Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDGAR TABORDA LOPES | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL SERVIÇO PÚBLICO DE ESTACIONAMENTO CONCESSÃO TAXA DE ESTACIONAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário:[1]: I – A concessionária da gestão e exploração do serviço público de estacionamento nas vias municipais, mediante contrato de concessão de serviços públicos, nesse âmbito, actua em substituição da Autarquia, munida dos poderes que a esta são legalmente atribuídos nessa área, pelo que a taxa devida pelo estacionamento em via pública de duração limitada se constituiu, no âmbito de uma relação jurídico-tributária (através da concessionária do serviço), desde logo porque, independentemente da configuração jurídica dos contratos ou acordos tácitos estabelecidos entre utentes dos estacionamentos concessionados, a concessionária, tal como esses utentes, estão submetidos ao Regulamento Municipal que disciplina tais estacionamentos. II – São os Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal os competentes para a execução para pagamento de quantia certa fundada em injunção a que foi aposta formula executória, requerida por empresa concessionária da exploração do estacionamento de veículos em Zona de Estacionamento de Duração Limitada. III – A incompetência dos Tribunais comuns para estas matérias é jurisprudência unânime nas decisões publicadas e nos Acórdãos do Tribunal de Conflitos. ______________________________________________ [1] Da responsabilidade do Relator, em conformidade com o n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa[2] Relatório E, nos termos do artigo 856.º do Código de Processo Civil, por apenso aos autos de execução que lhe foram movidos por DR, SA., deduzir-lhe oposição por meio de embargos, defendendo: - por excepção, a inaplicabilidade do procedimento injuntivo ao caso concreto, uma vez nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 se Setembro, a injunção só pode ser instaurada tendo por fundamento obrigações pecuniárias emergentes de contratos, sendo certo que entre embargante e embargada, existindo sim uma relação contratual efetivamente estabelecida entre embargante e município, materializando-se na concessão de serviço de parqueamento automóvel abrangendo determinados espaços, (vulgo contrato público, ou simplesmente contrato administrativo), o que torna competentes os Tribunais administrativos e incompetentes os comuns e inexequível o título executivo dado à execução. - a ineptidão da petição inicial (ou do requerimento injuntivo), uma vez que não são alegados factos, que, com suficiência, traduzam a causa de pedir (hora dos alegados serviços de estacionamento prestados), impedindo a embargante de exercer o seu direito de defesa; - que nada deve à embargada. Notificada a Embargada veio apresentar Contestação defendendo a improcedência dos embargos. A 22 de Abril de 2025 o Tribunal a quo proferiu Sentença, julgando procedentes os embargos e escrevendo o seguinte: “Da incompetência material do Tribunal Em face do concretamente invocado pelo executado/embargante E temos que a primeira questão a apreciar é a da (in)competência material deste Tribunal. Com efeito, o executado/embargante alega que a matéria aqui em causa sempre estaria atribuída à jurisdição administrativa, o que determina a incompetência absoluta da jurisdição civil comum, o que constitui uma exceção dilatória, a qual determina a inexequibilidade do título executivo dado à execução. Por seu turno, a exequente/embargada invoca que não estamos perante litígios emergentes de relações jurídico-administrativas e fiscais, mas sim, perante relações jurídicas privadas, consubstanciadas numa proposta contratual e numa aceitação pura e simples (tácita embora), geradoras de responsabilidade civil contratual, pelo que são os tribunais comuns os competentes para apreciar o incumprimento da presente relação jurídica. Ora, cumpre, em primeiro lugar, referir que, nos termos do disposto no art. 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva. O título executivo é, materialmente, um meio legal de demonstração de existência do direito exequendo. É um meio de prova, legal e sintética, do direito exequendo, um meio de demonstração da sua existência que, no nosso direito, se traduz formalmente num documento. O título executivo pode, assim, definir-se como o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respetiva execução. Assim, o título executivo será o documento escrito constitutivo ou certificativo de uma obrigação que, mercê da sua força específica, abre portas à realização de atos de execução forçada na esfera jurídica do executado. E é assim, porque a existência do título executivo faz presumir que o crédito existe e que está por cumprir. As espécies de títulos executivos estão previstas no art. 703.º, do Código de Processo Civil. No caso em apreço, à luz das disposições legais que definem o conjunto de documentos que constituem título executivo, necessário será incluir o documento dado à execução na previsão do art. 703.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil. Com efeito, na ação executiva a que estes embargos se encontram apensos, a exequente/embargada oferece como título executivo um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória (cfr. ref.ª 5796657 dos autos principais). Um requerimento de injunção à qual tenha sido aposta fórmula executória assume-se como um título executivo extrajudicial, nos termos e para os efeitos do art. 703.º, al. d), do Código de Processo Civil, sendo classificado pela doutrina como um título impróprio, porque formado num processo, mas não resultante de uma decisão judicial. Trata-se, pois, de um título executivo no qual não existe uma análise dos fundamentos invocados ou da verdadeira existência da obrigação, sendo apenas formado em virtude da inexistência de qualquer oposição. Sendo o título executivo um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, os fundamentos da oposição são aqueles que resultam do disposto no art. 857.º, do Código de Processo Civil. Ora, nos termos do disposto no art. 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual. Por seu turno, o art. 14.º-A, do Regime Anexo ao D.L. n.º 269/98, de 01/09, sob a epígrafe efeito cominatório da falta de dedução da oposição, estabelece o seguinte: 1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente. Assim, podemos concluir que, nos termos conjugados do art. 729.º, do Código de Processo Civil e do art. 14.º-A, do Regime Anexo ao D.L. n.º 269/98, de 01/09, «os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, são os seguintes: - os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença e que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; - o uso indevido do procedimento de injunção; - a ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; - a existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; - qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente; - quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, em caso de justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140º.» (neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/05/2024, proc. n.º 14074/23.2T8SNT-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt). Ora, no caso em apreço, o executado/embargante invoca a incompetência material da jurisdição comum, pugnando que a matéria aqui em causa sempre estaria atribuída à jurisdição administrativa. A incompetência em razão da matéria configura uma incompetência absoluta (cfr. art. 96.º, al. a), do Código de Processo Civil), sendo uma exceção dilatória (cfr. art.ºs 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a), ambos do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso (cfr. art. 97.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Assim sendo, nos termos do disposto no art. 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e no art. 14.º-A, n.º 2, al. a), do Regime Anexo ao D.L. n.º 269/98, de 01/09, é fundamento de oposição à execução, no presente caso, a incompetência material do Tribunal. Ora, nos termos do disposto no art. 64.º, do Código de Processo Civil e no art. 40.