Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3949/17.8T8CSC.L2-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
COMUNICAÇÃO DE DADOS
BANCO DE PORTUGAL
OFENSA AO BOM NOME
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. No âmbito duma execução intentada por instituição de crédito, sendo título executivo um contrato de crédito, arguindo a executada em oposição à execução que não assinou o contrato em causa, arguição essa entretanto corroborada no encerramento de inquérito-crime e apesar das  conclusões do inquérito em causa não serem vinculativas no âmbito da oposição à execução (cf., por todos, Artigo 674º-A, correspondente ao atual Artigo 623º do CPC) nem determinarem a suspensão da execução (cf. Artigo 818º, nº1, do CPC vigente à data da instauração da execução), certo é que as mesmas não deixam de constituir um elemento relevante e objectivo (porque alcançado na sequência e conclusão de investigação criminal) corroborador da defesa da executada, no sentido de que não tinha subscrito o contrato de crédito que constituiu o título executivo.
II. Nesse contexto, incumbe à instituição bancária espelhar tal superveniência objetiva na atualização da informação transmitida ao Banco de Portugal, sabendo-se que a participação ao Banco de Portugal de um facto não verídico ou inexacto é susceptível de ofender o crédito e bom nome dos visados.
III. Impõe-se nestas situações uma posição de cautela e de sobreaviso, cabendo à instituição financeira seriar os casos, sobretudo a partir de um patamar em que a versão infirmativa da responsabilidade do mutuário colhe corroboração no âmbito de uma investigação criminal. Isto porquanto a persistência de uma informação incorreta ou inexata ofende o crédito e bom nome do visado e, nomeadamente, a figuração do visado na lista de incumpridores impede o recurso a qualquer crédito, como foi o caso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
 AA instaurou acção declarativa com processo comum, pedindo que a BB, seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 10.000,00 euros, a título de indemnização.
Alegou, em síntese, que foi objecto de penhora no âmbito de processo executivo, por dívida que nunca contraiu, tendo apresentado queixa-crime e oposição à execução, a qual foi julgada procedente, tendo durante cerca de 10 anos sofrido danos ilícitos na sua personalidade, motivo pelo qual se mostra preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, devendo ser indemnizada por danos morais.
A BB, SA,  apresentou contestação onde excepcionou o decurso do prazo de prescrição e impugnou os fundamentos de factos e de direito alegado, pugnando pela improcedência do pedido.
A Autora respondeu à excepção formulada pugnando pela improcedência da mesma.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto e decidindo, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência:
A) CONDENA a Ré, a pagar à Autora a quantia de € 5.500,00 (Cinco mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de trânsito em julgado da presente sentença, na medida em que se trata de indemnização por responsabilidade civil, cujo montante apenas agora se mostrou fixado, e até efectivo e integral pagamento; e
ABSOLVE a Ré do remanescente de € 4.500,00 euros, do valor do pedido.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a BB, SA., vindo a ser proferido acórdão por esta Relação, em 11.12.2019, nos termos do qual foi ordenada a anulação da decisão da primeira instância, determinando-se a ampliação da matéria de facto quanto aos factos alegados nos artigos 14º, 17º e 18º da petição.
Volvido o processo à 1ª instância, em 8.9.2020, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto e decidindo, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência:
A) CONDENA a Ré, a pagar à Autora a quantia de € 5.500,00 (Cinco mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de trânsito em julgado da presente sentença, na medida em que se trata de indemnização por responsabilidade civil, cujo montante apenas agora se mostrou fixado, e até efectivo e integral pagamento; e
ABSOLVE a Ré do remanescente de € 4.500,00 euros, do valor do pedido.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a Ré formulando, no final das suas alegações, as seguintes:
«Conclusões.
1º Considera a Apelante incorretamente julgado o ponto 5 dos factos provados, sendo do entendimento que os meios probatórios constantes do processo - designadamente, os resultantes da prova documental da prova por declarações de parte constante da prova gravada - impõem decisão diversa da alcançada pelo tribunal recorrido.
2º Considera assim a Apelante que os meios de prova por si indicados - documentos e declarações de parte - reclamam a formulação de um juízo probatório diverso daquele que sobre ele incidiu, devendo dar-se como não provado o acima identificado ponto 5 dos factos provados.
3° Inexiste, com efeito, nos presentes autos, qualquer prova ou elemento de prova - isto é, documento - de onde resulte, ainda que indiretamente, que na pendência de algum inquérito crime houvesse algum denunciado que se encontrasse indiciado por vários crimes de falsificação e burla ou que a aqui apelada tivesse, ou devesse ter, conhecimento daquele facto.
4° Não resultado de nenhum dos factos provados - nem de nenhum outro elemento de prova constante do processo - que “a Autora não celebrou o contrato de crédito dado à execução”, não podia tal juízo ou conclusão ser tido em conta pelo tribunal a quo em sede da fundamentação de direito da sentença.
