fase de recurso, de quaisquer questões pendentes relativas ao incidente de exoneração do passivo restante, tais como as referentes ao valor do rendimento indisponível, termos de afetação dos rendimentos do devedor ou pedidos de cessação antecipada do procedimento de exoneração.»
Como se verifica da leitura do preceito, o legislador tomou posição expressa sobre a aplicação das regras da presente lei aos processos em vigor, replicando a regra geral de aplicação da lei processual no tempo estabelecida entre nós: a aplicação imediata da lei nova[6][7] nos casos não previstos nos nºs 2 a 4.
A norma transitória em causa não resolveu todos os problemas de aplicação da lei no tempo de forma imediata. Para concluir pela sua aplicabilidade sem qualquer outra indagação teremos que começar por determinar se a regra do art. 5º (a alteração do art. 23º EAJ quanto à forma de cálculo da remuneração variável) é uma regra processual, atenta a circunscrição que a lei efetuou à aplicabilidade nos processos pendentes.
As normas em questão são, claramente, normas adjetivas ou processuais. A lei manteve o direito à remuneração dos administradores e os respetivos critérios apenas tendo alterado a forma de cálculo. Pese embora conduza a resultados diferentes (conforme uma ou outra forma de cálculo), respeita à mesma atividade e remunera as mesmas funções, tenham elas sido exercidas ao abrigo da lei nova ou velha.
Seguidamente há que analisar a questão da aplicação aos processos pendentes e alcance da expressão.
Toda a doutrina processual mais abalizada distingue entre a aplicabilidade da lei no tempo aos atos processuais e aos efeitos dos atos processuais.
Quanto aos atos processuais, a regra é da aplicação imediata da lei nova (art. 12º nº1, 1ª parte do CC), “o que implica a observância do princípio tempus regit actum  na sua dupla vertente: a de que os actos processuais são regidos pela lei vigente no momento da sua realização e a de que os actos praticados no domínio da lei antiga permanecem admissíveis e válidos.”[8]
No tocante aos efeitos dos atos processuais aplicam-se as regras do art. 12º do CC – o respeito pelos atos processuais já praticados pode exigir que se pratiquem atos ou se sigam trâmites previstos na lei antiga.
No caso, a fixação da remuneração variável é, claramente, um ato processual e não o efeito de um (ou mais) atos processuais.
Remunera-se o administrador da insolvência pelas funções exercidas, compreendendo todos os atos praticados no exercício das suas funções. O direito à remuneração variável não nasce com a prática de atos processuais concretos, mas sim com a nomeação e exercício de funções, ao longo de todo o processo. Logo, não pode considerar-se a fixação da remuneração variável como um efeito de atos processuais anteriores, constituindo, antes, um ato processual, necessário para chegar ao apuro do montante final a distribuir pelos credores e ao fim do processo, quer em sentido de cumprimento das finalidades do processo, quer em sentido estrito, como ato a praticar necessariamente antes do rateio final.
Assim, sem qualquer dúvida, a regra do art. 10º nº1 da Lei nº 9/2022 é aplicável a esta previsão concreta e, desde que o ato de fixação da remuneração seja praticado após a entrada em vigor da lei – 11 de abril de 2022, nos termos do seu artigo 12º -, como o presente o foi, deve ser efetuado o cálculo segundo as regras em vigor ao tempo.
Mesmo que aplicássemos ao caso o disposto no art. 12º do CC, ignorando a existência de uma regra transitória especial, como parece ter sido a solução dada pelo tribunal recorrido, chegaríamos à mesma conclusão:
- o ato foi praticado depois da entrada em vigor da lei, não afetando quaisquer efeitos já produzidos. Note-se que sendo a remuneração variável, o direito existe desde o exercício de funções, mas só se constitui após fixada e vencida (nos termos do art. 29º nº5 do Estatuto, sem prejuízo do nº7 do art. 23º) – cfr. nº1 do art. 12º do CC;
- não se trata de lei que disponha sobre condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos (nos termos já explicitados) – 12º nº2, 1ª parte do CC;
- não existe dúvida na aplicabilidade imediata dada a existência de norma especial transitória, uma vez que, como refere Maria João Matias Fernandes[9] “Existirá dúvida sempre que o legislador não edite uma solução particular de direito transitório.” – art. 12º nº1, 1ª parte, do CC;
 - finalmente, ainda que assim se considerasse, incide sobre uma relação já constituída, abstraindo dos factos que lhe deram origem – como é o caso das relações duradouras, exemplo referido por António Menezes Cordeiro[10] - art. 12º nº2, 2ª parte do CC.
