Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1032/11.9TVLSB.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MEIOS DE PROVA
PRESCRIÇÃO
DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A participação e o croquis de um acidente de viação constituem um meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação, devendo ser confrontados com a restante prova produzida.
2. O prazo de prescrição do direito não corre enquanto pender a acção penal, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do C. Civil,
3. interrupção esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou desfecho final) do processo crime.
3. Provando-se que o autor, pessoa de 58 anos de idade na data do acidente, em consequência deste foi sujeito a sete intervenções cirúrgicas, a internamento hospitalar durante mais de cinco meses e a fisioterapia, o que lhe causou dores violentas, angústia, fobias e depressão, e tendo em conta o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo cuja responsabilidade foi transferida para a ré seguradora, sem qualquer parcela de responsabilidade daquele, entende-se que o montante de €30.000,00 pelo ressarcimento do dano não patrimonial se configura equitativo e ajustado ao caso.
4. A afectação da pessoa do ponto de vista funcional na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial.
5. Apurando-se que, em consequência do acidente, o autor, após o período de incapacidade, retomou o seu trabalho habitual de motorista de táxi, embora, com esforços acrescidos; que em resultado directo do acidente, sentiu fortes e permanentes dores durante todo o período de convalescença, as quais ainda hoje permanecem, e permanecerão, para o resto da sua vida; e que ficou afectado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica quantificada em cinco pontos, afigura-se-nos que o valor indemnizatório de €17.500,00 se afigura equil...rado e ajustado àquele dano biológico.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tr...unal da Relação de Lisboa:

I. MÁRIO ... ... ... ... e MÁRIO ... ..., LDA instauraram a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra ... - COMPANHIA DE SEGUROS, SA e PAULO ... ... ..., pedindo a condenação destes a pagar, solidariamente, à autora a quantia de € 150.602,70 e ao autor a quantia de € 223.442,50, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que no dia 10 de Dezembro de 2005, cerca das 07h 15m, o A. conduzia o veículo da marca Mercedes, de matrícula ……-JX (táxi), propriedade da autora, pela Av. General Norton de Matos (2º Circular), em Lisboa, no sentido Sul - Norte (ou seja, Aeroporto - Benfica), o qual foi interveniente num acidente de viação; que nesse acidente intervieram ainda os veículos 68-27-..., Opel Vectra, de cor clara, conduzido por Paulo ... ..., e seguro na R. .…, …..-PM, Citroen Saxo, branco, conduzido por José Almeida e …..-DM, Toyota Hiace, conduzido por ... ...; que à data a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo 68-27-... encontrava-se transferida para a Ré ...; que os veículos PM e ... também circulavam pela mesma artéria no mesmo sentido que levava o A, sendo o primeiro na faixa da direita (num conjunto de três faixas) atento o seu sentido de marcha; que o Mercedes circulava pela faixa mais à esquerda, junto ao separador central; que o ... embateu no veículo PM e seguidamente na parte lateral direita do JX conduzido pelo autor, tendo este veículo sido projectado para a faixa de rodagem contrária, indo embater no DM; que em consequência do acidente o autor sofreu diversos ferimentos, tendo estado 23 meses sem poder retomar o trabalho; que o veículo JX ficou totalmente destruído; e que os autores sofreram diversos danos que descrevem.
A Ré contestou, arguindo a excepção da prescrição e impugnando motivadamente a versão do acidente, tendo alegado que o condutor do veículo JX guinou de repente para a sua direita, tendo em consequência dessa manobra brusca embatido com a sua parte da frente direita na retaguarda esquerda do PM; e que o veículo conduzido pelo autor prosseguiu a sua marcha desgovernada para a esquerda indo embater com a sua frente esquerda sobre a lateral direita do ..., que circulava na hemi-faixa do meio.
Os autores apresentaram articulado de resposta.
Foi proferido despacho saneador que absolveu o Réu da instância com fundamento em ilegitimidade passiva (fls. 620) e relegou para final o conhecimento da excepção da prescrição.
Realizado o julgamento, foi proferida a sentença, na qual se decidiu julgar procedente a excepção da prescrição e, em consequência, absolver a ré dos pedidos.
Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
1. Do Artigo 640.º, nº 1, alínea a) do Código Processo Civil ("CPC'')
1 a) Ao julgar totalmente improcedente os presentes autos com base na prova produzida, a douta decisão recorrida, com todo o respeito, julgou, incorrectamente, os factos vertidos nos pontos "6", "9", "10" e "11" dos "FACTOS PROVADOS".
2. Do Artigo 640º, n.º 1, alínea b) do CPC
2 a) Atenta a prova testemunhal, e documental, produzida nos presentes autos, jamais poderia aceitar-se a decisão ora recorrida pois, a sentença foi fundamentada com um auto de participação e duas testemunhas.
O Meritíssimo Julgador "a quo ", nas suas considerações sobre a idoneidade das testemunhas, referiu que a testemunha Paulo ... ..., terá dito que quem lhe bateu foi o Mercedes - o que não é verdade.
Trata-se de um grave erro por parte do Meritíssimo Julgador "a quo ".
E, foi a partir daqui que o tr...unal "a quo" deu como provada a dinâmica do acidente.