5° A sentença recorrida padece de um erro de julgamento em matéria de direito na parte em que julgou verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, delitual ou aquiliana. Com efeito,
6° Não viola qualquer dever de prudência, nem viola nenhuma disposição legal, a exequente que, conhecedora da impugnação do ato de celebração do contrato, não suspenda a execução até obter a comprovação do alegado pela executada e embargante e objeto de queixa-crime, com vista a verificar se teria sido a mesma a subscrever o contrato, de modo a evitar qualquer dano. Do mesmo modo,
7° Não viola um dever de cuidado, nem viola disposição legal alguma, a exequente que não procure “pelo menos suspender a execução cível até obter a comprovação do alegado pela Autora e objeto de queixa-crime, com vista a verificar se teria sido a mesma a subscrever o contrato
8° Não compete à aqui Apelante e Ré (exequente), a “comprovação do alegado pela Autora” (executada), nem a verificação da veracidade do quanto esta alega, competindo tal atividade à parte que procedeu à respetiva alegação (a Apelada), constituindo o entendimento diverso uma adulteração das normas e dos princípios imanentes à lei do processo.
9° Ao contrário do quanto resulta da fundamentação de direito da sentença recorrida, a comprovação de ter sido a Autora a subscrever o contrato não se obtém nem decorre, evidentemente, nem da queixa-crime nem do processo crime, mas antes da prova pericial que teve lugar no processo de oposição à execução.
10° A lei de processo determina as condições em que o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução, cabendo ao critério do juiz - e não à aqui Apelante - a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução.
11° A lei de processo não atribuiu à dedução de queixa crime pelo executado, nem à pendência de processo criminal, a virtualidade de suspender o prosseguimento da execução, não sendo exigível à exequente que proceda desse modo.
12° A responsabilidade civil do exequente decorre do artigo 866. ° do Código de Processo Civil, que define os pressupostos específicos dessa responsabilidade, revelando-se como uma norma especial face à norma geral do artigo 483. ° do Código Civil.
13° O artigo 866. ° do Código de Processo Civil “consagra uma responsabilidade civil por comportamento processual ilícito e culposo do exequente que atuou sem a prudência normal, o que ocorre quando o exequente instaura execução apesar de conhecer, ou não poder desconhecer, a insusceptibilidade de exercício da pretensão exequenda”.
14° Não decorre da matéria de facto provada, nem da fundamentação de direito da sentença recorrida, que a aqui apelante tenha instaurado a execução apesar de conhecer, ou não poder desconhecer, a insusceptibilidade de exercício da pretensão exequenda.
15° Termos em que, não só o tribunal a quo se equivocou na determinação da norma jurídica aplicável aos factos sub judice, como violou, desaplicando-a, a norma do artigo 866. ° do Código de Processo Civil.
Nestes termos,
 Pretende a Apelante, nos termos e com os fundamentos assinalados no presente recurso, que o tribunal ad quem proceda à alteração da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância relativa à matéria de facto, modificando a decisão proferida quanto ao concreto ponto de facto por si impugnado;
 Pretende ainda a Apelante que o tribunal ad quem conheça da matéria do invocado erro de julgamento em matéria de facto e de direito, devendo ser alterada ou anulada a decisão proferida pelo tribunal a quo e substituída por decisão que, conhecendo das questões suscitadas, a absolva do pedido.
V. Exas. farão, contudo, a tão necessária JUSTIÇA!»
*
Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 117-122).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Impugnação da decisão de facto (facto 5);
ii. Erro de julgamento (pressupostos da responsabilidade civil extracontratual).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A Autora tomou conhecimento de um contrato de crédito celebrado em seu nome junto da Ré e de imediato apresentou queixa-crime.
2. Em 21.10.2009, a Autora foi notificada que os autos de Proc. n.º 6/2007(…) se encontravam em investigação.
3. Em 14.07.2011, foi citada para querendo deduzir oposição ao processo executivo, que sob o n.º (,,,), corria termos no Tribunal de Execução de Oeiras, instaurado pela Ré.
4. Em 16.09.2011 é deduzida oposição à execução, onde a Autora apresenta a sua versão dos factos alegados pela Ré e pede a suspensão da instância.
5. A Ré, sabendo por via dos factos alegados na oposição à execução, da pendência de inquérito crime e desde 19.09.2012 que a Autora viu arquivada qualquer responsabilidade pela sua conduta, existindo outros denunciados com documentos da Autora e indiciados por vários crimes de falsificação e burla não desistiu ou suspendeu a execução.
6. Em 22.09.2016, realizou-se o julgamento, tendo a oposição à execução sido julgada procedente.
7. E durante os anos de 2009-2016 em que decorreu o processo executivo, o crédito alegadamente celebrado em seu nome, foi comunicado ao Banco de Portugal, como sendo abatido em litígio judicial.
