Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
86779/21.5YIPRT-A.L1-8
Relator: MARIA TERESA LOPES CATROLA
Descritores: ACÇÃO DE HONORÁRIOS
FORMA DE PROCESSO APLICÁVEL
COMPENSAÇÃO
PEDIDO RECONVENCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. Não existe fundamento legal para excluir as acções de honorários, intentadas por advogado na sequência da prestação dos serviços próprios desta sua profissão, do âmbito próprio das acções para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
2. Assim sendo, visando a requerente exigir o pagamento da retribuição que liquidou e que lhe será devida em função do cumprimento de mandato judicial, previamente acordado com a requerida, tal matéria insere-se e reconduz-se ao cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre as partes, in casu um contrato de mandato oneroso, legalmente tipificado nos artigos 1157.º e 1158.º do Código Civil.
3. A simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a injunção e subsequente ação especial, cuja especial especificidade se centra na celeridade derivada da reduzida importância dos interesses suscetíveis de a envolver, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional
4. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efetivamente, a natureza de uma demanda judicial (ultrapassando o mero pedido de defesa), implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido, tendo a contraparte que dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (artigo 847/1 do Código Civil).
5. A consequência será que a recorrente terá de propor ação autónoma para pedir a condenação da recorrida no pagamento da quantia que alega estar em dívida e que, neste processo, lhe está defeso acionar (uma vez que o processo não admite a reconvenção).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A…, Sociedade de Advogados, RL, com o NIF….. 55, e sede no …., nº …, …00-…0 Lisboa, intentou procedimento de injunção contra “….., SA”, contribuinte fiscal nº …..57, com sede na  Rua ……, Pav. ….– ----60-….2, Vila Nova de Famalicão, solicitando a atribuição de força executiva ao requerimento, no qual peticiona a quantia global de €14.871,41, correspondendo € 14 206,50 a capital e €562,21 a juros de mora vencidos e contabilizados até 15 de setembro de 2021.
Para tanto, alega ter prestado à requerida serviços jurídicos, que se consubstanciaram na prática de atos de advocacia, nomeadamente acompanhar, aconselhar, intentar e praticar todos os atos judiciais no âmbito de processos judiciais, contraordenacionais e laborais, serviços esses que foram efetivamente prestados no período compreendido entre 29 de janeiro de 2021  até 21 de julho de 2021, no âmbito da avença de serviços contratualizados entre as partes.
Notificada a requerida, a mesma deduziu oposição, razão pela qual, o procedimento de injunção foi convolado em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
Na oposição deduzida a requerida excepcionou o erro na forma de processo, sustentando que “(…) 17º Está, pois, em causa, quer a prestação e identificação dos serviços, quer o valor dos honorários reclamados, pelo que, há litígio sobre o conteúdo central da obrigação e atentas as regras processuais da injunção é notório que a tramitação deste processo não se compadecerá com a sua pretendida agilização e celeridade, do que também poderá resultar uma diminuição de garantias de defesa da Ré.
18º Ora, visando a injunção a apreciação de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, no caso com exclusão das transacções comerciais, não estando as partes, como não estão, de acordo sobre o conteúdo da obrigação principal, falecem as bases para que se possa considerar existir um acordo quanto à obrigação pecuniária a constituir, o que é um pressuposto do recurso ao procedimento especial de injunção.
19º Salvo melhor opinião, sendo o preço um dos elementos essenciais do contrato, não
 cumprirá neste procedimento especial estar a averiguar aquilo que as partes quiseram ou não contratar, na medida em que o processo próprio e adequado para a apreciação e indagação das declarações de vontade das partes contratantes é a acção declarativa comum.
20º Ademais, a especificidade dos honorários de Advogado, maioritariamente entendidos na doutrina e jurisprudência como uma prestação não meramente pecuniária, mas que depende de vários factores tantas vezes não exclusivamente ligados à mera execução material do serviço, tem significado que os mesmos devem ser peticionados em acção declarativa comum, em respeito inclusive pela tradição do foro, por modo a que os mesmos possam ser devida e adequadamente analisados judicialmente.
21º Pelo que, deve concluir-se, ocorre erro na forma do processo, sendo mister que as partes dirimam o presente litígio na forma comum, onde terão a amplitude necessária para a discussão do conteúdo do contrato de mandato celebrado e apurar a obrigação de pagamento”.
Pretende ainda a requerida, em sede de oposição, operar a compensação do seu crédito de €30.000,00, mais IVA à taxa legal de 23%, sobre o valor que, nos termos do alegado supra, vier a apurar-se dever à A. a título de honorários devidos de 01 de Janeiro de 2021 a 31 de Maio de 2021.