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/08), os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. As referidas normas configuram a concretização legal do normativo constitucional previsto no art. 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece o seguinte: Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. De acordo com o art. 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, que delimita o campo de intervenção jurisdicional dos tribunais administrativos, estes têm por objetivo a resolução de litígios de natureza administrativa e fiscal. Por sua vez, o art. 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estabelece que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto. Assim, essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é a existência de uma relação jurídica administrativa. A relação jurídico-administrativa pode ser definida como aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido. O art. 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais enumera, de forma exemplificativa, os litígios cuja competência se defere à jurisdição administrativa (enumeração positiva – n.ºs 1 e 2 do citado art. 4.º), e os que dela se mostram excluídos (enumeração negativa – n.ºs 3 e 4 do citado art. 4.º). O art. 4.º, n.º 1, al. e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estatui que: compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: e) validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes. Nos termos do disposto no art. 200.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, são contratos administrativos os que como tal são classificados no Código dos Contratos Públicos ou em legislação especial. Por sua vez, o Código dos Contratos Públicos adota uma noção ampla de contrato público, que delimita em função dos sujeitos outorgantes, para efeitos da aplicação de um determinado regime procedimental de formação de contratos (regulado na Parte II do Código). Este conceito legal de contrato público (cfr. art. 1.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos) abrange, à primeira vista, todos os contratos celebrados no âmbito da função administrativa, independentemente da sua designação e da sua natureza (isto é, mesmo que sejam de direito privado), desde que sejam outorgados pelas entidades adjudicantes referidas na lei (cfr. art. 2.º, do Código dos Contratos Públicos). No entanto, o regime de contratação estabelecido no Código dos Contratos Públicos não se aplica a todos os contratos celebrados pelas entidades adjudicantes, mas apenas àqueles cujas prestações suscitem, pelo menos potencialmente, a concorrência no mercado (cfr. art.ºs 5.º, n.º 1, e 16.º, n.º 2, ambos do Código dos Contratos Públicos). Por outro lado, o Código dos Contratos Públicos estabelece um outro conceito, tendencialmente mais restrito: o de contrato administrativo, celebrado por contraentes públicos (entre si ou com “co-contratantes privados”), para efeitos de aplicação do regime substantivo dos contratos de natureza administrativa – regime de execução, modificação e extinção das relações jurídicas administrativas (cfr. art. 1.º, n.º 5, referido à Parte III). Com a nova redação conferida ao art. 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais foi abandonada a distinção tradicional entre atos de gestão pública e atos de gestão privada, de tal modo que, em concreto, a alínea e) do n.º 1 desse normativo legal, abstrai da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, passando a integrar no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos a apreciação de questões de validade, interpretação e execução de contratos que tenham sido submetidos a um procedimento pré-contratual de direito público ou relativamente aos quais a lei preveja a possibilidade da sua submissão a esse procedimento, de modo que a natureza administrativa da relação jurídica litigiosa decorre, não do conteúdo do contrato ou da qualidade das partes, mas das regras de procedimento pré-contratuais aplicadas ou aplicáveis (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/07/2021, proc. n.º 1297/20.5T8PDL-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt). Como já ficou dito, na ação executiva a que estes embargos se encontram apensos, o título executivo é um requerimento de injunção à qual foi aposta fórmula executória. No referido requerimento de injunção consta que o executado/embargante, na qualidade de proprietário e utilizador do veículo automóvel com a matrícula -----, estacionou, nos vários parques que a exequente/embargada explora na cidade de Angra do Heroísmo, sem proceder ao pagamento do tempo de utilização, entre os dias 31/12/2019 e 01/09/2022 (cfr. ref.ª 5796657 dos autos principais). In casu, em 22/10/2012, o Município de Angra do Heroísmo celebrou com a exequente/embargada um contrato que tem por objeto de concessão de exploração de parcelas de solo, as quais se encontram integradas no domínio público do Município, para instalação, exploração e conservação dos parquímetros das zonas de estacionamento de duração limitada da cidade de Angra do Heroísmo, pelo período de dez anos (cfr. cláusulas 1.º e 9.º do contrato junto com a ref.ª 6147492), tendo, para o efeito, sido promovido o competente concurso público (cfr. preâmbulo do contrato junto com a ref.ª 6147492). Assim, à luz das considerações supra explanadas, temos que o contrato celebrado entre o Município de Angra do Heroísmo e a exequente/embargada pode ser qualificado como contrato administrativo. Do conteúdo do referido contrato resulta que a exequente/embargada, na qualidade de concessionária, no âmbito da exploração das zonas de estacionamento de duração limitada e em contrapartida da utilização das mesmas pelos utentes, deve aplicar e cobrar a estes, através dos parquímetros, as taxas constantes no Regulamento Municipal de Taxas de Angra do Heroísmo que esteja em vigor, as quais tem o direito a receber (cfr. cláusulas 19.º e 28.º do contrato junto com a ref.ª 6147492). Por seu turno, nos termos do disposto no Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo datado de 27/02/2012 e do Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo datado de 29/04/2022, a fiscalização do cumprimento das disposições do presente regulamento será exercida por agentes de fiscalização devidamente identificados, nos termos previstos na lei, competindo-lhes, além do mais, zelar pelo cumprimento do regulamento, desencadear as ações necessárias à eventual remoção dos veículos em transgressão, emitir os avisos de liquidação, cumprir os planos de fiscalização que venham a ser aprovados pelo concessionário ou pela Câmara Municipal para as zonas de estacionamento tarifado (cfr. art.os 19.º e 20.º, do Regulamento datado de 27/02/2012; e art.os 18.º e 19.º, do Regulamento de 29/04/2022 (cfr. regulamentos juntos com a ref.ª 6184011). Ademais, é a concessionária, ou seja, à autora, que compete encetar os mecanismos legais conducentes à execução da taxa em dívida (cfr. art. 23.º, do Regulamento de 29/04/2022). Ora, o contrato de concessão outorgado entre o Município de Angra do Heroísmo e a exequente/embargada, precedido por concurso público, rege-se pelo conteúdo das suas disposições e pelas disposições constantes dos aludidos Regulamentos, no qual se encontram previstos, designadamente, as taxas devidas pelo estacionamento, bem como a fiscalização do regime previsto nos aludidos Regulamentos. Tendo em conta que no âmbito do referido contrato de concessão, a exequente/embargada se vinculou expressamente ao cumprimento dos aludidos Regulamentos Municipais, recai sobre esta o ónus de conformar a sua atuação com o disposto naqueles diplomas e agir no âmbito dos poderes que os mesmos lhe confere, nomeadamente na sua relação com os terceiros particulares que usufruem do estacionamento concessionado e como tal passam a estar sujeitos às suas respetivas regras e condições. Assim, contrariamente ao que sucede no âmbito de relações contratuais entre particulares, as quais se regem pelo princípio da liberdade contratual e que dizem respeito a atividades de direito privado suscetíveis de ser desenvolvidas por particulares, no caso em apreço, a exequente/embargada, na relação jurídica que estabelece com o executado/embargante, surge investida de prorrogativas próprias de um sujeito público, revestido de jus imperii, podendo cobrar-lhe uma taxa pelo estacionamento nas zonas concessionadas. Neste sentido, conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais «conhecer de ação intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento» (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/04/2010, proc. n.