8. Em consequência do que não conseguiu ter acesso a credito bancário para aquisição de uma televisão e compra de casa.
9. A execução levou a penhoras no vencimento da Autora, no valor de devolução do IRS e na sua habitação.
10. E ainda entre os anos de 2016-2018, já após obter merecimento de causa em Tribunal, o seu nome continuou a ser comunicado ao Banco de Portugal, como tendo sido abatido em litígio judicial.
11. A Autora era uma pessoa de feitio normal, e passou, em consequência do sucedido, a andar triste, nervosa e angustiada, sofrendo insónias e momentos de angústia por se sentir injustiçada.
12. A Autora é cabeleireira e deixou de desempenhar adequadamente o seu trabalho.
13. E sente ainda um grande descontrolo nervoso quando se recorda da situação.
14. A Ré comunicou os dados relativos ao incumprimento do contrato de crédito alegadamente celebrado em nome da Autora, ao Banco de Portugal, no valor de € 20.778,00 euros, no âmbito das suas obrigações financeiras.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impugnação da decisão de facto (facto 5).
Sustenta a apelante que o facto provado sob 5 deve ser revertido para não provado, argumentando que inexiste nos autos qualquer documento de onde resulte, ainda que indiretamente, que “na pendência de algum inquérito crime houvesse algum denunciado que se encontrasse indiciado por vários crimes de falsificação e burla ou que a aqui apelada tivesse, ou devesse ter, conhecimento daquele facto.”
O tribunal a quo fundamentou a resposta ao facto 5 nestes termos:
«Os factos 1) a 6) foram dados como provados em face da análise da cópia de notificação de inquérito crime junta como Doc.1 (fls.6-v), da análise da certidão integral do Proc. n.º(,,,) que se encontra apenso por linha, bem como da certidão da acta de julgamento e sentença proferida em sede processo de execução n.º (,,,) (fls.24), que aqui se dá por reproduzida, conjugada com as declarações de parte de AA, a qual deu conta da forma como tomou conhecimento da celebração de contrato de crédito automóvel em seu nome, com recurso a fotocópias dos seus documentos de identificação e falou da queixa-crime que apresentou, tendo seguidamente relatado a tentativa de explicar a situação em sede de articulado de oposição à execução, tendo o conteúdo desse articulado sido do conhecimento da Ré, na qualidade de exequente que lhe moveu a execução; mais resultou demonstrado pela junção parcial de despacho de arquivamento do inquérito em 19.09.2012 que a Autora não praticou qualquer ilícito e que foram apreendidos documentos em seu nome junto de outras pessoas, o que por si só indicava a probabilidade de falsificação da assinatura, e a Autora, ainda assim, não pediu a suspensão do processo, levando a situação até julgamento, o que se mostrou consentâneo com normalidade da vida e experiência comum, motivo pelo qual foram os factos dados como provados.»
Está apensa a estes autos por linha certidão da execução , bem como da oposição à execução, da qual resulta que a execução foi instaurada em 16.11.2009, sendo título executivo um “Contrato de crédito” alegadamene subscrito pela apelada enquanto consumidora, destinando-se o crédito “à aquisição de Mitusbishi Sport, (...)”.
Em 16.9.2011, a executada deduziu posição, argumentando que nunca assinou o contrato em causa, ignorando a sua existência, mais afirmando que “apresentou queixa junto do MP Tribunal de (...)” (artigo 22º do articulado), juntando cópia de uma notificação dos Serviços do Ministério Público de (...), datata de 21.10.2009, constando da referida notificação o seguinte: “Que os autos encontram-se em investigação e que, oportunamento, será satisfeita a sua pretensão”.
Em 19.9.2012, a executada formulou requerimento na oposição à execução ( (...)) em que requereu a junção de despacho de arquivamento e acusação por parte do Ministério Público de (...) (Proc. (...)), sendo tal requerimento notificado ao mandatário da exequente.
A notificação em causa está datada de 5.9.2012, sendo dirigida à apelada/executada, constando da mesma designadamente as seguintes partes do despacho proferido pelo Ministério Público:
«Por ofício e via fax (…), com nota de muito urgente, solicite à “Caixa Leasing e Factoring” que remeta aos autos cópia integral do documento único automóvel referente ao veículo de matrícula (...) uma vez que apenas foi remetido aos autos cópia contendo os dados do veículo e não a identificação do certificado de matrícula (…)
Remeta cópia deste despacho ao Banco de Portugal, uma vez que existe a informação nos autos de que AA – devido à atuação dos arguidos, que celebraram de forma fraudulenta, nomeadamente com recurso a documentação falsa e imitação de assinaturas, o contrato de crédito nº 11132806 com a “Caixa Leasing e Factoring” – se encontra na listagem de incumpridores do Banco de Portugal – cf. fls. 325.