Através de um depoimento, que a testemunha disse, inicialmente, que sofreu um "forte embate", para depois dizer que afinal sofreu um "toque ligeiro", "mínimo".
Testemunha esta que, até admitiu poder estar enganada ...
Testemunha esta que disse que havia carros à esquerda, e depois já não havia.
Testemunha esta que foi considerada a responsável pela produção do sinistro, conforme outras duas decisões judicias ...
O Meritíssimo Julgador "a quo ", também relevou para a matéria de facto provada o depoimento da testemunha Fernando Nuno Rodrigues.
Testemunha esta, que nem sequer conseguiu identificar os veículos.
Testemunha esta que, inicialmente, disse que viu, perfeitamente, o acidente, que viu quem embateu em quem, dando inclusive uma explicação da dinâmica do acidente. Para depois vir dizer que afinal não viu o acidente ... e que até nem viu nenhum veículo a bater noutro ... ?!. ..
Testemunha esta, que negou as suas próprias declarações que constam no próprio auto de participação.
O Meritíssimo Julgador "a quo " deu ainda grande importância, e relevo, ao depoimento do senhor agente participante, o João Ramalho porém, não presenciou o acidente ...
Mais, alguém falta com a verdade ...
Ou a testemunha Fernando Nuno Rodrigues, que desmentiu, e negou, o auto de participação;
Ou então, terá sido o senhor agente João Ramalho a "inventar" a dinâmica do acidente.
Quanto às testemunhas dos AA., o Meritíssimo Julgador "a quo " considerou que:
- O Ricardo Vicente " ... não merece qualquer crédito ... ", e depôs em " ... estilo linguístico do mentiroso ... ";
- Quanto à testemunha, o Sr. Prof. Dr. João ... Dias, referiu que o seu relatório ou, se se quiser, peritagem foi por ele defendida" ... esforçadamente ... ".
Estamos a falar de um indivíduo que é Professor Doutor, e que por sinal dá cursos de formação para a polícia técnica de acidentes de viação.
O Meríssimo Julgador "a quo " não deu qualquer credibilidade a esta testemunha, antes considerou, ou melhor, valorou, o depoimento das testemunhas que deram o dito, pelo não dito.
Existe ainda uma outra testemunha, que por sinal foi interveniente do acidente - João
Almeida: “... estava convencido que quem me bateu foi o Vectra ... " (o Vectra é o "..." conduzido pelo Paulo ... ...).
No entanto, esta testemunha foi "alertada" pela testemunha Fernando Nuno Rodrigues, que lhe terá dito que quem lhe embateu não foi o "..." mas, sim, o Mercedes ...
Importa lembrar que, esta testemunha Fernando Rodrigues referiu que não viu nenhum carro a embater noutro.
E, é assim, neste cenário, que o tribunal "a quo" apresentou uma muito sui generis dinâmica do acidente, e respectivo responsável.
Por último, e eventualmente por esquecimento, a douta sentença é ormssa quanto à "declaração de parte" do A. Mário ....
Com efeito, um momento algum, a douta decisão recorrida se pronuncia sobre a declaração de parte.
Ora, é mais um ponto com o qual os AA. não se conformam.
É que o separador "New Jersey" repele os veículos quando ali embatem, conforme referido no relatório pericial e, também, pelo Sr. Prof. Dr. João Dias, em sede de audiência e julgamento.
Aliás, tanto assim é que, o "...", conforme refere o seu condutor (Paulo ...), embateu pelo menos duas vezes no separador central e voltou para a direita.
Então, porque razão o Mercedes do A. também não foi repelido à semelhança do "..."'?
De facto, o Mercedes se tivesse embatido no separador central, conforme versão da R. ..., o efeito teria sido igual ao do "...", e não galgar para o outro lado da via.
O Mercedes apenas galgou porque foi empurrado pelo "...".
E não vamos dizer que, sobrevoou, ou "andou pelo ar", como foi referido no julgamento.
É que, o Mercedes foi empurrado e passou para o outro lado sem sequer capotar, daí ter ido embater de frente na Toyota "Hiace", conforme também assim o indicam as marcas do pavimento, e no separador central, bem como, as declarações do motorista da "Hiace".
3. Do artigo 640.º n.º 1 alínea c) do CPC:
3 a) Perante a prova testemunhal, e documental produzida, a decisão do acidente sub júdice a ser proferida, era que, a responsabilidade do acidente sub júdice coube, em exclusivo, ao condutor do Opel Vectra, matrícula "...", seguro na R. ..., aqui Apelada;
3 b) Assim sendo, deveria ter sido considerado que foi o condutor do veículo "...", seguro na R., aqui Apelada, que causou o acidente, por ter embatido, primeiro no "PM", e depois ter empurrado o Mercedes "JX" dos AA., até o fazer galgar o separador central;
3 c) Deste modo, deveria a acção ter sido julgada totalmente procedente, como se afigura de inteira justiça, atenta a prova testemunhal e documental produzida.
4. Da presunção de culpa / artigo 503.º do CC:
Caso assim se não entenda então, deverá ser decidido com base na presunção de culpa do condutor do Vectra, "...", seguro na R., aqui Apelada.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser dado pleno provimento ao presente recurso e em consequência alterada a douta decisão recorrida, em conformidade com o defendido, concretamente, deverá o condutor do veículo seguro na R., aqui Apelada, ser considerado o único e exclusivo responsável pela produção do sinistro objecto dos presentes autos de recurso, com todas as legais consequências.