º 1950/09.4TBPDL.L1-2. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/05/2010, proc. n.º 1984/09.9TBPDL.L1-8, ambos disponíveis em www.dgs.pt). Assim sendo, nos termos do disposto no art. 40.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, nos art.ºs 64.º a contrario, 97.º e 99.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e no art. 4.º, n.º 1, al. e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, este juízo Local Cível de Angra do Heroísmos, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores sempre seria materialmente incompetente para apreciar a matéria invocada no requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e que serve de título executivo na ação executiva a que estes embargos se encontram apensos. «Tal incompetência em razão da matéria fere, desde logo e na origem, o próprio processo injuntivo e a respetiva força executiva derivada da correspondente fórmula nela aposta» (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/06/2010, proc. n.º 466/09.3TBPDL-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt), pelo que os presentes embargos terão, forçosamente, de serem julgados procedentes. * Em face do supra decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo executado/embargante (inaplicabilidade do procedimento injuntivo; ineptidão da petição inicial/requerimento injuntivo). ** Pelo exposto, o Tribunal julga os presentes embargos deduzidos por E à execução contra si instaurada por DR, S.A. totalmente procedentes, e, em consequência, declaro extinta a execução de que os presentes autos constituem apenso. Custas pela exequente/embargada, por a elas ter dado causa – art. 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil. Registe e notifique.” É desta Sentença que vem pela Embargada-Exequente interposto Recurso de Apelação, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: “a) Vem o presente recurso apresentado contra a Douta Sentença A Quo, que decidiu julgar a incompetência material do Juízo Local Cível de Angra do Heroísmo, para cobrança dos créditos da Exequente. b) No âmbito da sua atividade, a Exequente celebrou contrato com a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, através do qual lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel na cidade sem cedência de quaisquer poderes de autoridade, ou de disciplina. c) No seguimento deste contrato, a DR adquiriu e instalou em vários locais da cidade, máquinas para pagamento dos tempos de estacionamento automóvel, para as quais desenvolveu o necessário software informático. d) Enquanto utilizador do veículo automóvel -----, o Executado estacionou o mesmo em diversos Parques de Estacionamento que a Exequente explora comercialmente na cidade, sem proceder ao pagamento do tempo de utilização, num total em dívida de € 1.122,40 que aquele se recusa pagar. e) Para cobrança deste valor, a Exequente viu-se obrigada a recorrer aos tribunais comuns, peticionando o seu pagamento, pois a sua nota de cobrança está desprovida de força executiva, não podendo, portanto, dar lugar a um imediato processo de execução, seja administrativo ou fiscal. f) A natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço de parqueamento é a de um preço e não a de uma taxa. g) Sendo as Taxas verdadeiros tributos (Art.3º Nr.2 da LGT), que visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas e sendo a receita da utilização dos parqueamentos, propriedade da DR, tal contrapartida escapa por definição ao conceito de taxa. h) As ações intentadas pela Exequente contra os proprietários de veículos automóveis, que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos, não se inserem em prorrogativas de autoridade pública munida de ius imperii, mas sim no âmbito da gestão enquanto entidade privada. i) A Recorrente ao atuar perante terceiros, não se encontra munida de poderes de entidade pública, agindo como mera entidade privada, pelo que, o contrato estabelecido com o automobilista, relativo à utilização dos parqueamentos, é de natureza privada, cuja violação é suscetível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade civil contratual por incumprimento. j) A doutrina qualifica este tipo de contrato como uma relação contratual de facto, assente em puras atuações de facto, em que se verifica uma subordinação da situação criada pelo comportamento do utente ao regime jurídico das relações contratuais. k) O estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre a concessionária e o utente resulta de um comportamento típico de confiança. l) Comportamento de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento, mediante retribuição. m) Proposta temporária, que se transforma num verdadeiro contrato obrigacional, mediante aceitação pura e simples do automobilista, o qual, ao estacionar o seu automóvel nos parques explorados pela Exequente, concorda com os termos de utilização propostos e amplamente publicitados no local. n) O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos, seja numa aceção subjetiva, objetiva, ou funcional, sendo certo que nenhuma das acessões permite englobar a presente situação. o) A DR SA., não efetua, tão pouco, atos de fiscalização, não tendo poderes para autuar coimas ou multas por incumprimento das regras estradais, tarefa que está exclusivamente atribuída às autoridades públicas de fiscalização do espaço rodoviário da cidade. p) Nos termos do disposto no artigo 2º do DL 146/2014 de 09 de outubro, a atividade de fiscalização incide exclusivamente na aplicação das contraordenações previstas no artigo 71º do Código da Estrada, o qual estabelece as coimas aplicáveis às infrações rodoviárias ali identificadas. q) Os montantes cobrados pela DR SA., também não consubstanciam a aplicação de quaisquer coimas, nem a empresa processa quaisquer infrações praticadas pelos utentes dos parqueamentos. r) Quaisquer infrações ou coimas que devam ser aplicadas aos automobilistas prevaricadores de regras estradais, ficam a cargo da Autarquia, sem qualquer intervenção ou conexão com a atividade da empresa concessionária. s) A DR, ao contrário o que vem referido na douta sentença, nunca atuou nem quis atuar, em substituição da autarquia, munida de poderes públicos. t) Entender que os tribunais competentes são os administrativos e de entre estes os fiscais, sendo inconstitucional, corresponde a esvaziar de utilidade o Contrato de Concessão de Exploração dos Parqueamentos, por retirar à concessionária o poder de reclamar judicialmente os seus créditos, em direta violação do direito constitucional de acesso à tutela jurisdicional efetiva, previsto pelo Artigo 20º Nr.1 da Constituição da República Portuguesa. u) Institucionalizar este entendimento, fomenta o incumprimento das obrigações dos automobilistas, que cientes da impossibilidade de cobrança coerciva dos valores devidos pelo estacionamento dos seus veículos, deixam de pagar deliberadamente, em claro incentivo ao incumprimento. v) Não estando em causa a natureza pública do contrato celebrado entre a Câmara Municipal e a DR SA., não pode, contudo, este primeiro contrato, contagiar ou ser equiparado, aos posteriores contratos tacitamente celebrados entre a DR e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada, até só pela forma como os seus intervenientes atuam. w) Refira-se finalmente que, ainda que se entenda estarmos perante a prestação de serviços de interesse público, o que apenas se concebe para mero efeito de raciocínio, as competências dos tribunais administrativos e fiscais estão hoje definidas no artigo 4.