Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
103/16.0T8OER-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
FALTA DE TÍTULO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
ILEGITIMIDADE ACTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Entendendo o Tribunal a quo que podia conhecer, em sede de despacho saneador, acerca do mérito da acção, deveria, prima facie, em cumprimento do prescrito na alínea b), do nº. 1, do artº. 591º, do Cód. de Processo Civil, convocar audiência prévia ;
    - Não o fazendo, incorreu na prática de irregularidade que, podendo influir no exame ou na decisão da causa – artº. 195º, do CPC -, se transmuta ou converte em nulidade processual, dado ter sido praticado um acto que a lei não admite, qual seja o de dispensar a realização da audiência prévia quando esta dispensa não era legalmente sancionada ;
    - Porém, sempre se poderia argumentar, em defesa da posição assumida, que o Tribunal a quo teria feito uso do poder de gestão processual, na vertente ou segmento do poder de simplificação e agilização processual, nos quadros do legalmente prescrito nos artigos 547º e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil, sendo normalmente esta situação admitida apenas quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica, jurisprudencial e doutrinariamente ;
    - Ora, a entender-se a possibilidade de recurso ao presente mecanismo, mesmo nas situações em que a lei impõe a regra da realização da audiência prévia, a decisão de prescindibilidade desta, para além de dever ser fundamentada nesses quadros, o que não sucedeu, sempre deveria ser precedida de devido convite às partes (Embargante e Embargado) para se pronunciarem acerca da possibilidade de tal dispensa e da permissão destas se pronunciarem, por escrito, nos termos em que o iriam fazer oralmente em sede de audiência, se esta tivesse lugar, o que igualmente não ocorreu ;
    - Pelo que ocorrendo o vício de nulidade da decisão que dispensou a realização da audiência prévia, tal determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, e in casu, o proferido saneador sentença, devendo ser proferida decisão a convocar as partes (Embargante e Embargado) para a audiência prévia omitida, nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, ou, em alternativa, ser proferido o despacho previsto nos artºs 547º e 6º, do Cód. de Processo Civil, convidando as partes a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa desta diligência, sobre eventuais excepções e sobre o mérito da causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO

1 PJ…, deduziu oposição à execução, mediante embargos, suscitando a falta de título executivo, a falsidade da assinatura imputada ao Embargante constante do contrato dado à execução, a ilegitimidade activa do Exequente (face á extinção da pessoa colectiva que figura como credor no contrato dado à execução), a prescrição da dívida exequenda e a impugnação do valor indicado à acção executiva, peticionando, a final, pela procedência da oposição e consequentemente que:
§ “seja a execução liminarmente indeferida ;
§ Ou, seja a execução imediatamente suspensa ;
§ Seja indeferido o pedido executivo e o Executado absolvido da instância ;
§ Seja o Exequente condenado ao pagamento de uma indemnização que repare os danos causados ao Executado ;
§ Seja o Exequente e os seus representantes condenados ao pagamento de uma multa nunca inferior a € 12.360,00 €”.
Alegou, em suma, o seguinte:
§ O documento que serve de base á presente execução não constitui um título executivo e, como tal, deve o requerimento executivo ser indeferido ;
§ É falso que o executado tenha alguma vez assinado tal documento dado à execução ;
§ A assinatura que consta no documento junto trata-se de uma montagem aposta após aquela data – 22/02/2011 -, quando o contrato teria sido alegadamente assinado em 2004 ;
§ No documento dado à execução consta como parte a sociedade VI TM… – Sociedade de Gestão de Espaços e Tempos Livres, Lda., a qual se encontra dissolvida e extinta desde Outubro de 2009 ;
§ O ora Exequente não figura entre os gerentes de tal sociedade, nem é liquidatário da mesma ;
§ Não deduziu os factos constitutivos da sucessão e muito menos a qualidade em que reclama ter legitimidade para executar a alegada dívida da mesma sociedade, pelo que deve a execução ser liminarmente indeferida ;
§ O Exequente reclama valores a que alegadamente tem direito no âmbito de um contrato de cessão de exploração, que consistiram em rendas entre Janeiro de 2007 e Agosto de 2009 ;
§ Tendo decorrido mais de 5 anos entre a data de vencimento da última renda alegadamente em dívida e a data de entrada do requerimento executivo ;
§ Pelo que o alegado direito à totalidade das rendas já se encontra, desde há muito, prescrito ;
§ O contrato nunca existiu e é falso que alguma carta de interpelação tenha sido enviada ;
§ Nos termos do artº. 858º, do Cód. de Processo Civil, deve o Exequente ser responsabilizado pelo pagamento dos danos, incluindo os morais causados ao Executado, e na multa correspondente a 10% do valor da execução, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar e criminal em que possam incorrer todos os seus responsáveis.
2 – Admitidos liminarmente os embargos e notificado o Exequente/Embargado VM…, nos termos e para os efeitos do prescrito no nº. 2 do artº. 732º, do Cód. de Processo Civil, veio apresentar contestação – cf., fls. 18 vº a 23 -, aduzindo, em resumo, o seguinte:
Ø A existência de título executivo já foi reconhecida pelo tribunal no despacho saneador proferido, em 29/05/2013, no processo principal …/… ;
Ø A alegação de que nunca assinou o contrato em causa é falsa e tem natureza dilatória, pois nunca existiu qualquer montagem de assinatura ;
Ø Não se justifica qualquer suspensão da penhora, nos termos da alínea b), do nº. 1, do artº. 733º, do Cód. de Processo Civil, que não é legalmente admissível, sendo necessário prestar caução ;
Ø O Exequente é parte legítima, na medida em que é sócio da indicada sociedade ;
Ø O direito á totalidade das rendas não se encontra prescrito, pois o prazo de prescrição suspendeu-se com a interposição da acção judicial com o nº. de processo …/…, que correu termos na Comarca de Lisboa, Oeiras, Instância Central, …ª Secção de Execução, J… ;
Ø Não é possível deduzir qualquer pedido reconvencional na oposição á execução, pelo que deve ser o mesmo liminarmente indeferido ;
Ø O Executado litiga com má fé, articulando factos que não correspondem à verdade, pelo que deve ser condenado em multa, bem como em indemnizar o Exequente no valor de 5.000,00 €.
Conclui, pugnando pela improcedência da oposição, bem como pela condenação do Executado como litigante de má fé.
3 – Notificado da contestação à Oposição, veio o Embargante apresentar a resposta de fls. 33 a 36, respondendo ao pedido de condenação como litigante de má fé.
4 – Conforme despacho de fls. 44 e 45, datado de 10/02/2018, foi deferido o pedido de suspensão da execução, sem prestação de caução por parte do Executado, nos termos do artº. 733º, nº. 1, alín. b) e c), do Cód. de Processo Civil.
5 – Em 19/04/2018, pela Sra. Juíza a quo foi proferido o seguinte despacho:
Da audiência prévia
Considerando a posição das partes vertidas nos seus articulados, uma vez que a causa não se reveste de especial complexidade, não existindo necessidade de fazer actuar o princípio do contraditório, não se procederá à convocação de audiência prévia ao abrigo do disposto no artigo 593º, n.º 1, do CPC”.
6 – Na mesma data, foi proferido despacho que fixou o valor da execução, e da presente oposição, em 73.920,00 €, bem como saneador-sentença, que terminou com a seguinte DECISÃO:
Em face de todo o exposto e tendo ainda presente o disposto nos artigos 734º, 726º, n.º 2, al. a) e b), e 732º, n.º 4, todos do mesmo código julgo procedentes os presentes embargos com consequente rejeição/extinção da execução.
Custas pelo Exequente, fixando-se o valor da causa em € 1.052,41 (cfr. artigos 297º, n.º 1, 304º, 306º, n.º 2 e 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique”.
7 - Inconformado com o decidido, o Exequente/Embargado interpôs recurso de apelação, em 23/05/2018, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“i. Deve antes demais salientar-se que o douto tribunal proferiu uma decisão total de mérito em sede de despacho saneador que foi precedida de uma declaração de dispensa de audiência prévia para esse fim, sem que fosse possível a não realização dessa audiência ou a sua dispensa, ao abrigo dos arts. 592º e 593º do CPC, e sem que tenha sido invocada como fundamento dessa dispensa o disposto nos arts. 6º e 547º do CPC – pelo que se impunha a realização dessa diligência, nos termos do art.º 591º, nº 1, als. b) e d), do CPC.
ii. Ora, houve uma indevida declaração de dispensa da audiência prévia ou a não realização da devida audiência prévia que se traduz na prática de ato proibido por lei ou omissão de ato imposto por lei,
iii. Consubstanciando, pois, uma nulidade processual, com influência relevante no processo, ao abrigo do art.º 195º, nº 1, do CPC.
iv. O que desde já se REQUER!
v. Por força do art. 592.º do CPC, a audiência prévia não se realiza sempre que a ação não tenha sido contestada mas a revelia seja inoperante e/ou o processo deva findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados.
vi. O artº 593º do CPC apenas contempla a dispensa da audiência prévia quanto às «acções que hajam de prosseguir», o que não se aplicará às situações de «conhecimento da totalidade do mérito», como sucedeu no caso sub judice.
vii. A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, que vai agora arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.
Sem prescindir , diga-se ainda que,
viii. Na decisão recorrida considerou-se que não resulta demonstrada a comunicação ao arrendatário e consequentemente negou-se ao mesmo a força de título executivo.
ix. O exequente intentou a presente ação executiva, tendo apresentado como título o contrato de cessão de exploração que celebrou com o ora executado, contrato que fez acompanhar de documento comprovativo da comunicação ao locatário das importâncias em dívida por parte deste.
x. Ora, tendo a ora recorrente apresentado o contrato mais cópia da carta datada de 19.12.2010 solicitando o pagamento das rendas em atraso, consideramos que tais documentos revestem natureza de título executivo nos termos do art. 14º-A do NRAU.
xi. Como tal, impõe-se a revogação da decisão recorrida, devendo a instância executiva prosseguir os seus trâmites.
xii. Como tal, impõe-se a revogação da decisão recorrida, devendo a instância executiva prosseguir os seus trâmites.
xiii. Ademais,
xiv. Vem o douto tribunal a quo considerar que “ainda que, assim não se entendesse, teriam de proceder os presentes embargos de executado dada a falta de legitimidade do exequente para a execução”.
xv. Ora no requerimento executivo o ora recorrente solicitou ao tribunal a quo a habilitação dos antigos sócios.
xvi. Contudo, o douto tribunal fez tábua rasa desse pedido e veio agora na sentença proferir que o exequente não comprova que foi habilitado a substituir a sociedade credora”.
xvii. O douto tribunal a quo não atendeu ao pedido que o exequente fez e veio consequentemente considera-lo parte ilegítima.