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A requerente/recorrida veio exercer o contraditório quanto à matéria de exceção invocada pela recorrente/requerida  na sua oposição, pugnando pela sua improcedência.
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Satisfazendo convite do Tribunal a quo- despacho de 23 de fevereiro de 2022-, a requerente/recorrida veio juntar aos autos requerimento em que alega todos os factos que fundamentam o seu pedido, concretizando o contrato celebrado, as obrigações assumidas pelas partes, os serviços de pagamento prestados e prazos de pagamento incumpridos.
A requerida exerceu o contraditório, quanto a esta petição inicial aperfeiçoada, dando por reproduzido o que tinha alegado na sua oposição.
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Em 2 de julho de 2024 foi proferido despacho, no qual para além do saneamento tabelar, foram apreciadas as questões suscitadas no requerimento de oposição apresentado, com relevância:
- para a decisão que julgou improcedente a exceção de erro na forma do processo;
- para a decisão que não admitiu a dedução de reconvenção/compensação, entendendo que a mesma é legalmente inadmissível.
Foi designada data para realização da audiência final.

A requerida, não se conformando com a decisão proferida nos autos que julgou improcedente a excepção de erro na forma de processo e não admitiu a dedução de reconvenção/compensação, vem interpor recurso de apelação.
A requerida/recorrente termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
 “A. O douto Tribunal a quo julgou a excepção supra identificada, de erro na forma de processo, como não existente, invocando que a “situação se enquadra no regime previsto no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que determina, no artigo 1.º do decreto preambular: “é aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00, publicado em anexo, que faz parte integrante do mesmo diploma.”
B. A injunção é uma providência que confere força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00, ou de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo atual Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, estas sem qualquer limite de valor.
C. Não se tratando a relação entre as partes destes autos de uma de transação comercial, já que a eventual obrigação de pagamento decorre do contrato de mandato celebrado entre uma sociedade de Advogados (que não é “sujeito” comercial, nem pratica actos próprios e típicos de actos comerciais), importa determinar, se atenta a factualidade do caso concreto, o procedimento de injunção é o meio adequado para ser “palco” para tal discussão, pelo cariz simplista que comporta.
D. Entendeu o Tribunal de primeira instância que sim, porquanto entendeu que os “critérios para aferição do valor devido são claros e objetivos” e, posto isso, limitou a discussão em apreço ao alegado incumprimento contratual.
E. Contudo, o processo de injunção é um mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade vocacionado para a cobrança simples de dívidas e, por isso, não suscetível de suportar a discussão trazida aos autos,
F. porquanto estão em causa factos e relações jurídicas muito para além do que valores a pagar por serviços decorrentes do contrato de mandato, o qual depende de fatores não exclusivamente ligados à mera execução material do serviço.
I. Alegadamente, decorrente do contrato de mandato celebrado entre as partes ficou a Recorrida incumbida de comunicar à Recorrente todos os serviços prestados e todas as horas que, mês a mês, dedicasse à prestação de serviços jurídicos a esta.
J. Através dessa comunicação a Recorrente conseguiria percepcionar e conhecer quer o montante de horas de trabalho efetivo que tinha de pagar, quer as horas que poderiam ter ficado para crédito para o mês subsequente, quer, também, os serviços concretamente prestados e que lhe possibilitariam aferir o volume de horas de trabalho gasto pela Recorrida e a qualidade e consequências desse trabalho.
K. O contrato de mandato cessou em 2021 e embora a Recorrida queira passar a ideia de que trabalhou para a Recorrente à razão de 20h mensais nos meses de janeiro a maio do referido ano, a verdade é que não o fez.
L. E, tanto assim é que quando a Recorrente reclamou junto da Recorrida o valor dos honorário, a mesma emitiu uma nota de crédito no valor de €4.243,50 (IVA incluído), sem que, contudo, justificasse a redução das inicialmente 100 horas, para as 77 horas, alegadamente, trabalhadas.
M. Ora, da nota de crédito não consta qualquer justificação para a redução da carga horária trabalhada e, a Recorrida bem sabe que não trabalhou 77 horas para a Recorrente naqueles primeiros cinco meses do ano de 2021, razão pela qual, também não discrimina os serviços prestados nesse mesmo documento.
N. Do exposto resulta que o valor peticionado de €14.206,50 em sede de requerimento injuntivo, referente a honorários alegadamente devidos, não está assente entre as partes, não estando, tão-pouco, assumida a dívida no âmbito do contrato de avença, porquanto o seu pressuposto basilar, as 20 horas mensais de serviços, não tenha sido cumprido.