º do ETAF (Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, aplicável nestes autos com a redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro que alterou as alíneas e) e f) do Nr.1 do Art.4º do ETAF e posteriormente pela L 114/2019, de 12 de setembro, que introduziu a alínea e) ao Nr.4 do Art.4º do E.T.A.F). x) Da alteração introduzida pelo DL 214-G/2015, resultou que a matéria que antes se encontrava na alínea f) do Nr.1 do Art.4º do ETAF, passou para a alínea e) do mesmo número, mas com conteúdo muito diferente, que não alude às circunstâncias acima referidas, que antes colocavam situações como a dos autos na esfera de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. y) Sendo certo que o contrato de utilização temporária de espaço público para estacionamento em causa nos autos, celebrado entre a empresa privada, ora apelante, e o utilizador privado ora apelado, não é um contrato administrativo, não é um contrato celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública, não é celebrado por pessoa coletiva de direito público, e não é celebrado por qualquer entidade adjudicante. z) Da alteração introduzida pela Lei 114/2019, por sua vez, resulta que nos termos da alínea e) do Nr.4 do Art.4º, “estão… excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”. aa)Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo.” bb)O serviço de estacionamento não é um dos serviços elencados no Art.1º nº 2 da L 23/96, mas, tal como ocorre nos serviços públicos essenciais, a relação entre o prestador do serviço e o utente é uma relação de direito privado. cc) Vejam-se por tudo, o Douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa de 18.12.2024, proferido no âmbito do Processo 16685/24.0YIPRT da 8ª Secção. dd)E a Douta Decisão Singular da Veneranda Relação de Lisboa de 07.02.2025, proferida no âmbito do Processo 118028/34.7YIPRT da 2ª Secção. MAL ANDOU, ASSIM, O TRIBUNAL “A QUO” AO DECLARAR-SE INCOMPETENTE EM RAZÃO DA MATÉRIA, POIS, O TRIBUNAL RECORRIDO É O COMPETENTE, MOTIVO PELO QUAL FORAM VIOLADOS, ENTRE OUTROS, OS ARTIGOS 96º, AL. A), 278º, NR.1 AL. A), 577º AL. A) E 578º DO CPC, QUER O ARTIGO 4º NR.1, AL. E) DO ETAF, QUER AINDA O ARTIGO 40º DA LEI 62/2013 DE 26 DE AGOSTO. TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E EM CONSEQUÊNCIA, SER A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SUBSTITUIDA POR OUTRA, QUE JULGANDO COMPETENTE O JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ANGRA DO HEROÍSMO, ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, CONFORME É DO DIREITO E DA JUSTIÇA.”. O Embargante-Executado não apresentou Contra-Alegações. ** Questões a Decidir São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes[3]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. In casu, e na decorrência das Conclusões dos Recorrentes, importará verificar se o Tribunal recorrido, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, artigos 64.º a contrario, 97.º e 99.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e no artigo 4.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, é materialmente incompetente para apreciar a matéria invocada no requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e que serve de título executivo na acção executiva a que os presentes embargos se encontram apensos. ** Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir. * Fundamentação de Facto A factualidade considerada pelo Tribunal é a que decorre do Relatório. *** Fundamentação de Direito A questão que se coloca no presente recurso é… recorrente nos Tribunais portugueses e tem merecido, como bem a Apelante sabe, uma resposta praticamente unânime, apesar da sua (legítima e honrosa) teimosia. A Sentença prolatada pelo Tribunal a quo e acima transcrita mostra-se completa e bem elaborada, podendo pensar-se se está ou não correctamente decidida. Tal como o nosso sistema jurídico-constitucional se organiza, os Tribunais judiciais comuns têm uma competência residual, de forma que lhe cabem todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não estão legalmente atribuídas a nenhum Tribunal Judicial não comum ou a nenhum tribunal especial. Ou seja, os tribunais judiciais comuns são responsáveis por julgar todas as causas que não estejam especificamente atribuídas a outras ordens jurisdicionais, como os tribunais administrativos, fiscais ou do trabalho (cfr. os artigos 211.º da Constituição da República Portuguesa e 40.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário). No que concerne aos Tribunais Administrativos e Fiscais, têm estes competência residual para dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, aqui relevando essencialmente o artigo 4.º do ETAF, que estabelece nas alíneas e) e o) do n.º 1 que lhes cabe, “a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: (…) e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;(…) o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores. (…)”. Já se vê por aqui a relevância do conceito de relação jurídica de direito administrativo, por contraste com a relação jurídica de direito privado. O enquadramento da matéria feito no Acórdão da Relação de Évora de 05 de Junho de 2025 (Processo n.º 131863/23.4YIPRT.E1-António Marques da Silva) pode aqui servir-nos de base à apreciação da questão: “- relação jurídica de direito administrativo, por oposição às relações de direito privado em que intervém a Administração, permitindo considerar relações jurídicas públicas aquelas «em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido» [J. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina 2006, pág. 57/8] ou até, mais amplamente, as relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal. - a regulação e gestão do estacionamento em locais e vias públicas constitui actividade de interesse público. Este interesse público da matéria é notório e evidente, dispensando desenvolvimentos adicionais, dada a sua conexão com a forma como usamos ou podemos usar espaços acessíveis a todos, integrados no domínio público, estando em causa utilização que tem uma aptidão impeditiva ou condicionadora do uso do mesmo espaço pelos demais. A consagração e recepção legal deste interesse público encontra-se no regime relativo às condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento, aprovado pelo DL 81/2006, de 20.04, do qual deriva, em geral, um conjunto de regras impositivas atinentes ao funcionamento dos parques e zonas de estacionamento e, em particular, a atribuição a regulamento municipal, ou aos órgãos municipais, do encargo de regular as condições de utilização daqueles parques e zonas de estacionamento e as taxas aplicáveis (art. 2º n.º2 e 3 daquele regime) - e que a regulamentação do estacionamento deve constar de regulamento decorre também do art. 70º n.º2 do CEstrada. Nesta linha, atribui-se à câmara municipal competência para intervir na matéria (art. 33º n.º1 al. rr) da Lei 75/2013, de 12.09). A natureza pública da intervenção camarária reflecte-se ainda na qualificação legal da contrapartida exigida ao utente como taxa (municipal), estabelecendo uma conexão entre a utilidade prestada (gestão de áreas de estacionamento) e o valor (taxa) cobrado (art. 6º n.º1 al. d) da lei 53-E/2006, de 29.12). A dimensão pública desta actuação deriva ainda do facto de este diploma também impor que a taxa obedeça a um critério proporcional e funcional, pois, sendo fixada de acordo com o princípio da proporcionalidade, não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular, e se pode ser fixada com base em critérios de desincentivo à prática de certos actos ou operações, ainda aí continua vinculada àquela proporcionalidade (art. 4º n.º1 e 2 daquela Lei 53-E/2006). Colocando tal intervenção, pois, fora do domínio económico comum, domínio este subordinado às regras de mercado e visando uma projecção lucrativa. Neste quadro de correspectividade entre a disponibilização de espaço público para uso particular e o pagamento de uma contrapartida, a qualificação legal da contrapartida paga (como taxa) até se tende a mostrar ajustada ao conceito normativo da taxa [Como é sabido, a qualificação como taxa depende do regime jurídico fixado, e não de uma qualificação legal ou sequer «da qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo» (v. Ac. 291/2024 do TC, disponível no site do TC], no sentido de que a finalidade tributária (angariação de receita), surge relacionada «com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é (...) beneficiário», estabelecendo uma relação de bilateralidade entre dada prestação administrativa e a compensação dessa prestação (v. o referido Ac. 291/2024 do TC, e art. 4º n.