xviii. O que não se pode conceder.
xix. Tal situação padece de nulidade nos termos do art. 615.º, nº1, al. d) do CPC.
xx. Isto é a douta sentença deve ser considerada nula pois o juiz deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia conhecer, o que se requer!
xxi. Diga -se ainda que este mesmo tribunal reconheceu, no processo principal, que tal documento era título executivo, cfr. doc. 01 que se protesta juntar.
xxii. Só que afirmou que era necessário pela extinção da sociedade vir o ora recorrente, como legal representante, representar a mesma.
xxiii. Veio também o douto tribunal dar a possibilidade de pronúncia do exequente nos termos do art.858.º do CPC.
xxiv. Contudo, atendo ao supra exposto, é evidente que a conduta do ora executado pautou-se pela uma conduta normal e exigível que não visou causar danos ao executado.
xxv. Ora, no caso nem se tendo chegado a concretizar a penhora, em bens do executado, a procedência da oposição à execução não determina a responsabilidade civil do exequente pelos danos ao mesmo, eventualmente, causados, nem desencadeia a aplicação da multa correspondente.
xxvi. Uma vez que a ordem jurídica coloca uma limitação de exigência, de natureza ética, ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais conferidos por lei a quem litiga em juízo, que consiste em a parte estar de boa fé ou no convencimento sobre a justiça da sua pretensão.
xxvii. Pelo que nestes termos, caso a sentença se venha a manter, o que não se concede, não deverá o executado ser responsabilizado nos termos do artigo 858.º do CPC.
xxviii. O que desde já se requer em estrita conformidade com a tão douta e acostumada justiça”.
Conclui, no sentido de ser declarada a nulidade da sentença recorrida, por falta de discussão de facto e de direito em sede de audiência prévia e, caso assim não se entenda, que seja julgada improcedente a oposição do Executado.
8 – O Recorrido apresentou contra-alegações, enunciando, em súmula, o seguinte:
“1. A dispensa de audiência prévia foi legalmente dispensada, já que foi concedido o contraditório às partes em sede de articulados e a sentença versou sobre as exceções discutidas nessa sede.
2. Na oposição à execução, o executado, ora Recorrido, invocou para além da falsidade do título executivo, a sua inexistência, bem como a prescrição da dívida e impugnação do valor indicado à execução.
3. Tendo invocado também uma exceção dilatória insuprível, a ilegitimidade ativa.
4. Assim, entendeu o juiz e bem, que a causa era de pequena complexidade e os temas encontravam-se já discutidos nos articulados pelo que não haveria necessidade de ser dado mais uma oportunidade às partes para se pronunciar e decidiu, dispensado a audiência prévia.
5. A audiência prévia pode ser dispensada quando esta apenas se destine a proferir despacho saneador nos termos do Art.º 595º n.º1 do CPC a determinar a adequa cão formal nos termos do Art. 547º e a proferir o despacho que fixa os temas da prova e objecto do litígio
6. No presente caso entendeu o douto Tribunal a"quo,"que a causa assumia simplicidade e que a matéria em causa já se encontrava amplamente debatida nos articulados."
7. Tendo imediatamente proferido sentença no despacho saneador.
8. O referido despacho vem extinguir o processo executivo por duas questões: uma delas a falta ou inexistência do título e falta de legitimidade do exequente.
9. Concluindo que os dois casos poderiam ter levado a uma despacho de indeferimento liminar nos termos do Art 726º n.º 2 alínea a) e b). Despacho este que seria proferido sem contraditório logo após a recepção do requerimento executivo.
10. Nos termos do Art 14º3A&do NRAU (Lei 6/2006 de&27 de Fevereiro),pode formar-se um título executivo complexo constituído por dois elementos: o contrato de arrendamento e a comunicação ao arrendatário do valor das rendas em dívida.
11. Apesar de o contrato ter sido junto a comunicação não foi feita, ou pelo menos não foi feita nos termos da lei.
12. Dispõe o Art 9º n.º 1 do NRAU que as cartas remetidas ao arrendatário devem ser registadas e com aviso de recepção.
13. Tal formalidade prende-se com o facto de a lei necessitar de alguma certeza para que um documento possa servir de base a uma execução
14. Sendo por isso necessário comprovar que a carta chegou ao conhecimento do arrendatário o que é comprovável através do número do registo e da aposição da assinatura no aviso de recepção.
15. Tal não ocorreu nos autos pelo que se verificou não existir título executivo.
16. Tal facto é de conhecimento oficioso e pode ser conhecido desde logo no início do processo e ser fundamento de indeferimento liminar.
17. Verifica-se também que o exequente é parte ilegítima para a execução movida contra o executado e a ilegitimidade ativa é insuprível.
18. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2004:“1.A generalidade das excepções dilatórias são supríveis quer por iniciativa do autor quer por determinação oficiosa do juiz ;2. Ao contrário do que sucede com a legitimidade plural (litisconsórcio necessário activo ou passivo),em que a excepção é sempre suprível, nos casos de ilegitimidade singular activa ou passiva, a excepção é insuprível; Disponível em www.dgsi pt
19. Sendo uma exceção dilatória insuprível, tal impede o conhecimento do mérito da causa ao ponto de ser fundamento de indeferimento liminar.
20. Nestes termos, não necessitava o juiz de notificar as partes para se pronunciarem sobre o objecto do processo quando decidiu dispensar a audiência prévia já que podia e devia conhecer da exceção e da falta de título oficiosamente.
21. Pelo que seria a prática de um ato inútil, ilegal, nos termos do Art 130º do CPC.
22. Em relação ao conteúdo do Despacho Sanedor-Sentença, entende o Recorrido que em nada viola a lei pelo que se deve manter no exatos termos em que foi proferido.
23. No que toca ao comprovativo da comunicação ao arrendatário do valor das rendas em dívida é uma cópia de uma carta datada de 19.12.2010, sem se saber se a mesma foi ou não efetivamente enviada, nem em que data, nem a data em que foi recebida, se é que foi recebida.
24. A lei de facto permite que o contrato de arrendamento e a comunicação ao arrendatário sejam títulos executivos, mas a comunicação terá de seguir as regras impostas pelo NRAU, em especial no que toca à garantia de que a carta foi recepcionada.
25. Sendo de referir que a comunicação em 2010 foi feita por uma empresa que já havia sido dissolvida em 2009, conforme consta dos documentos juntos aos autos pelo exequente.
26. Quanto à questão  da ilegitimidade invoca o Recorrente, omissão de pronúncia, no entanto não foi neste processo feito nenhum pedido de habilitação de sócios.
27. A Habilitação de sócios a que o Recorrente se refere foi feita num outro processo com n.º …/…,efoi indeferida.
28. Nesses termos, o aqui exequente não tem legitimidade para a execução, por não constar como parte no título executivo e não se encontrar devidamente habilitado.
29. Quando a sociedade se extinguiu em 2009, podia o exequente ter pedido a sua habilitação antes da propositura da execução ou no decurso da mesma para que lhe fosse reconhecida essa qualidade.
30. Passados quase 10 anos da dissolução da sociedade, o exequente nada fez ,e não pode agora fazê-lo.
31. Conclui-se por essa razão, que também não é parte legítima.
32. Deve por isso o Despacho Saneador-sentença manter-se nos exatos termos em que foi proferido”.
Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
9 – O recurso foi admitido por despacho datado de 27/09/2018.
10 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente  Embargado, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se, fundamentalmente, no seguinte:
a) se foi praticada nulidade processual decorrente da não realização/efectivação da audiência prévia, prevista no artº. 591º, do Cód. de Processo Civil – conclusões recursórias I. a VII. ;
na negativa,
b) aferir se o documento junto pelo Exequente, ora Embargado, aos autos de execução, juntamente com o alegado documento comprovativo da comunicação ao locatário (ora Executado/Embargante), constitui título executivo – conclusões recursórias VIII. a XII. ;
c) se a sentença é nula, pelo facto do Tribunal a quo ter-se deixado de pronunciar sobre questão que deveria conhecer, nos termos da alín. d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil – conclusões recursórias XII. a XX ;
d) se existe ilegitimidade activa por parte do Exequente/Embargado – conclusões recursórias XXI. e XXII. ;
e) se o Exequente/Embargado deve ser responsabilizado nos quadros do artº. 858º, do Cód. de Processo Civil – conclusões recursórias XXIII. a XXVIII.

