Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
919/19.5PFLRS.L1-9
Relator: PAULA PENHA
Descritores: RECURSO PENAL
CONCLUSÕES
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/31/2022
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário: -Quando o recorrente depois de convidado a aperfeiçoar as suas conclusões nos termos do disposto no artigo 417º nº 3 do C.P.P. apresenta uma outra peça processual, que persiste em não resumir as razões do pedido, fazendo um mero rearranjo formal das anteriores conclusões, voltando a reproduzir a motivação, mas aglutinando-as em menos artigos, conclui-se que o recurso terá de ser rejeitado por incumprimento do nº 1 do artº 412º do C.P.P. e estando-lhe vedado, nestas circunstâncias reivindicar novo convite de aperfeiçoamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária (ao abrigo do artigo 417º, nº 6, alínea b), do Código de Processo Penal)

RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo comum nº 919/19.5PFLRS.L1 do Juízo Local Criminal de Loures – J4, em que figura como assistente AA e como o arguido BB, após a sentença condenatória proferida por aquele tribunal, inconformado este veio interpôr recurso, através do requerimento constante da refª. 12209918 e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra.
A assistente respondeu  nos termos constantes da refª. 42113082 e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu e, como questão prévia, promoveu a rejeição do recurso por violação do disposto no art. 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que põe em causa a possibilidade do seu conhecimento, nos termos constantes da refª. 25390 e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
Chegados os autos a este tribunal, foi proferido despacho a convidar o recorrente a sintetizar/resumir as suas denominadas conclusões de recurso (que de conclusões nada tinham já que reproduziam quase “ipsis verbis” a motivação ou fundamentos por si enunciados neste recurso) e com a expressa cominação de não se conhecer o recurso (cfr. a refª. 18926710 e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra).
O recorrente veio, dentro do prazo fixado, apresentar nova peça processual, alegadamente com conclusões aperfeiçoadas nos termos constantes sob a refª. 596396 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
A assistente veio pronunciar-se, dizendo que as conclusões continuam a por em causa a possibilidade de conhecimento desse recurso (cfr. refª. 597316 e cujo teor aqui se dá por reproduzido).   
Após o exame preliminar do recurso em apreço, afigura-se-me que este deve ser rejeitado.                                                         
FUNDAMENTAÇÃO
O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação - sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso -, como pacificamente decorre do art. 412º, nº 1, do Código de Processo Penal (doravante com a designação abreviada de CPP) e, ainda, designadamente, em sintonia com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995) e com o acórdão do STJ de 12.09.2007, no processo n.º 07P2583, in www.dgsi.pt.
O art. 412º, nº 1, do CPP, sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”, estipula o seguinte:
A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
O art. 414º, nº 2, do CPP, sob a epígrafe “Admissão do recurso”, estipula o seguinte:
O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ser convidado a fazê-lo.”
E, finalmente, o art. 420º, nº 1, al. c), do CPP, sob a epígrafe “Rejeição do recurso”:
“O recurso é rejeitado sempre que: (…)
c) O recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do nº 3 do artigo 417º.”
Desta forma, o legislador acentuou a importância das conclusões de um recurso, como elemento estrutural importante com vista ao seu adequado conhecimento, através de um resumo/súmula/síntese das razões ou fundamentação do pedido recursivo, assim, delimitando o âmbito ou objecto do recurso. Tendo esta exigência legal a finalidade de prevenir o uso injustificado do recurso, delimitando o objecto do mesmo e os termos da cognição do tribunal de recurso, tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio e não como procedimento dilatório. E sendo tal imposição, não apenas aparentemente formal, pois também se destina a permitir a fluidez da decisão do recurso, contribuindo para a celeridade de processo penal na realização dos fins de interesse público a que está determinado - sendo pacífico este entendimento, salienta-se o Conselheiro Pereira Madeira (em “Código de Processo Penal” Comentado, Almedina, 2ª Edição Revista, 2016, pág. 1290) e o Prof. Germano Marques da Silva (em “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e ss. , o Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ nº 7/95 de 19/10/1995 (publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995 e cuja interpretação ainda hoje se mantém actual) e o acórdão do STJ de 20/09/2006 (no proc. nº 06P2267 acessível em www.dgsi.pt).
Ora, no caso vertente, como se viu, o recurso apresentado pelo recorrente, apesar de motivado, não continha as conclusões nos termos legalmente exigidos, na medida em que era manifestamente extenso ou prolixo, reproduzindo quase ipsis verbis a motivação ou fundamentos que havia enunciado especificadamente neste mesmo recurso.
Tendo o recorrente sido convidado a, no prazo de dez dias, vir sintetizar/resumir as suas conclusões, efectivamente, sob a cominação de não se conhecer o recurso.
Porém, o recorrente veio apresentar uma peça processual, alegadamente com conclusões aperfeiçoadas, quando, na realidade continua a não resumir as razões do pedido, fazendo um mero rearranjo formal das anteriores conclusões, isto é, voltando a reproduzir a motivação, tão somente aglutinando-a em menos artigos.