º2 da LGT). Este conjunto normativo revela que a câmara municipal (ente público) está dotada de poderes de autoridade, revelados desde logo no poder regulador da utilização dos espaços de estacionamento através de regras impositivas, vertidas em regulamento (regulamento que constitui acto de gestão pública, porque emitido ao abrigo de normas de direito público, e com vocação reguladora geral e abstracta, contendo por isso normas jurídicas [V. M. Rebelo de Sousa e A. Salgado de Matos, Direito administrativo geral, tomo III, D. Quixote 2007, pág. 238]). E poderes de autoridade vinculados à prossecução do interesse público ou comum. No caso, aquele poder foi actuado através da aprovação do Regulamento Municipal de Estacionamento Público Tarifado e de Duração Limitada no Concelho de( …)). - de forma sucinta e genérica, este regulamento define zonas de estacionamento diferenciadas, períodos de permanência máxima, o regime de validade do estacionamento, e, em particular, procede à previsão do pagamento de taxas pelo uso do espaço público para estacionamento, taxas a que se assinalam finalidades públicas (racionalizar e organizar o estacionamento, reprimir estacionando abusivo e contribuir para melhoria da qualidade de vida dos residentes), e taxas cujos valores são também por aquele regulamento fixados. - daqui decorre que a relação a estabelecer entre o município e o utente teria que ser caracterizada como uma relação administrativa, dada a qualidade de um dos sujeitos, e o exercício de poderes regulativos públicos (que justificam a posição de domínio na fixação das condições do estacionamento e na imposição de uma contrapartida), em ordem à prossecução de interesses comuns à comunidade. Mais ainda, é também evidente que a relação seria disciplinada por normas (regulamentares) de direito administrativo. Relevando, assim, directamente para os termos da referida al. o) do nº 1 do art. 4º do ETAF (na falta de outra alínea aplicável). - os termos desta avaliação não se alteram com a intervenção (ou melhor, interposição) da recorrente. Com efeito, e na linha da desintervenção estatal do Estado regulador, alargou-se «a possibilidade de intervenção dos particulares no sector das actividades públicas nos casos em que a lei confere à Administração o poder de delegar ou conceder o respectivo exercício». - é nesse âmbito que surge a actuação da recorrente, desempenhando, por concessão, poder administrador e regulador próprio da Administração (local). O que significa que a sua actividade mantém a mesma natureza da intervenção da Administração, uma vez que por aquela concessão «o titular do serviço público cede uma parcela dos direitos e poderes inerentes à titularidade do serviço público». Ora, atendendo à exposta caracterização da posição da entidade concedente (exercendo poderes públicos de autoridade, ainda que por via do regulamento aprovado, com vista à realização de finalidades públicas), está-se então «perante uma entidade particular no exercício de um poder público e actuando com vista à realização de um interesse público». - asserção que se confirma pelo facto de as condições do estacionamento, incluindo o «preço» (a taxa), a que se submetem os particulares derivarem do referido regulamento administrativo, pelo que a recorrente, quando actua, fá-lo exercendo poderes derivados do regulamento e na aplicação daquele regulamento, e a partir dos poderes púbicos que estão na origem do regulamento. Não tem poderes para fixar regras ou preços, mas apenas para aplicar (numa actividade de gestão e fiscalização, como deriva do contrato de concessão) normas jurídicas pré-determinadas, que correspondem a um regime de direito público e visam a satisfação de um interesse geral. O que exclui, aliás, a tese da sua actuação como qualquer particular, pois nem ela nem os visados se encontram num plano privatístico e tendencialmente paritário: ao invés, os utentes estão sujeitos às regras regulamentares inflexíveis, não negociais (o que cria uma relação de supra-infra ordenação entre a entidade reguladora e o utente), regra que a recorrida apenas aplica ou cuja aplicação observa. Sendo o regulamento que funda a juridicidade da relação estabelecida, é por força da sua vinculatividade, e não com base numa relação negocial, que é exigível o pagamento das taxas. Por isso, aliás, que o contrato de concessão seja omisso quanto à atribuição à recorrente de poderes conformadores das regras de estacionamento. E por isso também que a invocação das relações contratuais de facto (figura, aliás, dominantemente rejeitada) seja desajustada pois, mais que discutir uma relação negocial (assente na materialidade subjacente), importa atender a que está em causa uma relação normativamente enquadrada por via do regulamento administrativo aprovado (que define as condições de utilização do serviço público de estacionamento) [Assim, o utente não pode recusar o pagamento, alegando por exemplo estar em causa espaço público, de acesso livre, não por se ter vinculado contratualmente com as regulações da recorrente, mas porque deve obediência ao poder de regulação da administração, que em parte esta cedeu ao concessionário] e, por essa via, uma relação administrativa: só por via do regulamento pode a recorrente cobrar as taxas (sem liberdade para recusar o estacionamento, ou para alterar valores, etc.). E asserção que se manifesta também, simetricamente, pelo facto de a relação com os utentes não estar sujeita às regras do mercado, mormente na fixação de preços ou num escopo lucrativo, como deriva do exposto quanto à forma de fixação e finalidade das taxas cobradas. Donde ser justificado afirmar que «os actos praticados pela recorrente não revestem a natureza de actos privados susceptíveis de serem desenvolvidos por um qualquer particular, mas, ao invés, revestem-se de natureza pública, na medida em que são praticados no exercício de um poder público» (Ac. do TRL de 22.04.2010, proc. 1950/09.4TBPDL.L1-2). - tudo justificando que, para efeitos de inclusão no contencioso administrativo, a actuação da recorrente se integre nas relações jurídicas administrativas externas, pois nestas, compreendendo as relações entre a Administração e os particulares, também se incluem as relações entre entes que actuem em substituição de órgãos integrados na administração (mormente no contexto do exercício por particulares de poderes públicos, por exemplo, os tradicionais concessionários) e os particulares [J. Vieira de Andrade, ob. cit., pág. 68, que se seguiu de perto]. O que convoca a aplicação do regime do referido art. 4º n.º1 al. o) do ETAF. - aliás, por esta via também se pode sustentar que estariam em causa contratos administrativos, para os termos da al. e) do n.º1 do ar. 4º do ETAF, por via da sua sujeição a normas (ainda que regulamentares) de direito público que regulam aspectos, e aspectos determinantes, do seu regime (na linha da posição eu defende a integração naquela alínea de «todo o contencioso dos contratos», superando os seus exactos termos literais). - a invocação do art. 4º n.º4 al. e) do ETAF é descabida pois esta norma apenas se reporta aos serviços públicos essenciais, e, como a própria recorrente admite, aí se não insere o estacionamento (art. 1º n.º1 e 2 da Lei 23/96, de 26.07) - aliás, sustenta-se que o elenco deste art. 1º n.