O que implica, in casu, a análise, por ora apenas em termos eventuais, das seguintes questões:
- do alegado vício (nulidade) decorrente da falta de realização da audiência prévia e efeitos daí decorrentes ;
- dos requisitos do título executivo ;
- da causa de nulidade de sentença inscrita na alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil ;
- do pressuposto de legitimidade no âmbito do processo executivo ;
- do regime sancionatório aplicável ao exequente, previsto no artº. 858º, do Cód. de Processo Civil.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

No saneador-sentença apelado (e despacho prévio) não foi discriminada a matéria de facto ponderável, pelo que os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar é apenas a aludida no precedente relatório.

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- da falta de realização da audiência prévia e do alegado vício (nulidade) daí decorrente

Conforme supra aposto, a Sra. Juíza a quo, finda a fase dos articulados e em fase de pré-saneamento, proferiu o seguinte despacho:
Da audiência prévia
Considerando a posição das partes vertidas nos seus articulados, uma vez que a causa não se reveste de especial complexidade, não existindo necessidade de fazer actuar o princípio do contraditório, não se procederá à convocação de audiência prévia ao abrigo do disposto no artigo 593º, n.º 1, do CPC”.

Insurge-se o Apelante Exequente contra tal decisão de dispensa da audiência prévia, aduzindo, no essencial, o seguinte:
- não era possível a dispensa ou não realização da audiência prévia, ao abrigo do disposto nos artigos 592º e 593º, ambos do Cód. de Processo Civil, pois o Tribunal proferiu uma decisão total de mérito em sede de despacho saneador ;
- tal declaração de indevida dispensa traduz-se na prática de acto proibido por lei ou a omissão de acto imposto por lei ;
- o que consubstancia a prática de uma nulidade processual, com influência relevante no processo, nos termos do nº. 1, do artº. 195º, do Cód. de Processo Civil ;
- o artº. 593º, do mesmo diploma, apenas contempla a dispensa da audiência prévia quanto às “acções que hajam de prosseguir”, pelo que não se aplica às situações de “conhecimento da totalidade do mérito”, como sucedeu no caso sub júdice ;
- tal nulidade conduz à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.

Nas contra-alegações apresentadas o Recorrido/Apelado/Embargante, respondeu nos seguintes termos:
- a audiência prévia foi legalmente dispensada, pois foi concedido o contraditório às partes em sede de articulados e a sentença versou sobre as excepções discutidas nessa sede ;
- decidiu o juiz que a causa era de pequena complexidade, entendendo que não haveria necessidade de dar mais uma oportunidade às partes para se pronunciarem ;
- o saneador-sentença extinguiu o processo executivo por uma duplicidade de razões: a falta ou inexistência de título executivo e a falta de legitimidade do exequente ;
- ambas as situações poderiam ter levado a um despacho de indeferimento liminar, nos termos do artº. 726º, nº. 2, alíneas a) e b), o que seria proferido sem contraditório, logo após a recepção do requerimento executivo ;
- por outro lado, a ilegitimidade activa do exequente é uma excepção dilatória insuprível, o que impede o conhecimento do mérito da causa ;
- pelo que não necessitava o juiz de notificar as partes para se pronunciarem sobre o objecto do processo quando decidiu dispensar a audiência prévia, já que podia e devia conhecer da excepção e da falta de título oficiosamente ;
- o que sempre configuraria a prática de um acto inútil e ilegal, nos termos do artº. 130º, do Cód. de Processo Civil.

Vejamos.

Finda que seja a fase de gestão inicial do processo, plasmada no artº. 590º, do Cód. de Processo Civil (em que cabe a possibilidade de despacho liminar e despacho pré-saneador), determina o nº. 1 do normativo seguinte – 591º - dever ser “convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas”.
Prevê o nº. 1 do artº. 592º acerca das situações de não realização da audiência prévia, o que ocorre:
a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º;
b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados”.
Por fim, o artº. 593º prescreve acerca da dispensa da audiência prévia, enunciando no seu nº. 1 que “nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º”.

A primeira questão a conhecer resume-se no seguinte: ao não ter sido convocada, in casu, audiência prévia, foi praticada a nulidade processual invocada ?
Resulta do legal enquadramento exposto ser regra a realização da audiência prévia [2] [3], configurando-se como excepções a sua não realização, que não carece sequer de decisão judicial, pois impõe-se legalmente do decorrente no artº. 592º, e a dispensa da sua realização, apenas equacionável nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia tivesse apenas por objecto as finalidades previstas nas alíneas d), e) e f), do nº. 1 do artº. 591º, ou seja:
“d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes” [4]
Referencia-se no douto aresto da RP de 27/09/2017 [5] que “a forma expressa e taxativa como estas disposições estão redigidas permite concluir com segurança que quando a acção houver de prosseguir (isto é, não deva findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados) e o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa (ou apreciar excepção dilatória que não tenha sido debatida nos articulados ou que vá julgar improcedente) deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento. É o que resulta claro da não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º e da relação necessária entre o artigo 592.º e o artigo 593.º” (sublinhado nosso).
Acrescenta, presidir a esta opção legislativa “a intenção de facultar às partes a última oportunidade de exporem os seus argumentos para convencer o juiz sobre a solução de mérito a proferir, tendo o legislador optado pela solução de que isso se processe em sede de audiência prévia e, portanto, de forma oral através da discussão entre os intervenientes. Esta última oportunidade encontra-se, por exemplo, nas acções não contestadas em que a revelia é operante, caso em que não obstante o réu não tenha apresentado contestação lhe é permitido apresentar alegações, nessa ocasião por escrito (artigo 567.º)”.
Donde decorre que o despacho proferido pela Sra. Juíza a quo, a dispensar a realização da audiência prévia, é, prima facie, um despacho ilegal, pois foi proferido relativamente a situação em que não lhe era permitido dispensar a realização de tal acto processual, atento o desiderato de ir conhecer acerca do mérito da causa. Nomeadamente, e in casu, no que respeita à falta/inexistência do título executivo.