O. Constatando-se, assim, que, em discussão não está apenas a mera cobrança de dívida de fácil determinação ou delimitação, mas antes, a não prestação e identificação dos serviços alegadamente prestados, além do alegado incumprimento defeituoso de alguns serviços e prejuízos daí decorrentes e, só depois, o valor dos honorários reclamados pelo alegado cumprimento dos mesmos.
P. No que concerne à compensação decorrente dos prejuízos sofridos pelo incumprimento contratual, foi entendimento do tribunal a quo que os mesmos não podem ser discutidos em sede de Procedimento de Injunção, porque “a compensação terá de ser sempre deduzida mediante reconvenção”, faculdade que não é admitida no âmbito do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de setembro.
Q. Contudo, o mesmo despacho que determina que a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida do procedimento de injunção é incapaz de julgar e decidir um pedido reconvencional, é o mesmo que considera tal procedimento de injunção suficiente para julgar uma ação de honorários decorrente do exercício de mandato forense, onde estão em causa mais do que valores a pagar, mas também a quantificação dos serviços prestados, a sua qualidade e consequências geradas, e ainda serviços pagos e não prestados efetivamente, originando despesas que não seriam incorridas se a Recorrida tivesse cumprido o mandato devidamente.
R. É, precisamente, a inadmissibilidade do pedido reconvencional em procedimento de injunção que fortalece a tese de que a injunção não é o meio adequado para discutir uma ação de honorários tão complexa como a que se encontra em discussão nestes autos.
S. A compensação de créditos decorrentes do incumprimento contratual do exercício do mandato forense é vista como um meio de defesa da Recorrente, pelo que, estando a mesma impossibilitada de o utilizar, é indiscutível que a mesma se encontra limitada no acesso à justiça e no seu direito ao contraditório, quanto à possibilidade de se defender do crédito de que alegadamente é devedora, com um meio de defesa que seria capaz de demonstrar que em boa verdade é antes credora da Recorrida, assim lhe limitando o direito fundamental de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, plena e completa.
T. Ou seja, é imperativo ponderar e apreciar qual o âmbito e extensão desta relação contratual existente entre as partes e as divergências sobre a existência e extensão do alegado incumprimento mútuo, e se, sendo o processo de injunção marcadamente simplista, é capaz de assegurar uma discussão justa considerando os complexos direitos e deveres de ambas as partes.
U. Em causa está, portanto, uma discussão factual relacionada com contrato de mandato forense, que exige um exame minucioso e detalhado quer da matéria de facto envolvida, quer do direito que lhe será aplicável, que só poderá ser concretizado através de um processo judicial convencional, onde há espaço para apresentação, análise e contraditório sobre as questões fáticas e jurídicas inerentes ao caso.
V. A utilização do processo especial de injunção coloca em causa, como é evidente, as garantias processuais adequadas às partes envolvidas e à matéria de facto e de direito em causa, em especial à Recorrente, que é demandada no processo.
W. Pelo que, “não sendo o procedimento adequado, existe um obstáculo que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, o que se configura como uma exceção dilatória, dando lugar à absolvição da instância”. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de abril de 2019, disponível em www.dgsi.pt.
X. É consabido que tal impedimento impossibilita o aproveitamento de qualquer ato praticado no presente processo, visto que a tramitação da injunção não defende nem salvaguarda as garantias de defesa da Ré, nem é compatível com a forma comum, dado o seu caráter sucinto e a inevitável limitação do direito de ação e de defesa da mesma, inclusive por via da reconvenção para operar a compensação do seu crédito sobre a Recorrida.
Y. Não tendo, contudo, sido este o entendimento do douto Tribunal a quo, este Tribunal violou o disposto nos artºs 193º e 278º, nº 1, al. b), do CPC, pelo que requer-se a este Tribunal ad quem que revogue o despacho ora recorrido e, em consequência, o substitua por decisão que conheça e declare a nulidade de erro na forma do processo suscitada, absolvendo a Ré, ora Recorrente, da instância.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência revogado o despacho recorrido, proferindo-se douto Acórdão que conheça e declare a nulidade processual do erro na forma de processo invocada, determinando a absolvição da Recorrente da instância, só assim se fazendo, Justiça!”

A recorrida/requerente não apresentou contra-alegações.

Admitido o recurso e colhidos os vistos cumpre decidir.

II. Âmbito do recurso
Como resulta do disposto nos artigos 5, 635/3 e 639/1 e 3 do CPC (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pela recorrente.