A conclusão a retirar é, sem qualquer dúvida, pela aplicabilidade imediata da lei nova, pelo que a remuneração variável do administrador da insolvência deveria ter sido fixada à luz da redação dada pela Lei nº9/2022 ao art. 23º do EAJ, e não nos termos do art. 23º na versão não alterada por aquela lei, impondo-se, assim, a revogação da decisão recorrida[11].
Aqui chegados, atento o disposto no art. 665º nº1 do CPC, e face ao pedido expresso da recorrente, em sede de recurso, importa, em juízo de substituição, fixar a remuneração da Sra. Administradora da Insolvência nos termos da nova redação do art. 23º do EAJ, caso estejam disponíveis todos os elementos necessários para o efeito.
Assim, e recorrendo aos elementos dos autos, nomeadamente o apenso de prestação de contas, de reclamação de créditos, o processo principal e os cálculos da Sra. administradora da insolvência:
Foi apurado o valor total de receitas de € 927.286,20.
Deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente, incluindo as despesas como tal como validadas em sede de prestação de contas e as custas.
Foram validadas por sentença transitada em julgado despesas de € 19.544,43, aos quais, porém, há ainda a deduzir o valor de € 2.460,00, relativo à remuneração fixa da Sra. Administradora da insolvência, atento o disposto na parte final do nº6 do art. 23º do Estatuto, na versão dada pela Lei nº 9/2022.
Tratando-se de despesas, foram (corretamente) consideradas para efeitos de prestação de contas (cfr. conta corrente apresentada com o requerimento inicial em 10/01/2022). No entanto, nos termos daquele preceito considera-se resultado da liquidação «…o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no nº1 e das custas dos processos judiciais pendentes na data da declaração da insolvência.» (sublinhado nosso).
A remuneração referida no nº1 do art. 23º é, precisamente, o valor da remuneração fixa que, sendo uma despesa, não é, assim, elegível para a formação do resultado da liquidação para os efeitos do nº4 do art. 23º do EAJ.
As custas – conforme conta de 25/03/2022 – são de € 11.061,50.
As dívidas da massa insolvente são assim, num total de € 28.145,93 [€ 11.061,50 + (€ 19.544,43-€ 2.460,00)].
O resultado da liquidação é, no caso concreto, de € 899.140,27, exatamente como calculado pela Sra. Administradora da insolvência em sede de alegações.
Verifica-se que o despacho recorrido, como apontado, incorreu num lapso de escrita quanto à indicação do montante de receitas da massa insolvente e que não retirou do montante das despesas a remuneração fixa, sendo essas as causas das diferenças de resultado da liquidação[12].
A remuneração corresponde a 5% daquele valor, ou seja, € 44.957,01.
Passando ao cálculo da majoração prevista no nº7 do art. 23º, deduzem-se do resultado da liquidação a remuneração fixa e a remuneração variável achada - € 899.140,27 – (2.460,00 + 44.957,01+ IVA de € 10.340,11) – achando-se o montante a distribuir pelos credores, ou seja o que vai constituir o valor dos créditos satisfeitos, que é de € 841.383,14.
5% deste montante corresponde a € 42.069,16, ou seja, e mais uma vez, de acordo com os cálculos oferecidos pela Sra. Administradora da insolvência em alegações.
O passo final é de soma da remuneração calculada nos termos do nº4 com a majoração prevista no nº7, ou seja, de € 87.026,17 (€ 44.957,01 + 42.069,16), a que acresce o IVA de 23%, (que monta a € 20.016,02).
Neste ponto, pese embora não se trate de questão suscitada pelo despacho recorrido, dado que efetuou os cálculos ao abrigo da lei antiga, temos que assinalar e abordar uma divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a forma de cálculo da majoração nos termos do nº7 do art. 23º do EAJ.