º2 tem natureza taxativa, sendo insusceptível de ampliação interpretativa. - o facto de a nota de cobrança estar «desprovida de força executiva, não podendo (...) dar lugar a um imediato processo de execução, seja administrativo ou fiscal», é irrelevante: apenas coloca a recorrente na posição do normal credor, obrigado a obter um título executivo judicial (na ordem jurisdicional competente). - o facto de a recorrente não dispor de poderes sancionatórios não serve para descaracterizar a sua posição, tal como exposta, não sendo aqueles poderes nota imprescindível da relação jurídica administrativa para os efeitos em causa”. No caso dos autos, a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, mediante contrato administrativo de concessão, transferiu para a Apelante-Embargada a concessão da exploração e fiscalização do estacionamento nas Zonas de Estacionamento de Duração Limitada do município. Assim, é a Apelante-Embargada - enquanto concessionária da gestão e exploração do estacionamento tarifado da autarquia de Angra do Heroísmo - quem prossegue os fins de interesse público legalmente conferidos ao Município (para tal estando munida dos inerentes poderes de autoridade e, daí, cobrar os estacionamentos[4]…), o que faz com que os utilizadores do estacionamento naquelas zonas consubstanciem consigo uma relação jurídica administrativa, subsumível ao disposto nas alíneas e) e o) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF. E é neste sentido que tem ido toda a jurisprudência publicada: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2010 (Processo n.º 1984/09.9TBPDL.L1.S1-Moreira Alves) onde se escreve que, sendo “a autora concessionária de um serviço reconhecidamente de interesse público, actua, nessa qualidade, em “substituição” da autarquia com os poderes inerentes que lhe foram concessionados”, que os “contratos ou acordos tácitos que se concretizam sempre que os utentes utilizam para estacionamento os espaços públicos concessionados à autora, tanto esta como os referidos utentes estão submetidos às regras do Regulamento Municipal que disciplina aqueles estacionamentos, e só por isso tem a autora direito a cobrar as taxas de utilização fixadas no dito diploma”, e que contendo “tal Regulamento normas de direito público, que estabelecem o regime substantivo de tais contratos ou acordos tácitos, a execução de tais contratos cai no âmbito do disposto no art. 4.º, al. f), do ETAF”, concluindo, deste modo, que é “do foro administrativo a competência material para apreciar o litígio a que se refere os autos”; - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Outubro de 2017 (Processo n.º 0167/17-Aragão Seia) onde se conclui que o “requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas apresentado pelos concessionários municipais ao qual haja sido deduzida oposição, consubstancia-se, nos termos da lei, numa acção cujo conhecimento é da competência dos TAFs”; - Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2025[5] (Processo n.º 118584/24.0YIPRT.L1-6-Adeodato Brotas) onde assinala que aos “litígios emergentes de serviço de parqueamento automóvel temporário em parques públicos, concessionados à requerente/apelante, pelo Município de Ponta Delgada, não é aplicável a norma de exclusão da competência dos Tribunais Administrativos prevista no art.º 4º, nº 4, al. e) do ETAF”, se refere que antes “se aplica a norma de atribuição de competência aos Tribunais Administrativos estabelecida no art.º 4º nº 1, al. e) do ETAF, por o litígio ter por base um contrato com génese em contrato submetido a regras de contratação pública” e se conclui que “a esta vista, os Tribunais Cíveis são materialmente incompetentes para apreciar e decidir um litígio emergente na falta de pagamento de serviços de parqueamento automóvel temporário em parques de estacionamento concessionado pelo Município à requerente”; - Acórdão da Relação do Porto de 28 de Janeiro de 2025 (Processo n.º 69243/24.8YIPRT.P1-Alberto Taveira) onde se conclui que compete “aos tribunais administrativos e fiscais conhecer de acção intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento”; - Acórdão da Relação de Lisboa de 30 de Janeiro de 2025 (Processo n.º 42537/24.5YIPRT.E1-José António Moita) onde se assinala que, colocada “na posição de concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície em via pública e equiparada num município, a Apelante prossegue finalidades de interesse público estando, assim, munida de poderes de autoridade para tal, o que configura a existência de uma relação jurídica administrativa/tributária” e se conclui que os “tribunais judiciais não são materialmente competentes para apreciação de procedimento de injunção com vista ao pagamento de quantias monetárias relativas ao estacionamento de viatura particular em zonas abrangidas pela concessão de exploração do estacionamento tarifado por parte de uma Câmara Municipal”; - Acórdão da Relação de Lisboa de 04 de Fevereiro de 2025 (Processo n.º 118032/24.5YIPRT.L1-7-Ana Rodrigues da Silva[6]) onde se escreve que a “acção proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento automóvel em espaços públicos pedindo a condenação no pagamento de quantias devidas pela utilização desses estacionamentos é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais”; - Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2025 (Processo n.º 126592/24.4YIPRT.P1-José Eusébio Almeida) onde se escreve que, independentemente “da configuração ou natureza jurídica dada os contratos ou acordos tácitos estabelecidos entre utentes dos estacionamentos concessionados, a concessionária, tal como esses utentes, estão submetidos ao Regulamento Municipal que disciplina aqueles estacionamentos”, e se assinala que “pretendendo a concessionária cobrar judicialmente as taxas de estacionamento que o utente deixou de pagar, compete materialmente aos tribunais administrativos e fiscais a apreciação dessa pretensão, como decorre do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea e), do ETAF”; - Acórdão da Relação do Porto de 20 de Fevereiro de 2025 (Processo n.º 79555/24.5YIPRT.P1-Isabel Peixoto Pereira) onde se assinala que compete “aos tribunais administrativos e fiscais conhecer de acção intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento”; - Acórdão da Relação do Porto de 24 de Fevereiro de 2025 (Processo n.º 143394/23.8YIPRT.P1-Miguel Baldaia de Morais) onde se escreve que: - “Por mor da cláusula geral positiva plasmada no artigo 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos de Fiscais (aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19.02), os tribunais administrativos são, por via de regra, os materialmente competentes para a preparação e julgamento dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, isto é, relações reguladas por normas de Direito Administrativo, em que pelo menos um dos sujeitos seja uma entidade pública ou entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido. - “Para além da referida cláusula geral positiva de atribuição de competência aos tribunais administrativos, o artigo 4º do referido Estatuto contém um elenco de matérias que, em concreto, se consideram ser da competência desses tribunais, nomeadamente quando estejam em causa “litígios que tenham por objeto questões relativas à validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”; - “Por força do contrato de concessão que a autora firmou com a Câmara Municipal... - nos termos do qual lhe foi cedida a exploração de zonas de estacionamento automóvel -, passou aquela a assumir a qualidade de concessionária de um serviço reconhecidamente de interesse público, atuando, nessa medida, em “substituição” da autarquia com os poderes inerentes que lhe foram concessionados”; - “Independentemente da natureza jurídica que assumam os contratos ou acordos tácitos que se concretizam sempre que os utentes utilizam para estacionamento os espaços públicos concessionados à autora, tanto esta como os referidos utentes estão submetidos às regras do Regulamento Municipal que disciplina esses estacionamentos, e só por isso tem a demandante direito a cobrar as taxas de utilização fixadas nesse instrumento normativo (cfr. artigo 4º) e de exercer a respetiva atividade de fiscalização (cfr. artigo 7º do DL nº 146/2014, de 9.10, artigo 16º do Regulamento e cláusula 1ª do contrato de concessão). - “Por outro lado, tendo em conta que no âmbito do contrato de concessão a autora se vinculou expressamente ao cumprimento do aludido Regulamento de Estacionamento, recai sobre ela o ónus de conformar a sua atuação com o disposto nesse diploma e agir em consonância com os poderes que o mesmo lhe confere, nomeadamente na sua relação com os terceiros particulares que usufruem do estacionamento concessionado e como tal passam a estar sujeitos às suas respetivas regras e condições”; - “Desse modo, contendo tal Regulamento normas de direito público, que estabelecem o regime substantivo de tais contratos ou acordos tácitos, a execução dos mesmos cai no âmbito da previsão do disposto na alínea e) do nº 1 do citado artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, razão pela qual serão os tribunais administrativos os materialmente competentes para a preparação e julgamento de litígios emergentes da falta de pagamento da taxa (e não preço) devida pela utilização do estacionamento concessionado”; - Acórdão da Relação do Porto de 11 de Março de 2025 (Processo n.