As questões a apreciar consistem:
a) em saber se existe erro na forma do processo por os honorários de advogado não poderem ser reclamados através do procedimento de injunção previsto no Decreto Lei 269/98.;
b) em saber se deve ser admitida a compensação de créditos invocada pela recorrente/requerida.

III. Fundamentação de Facto
As incidências processuais a considerar para a decisão do recurso são aquelas que constam do relatório elaborado.
Reproduz-se ainda, para completa clareza das questões a dirimir, parte do conteúdo do requerimento de injunção, na parte relativa à exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
“A Requerente é uma sociedade de advogados que se dedica à prestação de serviços jurídicos e ao exercício da advocacia de forma remunerada.
Por solicitação da Requerida, a Requerente prestou-lhe os serviços discriminados nas seguintes faturas, cujo valor total ascende à quantia de € 14.206,50 (catorze mil, duzentos e seis euros e cinquenta cêntimos):
i) Fatura n.º FAA 48, datada de 29.01.2021, com vencimento a 28.02.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros);
ii) Fatura n.º FAA 113, datada de 25.02.2021, com vencimento a 27.03.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros);
iii) Fatura n.º FAA 179, datada de 26.03.2021, com vencimento a 25.04.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros);
iv) Fatura n.º FAA 294, datada de 28.04.2021, com vencimento a 28.05.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros);
v) Fatura n.º FAA 363, datada de 31.05.2021, com vencimento a 30.06.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros).
As faturas acima identificadas foram enviadas pela Requerente e recebidas pela Requerida.
Os serviços jurídicos prestados pela Requerente à Requerida e subjacentes às faturas acima identificadas foram prestados entre o período de 29.01.2021 até 21.07.2021, no âmbito da avença de serviços contratualizados entre as partes, a qual tinha por base por base um cap de 20 (vinte) horas, num total de € 150,00 (cento e cinquenta euros) hora.
Foram prestados serviços jurídicos diversos, tais como, mas não exclusivamente: assessoria e representação da Requerida no âmbito de processos judiciais, contraordenacionais e laborais; representação da Requerida em diligências processuais; assessoria e representação da Requerida na negociação de acordos e respetivas transações judiciais; assessoria e representação da Requerida na área de Propriedade Intelectual e Tecnologia; assessoria e representação da Requerida em diversas questões relacionadas com arrendamento; análise e elaboração de pedidos em nome da Requerida junto da Segurança Social; análise da aplicabilidade do regime jurídico das moratórias à ora Requerida; elaboração e análise de cartas, comunicações, contratos, articulados processuais, entre outros documentos; elaboração de notas informativas relativas a diversos temas jurídicos, entre outros.
Apesar de conhecedora das datas de vencimento das faturas acima referidas, a Requerida, até à presente data, não efetuou qualquer pagamento à Requerente.
Assim, a Requerida constituiu-se e mantém-se em mora, pelo que ao valor de capital em dívida de € 14.206,50 (catorze mil, duzentos e seis euros e cinquenta cêntimos), acrescem juros de mora calculados às sucessivas taxas de juro em vigor para as operações comerciais, contabilizados sobre o valor das faturas em dívida desde as respetivas datas de vencimento até efetivo e integral pagamento.
Os juros de mora, calculados nos termos do parágrafo anterior ascendem, em 15.09.2021, a € 562,91 (quinhentos e sessenta e dois euros e noventa e um cêntimos), assim devidamente discriminados:
i) Fatura n.º FAA 48, datada de 29.01.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros), a que acresce o valor de € 160,14 (cento e sessenta euros e catorze cêntimos) referente a juros calculados entre o período de 01.03.2021 a 15.09.2021;
ii) Fatura n.º FAA 113, datada de 25.02.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros), a que acresce o valor de € 138,30 (cento e trinta e oito euros e trinta cêntimos) referente a juros calculados entre o período de 28.03.2021 a 15.09.2021;
iii) Fatura n.º FAA 179, datada de 26.03.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros), a que acresce o valor de € 114,84 (cento e catorze euros e oitenta e quatro cêntimos) referente a juros calculados entre o período de 26.04.2021 a 15.09.2021;
iv) Fatura n.º FAA 294, datada de 28.04.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros), a que acresce o valor de € 88,16 (oitenta e oito euros e dezasseis cêntimos) referente a juros calculados entre o período de 29.05.2021 a 15.09.2021;
v) Fatura n.º FAA 363, datada de 31.05.2021, no valor de € 3.690,00 (três mil, seiscentos e noventa euros), a que acresce o valor de € 61,47 (sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos) referente a juros calculados entre o período de 01.07.2021 a 15.09.2021”.