Todavia, aduz o mesmo aresto, pode questionar-se se “não obstante, o juiz pode dispensar a realização da audiência, fazendo uso já não um poder discricionário, como aqui teve lugar de forma ilegal, mas o poder de gestão processual na dimensão do poder de simplificação e agilização processual (artigos 6.º e 547.º)”.
Admitindo sérias dúvidas sobre tal possibilidade, ancorada no dever de gestão processual e adequação formal, acrescenta que tal decorre do facto de estarmos “perante uma situação em que o legislador regulou de forma pensada e pormenorizada a tramitação processual, estabelecendo diferenças entre os actos a praticar consoante a situação verificada e sopesando de forma expressa o caso de o passo que se segue ser apenas o do conhecimento do mérito. Acresce que a solução legal de impor a realização da audiência possui, como vimos já, serve o objectivo coerente e justificado de levar às últimas consequências o princípio do contraditório, explorando as virtualidades da discussão oral entre os intervenientes dos argumentos pelos quais a decisão deve ser uma ou outra, sendo difícil de conceber um processo equitativo que prescinda dessa discussão oral sem, ao menos, a substituir pela possibilidade de apresentação de alegações escritas.
Podemos, contudo, aceitar que em casos limite, quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica na jurisprudência e na doutrina, essa preocupação do legislador possa não fazer sentido e o juiz possa, no uso do seu poder de simplificação e agilização processual e adequação formal proferir a decisão por escrito sem realizar a audiência prévia”.
Todavia, mesmo nestas situações, “entendemos que a decisão de prescindir desse acto processual prescrito na lei deve ser fundamentada e precedida não da manifestação da intenção de o fazer, mas, sobretudo, do convite prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e da permissão às partes de alegar por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, referenciou-se em douto aresto desta Relação de Lisboa [6] que “não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 592º, e se a acção não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art. 591º, nº 1, al. b)).
A convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b) visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa (art. 3º, nº 3), pelo que se nos afigura que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º, se aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados”
.
Alicerça tal entendimento na posição de Lebre de Freitas (que alega mesmo ir mais longe) [7] ao referenciar que “quando se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao pedido (ou pedidos) nela deduzido(s) (art. 595-1-b), o juiz deve convocar a audiência prévia para esse fim.
No CPC de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, exceptuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade. No Novo código esta excepção desaparece: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes (sublinhado nosso).
Referencie-se, ainda, o aduzido no douto Acórdão da RP de 24/09/2015 [8] no sentido de que “a audiência prévia só poderia ser dispensada no contexto – que, para o efeito, teria de ser expressamente invocado no despacho em que se decidiu pela dispensa da referida formalidade processual e só depois de ouvidas as partes - dos artigos 547º e 6º, nº1, ambos do Código de Processo Civil.
Dado que a audiência prévia não foi dispensada nessa específica situação, exigia-se a sua realização para assegurar o cumprimento da finalidade imposta pelo n.º1, al. b) do Código de Processo Civil”.
Acrescenta que “de acordo com o exposto, teria de ser designada audiência prévia para concretização da finalidade prevista no artigo 591º, nº1, b) do Código de Processo, não contrariando esse entendimento o facto de as partes haverem discutido nos articulados a excepção da caducidade e de o Sr. Juiz haver anunciado previamente a possibilidade do seu conhecimento imediato.
Pese embora esse circunstancialismo, não tendo as partes sido ouvidas, nem sequer advertidas acerca da eventual dispensa da audiência prévia, podiam legitimamente esperar que pudessem fazer valer nesse acto, através da garantia do primado da oralidade, os seus derradeiros argumentos. Na medida em que viram defraudada essa expectativa que a lei lhes assegurava, não pode deixar de constituir decisão-surpresa a que conheceu do mérito da causa à revelia do estabelecido no mencionado artigo 591º, nº1, b)”.
Doutrinariamente, fundando a necessidade de convocação da audiência prévia, aduz Paulo Pimenta [9] que “antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito (…).
Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria”.
Enuncie-se, igualmente, o ensinamento de Ferreira de Almeida [10], ao referenciar que “uma vez executado o despacho pré-saneador (ou seja, uma vez concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 3 do artº 590º - correcção das irregularidades formais dos articulados), ou, não tendo a ele havido lugar, logo que o processo lhe seja feito concluso, após a fase dos articulados, o juiz, observado o preceituado pelo artº 151º, nºs 1 e ss., designa dia para a audiência prévia indicando o seu objecto e finalidade de entre os constantes do nº 1 do artº 591º, a realizar num dos 30 dias subsequentes, salvo se ocorrer alguma das hipóteses previstas no artº 592º (em que a mesma não pode ex-lege realizar-se) ou no artº 593º (em que o juiz a entenda dispensável). Conforme a exposição de motivos da Reforma de 2013, «a audiência prévia é, por princípio, obrigatória. Porquanto só não se realizará: - nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante; - nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados» (sic). E obviamente que também se não realizará no caso de revelia absoluta (operante) do réu, hipótese em que haverá lugar ao julgamento abreviado previsto no artº 567º, por reporte ao artº 56º”.
Todavia, nas situações e no perfilhar do entendimento de que, ao abrigo da gestão processual, é possível ao julgador, nomeadamente nas situações em que pretende conhecer no imediato acerca do mérito da causa, dispensar a realização da audiência prévia, esta mesma dispensa depende de um antecipado e precedente prevenir das partes de “forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes” de forma a que possam “influenciar o juiz na discussão do mérito da causa[11].
Por fim, no que em termos jurisprudenciais concerne, referencie-se o exposto em douto aresto desta Relação, datado de 19/10/2017 [12], no sentido, igualmente, de exigir a realização de audiência prévia quando está em equação o imediato conhecimento do mérito da causa.
Aduz, assim, que “a justificação dada pelo Mº juiz a quo para dispensar a audiência prévia é apenas a de que iria de imediato proferir despacho saneador nos termos do art. 595º do CPC – ver 222/223 do despacho de 11/05/2015. Ou seja, baseou-se nos fundamentos da dispensa previstos no art. 593º nº 1 do CPC.
Contudo, não se levou em atenção o art. 591 nº 1 b) que se reporta à audiência prévia com o fim facultar às partes a discussão de facto e de direito, “nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente do mérito da causa”.
E foi isto que se passou, a saber, o Mº juiz conheceu da excepção dilatória bem como da excepção peremptória de prescrição invocadas pela Ré – sendo que o conhecimento de uma excepção peremptória é um conhecimento sobre o mérito.
Ora, como vimos, o art. 593º nº 1 não inclui a situação da alínea b) do nº 1 do art. 591º como um dos casos em que o juiz pode dispensar a audiência prévia (sublinhado nosso) [13].
Mais recentemente, douto aresto desta Relação de 22/03/2018 [14], após perfilhar idêntico entendimento ao que vimos, doutrinária e jurisprudencialmente, expondo, conclui referenciando que “neste quadro a dispensa de audiência prévia determinada fora dos apertados limites que consentirão as disposições aludidas terá como inevitável consequência a verificação de uma nulidade processual, por prática de acto não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa, a enquadrar no artº 195º do NCPC”.
Acrescente-se, ainda, o douto Acórdão desta mesma Relação de Lisboa de 08/02/2018 [15], no qual expressamente enuncia que através da previsão legal de realização da audiência prévia  “concede-se assim às partes uma derradeira oportunidade de discutirem não só a possibilidade entrevista pelo julgador de decisão imediata do mérito da causa, sem necessidade de averiguação de factos ainda controvertidos, como de discutirem o mérito da causa, face às pretensões e argumentos deduzidos nos articulados, podendo ainda suprir as imprecisões ou deficiências que eventualmente resultem dos articulados e que, de alguma forma possam influir no resultado do litígio.
Sendo esta uma formalidade obrigatória e essencial, a sua não observância é fundamento de nulidade”.
E, aduz, ainda, que “nos casos em que nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório. “Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC. (Ac. do STJ de 23/06/2016, proc. nº 1937/15.8T8BCL.S1, no mesmo sentido Ac. do STJ de 17-3-16 (Rel. Fonseca Ramos), no proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1).
Conclui-se pois que ao proferir decisão sobre os presentes embargos, sem designação de audiência prévia, invocado aliás pelo embargado a prolação de decisão transitada em julgado que apreciara o incumprimento definitivo do locatário (excepção de caso julgado), sem prolação de despacho no sentido da adequação formal dos autos e sem possibilitar às partes, nomeadamente ao ora recorrente a pronúncia sobre a possibilidade de dispensa desta diligência e sobre o mérito da causa, omitiu o tribunal recorrido a realização de uma formalidade essencial, que inquinou de nulidade a sentença proferida por ter decidido de questão de que não podia conhecer e apenas impugnável por via do competente recurso (sublinhado nosso) [16] [17].