Caso assim se não entenda então, deverá ser decidido com base na presunção de culpa do condutor do Vectra, "...", seguro na R., aqui Apelada.
A ré ... Companhia de Seguros, SA apresentou, contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
1.Vêm os AA., através do presente recurso, insurgir-se contra a douta decisão proferida nos autos, a qual veio julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a Ré (ora Recorrida) dos pedidos contra si formulados, apresentando para o efeito argumentação que, salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, não poderá, absolutamente, proceder.
2. Com efeito, limitam-se os Recorrentes a manifestar a sua discordância com a douta decisão proferida nos autos, sustentando a sua posição, por um lado, na decisão proferida nos autos do processo-crime, no âmbito do qual, aliás, foi contra o A.. ali arguido, Mário ..., proferido despacho de acusação; fundando, por outro lado, a sua discordância na decisão proferida nos autos do processo 1336/11.0TVLSB, que correu termos junto do J10, Instância Central Cível, do douto Tr...unal da Comarca de Lisboa, a qual, tendo sido proferida com base apenas as conclusões alcançadas no relatório de averiguação elaborado (a pedido do aqui A. Mário ... e da ali Cc-Ré Companhia de Seguros AIIianz, SA, entidade seguradora do veículo do A.) foi já alvo de recurso de apelação interposto pela aqui Recorrida;
3. De facto, e pese embora o esforço demonstrado pelos AA. em transcrever toda a prova testemunhal produzida nos autos, continuam os Recorrentes a não trazer aos autos qualquer argumento e/ou concreto elemento de prova, passível de reverter a douta decisão ora recorrida, nomeadamente no que concerne à apreciação da responsabilidade do próprio A .. Mário ..., pela ocorrência do acidente de viação em apreço nos autos; e, consequentemente, quanto à poss...ilidade de os AA. aproveitarem do prazo prescricional mais longo (previsto no artigo 498.º. n.º 3 do CC), e bem assim da interrupção da prescrição decorrente da pendência do processo-crime.
4. Sendo, assim, forçoso concluir (salvo melhor e douta opinião em contrário) pela manifesta verificação da excepção peremptória de prescrição, suscitada pela ora Recorrida nos autos, a qual impedirá, desde logo, a apreciação dos danos e montantes indemnizatórios reclamados nos autos pelos AA ..
5. De facto, o objecto do presente litígio assenta na ocorrência de um acidente de viação, em 10 de Dezembro de 2005, na Av. General Norton de Matos (2.ª Circular) em Lisboa, no qual estiveram envolvidos quatro veículos:
- 70-03-J)(, Mercedes, preto, conduzido pelo A. Mário ... ...;
- 68-27-..., Opel Vectra, de cor clara, conduzido por Paulo ... ..., e seguro na R. ...;
- 49-01-PM, Citroen sexo, branco, conduzido por José Almeida;
- 89-35-DM, Toyota Hiace, conduzido por Tela ... (B).
6. Segundo a versão relatada nos autos pela ora Recorrida (designada na douta sentença recorrida por versão 1 e julgada provada nos autos, o veículo Mercedes JX foi colidir com o veículo Saxo PM na faixa mais à direita da 2.ª Circular, após o que, atento o ângulo diagonal do embate, o veículo Mercedes fletiu para a esquerda, colidindo com a frente direita do Vectra ..., tendo o Mercedes, de seguida, avançado na direcção do separador central, que efectivamente galgou.
7. Segundo a versão relatada nos autos pelos AA. (designada por versão 2), foi o veículo Vectra ... que foi colidir com o veículo Saxo na faixa mais à direita da 2.ª Circular, após o que o veículo Vectra flectiu para a esquerda onde foi colidir/empurrar o Mercedes contra o separador central, acabando o Mercedes por galgar o separador central.
8. O auto de participação do acidente de viação junto aos autos pelos AA. aponta no sentido da primeira versão, sendo que, pese embora tenha o Agente da PSP feito constar do Auto de Ocorrência a dinâmica do acidente, com base nas declarações da testemunha Fernando Rodrigues, consta igualmente do Auto de Participação todas as percepções directas que o agente da PSP teve no local, onde compareceu após o acidente, designadamente:
(i) "as marcas no pavimento, correspondente ao ponto onde ocorreu o embate com o veículo Saxo (ponto 5 do Auto de Participação);
(ii) um rasto de travagem no chão desde o ponto do embate no Saxo até ao separador central e após este já na faixa contrária (ponto 6);
(iii) marcas no separador central de betão numa extensão de 12 metros (ponto 7)."
9. De facto, do depoimento prestado nos autos pelo Agente da PSP João Ramalho, que tomou conta da ocorrência (em ficheiro de áudio n.º 20160215141736_11309738_2871024, com início ao minuto 7.27 e fim ao minuto 8.30), confirmou a testemunha que, de facto, pese embora a dinâmica do acidente descrita nos autos, tenha sido por si transcrita no Auto de Participação, de acordo com o relato de uma testemunha (Sr. Fernando Rodrigues), afirmou peremptoriamente que, quer as marcas deixadas no pavimento, quer as medições e pontos fixos e ainda a posição final dos veículos, tal como se encontram identificadas no croqui, correspondem precisamente às percepções que teve (e visualizou) ao chegar ao local poucos minutos após a ocorrência do acidente.