Tem sido entendido, já com reflexos na jurisprudência superior, que o cálculo da majoração não se fará aplicando os 5% ao resultado a distribuir, mas antes aplicando os 5% à percentagem de créditos satisfeitos.
Exemplificando, no caso que tratamos, tendo sido apurado o valor de € 899.140,27 para distribuir e tendo sido verificados créditos de € 1.417.971,29[13] temos uma percentagem de créditos satisfeitos de 63.41%.
Decidiu-se, sobre esta exata questão, no douto Ac. TRE de 29/09/2022 (Tomé de Carvalho)[14], “Neste enquadramento, é nosso entendimento que o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa (que inclui a remuneração fixa do administrador), com excepção da remuneração variável e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência, mas esse valor é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
Ou seja, no cálculo da majoração importa incluir o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, n.ºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos.”
Concluindo-se, como sumariado, que “1 - Em sede de remuneração variável, ao editar a norma do n.º 7 do artigo 23.º do Estatutos dos Administradores Judiciais, o legislador não teve intenção de abandonar o princípio já vigente na legislação anterior em que a majoração da remuneração variável dependia igualmente do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
2 – No cálculo da majoração importa equacionar o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, nºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a interligação entre créditos admitidos e satisfeitos.”
Seguindo este método de cálculo, há que aplicar ao montante disponível para distribuição a percentagem de créditos satisfeitos e aplicar ao resultado desta operação os 5% previstos no nº7 do art. 23º.
Ou seja, e em concreto, 63,41% de € 899.140,27 são € 570.144,84, sendo 5% deste montante € 28.507,24, sendo este, de acordo com a posição propugnada, o montante da majoração a somar à primeira parcela de remuneração variável. Em conta final, a remuneração seria, nestes termos, de € 73.464,25, acrescido de IVA.
Tendo em conta a diversidade de resultados, que, como assinalado, quer pela doutrina[15], quer pela jurisprudência[16], se reconduzem à interpretação da lei, deve a questão ser conhecida e decidida, dado o seu relevo no montante da remuneração a fixar.
Nunca é demais recordar que, nos termos do art. 9º do CC, são dois os fatores interpretativos: “a) o elemento gramatical (isto é, o texto, a “letra da lei”) e b) o elemento lógico. Este último, por seu turno, aparece-nos subdividido em três elementos: a) o elemento racional (ou teleológico), b) o elemento sistemático e c) o elemento histórico.”[17], sendo que a letra da lei e o espírito da lei têm sempre que ser utilizados conjuntamente.
Recordando o texto legal, prescreve-se no nº7 do art. 23º EAJ que 7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
Como se assinala no douto Acórdão TRC de 25/10/2022 (Emídio Francisco Santos), a letra do preceito não exclui qualquer dos sentidos em confronto, não se acompanhando, porém, a conclusão ali atingida de que aponta no sentido da aplicação dos 5% à percentagem de satisfação dos créditos, pelos motivos que se passam a expor.
Foi sendo considerado como demonstrando que o legislador não quis alterar significativamente o modelo anterior o facto de a lei ter continuado a usar a exata expressão “grau de satisfação dos créditos” tal como fazia na redação vigente até esta alteração[18].
O aresto TRC que vimos citando[19] entende grau com o exato sentido de percentagem[20].
A redação anterior remetia a determinação da quantia achada com base no grau de satisfação dos créditos para uma portaria – que se continuou a entender ser a forma de cálculo da Portaria 51/2005, dada a ausência de Portaria aprovada na vigência da Lei nº 22/2013 – na qual se estabelecia, no artigo 2º, que a remuneração variável era estabelecida pelas tabelas anexas à portaria.
À majoração respeitava o Anexo II, onde se previam fatores, de 1, a 1,6, atribuídos à “Percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita”, em escalões crescentes desde 5 a superior a 70.
Esta disposição regulamentar implicava, assim, a realização de duas operações distintas: primeiro o cálculo da percentagem de créditos satisfeitos e depois a aplicação do fator crescente.
A lei usava então já a expressão grau de satisfação de créditos, mas a sua correspondência com a percentagem de créditos satisfeitos era efetuada pelo Anexo II da portaria.