IV. Fundamentação de Direito
4.1. Do erro na forma do processo por os honorários de advogado não poderem ser reclamados através do procedimento de injunção previsto no Decreto Lei 269/98, de 1 de setembro.
Alega a recorrente que a injunção não é o meio adequado para discutir uma ação de honorários tão complexa como a que se encontra em discussão nestes autos, concluindo: “20º a especificidade dos honorários de Advogado, maioritariamente entendidos na doutrina e jurisprudência como uma prestação não meramente pecuniária, mas que depende de vários factores tantas vezes não exclusivamente ligados à mera execução material do serviço, tem significado que os mesmos devem ser peticionados em acção declarativa comum, em respeito inclusive pela tradição do foro, por modo a que os mesmos possam ser devida e adequadamente analisados judicialmente. 21º Pelo que, deve concluir-se, ocorre erro na forma do processo, sendo mister que as partes dirimam o presente litígio na forma comum, onde terão a amplitude necessária para a discussão do conteúdo do contrato de mandato celebrado e apurar a obrigação de pagamento”.
Apreciemos.
Está em causa a prestação de serviços jurídicos por uma sociedade de advogados a uma sociedade comercial, relação que não é de qualificar como comercial.
O Decreto Lei 269/98 de 1 de setembro, alterado pelo Decreto Lei 107/2005, de 1 de Julho, dispõe no seu art.º 7.º: “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro.
No preâmbulo do Decreto Lei 269/98 enuncia-se quanto ao seu objetivo, que o mesmo surge da necessidade de encontrar alternativas para a litigância de massa e crescente instauração de ações de baixo valor, criando mecanismos mais céleres e simplificados destinados à rápida obtenção de um título executivo que, considerando o seu âmbito de aplicação, se tratam de questões geralmente simples.
De acordo com o art.º 1.º do diploma preambular, para o qual remete o art.º 7.º do Decreto Lei 269/98, o procedimento de injunção apenas pode ser utilizado quando se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 ou, independentemente desse valor, se estiverem em causa obrigações emergentes de transações comerciais, nos termos definidos nos art.º 2.º e 3.º do Decreto Lei 32/2003.
Na situação dos presentes autos, não estamos manifestamente perante obrigação emergente de transação comercial, com o âmbito traçado pelo Decreto Lei 32/2003, restando saber se pode ser utilizada a injunção com vista à reclamação do pagamento de honorários de advogado, matéria que, no entender da recorrente, não se compadece com a simplicidade processual inerente a este procedimento.
O pedido formulado e os fundamentos que o suportam e que são alegados pela requerente é que determinam o juízo a realizar sobre o preenchimento dos requisitos legais para a utilização do procedimento de injunção. Neste sentido, vd o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de janeiro de 2012, in www.dgsi.pt onde se refere: “os pressupostos que habilitam a utilização do procedimento da injunção devem ser aferidos em face do constante do requerimento injuntivo”.
Avaliando a situação dos autos quanto ao requisito do limite do valor do pedido, é patente que o valor aqui reclamado pela requerente não é superior a € 15.000,00, importando então verificar se o pedido e a causa de pedir invocados permitem dizer que o que é por ela exigido é o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
Constata-se que a requerente se dedica à atividade da advocacia, reportando-se o pedido ao pagamento de uma dívida de honorários, que é reclamada enquanto retribuição devida na sequência de contrato de mandato celebrado entre as partes, nos termos da previsão dos art.º 1157.º, 1158.º n.º 1 e 1167.º al. b) do Código Civil, contrato cuja existência não é posta em causa pela requerida.
A este respeito, ensina-nos Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Ação e Execução, pág. 48: “O regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio.”
A exigência imperativa feita pelo legislador é que estejam em causa obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não sendo por ele imposta qualquer limitação aos contratos que podem estar na origem do procedimento de injunção, nem se vendo qualquer motivo que possa justificar uma interpretação restritiva de tal previsão legal, dela excluindo alguns tipos de contrato. A exigência legal não se reporta a qualquer simplicidade ou complexidade das obrigações cujo cumprimento é peticionado, sendo apenas necessário que estejam em causa obrigações pecuniárias emergentes de contrato celebrado entre as partes.
Diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de março de 2014, in www.dgsi.pt : “Ora, e no que respeita ao pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias, a verdade é que a lei não faz qualquer limitação do seu campo de aplicação. Ou seja, a lei não especifica nem restringe a sua aplicação a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à forma de fixação, por acordo ou unilateralmente, das obrigações pecuniárias. Donde se conclui que este procedimento se mostra adequado e é aplicável a todas as situações em que se pretenda exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e desde que o valor dessas obrigações não exceda, como é o caso, o valor de €15.000,00.”