(…)
Remeta cópia deste despacho final à Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, uma vez que resulta dos autos que o requerimento-declaração para pedido de emissão da 2ª via do certificado e de registo de propriedade referentes ao veículo (...) a favor de JAGV e o requerimento-declaração para registo de propriedade apresentados em 13/11/2006 e 04/01/2007, respetivamente sob o nos. (…) são documentos falsos.
Resulta assim que inexistiu qualquer declaração de vontade de AA para adquirir o veículo de matrícula (...), pelo que o registo  de propriedade do veículo de matrícula (...), com a ap. 08059 (…) é nulo.
(…)
Procedeu-se a inquérito, tendo-se apuradao que AA não praticou qualquer ilícito (…)
Nomeio como defensora oficiosa do arguido  (…)
Nomeios como defensor oficioso da arguida  (…)
O Ministério Público deduz acusação e requer o Julgamento sob a forma de processo comum e para ser julgado em Tribunal Coletivo de:  (…)» (sublinhados nossos).
Ora, embora a cópia do despacho de arquivamento e acusação junta pela executada à oposição à execução não esteja completa (a cópia finda com a identificação do arguido), certo é que os excertos acima citados são bastante taxativos quanto às conclusões do inquérito, deles resultando – de forma inequívoca – que foi entendido que a executada não emitiu qualquer declaração para adquirir o veículo em causa, sendo o contrato de crédito (título executivo) celebrado, de forma fraudulenta, pelos arguidos, nomeadamente com recurso a documentação falsa e imitação de assinaturas.
A exequente/apelante foi notificada de tal junção de despacho, sendo que – se entendesse relevante o conhecimento da restante parte do despacho – poderia ter requerido que a executada o juntasse (o que não fez) ou mesmo consultar o processo/inquérito, tanto mais que ainda estaria em prazo para deduzir pedido cível se assim o entendesse (cf. Artigos 74º, nº1, e 77º, nº3,  e 89º,  nos. 1 e 4, do CPP).
Assim sendo, deverá manter-se a redação do facto provado sob 5, com exceção do segmento “e burla” porquanto os segmentos do despacho em causa não são esclarecedores sobre a prática de crime de burla, ao contrário do que ocorre com as falsificações.
Assim sendo, na procedência parcial da apelação, altera-se a redação do facto 5 para:
«A Ré, sabendo por via dos factos alegados na oposição à execução, da pendência de inquérito-crime e, desde 19.9.2012, que a Autora viu arquivada qualquer responsabildiade pela sua conduta, existindo outros denunciados com documentos da Autora e indiciados por vários crimes de falsificação, não desistiu ou suspendeu a execução.»
Erro de julgamento (pressupostos da responsabilidade civil extracontratual).
Sustenta a apelante que ocorre erro de julgamento porquanto não se verificam os pressupostos da responsabildiade civil extracontratual porquanto a apelante:
i. não incorreu na violação dos deveres de prudência e de cuidado, ao não suspender a execução até obter a comprovação de que a executada não subscreveu o contrato;
ii. a comprovação de ter sido a autora a subscrever o contrato não se obtém da queixa-crime nem do processo-crime, mas antes da prova pericial que ocorreu na oposição à execução;
iii. a dedução da queixa-crime e a pendência do processo-crime não têm a virtualidade de suspender a execução;
iv. não decorre da matéria de facto provado que a exequente tenha instaurado a execução apesar de conhecer a insuscetibilidade de exercício da pretensão exequenda (Artigo 866º do CPC).
O tribunal a quo fundamentou a condenação essencialmente no seguinte:
«O art. 483.º, n.º 1 do Cód.Civil, dispõe que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Deste modo, cumpre verificar se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.
Começando pelo facto voluntário do agente, verifica-se que a Ré comunicou o incumprimento do contrato de crédito, alegadamente celebrado pela Autora à central de responsabilidades de crédito que funciona junto do Banco de Portugal.
A central de responsabilidades de crédito, doravante CRC, é uma base de dados de operações financeiras criada junto do Banco de Portugal, e regulada pelo Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de Outubro.
O art. 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de Outubro, dispõe que a informação divulgada pelo Banco de Portugal constante da Central de Responsabilidades de Crédito é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação, por sua iniciativa ou a solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões.
No mesmo sentido, a Instrução n.º 21/2008, do Banco de Portugal, dispõe no seu n.º 1 que as entidades participantes são obrigadas a comunicar ao Banco de Portugal, a informação relativa a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou colectivas, residentes ou não residentes em território nacional, competindo ao Banco de Portugal efectuar a centralização e divulgação dessa informação.