10. Novamente ao minuto 8.47 e fim ao minuto 14.50, nomeadamente quando instado pelo Tribunal, afirmou ainda a testemunha que, da experiência que tem, para um veículo poder "sobrevoar" o separador central da forma como fez o veículo Mercedes JX, do A. Mário ..., teria que vir com uma velocidade muito superior a 100km/h, chegando por fim a avançar com a possibilidade do veículo seguir a uma velocidade de cerca de 180km/h.
11. Finalmente, com início ao minuto 15.30, novamente instado pelo Tribunal acerca dos vestígios, marcas e medições efectuadas no local, confirmou ainda a testemunha João Carlos Ramalho, todas as circunstâncias que fez constar do Auto de Ocorrência, deixando muito claro para o Tr...unal que todos os indícios e evidências que fez constar do Auto de Ocorrência foram constatados e presenciados assim que chegou ao local, nomeadamente as marcas, vestígios, rastos de travagem e posição final dos veículos (fim ao minuto 23.25).
12. De facto, e conforme resulta manifesto dos autos, o Tribunal a quo, tendo mantido sempre, ao longo de toda a apreciação e decisão da causa, uma postura interventiva e questionadora, não se limitou a ouvir a inquirição das testemunhas, tal como instadas pelos Mandatários das partes, tendo antes assumido uma postura activa, no mais puro desígnio de apurar a verdade dos factos, tendo analisado, crítica e conjuntamente, todos os elementos de prova constantes dos autos, os quais lhe permitiram formar a sua segura e firme convicção acerca da dinâmica do acidente que, então, entendeu resultar provada nos autos.
13. Ora, conforme tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência, a participação do acidente de viação elaborada pela autoridade policial é um documento autêntico que "prova plenamente os factos que foram objecto das acções ou percepções do documentador, de que ele se certificou com os seus sentidos (propris sensibus, visu et auditu) e como pode, não obstante, não corresponder à verdade, pode tal força probatório ser combatida por prova do contrário (falsidade)".
14. De modo que, no caso em apreço nos autos, não tendo os AA. alegado e/ou demonstrado a falsidade, material ou ideológica, dos factos que o Agente de Autoridade da PSP fez constar no auto de participação de acidente, nomeadamente quanto aos indícios referidos sob (i) a (iii) supra (marcas no pavimento, rasto de travagem e marcas no separador central), assiste a tal factualidade força probatória plena.
15. Decorre assim, inequivocamente, dos factos e indícios referidos sob n.ss (i) a (iii) supra (e constados no Auto de Participação) que, o veículo que embateu no Saxo derivou na diagonal, de forma continua, até ao separador central.
16. Esteve encostado e/ou sobreposto ao separador central durante 12 metros, prosseguindo um rasto após transpor o separador, até ao ponto em que ocorreu a colisão com o veículo Hiace que circulava na 2ª Circular no sentido oposto.
17. O rasto referido em 6 do Auto de Participação demonstra que a colisão no Saxo foi de tal forma violenta que causou ou o rebentamento do pneu do veículo colidente, sendo o rasto (referido em ii) marca da jante no asfalto ou de parte do veículo colidente (sem ser a jante) que se deformou de tal maneira que ficou a arrastar no chão.
18. Existe assim uma continuidade, uniforme e linear, e de marcha entre o ponto de colisão (5), o subsequente rasto 6 até ao separador central, o início das marcas no separador central de betão e o prosseguimento do rasto no chão após tais marcas até ao ponto em que o Mercedes colidiu com o Toyota Hiace.
19. De modo que, sendo o Mercedes JX o único veículo a transpor o separador central, a factualidade referida em (i) a (iii) aponta indubitavelmente no sentido de que o veículo que colidiu com o Saxo foi o Mercedes, propriedade do aqui A.
20. Ou seja, sendo o rasto de travagem uniforme e contínuo e prolongando-se em sequência linear nos dois lados da Segunda Circular (antes e após o galgamento do separador central) tal rasto só pode ser do Mercedes porque foi este o único veículo que transpôs o separador central.
21. Note-se que, quanto ao veículo Vectra ..., não consta rasto do mesmo no pavimento, precedendo o local onde o mesmo ficou imobilizado, ao contrário do que sucede com o Mercedes.
22. Sendo certo que, se o rasto nº 6 que vai até ao separador central fosse do Vectra, o mesmo prolongar-se-ia até ao ponto de imobilização do Vectra o que não está documentado no Auto.
23. Efectivamente, e pese embora os AA. sustentem a sua posição no depoimento prestado nos autos pela testemunha João Manuel Dias, a verdade é que, da audição do referido depoimento (gravado em ficheiro de áudio n.º 20160309104128_11309738_2871024, nomeadamente da passagem com início ao minuto 23.12), resulta antes manifesto a existência das diversas imprecisões e incoerências contidas no seu relatório, o qual partiu de premissas e pressupostos incorrectos e tendenciosos, o que, todavia, não passou despercebido pelo Meritíssimo Juiz a quo.