Assim, a correspondência entre grau e percentagem resultava apenas da conjugação da letra da lei com a Portaria e não da lei por si só.
Na verdade, grau não equivale a percentagem.
Grau é uma “…medida, passo, ordem, classe. (…). Falando das coisas físicas ou morais, diz-se de tudo o que implica aumento ou diminuição, grandeza relativa, tamanho, progresso ou regresso, intensidade maior ou menor, estado, ponto.”[21]
Percentagem é uma “parte proporcional calculada sobre uma grandeza de cem unidades, a proporção em relação a uma centena ou o número de partes por cada cem”.[22]
Ou seja, a percentagem implica sempre uma relação, uma proporção entre dois números, expressa com base 100 (no caso a relação entre os créditos admitidos e satisfeitos) o que indica um grau de satisfação de créditos mas não é o único grau possível de satisfação de créditos.
O grau não implica necessariamente uma relação entre dois valores: nesse sentido quanto mais liquidez houver para distribuir pelos credores, maior será a respetiva satisfação, independentemente dos valores reclamados e verificados. Assim, se houver 100 mil euros para distribuir pelos credores, eles receberão mais do que se só existirem dez mil euros para distribuir, independentemente do que tenham reclamado.
Neste sentido o montante dos créditos satisfeitos – correspondente ao montante a distribuir – é um grau de satisfação dos créditos que se relaciona, exclusivamente, com o ativo da massa insolvente, alheando-se do passivo do insolvente.
O nº1 do art. 23º deixou de remeter para qualquer Portaria, passando a regular, ele próprio o modo de cálculo. No que aqui nos releva, foi completamente eliminada qualquer referência à percentagem de créditos satisfeitos que nos permita continuar a entender que o grau de satisfação dos créditos referido ainda no nº7 do art. 23º é a percentagem de satisfação dos créditos e não apenas um maior grau de satisfação de créditos não relacional.
A esta leitura acresce uma questão, para nós essencial: eliminada a portaria, o passo material dos cálculos que acha a percentagem dos créditos satisfeitos e faz incidir sobre o valor desta os 5% da remuneração, não está, rigorosamente, previsto.
O que a lei prevê é, apenas que se aplique 5% ao montante dos créditos satisfeitos – sendo este montante, como já vimos, um grau de satisfação de créditos.
Entendemos, assim, que a letra da lei não é mais favorável à interpretação que implica o achamento da percentagem de créditos satisfeitos, nem indica que não se pretendeu alterar o modo de cálculo anteriormente previsto.
Os trabalhos preparatórios ajudam a esta conclusão.
Como se assinalou nos arestos já citados, esta norma foi introduzida na Proposta de Lei do governo, que à entrada no Parlamento não a continha, por via de um acordo entre o Grupo Parlamentar do PS e o Grupo Parlamentar do PSD, sem qualquer referência na exposição de motivos.
Mas é possível localizar os antecedentes imediatos da norma.
A alteração das regras de fixação da remuneração dos administradores judiciais chegou a estar prevista por via da portaria prevista então no nº1 do art. 23º da Lei nº 22/2013, num projeto de Portaria que foi sujeito a consulta pública[23].
Tal projeto nunca veio a ser transformado em Portaria e publicado, mas reconhece-se, no respetivo texto, a origem de algumas das regras ora inseridas no art. 23º do EAJ.
Era proposto para texto do art. 2º do referido projeto:”
“Artigo 2.º
Remuneração variável
1 - A remuneração variável do administrador judicial provisório ou do administrador da insolvência é calculada nos termos seguintes:
a) 10% da situação líquida, calculada trinta dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013;
b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos dos n.ºs 2 e 4 do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro.
2 – A majoração prevista nos termos do n.º 5 do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013 corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
3 – A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 1 não pode ser superior a €100.000.
4 – No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.”
Na formulação projetada – e que não chegou à vigência jurídica – o texto da lei previa como critério o grau de satisfação dos créditos e a portaria concretizava o respetivo modo de cálculo pela aplicação de 5% ao montante dos créditos satisfeitos, eliminando-se, pela revogação expressa e pela eliminação de qualquer referência expressa, a ligação à percentagem de créditos satisfeitos.