No reverter ao caso concreto, constata-se que, findos os articulados, e após operar a gestão inicial do processo, prevista no artº. 590º, do Cód. de Processo Civil, através do conhecimento da requerida suspensão da execução (no sentido do seu deferimento) e da ratificação do processado por parte do Exequente, com a junção da procuração forense em falta, a Meritíssima Juíza a quo proferiu, de imediato, despacho de dispensa de realização da audiência prévia, apelando ao estatuído no artº. 593º do Cód. de Processo Civil. E, após, fixado o valor da causa e consignando que os autos permitiam imediato conhecimento acerca do mérito da causa, considerou inexistir título executivo bastante, bem como ocorrer a excepção dilatória de ilegitimidade activa, determinando a procedência dos embargos e consequente rejeição/extinção da execução.
Todavia, conforme resulta da posição supra exposta, e com pertinente argumentário, estando também em equação o conhecimento acerca do mérito da causa, tal situação era enquadrável na finalidade da audiência prévia prevista na alínea b), do nº. 1, do artº. 591º, do CPC, a qual, conforme resulta do nº. 1 do artº. 593º, do mesmo diploma, não permitia o juízo de dispensa da sua realização. Ou seja, indo-se conhecer, em sede de saneador sentença, acerca do mérito da acção, impunha a lei a realização da audiência prévia, o que não foi cumprido e observado.
Acrescente-se e consigne-se que configurando-se o título como um pressuposto formal e processual específico da acção executiva, cuja falta ou insuficiência manifesta conduz ao indeferimento do requerimento executivo – cf., artº. 726º, nºs. 2, alín. a) e 4, do Cód. de Processo Civil -, sendo, ainda, fundamento da oposição à execução – cf., artºs. 731º e 729º, alín. a), ambos do mesmo diploma [18] -, a constatação da sua falta traduz efectivo conhecimento do mérito da acção, configurando-se como excepção peremptória que impede os efeitos jurídicos dos factos articulados pelo Exequente – cf., nº. 3, do artº. 576º, do Cód. de Processo Civil.
Porém, sempre se poderia argumentar, em defesa da posição assumida, que o Sr. Juiz a quo teria feito uso do poder de gestão processual, na vertente ou segmento do poder de simplificação e agilização processual, nos quadros do legalmente prescrito nos artigos 547º e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil. Situação que, conforme vimos, alguns apenas admitem quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica, jurisprudencial e doutrinariamente.
Ora, a entender-se a possibilidade de recurso ao presente mecanismo, mesmo nas situações em que a lei impõe a regra da realização da audiência prévia, a decisão de prescindibilidade desta, para além de dever ser fundamentada nesses quadros, o que não sucedeu, sempre deveria ser precedida de devido convite às partes (Embargante e Embargado) para se pronunciarem acerca da possibilidade de tal dispensa e da permissão destas se pronunciarem, por escrito, nos termos em que o iriam fazer oralmente em sede de audiência, se esta tivesse lugar [19] [20].
Todavia, para além daquela ausência de fundamentação, nos quadros expostos, as partes não foram ouvidas acerca da possibilidade de dispensa de realização da audiência prévia nem quanto à possibilidade de poderem alegar por escrito, e em substituição, relativamente ao que pretendiam invocar oralmente naquela sede.
A que acresce que as questões a decidir, in casu, estão longe de poderem ser consideradas simples, nomeadamente no que concerne à aduzida falta ou insuficiência de título.
Donde decorre que, entendendo a Meritíssima Juíza a quo que poderia conhecer, em sede de despacho saneador, acerca  do mérito da acção, deveria, em cumprimento do prescrito na alínea b), do nº. 1, do artº. 591º, do Cód. de Processo Civil, convocar audiência prévia.
Não o fazendo, incorreu na prática de irregularidade que, podendo influir no exame ou na decisão da causa – artº. 195º, do CPC -, se transmuta ou converte em nulidade processual, dado ter sido praticado um acto que a lei não admite, qual seja o de dispensar a realização da audiência prévia quando esta não era legalmente viável [21].
Donde se conclui pela nulidade da decisão que dispensou a realização da audiência prévia, o que determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, e in casu, o proferido saneador sentença, devendo ser proferida decisão a convocar as partes (Embargante e Embargado) para a audiência prévia omitida, nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, ou, em alternativa, proferir o despacho previsto nos artºs 547º e 6º, do Cód. de Processo Civil, convidando as partes a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa desta diligência, sobre eventuais excepções e sobre o mérito da causa.
O que determina, concomitantemente:
§ Procedência da apelação neste segmento recursório ;
§ prejudicialidade no conhecimento das demais questões objecto de recurso,  supra elencadas.
*
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo o Apelado Embargante no presente recurso, é responsável pelo pagamento das custas da presente apelação.