24. De facto, do depoimento prestado pela testemunha João Manuel Dias consegue-se (claramente) perceber que todas as conclusões que fez constar do seu relatório, partiram de pressupostos inexactos, e que (salvo o devido respeito) mais convinham, por forma a desresponsabilizar o A. Mário ..., e fazer impender a responsabilidade sobre o condutor do veículo Vectra ..., seguro na ora Recorrida.
25. Sendo certo que, conforme se verifica claramente do referido depoimento, quando confrontado pelo Mandatário da Recorrida, e bem assim pelo Tr...unal acerca de tais pressupostos dos quais partiu para chegar às conclusões que fez constar do seu relatório, acabou a testemunha por se "socorrer" da eventual inexactidão do depoimento prestado no Auto de Ocorrência pela testemunha Fernando Rodrigues (com início ao minuto 28.14 e fim ao minuto 33.48), por forma a justificar a utilização de tais pressupostos nas aludidas simulações computacionais.
26. Por outro lado, e com início ao minuto 56.10 e fim ao minuto 1.05.31 do seu depoimento, demonstrou ainda a testemunha João Dias incorrer em manifestas contradições, demonstrando ter recorrido aos pressupostos que mais convinham por forma a sustentar a "defesa" (que fez constar do relatório de averiguação junto aos autos) da sua cliente (in casu, da Companhia de Seguros Allianz, S.A., enquanto entidade seguradora do veículo Mercedes JX, propriedade do A.).
29. Assim, e conforme salientou (e bem) a douta sentença recorrida, a tese da peritagem no sentido de que o Vectra, depois de embater no Saxo, empurrou/pressionou o Mercedes contra o separador central é infirmada:
(iii) em primeiro lugar, pela linearidade do rasto 6 até ao separador central o que não condiz com a hipótese do Vecta se ter encostado ao Mercedes porque, nessa eventualidade, o rasto 6 (que seria do Vectra) não fluiria de imediato até ao separador, mas teria de cessar a uma distância do separador correspondente à largura do Mercedes (1,79 metros, cf. fls. 113) porque este estaria entre o Vectra e o separador central;
(iv) em segundo lugar, as amolgadelas na lateral esquerda do Vecta teriam que ser maiores às decorrentes das fotos de fls. 90/91 tanto mais que o Vectra viria desgovernado depois de um forte embate no Saxo, sendo que o retrovisor esquerdo do Vectra (bastante volumoso por sinal) se mostra mesmo incólume.
28. Por outro lado, e igualmente do depoimento prestado pela testemunha José ... Aires de Almeida, condutor do veículo Citroen Saxo PM (gravado no ficheiro com 20160309101039_11309738_2871024, e com início ao minuto 8.02), afirmou a testemunha se ter apercebido da existência de vestígios de tinta escura no seu veículo, nomeadamente na parte lateral traseira esquerda (local onde se deu o primeiro dos embates. tendo ainda salientado para a inexistência de quaisquer vestígios/danos na lateral esquerda do veículo Mercedes. conduzido pelo A. Mário ....
29. Sendo certo que, o único veículo escuro/preto interveniente no acidente dos autos, era precisamente o veículo Mercedes JX, propriedade do A.
30. Ora, tal como resultou do processo-crime n.º 273/06.5SILSB, o qual correu termos junto dos Juízos Criminais da Comarca de Lisboa, foi naqueles autos proferido despacho de acusação contra o aqui A. Mário ..., tendo sido proferido despacho de arquivamento relativamente à queixa apresentada pelo A. contra José Aires de Almeida (condutor do veículo Saxo) e Paulo ... ... (condutor do Vectra ..., seguro na ora Recorrida).
31. De facto, e conforme se fez constar do referido despacho de acusação proferido nos autos do identificado processo-crime em 18.03.2010, " ... realizada a investigação, recolheu-se abundante prova que permite atr...uir exclusivamente ao queixoso e arguido Mário ... Ferreira ... ... a total responsabilidade pelo acidente e suas consequências".
32. Assim, foi o aqui A. Mário ..., o único a ser acusado pela prática dos crimes de ofensa à integridade física por negligência na pessoa do ofendido Tela Lopes ... de ...; do crime de ofensa à integridade física por negligência na pessoa do ofendido Celestino Varela Barbosa; pelo crime de ofensa à integridade física por negligência na pessoa do ofendido Fernando Correia Semedo; e ainda pelas contra-ordenações grave e muito grave ali previstas.
33. Razão pela qual, inequívoco será concluir pela verificação da excepção de prescrição suscitada pela Recorrida em sede nos autos de contestação.
34. O acidente de viação em apreço nos presentes autos ocorreu em 15.12.2005, foi apresentada queixa-crime em 9.6.2006, o A. constituiu-se assistente em 28.6.2010, tendo o processo-crime sido arquivado em 18.3.2010, sendo o autor notificado do arquivamento em 8.4.2010.
35. A presente acção foi intentada em 9.5.2011, sendo a Ré, ora Recorrida, sido citada para a ação em 12.5.2011, de modo que, tendo resultado inequivocamente demonstrado nos autos que não poderá ser imputado ao condutor do veículo Vectra ..., seguro na ora Recorrida, qualquer responsabilidade pela ocorrência do acidente em apreço nos autos, não beneficiam os AA. da prorrogação do prazo de prescrição, nos termos previstos no artigo 498.º, n.º 3 do C.C.