Bastando comparar o texto (das intituladas conclusões) de ambas as peças processuais para se constatar tal:
O actual art. 1º contém a súmula dos antigos arts. 1º e 2º (inexistindo primitivos artigos 3º a 6º inclusive);
O actual art. 2º repete o antigo art. 7º com excepção da transcrição dos factos provados;
O actual art. 3º repete o antigo art. 9º;
O actual art. 4º repete o antigo art. 10º;
O actual art. 5º repete os antigos arts. 11º e 12º;
O actual art. 6º repete os antigos arts. 13º e 14º;
O actual art. 7º repete o antigo art. 15º;
O actual art. 8º repete o antigo art. 16º;
O actual art. 9º repete o antigo art. 17º;
O actual art. 10º repete o antigo art. 18º;
O actual art. 11º repete o antigo art. 19º;
O actual art. 12º repete o antigo art. 20º;
O actual art. 13º repete o antigo art. 21º;
O actual art. 14º repete o antigo art. 22º;
O actual art. 15º reproduz por outras palavras o antigo art. 23º;
O actual art. 16º reproduz por outras palavras o antigo art. 24º;
O actual art. 17º repete o antigo art. 25º;
O actual art. 18º repete os antigos arts. 26º e 27º;
O actual art. 19º repete os antigos arts. 28º, 29º, 30º, 31º e metade do 32º, apenas substituindo antigos itens por actuais alíneas;
O actual art. 20º repete a restante metade do antigo art. 32º;
O actual art. 21º repete o antigo art. 33º;
O actual art. 22º repete os antigos arts. 34º e 35º;
O actual art. 23º repete o antigo art. 36º;
O actual art. 24º repete o antigo art. 37º;
O actual art. 25º repete o antigo art. 38º;
O actual art. 26º repete o antigo art. 39º;
O actual art. 27º repete os antigos art. 40º e 41º;
O actual art. 28º repete o antigo art. 42º;
O actual art. 29º repete o antigo art. 43º;
O actual art. 30º repete o antigo art. 44º;
O actual art. 31º repete o antigo art. 45º;
O actual art. 32º repete o antigo art. 46º, apenas substituindo itens por alíneas;
O actual art. 33º repete o antigo art. 47º.
Também sendo de salientar, dessa comparação, que:
a peça primitiva tinha 53 números para a alegada motivação (já que os primeiro 5 números são relativos à decisão recorrida) e a peça actual  tem 53 números para a alegada motivação (já que os primeiro 5 números são relativos à decisão recorrida);
a peça primitiva tinha 44 números para as alegadas conclusões (já que saltara do número 2 para o número 7) e a peça actual tem 34 números para as alegadas conclusões;
mas, estes 10 números de diferença disfarçam uma realidade óbvia que é o facto de terem sido aglutinados alguns dos sobreditos antigos artigos (mais concretamente, 1º e 2º, 11º e 12º, 13º e 14º, 26º e 27º, 28º a 32º, 34º e 35º, 40º e 41º ) em alguns dos actuais sobreditos artigos (mais concretamente, nos 1º,  5º, 6º, 18º a 20º, 22º e 27º) perfazendo essa mesma diferença.    
Tudo isto demonstra que o recorrente não teve a mínima preocupação em dar uma resposta positiva e cabal ao convite que lhe fora formulado pelo tribunal, através do sobredito despacho e que expressamente o advertia para a circunstância de as conclusões a apresentar deverem obedecer aos requisitos processuais aludidos no art. 412º, nº 1, sob pena de rejeição do recurso.
E, mesmo sabendo de tudo isso, o recorrente persistiu no incumprimento dessa regra processual imposta para aceder à apreciação pelo tribunal superior.
Pelo que, não poderá o recorrente reivindicar novo convite e, muito menos, não poderá querer que o tribunal subverta tal regra processual e tal cominação legal que já lhe foi feita .
Aliás, a jurisprudência entende que a repetição nas conclusões do que é dito na motivação, sem cumprimento da sobredita imposição legal por parte do recorrente e  mesmo após o convite do tribunal para o efeito, afectando a totalidade do recurso, traduz-se em falta de conclusões, o que acarreta, inevitavelmente, a rejeição total do recurso, dado que o vício afecta, necessariamente, todas as pretensões do recorrente - cfr. a título de exemplo o acórdão do STJ na respectiva CJ 1999, Tomo I, pág. 239 e segs, o acórdão do TRE de 15/12/2013 (no proc. nº 827/09.3PDAMD.L1-5) e o acórdão do TRG de 11/06/2019 (no proc. nº 314/17.0GAPTL.G1) estes dois disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, perante a notória resistência, deste recorrente, à cabal observância de tais directrizes processuais legais e mesmo a subversão, deste recorrente, perante o convite expresso ao aperfeiçoamento, é manifesta e evidente a sua improcedência adjectiva.
E, por isso mesmo - em consonância com as disposições conjugadas dos arts. 412º, nº 1, 414º, nº 2, 417º, nºs 3 e 6, al. b) e 420º, nºs 1, al. c), e 2, do CPP - , deve ser rejeitado este recurso, dele não se conhecendo.

DECISÃO
Pelo exposto e nos termos dos arts. 417º, nº 6, al. b) e 420º, nº 1, al. c), do CPP, rejeito o recurso interposto pelo arguido, BB.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs - art. 420.º, n.º 3, do CPP.
Notifique.
*
Lisboa, 31 de Outubro de 2022
A Juiz Desembargadora Relatora
Paula de Sousa Novais Penha