º 69259/24.4YIPRT.P1-Artur Dionísio de Oliveira) onde se conclui que os “tribunais comuns são materialmente incompetentes para as acções propostas pelas concessionárias da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, tendo em vista a condenação dos utentes desses parques no pagamento das quantias devidas pela sua utilização temporária, em conformidade com os regulamentos municipais aplicáveis, cabendo essa competência à jurisdição administrativa e fiscal”; - Acórdão da Relação do Porto de 20 de Março de 2025 (Processo n.º 126593/24.2YIPRT.P1-Isabel Peixoto Pereira) onde se conclui que compete “aos tribunais administrativos e fiscais conhecer de acção intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Março de 2025 (Processo n.º 86424/24.7YIPRT.L1-6-Eduardo Peterson) onde se conclui que os “tribunais judiciais não são materialmente competentes para apreciação de procedimento de injunção em que se pedem quantias não pagas, devidas por estacionamento de viatura particular em zonas abrangidas por concessão de exploração do estacionamento tarifado por parte de uma Câmara Municipal”; - Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Abril de 2025 (Processo n.º 143397/23.2YIPRT.L1-6-Cláudia Barata) onde se escreve que compete “aos Tribunais Administrativos e Fiscais conhecer do mérito da injunção, transmutada em acção por força da dedução de oposição, proposta pela empresa, a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, com vista à obtenção do pagamento das quantias devidas por particular decorrentes da utilização da zona de estacionamento (artigo 4º, nº 1 do ETAF)” e se conclui que os “Tribunais Cíveis são incompetentes em razão da matéria para conhecer do mérito de tais injunções/acções”; - Acórdão da Relação do Porto de 08 de Maio de 2025 (Processo n.º 78946/24.6YIPRT.P1-Carlos Cunha Rodrigues Carvalho) onde se conclui que a “acção proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento automóvel em espaços públicos pedindo a condenação no pagamento de quantias devidas pela utilização desses estacionamentos é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais”; - Acórdão da Relação de Évora de 08 de Maio de 2025 (Processo n.º 28868/24.8YIRT.E1-Tomé de Carvalho) onde se escreve que: - com “a alteração da alínea e) do n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e com o novo regime da contratação pública, caiu o entendimento que pressuponha que estavam excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tivessem por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes fosse pessoa de direito público”, - o “elemento determinante da competência não é unicamente a natureza jurídica da relação jurídica de onde emerge o litígio, mas também a sujeição do mesmo ou a possibilidade da sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público, o que quer dizer que a jurisdição administrativa é competente quer a relação jurídica subjacente seja, ou não, uma relação jurídico-administrativa”; - “Está expressamente previsto que a apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva ficou subtraída à competência da jurisdição administrativa e fiscal”; - “A utilização temporária de espaço público para estacionamento em causa nos autos não configura um serviço público essencial na previsão artigo 1.º da Lei dos Serviços Públicos, não podendo ser acrescentados ao elenco legal outros serviços por via interpretativa”; - “Não sendo aplicável a norma de exclusão da competência dos Tribunais Administrativos, os Tribunais Cíveis são materialmente incompetentes para apreciar e decidir um litígio emergente na falta de pagamento de serviços de parqueamento automóvel temporário em parques de estacionamento concessionado pelo Município à requerente”; - Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Maio de 2025 (Processo n.º 2954/24.2T8PDL.L1-8-Cristina Lourenço) onde se conclui que o “conhecimento de ação executiva por via da qual se visa obter o pagamento de taxa sancionatória diária por estacionamento não pago, em zona de estacionamento de duração limitada, concessionada por Município ou Empresa Municipal a uma empresa privada, é da competência da jurisdição administrativa e fiscal (art.º 4º, nº 1, al. o) do ETAF)”; - Acórdão da Relação de Évora de 25 de Junho de 2025 (Processo n.º 1278/24.0T8BJA.E1-Ana Margarida Leite) onde se conclui que cabe “aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a competência para a apreciação de ação proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento em espaços públicos, que demanda um particular, visando a cobrança coerciva do pagamento de quantias devidas pela utilização dessas zonas de estacionamento”; - Acórdão da Relação do Porto de 26 de Junho de 2025 (Processo n.º 139483/24.0YIPRT.P1-Nuno Araújo) onde se conclui que o “requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas relativas ao estacionamento na via pública, apresentado pelos concessionários municipais, ao qual haja sido deduzida oposição, configura pretensão cujo conhecimento é da competência dos tribunais administrativos e fiscais”; - Acórdão da Relação de Évora de 05 de Junho de 2025 (Processo n.º 131863/23.4YIPRT.E1-António Marques da Silva) onde se conclui que os “tribunais comuns são materialmente incompetentes para conhecer acção proposta por concessionária da exploração e manutenção de zonas de estacionamento em espaços públicos e que visa obter o pagamento da contrapartida devida pela utilização dos espaços de estacionamento pelos utentes”; - Acórdão da Relação do Porto de 26 de Junho de 2025 (Processo n.º 127203/23.0YIPRT.P1-Judite Pires) onde se conclui que são “os tribunais administrativos e fiscais – e não os tribunais comuns – os materialmente competentes para apreciar e decidir as acções em que, apresentado requerimento de injunção por entidade concessionada municipal para cobrança de taxas relativas ao estacionamento na via pública, vem a ser deduzida oposição”. Em sentido oposto, existe apenas informação de duas (isoladas) Decisões Sumárias, não publicadas, ambas do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo 16685/24.0YIPRT, da 8.ª Secção – de 17/12/2024, e Processo 118028/34.7YIPRT, da 2.ª Secção – de 07/02/205), sem argumentação distinta da da ora Apelante. = Para além desta esmagadora amostra, torna-se ainda mais decisivo o entendimento que o Tribunal de Conflitos tem tido sobre esta matéria (muito sob o impulso da ora Apelante, diga-se). Assim, e só para recorrer às decisões de 2025: - Acórdãos de 09 de Julho de 2025, nos Processos n.º 0143397/23.2YIPRT.L1.S1-Nuno Gonçalves, 078946/24.6YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves e 042546/24.4YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, onde se decidiu que a “concessionária da gestão e exploração do serviço público de estacionamento nas vias municipais, mediante contrato de concessão de serviços públicos, nesse âmbito, atua em substituição da autarquia, munida dos poderes que a esta são legalmente atribuídos nessa área”, que as “relações que estabelece com os utilizadores do estacionamento naquelas zonas consubstancia uma relação jurídica administrativa/tributária, subsumível ao disposto nas al.ªs e) e o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF” e que compete “aos tribunais da jurisdição administrativa conhecer da ação intentada pela empresa a que o Município adjudicou a gestão e exploração do estacionamento de veículos em ZEDL, requerendo de particular o pagamento da contraprestação devida pela utilização do referido estacionamento”; - Acórdãos de 25 de Junho de 2025, nos Processos n.