36. Para além disso, nunca poderá proceder a invocação dos AA. relativamente à alegada presunção de culpa constante do artigo 503.º do C.C., porquanto não tendo tal matéria sido (em momento algum) alegada nos autos pelos AA., não resultou em momento algum dos autos que o condutor do veículo ... conduzisse por conta, e sob as ordens e poder de direcção de qualquer comitente.
37. Por fim, e no que respeita à invocada responsabilidade pelo risco suscitada pelos Recorrentes, e assente na norma prevista no artigo 506.º do C.C., sempre se dirá que, sendo a responsabilidade pelo risco independente de culpa, nunca poderia a ora Recorrida responder, dado que verificar-se-ia então, também nesse caso, a prescrição do pretenso direito de que os AA. se arrogam, pois se não há culpa, não há ilícito criminal, não lhe podendo ser assim aplicável o benefício do prazo prescricional mais longo previsto no artigo 498.º, n.º 3 do C.C.
38. Nessa medida, e atendendo a tudo quanto ficou exposto, deverão improceder, in to tum, todas as conclusões tecidas pelos AA. nas suas doutas alegações de recurso, sendo negado provimento ao recurso interposto e mantida a douta sentença proferida nos autos, absolvendo-se a Recorrida ... de todos os pedidos contra si formulados, só assim se fazendo Justiça.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a douta sentença, só assim se fazendo JUSTIÇA!
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1 - No dia 10 de Dezembro de 2005, cerca das 07h 15m, circulava o A. pela Av. General Norton de Matos (2º Circular), em Lisboa, no sentido Sul - Norte (ou seja, Aeroporto - Benfica) (A).
2 - O acidente de viação envolveu quatro veículos:
- 70-03-JX, Mercedes, preto, conduzido pelo A Mário ... ...;
- 68-27-..., Opel Vectra, de cor clara, conduzido por Paulo ... ..., e seguro na R. LUISITÂNIA;
- 49-01-PM, Citroen Saxo, branco, conduzido por José Almeida;
- 89-35-DM, Toyota Hiace, conduzido por ... ... (B).
3 - O A conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 70-03-JX, propriedade da sociedade (também A) "Mário ... ..., Lda.", da qual era o sócio e gerente (C).
4 - À data referida em 1, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo 68-27-... encontrava-se transferida para a Ré ... através de contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 31000004900704/01, por contrato celebrado com João Manuel ………. e com o capital limite de € 600.000 (D).
5- Os dois veículos 49-01-PM, conduzido por José Almeida, e o veículo 68-27-..., conduzido por Paulo ... ... também circulavam pela mesma artéria no mesmo sentido que levava o A, sendo o primeiro na faixa da direita (num conjunto de três faixas) atento o seu sentido de marcha (5º).
6- O veículo PM foi embatido na sua traseira esquerda pelo veículo do Autor (68º) – facto alterado infra.
7- Devido a tal embate, o veículo PM foi projectado contra o rail de protecção lateral direito (69º).
8 - E, de seguida, impulsionado para a esquerda, imobilizando-se na hemifaixa do meio da Avenida General Norton de Matos (70º).
9 - Depois de embater no veículo PM, o veículo do Autor prosseguiu a sua marcha desgovernada para a esquerda (71º) - facto alterado infra.
10 - Indo embater com a sua frente esquerda sobre a lateral direta do veículo ..., que circulava na hemifaixa do meio (72º e 65º) - facto alterado infra.
11- Tal colisão provocou a projecção do veículo ... para a esquerda e o seu embate no separador central de betão (73º) - facto alterado infra.
12 - O veículo Opel Vectra, matrícula 68-27-..., circulava a uma velocidade superior a 86 Km/h (15º).
13- Após o referido em 9 e 10, o veículo do A. galgou o separador central (onde deixou marcas numa extensão de doze metros) e, em marcha desgovernada, foi parar ao sentido contrário (9º).
14- Altura em que, vai embater no veículo 83-35-DM, que circulava no sentido oposto (10º).
15- Consequência deste acidente, o A. sofreu inúmeros ferimentos que o obrigou a internamento hospitalar, e que perdurou por diversos meses (13º).
16- Consequência directa do acidente, o veículo da A. ficou totalmente destruído e, por isso, foi considerado sinistro total (24º).
17- O veículo da A., à data do acidente, tinha um valor venal, não inferior a €17.000,00, era um Mercedes, modelo "Classe E" - 300 Turbo Diesel de 1998, um só dono, nacional, e com todos os extras (25º).
18- O A. foi submetido a 7 Intervenções cirúrgicas (38º).
19 - O autor sofreu fracturas externas, e internas, um pouco por todo o corpo, amnésia, traumatismo facial, síndrome vertiginoso, traumatismo craniano (39º).
20 - Resultado do acidente, o A. ficou politraumatizado, tendo sido transportado para os serviços de urgência do Hospital de Santa Maria (40º).
21- De seguida foi transferido para o Hospital Fernando da Fonseca (Hospital Amadora-­Sintra) onde permaneceu até ao dia 05 de Janeiro de 2006 (41º).
22- Durante este período, sofreu angústias, dores, sofrimento, fobias, depressões (42º).
23- Neste período foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas: úmero; fémur, rotula, cabeça (43º).