***
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Exequente/Embargado VM…, em que surge como Apelado/Embargante/Executado PJ…;
b) Em consequência, DECIDE-SE:
§ declarar nula a decisão que dispensou a realização da audiência prévia, o que determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, e in casu, o proferido saneador sentença, devendo ser proferida decisão a convocar as partes (Embargante e Embargado) para a audiência prévia omitida, nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, ou, em alternativa, proferir o despacho previsto nos artºs 547º e 6º, do Cód. de Processo Civil, convidando as partes a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa desta diligência, sobre eventuais excepções e sobre o mérito da causa ;
§ considerar prejudicado o conhecimento das demais questões objecto de recurso ;
c) Custas da presente apelação a cargo do Embargante/Apelado – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
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Lisboa, 11 de Dezembro de 2018

Arlindo Crua - Relator

António Moreira – 1º Adjunto
(vencido, nos termos da declaração de voto que junta)

Magda Geraldes – 2ª Adjunta
(em substituição)
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DECLARAÇÃO de VOTO:

Vencido, por entender que, no caso concreto, a dispensa de audiência prévia não gerou qualquer nulidade processual, na medida em que não corresponde a qualquer violação do princípio do contraditório que haja influído no exame ou decisão da causa.
Com efeito, e face ao disposto no art.º 195º do Novo Código de Processo Civil, a dispensa da audiência prévia fora das circunstâncias a que aludem o art.º 592º e 593º, ambos do Novo Código de Processo Civil, só produz nulidade se a lei assim o declarar (o que não é o caso), ou se influir no exame ou na decisão da causa, designadamente por violação do princípio do contraditório decorrente do nº 3 do art.º 3º do Novo Código de Processo Civil.
Mas, no caso concreto dos autos, a circunstância do exequente ter tido a faculdade de contestar a P.I. de embargos (tendo, além disso, exercido efectivamente tal faculdade, ao apresentar articulado de contestação onde se pronunciou sobre as questões suscitadas pelo executado, como fundamento para a procedência dos embargos e consequente extinção da instância executiva), permitiria afirmar que o contraditório se mostrava já concretamente assegurado (e efectivado).
Do mesmo modo que o contraditório relativo às questões suscitadas pela contestação do embargado ficou assegurado, ao ter sido admitido o articulado de resposta do embargante de 6/6/2017, aí tendo sido debatidas tais questões por escrito, (como reconhecido no despacho de 3/12/2017), e sendo que o debate por escrito não constitui qualquer diminuição do exercício efectivo do contraditório, relativamente ao debate oral.
O que equivaleria a afirmar que a violação da regra da obrigatoriedade de realização de audiência prévia para debater oralmente e conhecer de questão que coloca termo à acção executiva, extinguindo a respectiva instância (por força da procedência dos embargos de executado), não teve qualquer influência no exame nem na decisão tomada, já que, sendo consubstanciado esse exame no exercício oral (em audiência prévia) do contraditório pelas partes, foi o mesmo contraditório anteriormente assegurado, por escrito.
Pelo contrário, a adopção da posição vencedora é susceptível de conduzir à desconsideração dos princípios de simplificação e agilização processual que decorrem do art.º 6º do Novo Código de Processo Civil, e que merecem a mesma consideração que o princípio do contraditório, não podendo este considerar-se de forma absoluta, mas na sua relação com os referidos princípios de implicação e agilização processual, igualmente caros ao legislador de 2013, como decorre dos parágrafos 16 e 17 da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII.
_________________________________
                      António Moreira – 1º Adjunto

[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Extrai-se da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº. 113/XII que “a audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas ações não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas ações que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados.
No que respeita aos seus fins, a audiência prévia tem como objeto: (i) a tentativa de conciliação das partes; (ii) o exercício de contraditório, sob o primado da oralidade, relativamente às matérias a decidir no despacho saneador que as partes não tenham tido a oportunidade de discutir nos articulados; (iii) o debate oral, destinado a suprir eventuais insuficiências ou imprecisões na factualidade alegada e que hajam passado o crivo do despacho pré-saneador; (iv) a prolação de despacho saneador, apreciando exceções dilatórias e conhecendo imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; (v) a prolação, após debate, de despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova”.
[3] Referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 527, que a “realização da audiência prévia não é obrigatória, mas também não é facultativa. É a regra. E, como sucede com qualquer regra, carece de ser interpretada, de modo a só ser seguida quando a actividade prescrita sirva os fins perseguidos pelo legislador”.
[4] Idem, pág. 537, referem que “se a audiência prévia faz parte, por regra, do processo equitativo predisposto pelo legislador, a sua dispensa – também admitida por este, é certo – deve revestir-se das maiores cautelas, de modo a não gerar incoerências e desequilíbrios na estrutura do processo concreto”.
[5] Relator: Aristides Rodrigues de Almeida, Processo nº. 136/16.6T8MAI-A.P1, in www.dgsi.pt
[6] Relatora: Cristina Coelho, Processo nº. 1386/13.2TBALQ.L1-7, in www.dgsi.pt .
[7] A Acção Declarativa Comum à Luz do CPC de 2013, 3ª Edição, pág. 172.
[8] Relatora: Judite Pires, Processo nº. 128/14.0T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt .
[9] Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 231 e 232.
[10] Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pág. 190.
[11] Cf., J.H. Delgado de Carvalho, A dispensa da audiência prévia como medida de gestão processual:para lá dos receios do legislador, disponível em https://blogippc.blogspot.pt/2016/06/a-dispensa-da-audiencia-previa-como.html .
[12] Relator: António Valente, Processo nº. 155421-14.5YIPRT.L1-8, in www.dgsi.pt .
[13] Consigna-se que vimos seguindo, no essencial, aresto desta Relação e Secção, datado de 18/01/2018, no qual interveio como Relator o ora Relator, no âmbito da Apelação nº. 18852/16.0T8LSB.L1.