No caso, não há dúvidas de que estamos perante uma obrigação pecuniária diretamente emergente de contrato de mandato celebrado entre as partes, suscetível de se integrar na previsão do art.º 1.º do diploma mencionado.
Alega ainda a recorrente como obstáculo à utilização deste procedimento “a especificidade dos honorários de advogado, maioritariamente entendidos na doutrina e jurisprudência como uma prestação não meramente pecuniária, mas que depende de vários factores tantas vezes não exclusivamente ligados à mera execução material do serviço, tem significado que os mesmos devem ser peticionados em acção declarativa comum, em respeito inclusive pela tradição do foro, por modo a que os mesmos possam ser devida e adequadamente analisados judicialmente (…) sendo  mister que as partes dirimam o presente litígio na forma comum, onde terão a amplitude necessária para a discussão do conteúdo do contrato de mandato celebrado e apurar a obrigação de pagamento”.
Não partilhamos deste entendimento.
Se é certo que os honorários de advogado, atento o disposto no art.º 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, podem não ser contratualizados previamente, não se vê a relevância que tal questão possa ter na decisão da forma pela qual os mesmos podem ser reclamados. Isso mesmo pode acontecer no âmbito de qualquer outro contrato de prestação de serviços, já que as partes não são obrigadas a fixar previamente o valor da retribuição.
Diz-nos sobre esta matéria o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de abril de 2013, in www.dgsi.pt : “Não existe fundamento legal para excluir as acções de honorários, intentadas por advogado na sequência da prestação dos serviços próprios desta sua profissão, do âmbito próprio das acções para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro. Assim sendo, visando a requerente exigir o pagamento da retribuição que liquidou e que lhe será devida em função do cumprimento de mandato judicial, previamente acordado com a requerida, tal matéria insere-se e reconduz-se ao cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre as partes, in casu um contrato de mandato oneroso, legalmente tipificado nos artigos 1157.º e 1158.º do Código Civil.
É absolutamente irrelevante, para estes precisos efeitos, que a quantia final de que a A. é titular, respeitante aos serviços prestados enquanto advogada da Ré, não tenha sido antecipadamente acordada.”
Não se desconhece o argumento da simplificação processual do procedimento de injunção, que tem vindo a ser invocado por alguma jurisprudência para fundamentar a impossibilidade da reclamação das dívidas de honorários através do procedimento da injunção, na qual se integra, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de dezembro de 2019, in www.dgsi.pt.
Afigura-se, no entanto, que é uma jurisprudência muito minoritária que tem vindo a pronunciar-se neste sentido. Em sentido contrário, veja-se a título de exemplo os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de outubro de 2012, de 27 de março de 2012, de 29 de setembro de 2009,  do Tribunal da Relação do Porto de 22 de junho de 2006, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de outubro de 2014, de 27 de maio de 2015, e do Tribunal da Relação de Évora de 5 de maio de 2011, todos in www.dgsi.pt.
Sendo verdade que a celeridade e a simplificação são características deste procedimento, é preciso não esquecer que no caso de ser deduzida oposição a tramitação do processo passa a ser feita nos termos previstos nos art.º 3.º e 4.º do Decreto Lei 269/98, não se vendo que através de tal regulação não possam ser asseguradas as garantias de defesa da requerida, sendo aliás sempre admitida a suspensão da audiência para a realização de diligência indispensável à boa decisão da causa.
Por outro lado, tal como realça o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de  30 de abril de 2013; “Incumbirá à requerente a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, a saber a existência de um contrato de mandato oneroso, da prestação de determinados serviços e do valor dos mesmos. Assiste, nesta medida, à requerente, em termos gerais, o direito a lançar mão deste procedimento especial.
Resta concluir que atento o pedido e a causa de pedir apresentados, estamos perante uma situação que reúne os requisitos legais que permitem a utilização do procedimento de injunção, por estar em causa apenas o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato celebrado entre as partes, na previsão do art.º 1.º do preâmbulo do Decreto-lei 269/98 de 1 de setembro, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida que assim o decidiu.
Improcede o recurso nesta parte.

4.2. Da admissibilidade da compensação de créditos invocada pela recorrente/ré.
Alega a recorrente que “A compensação de créditos decorrentes do incumprimento contratual do exercício do mandato forense é vista como um meio de defesa da Recorrente, pelo que, estando a mesma impossibilitada de o utilizar, é indiscutível que a mesma se encontra limitada no acesso à justiça e no seu direito ao contraditório, quanto à possibilidade de se defender do crédito de que alegadamente é devedora, com um meio de defesa que seria capaz de demonstrar que em boa verdade é antes credora da Recorrida, assim lhe limitando o direito fundamental de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, plena e completa”.