24- No dia 05 de Janeiro de 2006, foi transferido e internado para o Hospital Português Privado, hoje Hospital dos Lusíadas, onde permaneceu internado até 19 de Maio de 2006 (44º).
25- Neste hospital foi ainda submetido a diversas intervenções cirúrgicas (45º).
26- Consequência do sinistro, o A. teve ainda de submeter-se a diversos tratamentos de fisioterapia (46º).
27- Esteve totalmente imposs...ilitado de exercer a sua actividade profissional entre 10.12.2005 e 13.9.2007 e 3.3.2008 e 25.5.2008 (47º).
28- O A. retomou o seu trabalho habitual de motorista de táxi, embora, com esforços acrescidos (48º).
29 - Em resultado directo do acidente, o A. sentiu fortes e permanentes dores durante todo o período de convalescença (49º).
30 - Dores que ainda hoje permanecem, e permanecerão, para o resto da sua vida (50º).
31- O A. ficou afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em cinco pontos (51º).
32 - O A. antes do acidente era uma pessoa sociável e saudável (55º).
33 - O Autor sofreu dores violentas, após o acidente, e durante os tratamentos de fisioterapia a que teve de ser submetido (57º).
34- Por cada dia que passou imobilizado o táxi da A. deixou de realizar um montante diário que podia atingir €170,00 (27º).
35- Ao montante referido em 31 há que retirar, a título de custos, uma percentagem que se estima em 25% (28º).
36- O táxi efectuava diversos serviços (29º).
37- O Autor tinha um protocolo com a Agência Abreu e com hotéis (30º).
38- Neste cenário, os AA tinham duas opções:
- Ou, aceitavam os serviços e encaminhava-os para os Colegas;
- Ou, declinavam esses mesmos serviços, e perderiam os Clientes (31º).
39- Os AA. aceitavam os serviços e delegavam-nos nos vários colegas (32º).
40 - Apesar de ter delegado todos os serviços aos Colegas, os AA. facturaram no ano de 2006 montante concretamente não apurado (33º).
41- E, em 2007, facturaram montante concretamente não apurado (34º).
42 - A este valor dos serviços passados aos Colegas terá de ser retirado 25% a título de custas que eles teriam se tivessem efectuado os serviços (36º).
43 - Como também, deverá ser deduzida ainda uma percentagem de 5% pela comissão que recebeu pelos serviços prestados pelos Colegas (37º).
44 - À data do acidente, o A. obtinha com o seu trabalho um rendimento mensal líquido, de €750,00 (59º).
45- O Autor recebeu da Segurança Social neste período €14.700,00 (62º).
46- Em consequência directa do acidente, o A. teve necessidade de ser submetido a inúmeras sessões de fisioterapia, e diversas despesas médicas, que no total ascenderam a €892,50 (64º).
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FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS EM 1ª INSTÂNCIA:
- Artigos 1º a 4º, 6º a 8º, 11º, 12º, 14º, 16º a 23º, 52º, 63º, 66º, 67º e 76º da base instrutória.
- Artigos 23º e 24º - provado apenas o que consta dos factos provados 22, 29, 30 e 33.
- Artigo 26º da BI - provado apenas o que consta do facto provado nº 27.
- Artigo 35º da BI - provado apenas o que consta dos factos provados nº 40 e 41.
- Artigo 56º da BI - provado apenas o que consta dos factos provados nº 22, 29,30 e 33.
- Artigo 58º da BI - provado apenas o que consta dos factos provados nº 22, 29,30 e 33.
- Artigos 60º e 61º da BI - provado apenas o que consta do facto provado nº 27.
- Artigo 74º da BI - provado apenas o que consta do facto provado nº 13.
- Artigo 75º da BI - provado apenas o que consta do facto provado nº 14.
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III. As questões a decidir resumem-se, essencialmente, em saber:
- se é caso de alterar a decisão sobre a matéria de facto;
- se se mostra prescrito o direito que os autores pretendem fazer valer;
- se, a julgar-se improcedente essa excepção, a Relação se deve substituir ao tr...unal recorrido e conhecer dos pedidos formulados pelos autores;
- se, nessa eventualidade, a qual ou quais dos intervenientes no acidente estradal é de imputar culpa na sua produção;
- se procedem os pedidos formulados na p.i.
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IV. Quanto à impugnação da matéria de facto fixada em 1ª instância:
Dizem os apelantes que o tribunal a quo julgou, incorrectamente, os factos vertidos nos pontos "6", "9", "10" e "11" dos "FACTOS PROVADOS" e que deveria ter sido considerado que foi o condutor do veículo "...", seguro na R., aqui Apelada, que causou o acidente, por ter embatido, primeiro no "PM", e depois ter empurrado o Mercedes "JX" dos AA., até o fazer galgar o separador central.
Baseiam a sua impugnação numa diferente valoração dos meios de prova produzidos e na circunstância de, contrariamente ao referido pelo Sr. Juiz, a testemunha Paulo ... ... não ter referido que quem embateu no veículo por si conduzido foi o veículo Mercedes.
Sob os pontos 6º, 9º, 10º e 11º o tr...unal considerou provado que:
6- O veículo PM foi embatido na sua traseira esquerda pelo veículo do Autor (68º).
9 - Depois de embater no veículo PM, o veículo do Autor prosseguiu a sua marcha desgovernada para a esquerda (71º).