Não tem qualquer valor senão como elemento histórico e auxiliar, mas relevando dada a absoluta coincidência da forma de cálculo ali projetada (veja-se o nº1 do art. 2º do Projeto) e aqui prevista (veja-se o nº4 do art. 23ºdo EAJ), que, como referido, nos permitem identificar este projeto como (no mínimo) fonte de inspiração desta nova redação do art. 23º do EAJ.
Este elemento indicativo não retira à inserção da norma na Lei nº 9/2022, a sua ligação com a transposição da Diretiva 1023/2019 e com as finalidades ali enunciadas de assegurar que “a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos.” – cfr. art. 24º nº4 da Diretiva.
Esta constatação, ligada com a evidência de que o legislador pretendeu aumentar a remuneração dos profissionais de insolvência e incentivar a diligência na composição e liquidação da massa insolvente, permitem-nos confirmar a interpretação do nº7 que vimos defendendo, numa perspetiva de interpretação teleológica e sistemática – o legislador, prosseguindo estes objetivos, claramente rompeu com um modelo de cálculo anterior, nomeadamente escolhendo passar a regular, diretamente na lei, esse modelo, rasurando o anterior modelo regulamentar. E fê-lo mediante a eleição de regras de cálculo que se desligam dos créditos reclamados, do passivo do devedor, valorando exclusivamente o produto do trabalho do administrador, ou seja, a composição e valor da massa insolvente.
O elemento histórico conhecido, como referido, reforça esta conclusão. Na proposta de portaria que não veio a vigorar, a projetada substituição de portaria por portaria não deixava margem para dúvidas quanto ao rompimento do modelo anterior.
Finalmente, em termos lógicos, a limitação, seja do nº8 do art. 27º[24], seja do nº10 do mesmo preceito[25] faz sentido em face a remunerações mais altas, sendo um elemento de equilíbrio: a existência de um limite travão e da possibilidade de redução da remuneração em função, não só dos resultados, mas da concreta atividade desenvolvida.
Conclui-se, assim, pela correção dos argumentos da apelante, devendo a majoração de 5% prevista no nº7 do art. 23º da Lei nº 22/2013 ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante.
A presente apelação procede, assim, integralmente.
*
Não são devidas custas na presente instância recursiva, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[26].
*
5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em, julgando integralmente procedente a apelação:
a) Revogar a decisão recorrida;
b) Fixar a remuneração variável da Sra Administrador da Insolvência em € 87.026,17, a que acresce o IVA.
Sem custas na presente instância recursiva.
Notifique.

Lisboa, 20 de dezembro de 2022
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes, vencida, nos termos da declaração junta.

Voto de Vencido:
A aqui signatária não acompanha integralmente o sentido decisório e a fundamentação do Acórdão, porquanto, embora entendendo que a redacção dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, ao art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial, no que respeita à forma de cálculo da remuneração variável, é de aplicação imediata nos processos pendentes e que sempre que a fixação da remuneração variável ocorra após a data de entrada em vigor deste diploma, deve ser calculada nos termos da nova redacção do mesmo, é igualmente meu entendimento, tal como decidido no acórdão hoje proferido no Processo nº 7269/14.1T2SNT-F.L1, que o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas por aplicação directa dos 5% sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos.  Esta interpretação é a que melhor se adequa aos critérios de interpretação acolhidos no artigo 9.º CC, começando desde logo pelo elemento literal.
Com efeito, o nº 7 do referido artº 23º estabelece expressamente que, para determinação da remuneração variável do Administrador de Insolvência nomeado pelo juiz, se deve atender ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Se o legislador tivesse acolhido a posição sustentada na fundamentação do acórdão, no sentido que a majoração de 5% deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos, bastava ter dito que tal majoração era de 5%, sem necessidade do segmento em discussão. Atendendo às considerações doutrinárias acerca da interpretação da lei, afigura-se não estarem reunidos os pressupostos de uma interpretação ab-rogatória, que permitam desconsiderar o segmento da dissidência.