º 069259/24.4YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, 069243/24.8YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, 079555/24.5YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, 0126593/24.2YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, onde se decidiu que a “concessionária da gestão e exploração do serviço público de estacionamento nas vias municipais, mediante contrato de concessão de serviços públicos, nesse âmbito, atua em substituição da autarquia, munida dos poderes que a esta são legalmente atribuídos nesse domínio” e que compete “aos tribunais da jurisdição administrativa conhecer da ação intentada pela empresa a que o Município adjudicou a gestão e exploração do estacionamento de veículos em ZEDL, requerendo de particular o pagamento da contraprestação devida pela utilização do referido estacionamento”. - Acórdãos de 25 de Junho de 2025, nos Processos n.º 086423/24.9YIPRT.L1.S1-Nuno Gonçalves, 0143391/23.3YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, 0143394/23.8YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, onde se decidiu que a “empresa concessionária da gestão e exploração do serviço público de estacionamento nas vias municipais, mediante contrato de concessão de serviços públicos, nesse âmbito, atua em substituição da autarquia, munida dos poderes que a esta são legalmente atribuídos nesse domínio” e que compete “aos tribunais da jurisdição administrativa conhecer da ação intentada pela empresa a que o Município concessionou a exploração do estacionamento de veículos em ZEDL, na qual requereu, em injunção, o pagamento por particular, da contraprestação/taxa devida pela utilização do referido estacionamento”; - Acórdão de 25 de Junho de 2025, no Processo n.º 042537/24.5YIPRT.E1.S1-Nuno Gonçalves, onde se decidiu que a “empresa concessionária da exploração e fiscalização do estacionamento nas vias municipais prossegue os fins de interesse público conferidos ao município, estando, para tanto, munida dos inerentes poderes de autoridade” que as “relações que nesse âmbito estabelece com os utilizadores daquele estacionamento taxado consubstancia uma relação jurídica administrativa, subsumível à previsão da al. e) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF” e que é “aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscais que compete, em razão da matéria, conhecer da oposição ao requerimento de injunção que a concessionária municipal apresentou exigindo da requerida o cumprimento da obrigação de pagar a taxa devida pelo estacionamento da sua viatura em parqueamento à superfície, de duração limitada”; - Acórdãos de 25 de Junho de 2025, nos Processos n.º 02922/24.4T8PDL.L1.S1-Nuno Gonçalves e 0353/25.8T8PDL.L1.S1-Nuno Gonçalves, onde se decidiu – em situações absolutamente similares às dos presentes autos – que a “concessionária da gestão e exploração do serviço público de estacionamento nas vias municipais, mediante contrato de concessão de serviços públicos, nesse âmbito, atua em substituição da autarquia, munida dos poderes que a esta são legalmente atribuídos nessa área, que a “taxa devida estacionamento em via pública de duração limitada constituiu-se no âmbito de uma relação jurídico-tributária, ainda que através de concessionária desse serviço” e que os “tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para a execução para pagamento de quantia certa fundada em injunção a que foi aposta formula executória requerida por empresa concessionária da exploração do estacionamento de veículos em ZEDL”; - Acórdão de 08 de Maio de 2025 ,no Processo n.º 0118032/24.5YIPRT.L1.S1-Nuno Gonçalves, onde se decidiu que a “concessionária da gestão e exploração do serviço público de estacionamento nas vias municipais, mediante contrato de concessão de serviços públicos, nesse âmbito, atua em substituição da autarquia, munida dos poderes que a esta são legalmente atribuídos nesse domínio” e que compete aos “tribunais da jurisdição administrativa conhecer da ação intentada pela empresa a que o Município adjudicou a gestão e exploração do estacionamento de veículos em ZEDL, requerendo de particular o pagamento da contraprestação devida pela utilização do referido estacionamento”; - Acórdãos de 08 de Maio de 2025, nos Processos n.º 0118584/24.0YIPRT.L1.S1-Nuno Gonçalves, 0126592/24.4YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, 079534/24.2YIPRT.P1.S1-Nuno Gonçalves, onde se decidiu que a “concessionária da gestão e exploração do serviço público de estacionamento nas vias municipais, mediante contrato de concessão de serviços públicos, nesse âmbito, atua em substituição da autarquia, munida dos poderes que a esta são legalmente atribuídos nessa área” que as “relações que estabelece com os utilizadores do estacionamento naquelas zonas consubstancia uma relação jurídica administrativa/tributária, subsumível ao disposto nas al.ªs e) e o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF” e que compete aos “tribunais da jurisdição administrativa conhecer da ação intentada pela empresa a que o Município adjudicou a gestão e exploração do estacionamento de veículos em ZEDL, requerendo de particular o pagamento da contraprestação devida pela utilização do referido estacionamento”; - Acórdão de 08 de Maio de 2025, no Processo n.º 042536/24.7YIPRT.E1.S1-Nuno Gonçalves, onde se decidiu que a “empresa concessionária da exploração e fiscalização do estacionamento nas vias municipais prossegue os fins de interesse público conferidos ao município, estando, para tanto, munida dos inerentes poderes de autoridade”, que as “relações que nesse âmbito estabelece com os utilizadores daquele estacionamento taxado consubstancia uma relação jurídica administrativa, subsumível à previsão da al. e) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF”, e que é “aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscais que compete, em razão da matéria, conhecer da oposição ao requerimento de injunção que a concessionária municipal apresentou exigindo da requerida o cumprimento da obrigação de pagar a taxa devida pelo estacionamento da sua viatura em parqueamento à superfície, de duração limitada”. Por tudo o exposto se pode concluir que a incompetência dos Tribunais comuns para estas matérias é jurisprudência unânime nas decisões publicadas e nos Acórdãos do Tribunal de Conflitos, o que nos leva a assentar em que, existindo regra atributiva da competência material aos tribunais administrativos e fiscais, se mostra excluída a competência-regra ou residual dos tribunais comuns, de forma que a decisão tomada pelo Tribunal a quo foi a correcta e, como tal, deverá permanecer incólume, assim improcedendo a apelação. ** DECISÃO Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a Apelação e, em consequência, confirmar a Sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. * Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil). *** Lisboa, 23 de Setembro de 2025 Edgar Taborda Lopes Cristina Silva Maximiano Rute Alexandra da Silva Sabino Lopes[7] _____________________________________________________ [2] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as). A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/. [3] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [4] O que é assinalado também e de forma pertinente pelo Acórdão da Relação do Porto de 20 de Março de 2025 (Processo n.º 126593/24.2YIPRT.P1-Isabel Peixoto Pereira), quando escreve que “é de concluir que, por via da concessão, a A. recorrente foi investida de um poder público, para a realização de um interesse público, legalmente definido como sendo o de solucionar o estacionamento no perímetro urbano da cidade de (…). E, desde logo, o mero poder de cobrança, irrelevando que não exerça parte dos actos contratualizados e atinentes a actividades de fiscalização ou autuação” (carregado e sublinhado nossos). [5] Por opção do Relator a jurisprudência dos Tribunais da Relação restringe-se a 2025, para sublinhar a sua actualidade. [6] Onde o ora Relator foi 1.º Adjunto. [7] Assinaturas digitais, cujos certificados estão visíveis no canto superior esquerdo da primeira página (artigos 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 19.º, n.ºs 1 e 2, e 20.º, alínea b), da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto) |