[14] Relatora: Teresa Soares, Processo nº. 1920/14.0YYLSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt .
[15] Relatora: Cristina Neves, Processo nº. 3054/17.7T8LSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt .
[16] Em idêntico sentido, cf., ainda, o douto aresto da RG de 10/07/2018 – Relator: António Sobrinho, Processo nº. 910/13.5TBVVD-L.G1, in www.dgsi.pt  -, no qual se sumariou que “a audiência prévia é obrigatória, não podendo ser dispensada, quando a acção não haja de prosseguir e o tribunal tencione conhecer imediatamente do pedido, havendo a necessidade de se facultar às partes a discussão de facto e de direito.
II – Tal omissão, configurando uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, nos termos do artº 195º, nº 1, do CPC, por influir no exame e decisão da causa”.
[17] Não aceitando, inclusive, a possibilidade de dispensa da audiência prévia fazendo uso do mecanismo de gestão processual previsto nos artigos 547º e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil, cf., o recente douto Acórdão da RE de 10/05/2018, Relator: Mata Ribeiro, Processo nº. 2239/15.5T8ENT-A.E1, in www.dgsi.pt .
[18] Cf., José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, pág. 95, 96 e 197.
[19] Neste sentido, cf., o defendido no douto Acórdão desta Relação datado de 09/10/2014 – Relator: Jorge Leal, Processo nº. 2164/12.1TVLSB.L1-2, in www.dgsi.pt -, onde se refere que “assim, a não realização de audiência prévia, neste caso, quando muito só será possível no âmbito da gestão processual, a título de adequação formal (artigos 547.º e 6.º n.º 1 do CPC), se porventura o juiz entender que no processo em causa a matéria alvo da decisão foi objeto de suficiente debate nos articulados, tornando dispensável a realização da dita diligência, com ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa composição do litígio (artigos 547.º e 6.º n.º 1 do CPC).
Tal opção carecerá, porém, de prévia auscultação das partes (cfr. art.º 6.º n.º 1 – “ouvidas as partes” – e 3.º n.º 3 do CPC; neste sentido, vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, volume I, 2014, 2.ª edição, Almedina, pág. 536)”.
[20] Nas palavras do douto aresto da RP de 12/11/2015 – Relator: Filipe Carouço, Processo nº. 4507/13.1TBMTS-A.P1, in www.dgsi.pt -, “a dispensa de audiência prévia carece de preencher os requisitos previstos no art.º 593º, desde logo que a ação haja de prosseguir. Só neste caso o juiz pode dispensar a realização daquela audiência, contanto que se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do art.º 591º. O conhecimento da totalidade do mérito não é de considerar para efeitos do art.º 593º, pois não satisfaz o primeiro requisito da norma habilitadora da dispensa: “ações que hajam de prosseguir”.
Em qualquer caso, juiz não pode dispensar a realização da audiência prévia quando, para satisfação dos respetivos fins, haja necessidade de realizar qualquer dos atos previstos nas al.s a), b), c) e g) do nº l do art.º 591º. Ela é de realização necessária, designadamente, “quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa, se a questão não tiver sido debatida nos articulados. Mesmo quando o tenha sido, a decisão de dispensa deve, todavia, ser precedida da consulta das partes (art.º 3º, nº 3), assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa”. A dispensa da audiência prévia só seria admissível num contexto que o tribunal sempre teria que descrever no despacho respetivo e só depois de ouvidas as partes (art.ºs 547º e 6º)”.
Em idêntico sentido, o douto aresto da RE de 30/06/2016 – Relator: Mário Serrano, Processo nº. 309/15.9T8PTG-A.E1, in www.dgsi.pt -, ao referenciar que “houve a prolação de decisão total de mérito em sede de despacho saneador que foi precedida de uma declaração de dispensa de audiência prévia para esse fim, sem que fosse possível a não realização dessa audiência ou a sua dispensa, ao abrigo dos art.os 592º e 593º do NCPC, e sem que tenha sido invocada como fundamento dessa dispensa o disposto nos art.os 6º e 547º do NCPC – pelo que se impunha a realização dessa diligência, nos termos do artº 591º, nº 1, als. b) e d), do NCPC, desse modo dando também cumprimento ao princípio do contraditório, tal como consagrado no artº 3º, nº 3, do NCPC (que também consagra um princípio genérico de proibição de decisões-surpresa, que o legislador do nosso actual sistema processual concebe como uma outra vertente do princípio do contraditório).
Essa indevida declaração de dispensa da audiência prévia ou a não-realização da devida audiência prévia (que se traduz, respectivamente, e consoante o ponto de vista adoptado, na prática de acto proibido por lei ou omissão de acto imposto por lei) consubstancia, pois, uma nulidade processual, com influência relevante no processo, ao abrigo do artº 195º, nº 1, do NCPC”.
[21] A nulidade processual cometida está a coberto de decisão judicial “que se lhe seguiu, que a sancionou e confirmou, pelo que o meio processual próprio para a arguir não é a reclamação, podendo o vício em causa ser objecto de recurso e ser declarado por esta Relação” – assim, o referenciado douto aresto da RP de 24/09/2015, o qual cita jurisprudência e doutrina neste sentido.