No caso foi apurado o valor de € 899.140,27 para distribuir e foram verificados créditos de € 1.417.971,29, o que dá uma percentagem de créditos satisfeitos de 63.41%
Assim, considerando que no caso concreto o resultado da liquidação é de € 899.140,27, que a remuneração corresponde a 5% daquele valor, ou seja, € 44.957,01 e que o cálculo da majoração não se fará aplicando os 5% ao resultado a distribuir, mas antes à percentagem de créditos satisfeitos, teria fixado a remuneração da Sra Administradora recorrente em € 73.464,25, acrescidos de IVA (63,41% de € 899.140,27 são € 570.144,84, sendo 5% deste montante € 28.507,24 + 44.957,01= € 73.464,25).
Manuela Espadaneira Lopes
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[1] Diploma ao qual respeitarão todas as normas doravante citadas sem outra indicação.
[2] Decreto Lei nº 52/2019, de 17 de abril.
[3] Em Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora,1985, pgs. 46 e 47.
[4] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, reimpressão de 2022, pg. 229.
[5] Disponível, como os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Castro Mendes e Teixeira de Sousa em Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pg. 74, Antunes Varela e Sampaio e Nora, local citado, pg. 47, Manuel Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pgs. 41 e 42, entre outros.
[7] Como explicam, por exemplo Antunes Varela e Manuel de Andrade, locais citados, a opção legislativa entre nós, desde o Código de 1939, foi de não fixar na lei doutrina geral sobre a aplicação das leis processuais no tempo.
[8] Castro Mendes e Teixeira de Sousa em Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pg. 75.
[9] Em Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pg. 61.
[10] Em Código Civil Comentado – I - Parte Geral, CIDP/FDUL, Almedina, 2020, Coordenação de António Menezes Cordeiro, pg. 115.
[11] Como decidido por este coletivo no Ac. TRL de 20/09/2022
[12] Mesmo efetuando os cálculos de acordo com a versão anterior da lei, até este passo os cálculos são idênticos em ambas as versões, prescrevendo o nº4 do art. 23º na versão do Decreto Lei nº 52/2019 de 27/02, igualmente, a exclusão da remuneração fixa das despesas da massa a deduzir das receitas para efeitos de cálculo de remuneração variável.
[13] O despacho recorrido, que, nos termos da versão anterior da lei, tinha que apurar esta percentagem de satisfação dos créditos, indicou como valor dos créditos verificados € 1.070.971,29, no que verificamos tratar-se de um óbvio lapso, já que tal montante corresponde apenas aos créditos verificados no momento da prolação do despacho saneador, havendo que lhes somar o montante de € 347.000,00 que foi julgado verificado em sede de sentença, após instrução e realização de audiência de julgamento, perfazendo, assim, os créditos verificados € 1.417.971,29.
[14] Disponível, como os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Nuno Freitas Araújo em A renumeração do Administrador Judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de abril de 2022, Data Venia, Ano 10, nº13, pgs. 67-110, disponível em https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao13/datavenia13_p067_110.pdf.
[16] Para além do Ac. TRE já citado, cfr. no mesmo sentido os Acs. TRC de 28/09/2022 (Maria Catarina Gonçalves), de 11/10/2022 (Arlindo Oliveira) e 25/10/2022 (Emídio Santos), todos disponíveis em www.dgsi.pt, tendo-se também conhecimento dos Acs. TRP de 11/10/2022 (João Diogo Rodrigues) e TRP de 11/10/2022 (Márcia Portela), no mesmo sentido dos anteriores e não publicados.
[17] João Baptista Machado em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, reimpressão de 2022, pg. 181.
[18] Ac. TRE de 29/09/2022, já citado.
[19] Tal como os acórdãos da mesma Relação de 28/09/2022 e de 11/10/2022.
[20] Como se verifica da passagem “A ilação a tirar desta evolução legislativa é a de que o grau (percentagem) de satisfação dos créditos reclamados e admitidos mantém-se como um dos factores determinantes da majoração da remuneração variável.”
[21] Grande Dicionário de Língua Portuguesa, Círculo de Leitores, 1991, Tomo III, pg. 259.
[22] Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, II vol., pg. 2819.
[23] Em https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/consulta-publica?i=320, por procedimento lançado em 11 de junho de 2019.
[24] “Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.”
[25] “A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100 000 (euro).”
[26] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.