Apreciemos.
A compensação de créditos está prevista no artigo 847.º do Código Civil, podendo ser definida como ‘o meio de o devedor se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o credor’ (Antunes Varela, João de Matos, in Das Obrigações em Geral – Vol. II (1991), pág. 195.
  Na doutrina e na jurisprudência era discutida a questão de saber se a compensação podia ser invocada como mera exceção, destinada a impedir o efeito jurídico do crédito que era reclamado pelo autor, ou devia ser invocada através de reconvenção, uma vez que implicava o reconhecimento do crédito de que o réu era titular. Na altura, a norma que no Código de Processo Civil regulava a admissibilidade da reconvenção era o artigo 274 que, na parte com interesse para o caso em apreço, dizia o seguinte: “A reconvenção é admissível quando o réu se propõe obter compensação”.
  O entendimento praticamente unânime era que a compensação podia ser invocada como mera exceção se o crédito de que o réu era titular não excedesse o crédito que era reclamado pelo autor. Em contrapartida, se o crédito de que o réu era titular fosse de valor superior e o réu pretendesse a condenação do autor no pagamento desta parte do seu crédito, a compensação devia ser invocada através de reconvenção.
A reforma do processo civil que foi operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, introduziu alterações nesta matéria.
O artigo 274 do CPC foi substituído pelo artigo 266, que no seu nº 2 - c) diz que a reconvenção é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
Dada a alteração da redação, resulta que o legislador quis resolver a divergência acima mencionada, resultando deste novo preceito que a compensação de créditos deve ser sempre deduzida através de um pedido reconvencional, até porque se trata de uma pretensão autónoma que ultrapassa a mera defesa, mesmo quando não excede o montante do crédito peticionado pelo autor – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 23 de março de 2017.
No mesmo sentido, veja-se Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, pág. 259) “(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica. Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efetivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica. Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.”
Também no mesmo sentido se pronuncia Jorge Augusto Pais de Amaral (in “Direito Processual Civil”, 2015, 12ª ed., pág. 247) que escreve: “Atualmente, considerando o teor do preceito, sempre que o réu pretenda o reconhecimento do seu crédito, quer seja para obter a compensação, quer seja para obter o pagamento da parte em que o seu crédito excede o do autor, deve deduzir reconvenção. Entende-se que o pedido de compensação ultrapassa o mero pedido de defesa, pois o réu não se limita a invocar um facto extintivo do direito do autor, mas submete à apreciação do tribunal uma relação jurídica sobre o património do autor e, portanto, diferente da que foi configurada por este na ação.”
Tal como ainda no mesmo sentido se pronuncia Paulo Pimenta (in “Processo Civil Declarativo”, 2015, págs. 186/7): “(…) a alínea c) do nº 2 do art. 266º revela que o legislador quis tomar posição em termos de pôr fim à querela, tendo-o feito no sentido previsível face aos inúmeros sinais legislativos já existentes (…). Fica agora claro – mais claro, dir-se-á – que o réu, sempre que se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento de tal crédito na ação em que está sendo demandado, deverá formular pedido reconvencional nesse sentido e pedir a fixação das consequências possíveis em face desse reconhecimento. (…) Em face do exposto, é de entender que esta alínea c) do art. 266º tem natureza interpretativa, para os efeitos do art. 13º do CC. O regime em apreço não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de exceção perentória. Admitir essa opção seria reeditar a polémica do passado, bem assim desrespeitar o intuito legislativo.”
Daqui resulta que, atualmente, o devedor que pretende compensar o crédito reclamado com um crédito de montante inferior tem o ónus (a expressão é de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 1.º, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 522) de deduzir pedido reconvencional com o fim de ver reconhecido o seu direito a compensar os créditos.
Assim, à luz da atual lei processual civil e confrontando-nos com aquela que foi a intenção do legislador, em consonância, também, com o entendimento doutrinariamente maioritário, a compensação terá sempre que ser suscitada em sede de reconvenção, mesmo quando o crédito invocado pelo réu não excede o do autor, ou seja, independentemente do valor dos créditos compensáveis e quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.
(Veja-se, neste sentido, para além do Acórdão da Relação de Guimarães já referido, os Acórdãos da Relação do Porto de 12 de maio de 2015 e de 30 de novembro de 2015, da Relação de Coimbra de 7 de junho de 2016 e da Relação de Évora de 9 de fevereiro de 2017, todos em
www.dgsi.pt).