Logo, a Ré, na qualidade de instituição financeira de crédito, encontrava-se obrigada a comunicar o incumprimento contratual à CRC, também não oferecendo dúvidas que essa comunicação foi efectuada e de forma voluntaria, o que não constitui facto controvertido.
Porém, terá a referida comunicação sido ilícita?
Somos por dar uma resposta positiva, porquanto ainda que num momento inicial se pudesse considerar que a Ré estaria de boa-fé, porquanto ao instaurar a execução desconhecia sem culpa que a Autora teria sido vítima de conduta fraudulenta, num segundo momento, desde que foi notificada da oposição à execução deduzida pela Autora e da junção, ainda que parcial, do despacho de arquivamento de inquérito-crime quanto à Autora, mandaria o mais elementar dever de prudência, que conhecedora da impugnação, ainda que parcial de arquivamento do inquérito-crime, procurasse pelo menos suspender a execução cível até obter a comprovação do alegado pela Autora e objecto de queixa-crime, com vista a verificar se teria sido a mesma a subscrever o contrato, de modo a evitar qualquer dano.
Logo, ao actuar como actuou, continuando a comunicar o incumprimento do contrato após a pendência da oposição à execução e continuando a comunicar entre os anos de 2016-2018, já depois de a Autora ter obtido merecimento de causa, a Ré não usou da diligência devida, acabando por comunicar uma situação relativa à Autora que na realidade não existia, porquanto não tendo sido a Autora a celebrar o contrato de crédito apresentado à execução, pese embora houvesse um incumprimento, o mesmo não era imputável à mesma.
A Ré agiu assim, de modo ilícito, não pela comunicação em si, mas por não se certificar da veracidade do conteúdo daquilo que comunicava, com o que agiu com culpa, existindo aqui uma manifesta falta de cuidado, a qual situamos na modalidade de negligência ou mera culpa, cf. Ac.TRC de 28.01.2014, relatado por Anabela Carvalho e disponível em http://www.dgsi.pt.
Esta conduta provocou danos à Autora, que passou a ter um elemento negativo da avaliação de risco na concessão de crédito, o qual não era real e na pendência da execução e após, causou-lhe os danos, dados como provados em 8), 9) e 11) a 13), os quais não se teriam verificado sem a conduta da Ré, mostrando-se assim preenchido respectivo nexo causal entre a conduta e o dano.
Por conseguinte, mostram-se inequivocamente preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar (art. 562.º Cód.Civil).»
Apreciando.
Atenta a matéria de facto provada e com referência à data da propositura da execução (16.11.2009), não se pode afirmar, de facto, que a exequente/apelante tenha instaurado a execução apesar de conhecer à data, ou não poder desconhecer, a insuscetibilidade de exercício da pretensão exequenda.
À data da instauração da execução, encontrava-se em vigor o Artigo 819º do CPC, nos termos do qual: «Procedendo a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, o exequente responde pelos danos a este culposamente causado e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC nem superior ao dobro da máxima taxa de justiça, quando não tenha agido com a prudência normal, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possa também incorrer
Conforme se viu supra, em 16.9.2011, a executada deduziu oposição, argumentando que nunca assinou o contrato em causa, ignorando a sua existência, mais afirmando que “apresentou queixa junto do MP Tribunal de (...)” (artigo 22º do articulado), juntando cópia de uma notificação dos Serviços do Ministério Público de (...), datata de 21.10.2009, constando da referida notificação o seguinte: “Que os autos encontram-se em investigação e que, oportunamente, será satisfeita a sua pretensão”.
E, em 19.9.2012, a executada formulou requerimento na oposição à execução ( (...)) em que requereu a junção de despacho de arquivamento e acusação por parte do Ministério Público de (...) (Proc. (...)), sendo tal requerimento notificado ao mandatário da exequente.
Do teor de tal despacho resulta que que foi entendido, de forma inequívoca,  que a executada não emitiu qualquer declaração para adquirir o veículo em causa, sendo o contrato de crédito (título executivo) celebrado, de forma fraudulenta, pelos arguidos, nomeadamente com recurso a documentação falsa e imitação de assinaturas.
A exequente/apelante foi notificada de tal junção de despacho, não estando evidenciado que tenha entendido ser necessário aceder a cópia integral do mesmo ou que tenha deduzido pedido cível no processo-crime em causa.
Sendo certo que as conclusões do inquérito em causa não são vinculativas no âmbito da oposição à execução (cf., por todos, Artigo 674º-A, correspondente ao atual Artigo 623º do CPC) nem determinam a suspensão da execução (cf. Artigo 818º, nº1, do CPC vigente à data da instauração da execução), certo é que as mesmas não deixam de constituir um elemento relevante e objetivo (porque alcançado na sequência e conclusão de investigação criminal) corroborador da defesa da executada, no sentido de que não tinha subscrito o contrato de crédito que constituiu o título executivo.