Este entendimento é de adotar tanto no âmbito da ação declarativa comum como no âmbito da ação especial prevista no Dec. Lei nº 269/98, de 1 de setembro, como é o caso dos autos. Uma vez que esta forma de processo especial só comporta dois articulados, no seu âmbito, é de concluir não ser admissível resposta à contestação e, consequentemente, reconvenção, solução que, aliás, inteiramente se harmoniza com as ideias de simplificação e celeridade que presidiram ao seu aparecimento.
E isto porque “a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a injunção e subsequente ação especial, cuja especial especificidade se centra na celeridade derivada da reduzida importância dos interesses suscetíveis de a envolver, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional. Não se vê que esta solução legal afete o direito de defesa do réu, certo que este pode, se tiver para tal algum fundamento legal, fazer valer em ação própria a situação jurídica que eventualmente possa estar de algum modo conexionada com aquela que o autor faz valer na ação – cfr. Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 3ª edição, pág. 63. A corroborar esta posição e no que concerne a esta ação declarativa especial, a lei confina essa forma de processo especial unicamente dois articulados, a petição inicial e a contestação, e estabelece que este último instrumento só é notificado ao autor aquando da notificação do despacho designativo da data do julgamento – artigo 1º nº 4 do DL nº 269/98, de 1 de Setembro (Salvador da Costa, ob e loc cit). De outro modo, frustravam-se a desburocratização, simplicidade, singeleza e celeridade que estão associadas a este tipo de procedimentos, pensados tendo em vista o descongestionamento dos tribunais no que concerne à efetivação de pretensões pecuniárias de reduzido montante” – Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de outubro de 2010, in www.dgsi.pt.
Ou seja, seguindo-se a tramitação da ação declarativa especial, não é admissível a reconvenção.
A circunstância de não ser admissível reconvenção não autoriza a que se possa concluir que neste tipo de ações, excecionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como exceção perentória.
Tal solução, a ser seguida, significaria um desvio dificilmente justificável àquela que foi a intenção do legislador expressa no atual Cód. do Proc. Civil com a redação conferida ao artigo 266/2-c).
Veja-se, aliás, que a requerida/recorrente pediu, a fim de obter a compensação, que lhe fosse reconhecido um crédito sobre a requerente/recorrida no valor de €30.000,00, mais IVA à taxa legal de 23%, sobre o valor que vier a apurar-se dever à requerente a título de honorários devidos de 01 de Janeiro de 2021 a 31 de Maio de 2021, o que sempre obrigaria a julgar os factos atinentes a este pedido de reconhecimento de um crédito, o que conduziria ao julgamento de uma nova ação – e até de valor bastante superior – enxertada na ação especial.
Não se trata, apenas, do julgamento da compensação, de forma a poder a recorrente/requerida livrar-se da obrigação perante a requerente/recorrida. Trata-se de julgar reconhecido o eventual crédito da recorrente, no valor de €30.000,00, o que conduz, como já referimos, a enxertar-se nesta ação especial, o julgamento reconvencional de uma outra ação declarativa, o que, claramente “frustraria a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a injunção e subsequente ação especial, cuja especial especificidade se centra na celeridade derivada da reduzida importância dos interesses suscetíveis de a envolver, o que não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional”.
E isto porque, como já supra referimos, a obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efetivamente, a natureza de uma demanda judicial (ultrapassando o mero pedido de defesa), implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido, tendo a contraparte que dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (artigo 847/1 do Código Civil). Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.
A consequência será que a recorrente terá de propor ação autónoma para pedir a condenação da recorrida no pagamento da quantia que alega estar em dívida e que, neste processo, lhe está defeso acionar (uma vez que o processo não admite a reconvenção). “A solução pode ser má, em termos de política legislativa (perde-se em celeridade, em conhecimento numa só vez do total mérito da causa, etc.) mas não há motivos para a afastar” – Acórdão da Relação de Évora de 9 de fevereiro de 2017, já citado.
Ou seja, não lhe está vedada a possibilidade de recorrer aos tribunais para invocar o seu direito de crédito, só que, como se referiu, terá que o fazer no âmbito de uma outra ação – cfr. Ac. Relação de Guimarães de 23 de março de 2017 e da Relação do Porto de 12 de maio de 2015, já citados.
Improcede, também nesta parte, o recurso interposto.

V. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Escrito e revisto pela Relatora.

Lisboa, 10 de julho de 2025,
Maria Teresa Lopes Catrola
Amélia Puna Loupo
Ana Paula Olivença