Aqui chegados, cumpre aferir se tal superveniência objetiva deveria ser espelhada na atualização da informação transmitida pela apelante ao Banco de Portugal.
O objetivo das comunicações mensais bancárias ao Banco de Portugal é, na ótica do Banco de Portugal, apoiar as entidades participantes na avaliação do risco de concessão de crédito, supervisão pelo Banco de Portugal das instituições financeiras, análise da estabilidade do sistema financeiro, compilação de estatísticas e de realização de operações de política monetária (cf. Artigos 1º, nº1, e 5º do Decreto-lei nº 204/2008). O Banco de Portugal, ao divulgar as informações que lhe são transmitidas, não certifica a existência ou inexistência de uma dívida, de modo que os factos que o Banco Portugal perceciona são aqueles que lhe são transmitidos pelas instituições financeiras em ficheiro informático (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.11.2015, Vaz Gomes, 11904/15). Daí que, na transmissão de tais informações, as instituições bancárias devam ter um cuidado e diligências reforçados por forma a não incorrer em erros ou inexatidões, sendo que a participação ao Banco de Portugal de um facto não verídico ou inexato é suscetível de ofender o crédito e bom nome dos visados (cf.: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.1.2014, Anabela Carvalho, 1776/11; Acórdãos do Tribunal da Relação de  Lisboa de 12.1.2012, Teresa Albuquerque, 6512/04, de 28.9.2017, Jorge Leal, 15249/15, de 16.5.2019, Cristina Neves, 3906/17, de 10.10.2019, António Moreira, 1594/17; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.10.2018, Fernando Freitas, 900/17).
A este propósito, acompanhamos na íntegra as seguintes considerações do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.5.2014, Isabel Fonseca, 1723/10:
«Ainda que a entidade bancária entendesse que se justificava tal comunicação, tinha no mínimo que, em simultâneo, disponibilizar ao Banco de Portugal informação relativa à reclamação da interessada, dando conta da posição do pretenso devedor, só assim fornecendo uma informação completa e, por isso, exata, não podendo omitir essa informação complementar, que traduz o posicionamento do cliente e que era relevante.
Pode até questionar-se se, perante a reclamação da autora e atentos os significativos recursos (humanos e materiais) que as entidades bancárias possuem, não se impunha que o apelante efetuasse um conjunto mínimo de diligências tendentes a averiguar a factualidade em causa, sabendo-se, como se sabe, que em caso de litígio entre essa instituição e o cliente, tendo por objeto o aludido contrato de mútuo, é sobre a entidade bancária que recai o ónus de alegação e prova, perante a autoridade judicial, de que o contrato foi celebrado e cláusulas respetivas, sob pena de ver naufragada eventual pretensão de condenação no cumprimento (art. 342º, nº1 do Cód. Civil). No equilíbrio de interesses que se joga entre uma instituição financeira como a apelante e uma pessoa singular, não se afigura que tal exigência ultrapasse o limiar da razoabilidade e seja desconforme aos ditames da boa fé. Afinal, no processo, o réu apelante deduziu pedido reconvencional e, realizado exame pericial, cujos custos terá que suportar, o réu veio desistir desse pedido, desistência a que seguramente não é alheio o resultado da perícia. Note-se que não nos reportamos a qualquer dever de praticar diligências de investigação (dever de agir), cuja omissão fundaria responsabilidade da entidade bancária nos termos do art. 486º mas, tão somente, a uma postura de cautela, de verificação prévia, que o apelante notoriamente não teve.
(…)
Não se desconhece que, frequentemente, os devedores invocam a falsidade da assinatura aposta no documento que titula o contrato como expediente para se furtar ao cumprimento de compromissos assumidos com a instituição bancária, mas incumbe a esta, quando confrontada com casos como o dos autos, fazer a seriação desse tipo de situações, distinguindo o trigo do joio, até porque a facilidade com que o crédito é atribuído – à distância, sem qualquer contacto pessoal entre o banco e o cliente – potencia o risco destas ocorrências, o que a entidade bancária não pode deixar de conhecer.»
Assim, a partir do momento em que a versão da executada no sentido de que não subscrevera o contrato de crédito (oposição à execução) se mostrou corroborada pela conclusão da investigação criminal, cabia à apelante atualizar a informação anteriormente dada ao Banco de Portugal, frisando a posição da alegada mutuária e, sobretudo, que tal posição se mostrava, entretanto, corroborada pelas conclusões da investigação criminal feita a tal propósito. Conforme se refere no aresto citado, impõe-se nestas situações uma posição de cautela e de sobreaviso, cabendo à instituição financeira seriar os casos, sobretudo a partir de um patamar em que a versão infirmativa da responsabilidade do mutuário colhe corroboração no âmbito de uma investigação criminal. Isto porquanto, consoante se viu, a persistência de uma informação incorreta ou inexata ofende o crédito e bom nome do visado e, nomeadamente, a figuração do visado na lista de incumpridores impede na prática o recurso a qualquer crédito, como foi o caso.
Note-se que o que a apelante/exequente comunica ao Banco de Portugal (quer seja no sentido de que a apelada está em incumprimento, quer retificando uma comunicação anterior) não afeta diretamente a pretensão exequenda da apelante. Dito de outro forma, mesmo que a apelante não tivesse comunicado ao Banco de Portugal a (pretensa) situação de incumprimento da apelada/executada, tal situação não precludia que a apelante instaurasse – como fez -  a ação executiva. A eventual inobservância do regime do Decreto-lei nº 204/2008 por parte da apelante apenas daria azo à aplicação do regime sancionatório aí previsto por parte do Banco de Portugal, não tendo repercussão na pretensão exequenda. A correção/atualização da informação, a ter sido ocorrido,  evitaria a consumação de danos não patrimoniais na esfera da autora no interim até à conclusão da oposição da execução, sem que implicasse de per si a extinção do processo executivo.
Daqui resulta que o dever de atualização da informação reportada ao Banco de Portugal por parte da apelante não tem de aguardar a conclusão do processo de oposição à execução com a procedência deste, como foi o caso, podendo e devendo a apelante atualizar/rever tal informação face à superveniência de factos que, de forma objetiva e minimamente sólida, questionem o bem fundado da comunicação inicial.
Não foi essa a postura assumida pela apelante a qual, após ter sido informada da conclusão da investigação criminal, em 19.9.2012, manteve o teor da comunicação perante o Banco de Portugal (factos 5 e 7). Pior do que isso ainda: em 22.9.2016, foi realizado julgamento na oposição à execução, sendo proferida de imediato sentença que julgou a oposição procedente, mas a apelante continuou a ignorar – olimpicamente – a situação, continuando a comunicar ao Banco de Portugal que o crédito tinha sido abatido em litígio judicial (facto 10).
Resta analisar se estão preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.
Nos termos do Artigo 483º do Código Civil: "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação." Em articulação com este princípio, dispõe o Art. 487º, nº1, do Código Civil que "É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa."
Do estipulado nestes preceitos resulta que são pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjetivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela.
O facto do agente tem de ser dominável ou controlável pela vontade, podendo consistir numa ação ou numa omissão.
 A ilicitude consiste na infração de um dever jurídico. A ilicitude possui duas variantes enquanto pressuposto da responsabilidade civil: a ilicitude por violação de direitos subjetivos (“o direito de outrem”, v.g., direito de personalidade, real, de propriedade industrial, de autor) e a ilicitude por violação de normas de proteção (“qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”). 
A culpa corresponde a um juízo de censura ao agente por ter adotado a conduta que adotou, quando - de acordo com o comando legal – estaria obrigado a adotar conduta diferente. Constitui, assim, uma omissão da diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe.
A culpa pode assumir as formas na negligência e do dolo, subdividindo-se aquela nas modalidades de negligência consciente e inconsciente e este em dolo direto, necessário e eventual. Ocorre negligência consciente quando o agente, violando o dever de diligência a que estava obrigado, representa a verificação do facto como consequência possível da sua conduta, mas atua sem se conformar com a sua verificação. Diversamente, na negligência inconsciente, o agente – violando o dever de diligência a que estava obrigado – não chega sequer a representar a verificação desse facto. Atua com dolo direto o agente que quer a verificação do facto, sendo a sua conduta dirigida diretamente a produzi-lo. Age com dolo necessário o agente que não dirige a sua atuação diretamente a produzir a verificação do facto, mas aceita-o como consequência necessária da sua conduta. Finalmente, atua com dolo eventual o agente que representa a verificação como consequência possível da sua conduta e atua, conformando-se com a sua verificação.
O dano corresponde à frustração de uma utilidade que era objeto de tutela jurídica [3]. Pode assumir natureza patrimonial ou não patrimonial. Na vertente patrimonial, o dano pode consistir numa diminuição efetiva do património (dano emergente) ou representar a frustração de um ganho, traduzindo-se num não-aumento patrimonial (lucro cessante).
Quanto à fixação do nexo de causalidade, a nossa lei adotou a doutrina da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – art. 563º do Código Civil. Para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, no plano naturalístico, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois, que em abstrato ou em geral, seja causa adequada do dano. Com efeito, a teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado.
Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e em abstrato, adequado e apropriado para provocar o dano. Daqui resulta, como bem se observa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.1.2002, Silva Paixão, CJ AcSTJ – I, pg. 38, que “de acordo com a teoria da adequação, só deve ser tida em conta como causa de um dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano. Mas para que um facto deva considerar-se causa adequada daqueles danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se assim que o julgador se coloque na situação concreta do agente para emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria “. A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa.
Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa do dano, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou como efeito provável dessa verificação. Na formulação negativa (mais ampla), o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
Por mais criteriosa, deve reputar-se adotada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada – neste sentido, cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I Vol., 9ª Ed., pp. 921, 922 e 9930; PEDRO NUNES DE CARVALHO, Omissão e Dever de Agir em Direito Civil, p. 61; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2013, Fernando Bento, 1749/06 e de 9.4.2019, Fernando Samões, 2296/17.
A apelante omitiu, de forma voluntária e consciente, a atualização da informação anteriormente facultada ao Banco de Portugal sobre a situação de pretenso incumprimento da mutuária/apelada, bem sabendo que a persistência da informação inicial era idónea a lesar o crédito e bom nome da apelada, preterindo que a mesma recorresse a qualquer crédito, como foi o caso. A omissão de tal atualização atuou como causa adequada dos danos, os quais foram de índole não patrimonial (cf. Factos 8, 11 a 13). Deste modo, estão demonstrados os requisitos da responsabiliadde civil extracontratual (cf. Artigos 483º e 486º do Código Civil).
Em decorrência da persistência do nome da apelada/autora como incumpridora, a autora:  não conseguiu ter acesso a crédito bancário para aquisição de uma televisão e compra de casa; passou a andar triste, nervosa e angustiada, sofrendo insónias e momentos de angústia por se sentir injustiçada; deixou de desempenhar adequadamene o seu trabalho; sente ainda um grande descontrolo nervoso quando se recorda da situação (factos 8, 11 a 13).
Para a cabal compreensão da problemática da ressarcibilidade de danos não patrimoniais há que atentar que na personalidade humana há uma organização somático-psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de personalidade física ou moral – Artigo 70º, nº1, do Código Civil. Essa organização “(...) é composta não só por bens ou elementos constitutivos (v.g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v.g. a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex., a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.)” – capelo de sousa, O Direito geral da personalidade, 1995, Coimbra Editora, p. 200. E mais adiante, p. 458, afirma tal autor “Dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem direta e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exatamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente.”
Como explica mota pinto, Teoria Geral Do Direito Civil, 3ª Ed., Coimbra Editora, 1991, p. 115, "Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um "preço de dor" ou um "preço de sangue", mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal". A perspetiva subscrita por este autor subsume-se à “functional approach”, segundo a qual a indemnização visa proporcionar aos lesados momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida.
Nos termos do Artigo 496º, nº1, do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e, prossegue-se no nº3 do mesmo preceito, “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º “. O legislador ficou, assim, como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (Artigo 496º, nº3); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do Artigo 496º). No que tange à situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma « (…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa)», só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que o bem vida não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no Artigo 494º - cf. Maria Manuel Veloso, “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva. Compensatória porquanto o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, porque se atende à extensão e gravidade dos danos (Artigo 496º, nº1). A função punitiva advém da circunstância da lei enunciar que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do Artigo 496º) – cf.  paula meira lourenço, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 283-291, 415-416; Maria Manuel Veloso, Op. Cit., p. 540.
O Artigo 496º, nº1 do Código Civil confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custas ou despesas, mas no intuito de arbitrar à vítima a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afetada. Daí que os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma medição, mas sim a uma valoração – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.3.95, Lopes Pinto, CJ AcSTJ 1995 – I, p. 233.
A gravidade do dano dever aferir-se por um padrão objetivo e não por um padrão subjetivo derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada. Na fixação do montante da indemnização deve também atender-se aos padrões adotados pela jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, à gravidade do dano tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima bem como outras circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes- cf., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2004, Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt/jstj. Segundo Maria Veloso, Op. Cit., pp. 542-545, a intensidade, a natureza da lesão e a importância do bem jurídico violado representam os fatores-base de ponderação, devendo ainda atender-se à ideia de proporcionalidade e à necessidade de uniformizar os montantes indemnizatórios.
No que tange aos parâmetros da jurisprudência, encontram-se decisões em casos similares que fixaram a indemnização desde € 2.500, € 3.500, € 5.000 a € 10.000 (cf., respetivamente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.5.2019, Cristina Neves, 3906/17, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.1.2014, Anabela Carvalho, 1776/11, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.9.2017, Jorge Leal, 15249/15 e 20.5.2014, Isabel Fonseca, 1723/10).
Atenta a factualidade provada (cf. supra), a qual evidencia uma afetação negativa e significativa do estado anímico e psíquico da autora, ao longo período em que persistiu a informação perniciosa (que se prolongou mesmo após a decisão da oposição), entendemos que o valor de € 5.500 fixado pelo tribunal a quo é ajustado, não merecendo reparo.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 11.5.2021
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] Cf. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, I Vol., 2000, Almedina, p. 295.