10 - Indo embater com a sua frente esquerda sobre a lateral direita do veículo ..., que circulava na hemifaixa do meio (72º e 65º).
11- Tal colisão provocou a projecção do veículo ... para a esquerda e o seu embate no separador central de betão (73º).
Ouvidos os depoimentos gravados, cumpre decidir.
Como o Sr. Juiz exarou na sua fundamentação:
Nos articulados e no julgamento, discutiram-se essencialmente duas versões sobre a dinâmica do acidente.
Segundo a versão que designaremos por 1, o veículo Mercedes do Autor foi colidir com o veículo Saxo na faixa mais à direita da Segunda Circular, após o que o veículo Mercedes flectiu para a esquerda, colidindo com a frente direita do Vecta e, de seguida, o Mercedes avançou para o separador central, que efectivamente galgou.
Segundo a versão 2, foi o veículo Vectra que foi colidir com o veículo Saxo na faixa mais à direita da Segunda Circular, após o que o veículo Vectra flectiu para a esquerda onde foi colidir/empurrar o Mercedes contra o separador central, acabando o Mercedes por galgar o separador central”.

Na sua decisão sobre a matéria de facto o Sr. Juiz deu como assente a 1ª das apontadas versões sobre a verificação do acidente.
Baseou a sua decisão, essencialmente, nos seguintes considerandos:
“Os depoimentos testemunhais e as declarações de parte são díspares entre si, não confluentes.
O auto de participação do acidente de viação junta a fls. 57 e seguintes aponta no sentido da versão 1, sendo que a descrição do acidente se baseou nas declarações da testemunha Fernando Rodrigues, acima referida. Todavia, parte do auto de participação baseia-se também nas percepções directas que o agente da PSP teve no local, onde compareceu após o acidente. Reportamo-nos, designadamente, a fls. 64, pontos 5 a 7, no âmbito dos quais o agente da PSP viu e assinalou: (i) uma marca no pavimento correspondente ao ponto onde ocorreu o embate com o veículo Saxo (ponto 5); (ii) um rasto de veículo no chão desde o ponto do embate no Saxo até ao separador central e após este já na faixa contrária ( ponto 6); (iii) marcas no separador central de betão numa extensão de 12 metros (ponto 7).
Ora, conforme explicamos em Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2013, pp. 267-269, a participação do acidente de viação elaborada pela autoridade policial é um documento autêntico que "prova plenamente os factos que foram objecto das acções ou percepções do documentador, de que ele se certificou com os seus sentidos (propris sens...us, visu et auditu) e como pode, não obstante, não corresponder à verdade, pode tal força probatória ser combatida por prova do contrário (falsidade)."
No caso em apreço, os Autores não alegaram nem demonstraram a falsidade, material ou ideológica, dos factos que o agente da PSP fez constar no auto referidos sob (i) a (iii).
Assim sendo, assiste a tal factualidade força probatória plena.
Assim, do referido sob (i) a (iii) decorre que o veículo que embateu no Saxo derivou na diagonal, de forma continua, até ao separador central, esteve encostado e/ou sobreposto a este durante doze metros, prosseguindo um rasto após o separador até ao ponto em que ocorreu a colisão com o veículo Hiace que circulava na Segunda Circular no sentido oposto.
O rasto referido em 6 demonstra que a colisão no Saxo foi de tal forma violenta que causou ou o rebentamento do pneu do veículo colidente, sendo o rasto (referido em ii) marca da jante no asfalto ou de parte do veículo colidente (sem ser a jante) que se deformou de tal maneira que ficou a arrastar no chão. Existe uma continuidade, uniforme e linear, e de marcha entre o ponto de colisão (5), o subsequente rasto 6 até ao separador central, o início das marcas no separador central de betão e o prosseguimento do rasto no chão após tais marcas até ao ponto em que o Mercedes colidiu com a Hiace, sendo que a Hiace empurrou o Mercedes após o ponto inicial em que colidiram. Sendo o Mercedes o único veículo a transpor o separador central, a factualidade referida em (i) a (iii) aponta indubitavelmente no sentido de que o veículo que colidiu com o Saxo foi o Mercedes, conduzido pelo Autor. Ou seja, sendo o rasto uniforme e contínuo e prolongando-se em sequência linear nos dois lados da Segunda Circular (antes e após o galgamento do separador central) tal rasto só pode ser do Mercedes porque foi este o único veículo que transpôs o separador central.
Note-se que quanto ao veículo Vectra não consta rasto do mesmo no pavimento, precedendo o local onde o mesmo ficou imobilizado, ao contrário do que sucede com o Mercedes do Autor. Se o rasto nº 6 que vai até ao separador central fosse do Vectra, o mesmo prolongar-se-ia até ao ponto de imobilização do Vectra o que não está documentado no auto.
A versão 2 está sustentada, esforçadamente, na peritagem feita pela testemunha João Dias, padecendo de um pecado original que a inquina na totalidade, qual seja a de ignorar completamente os factos referidos sob (i) a (iii) que estão dotados de força probatória plena.
Tal testemunha afirmou que tal rasto é "completamente misterioso", admitindo que possa ser uma jante a raspar no solo. Por outro lado, a tese da peritagem no sentido de que o Vectra, depois de embater no Saxo, empurrou/pressionou o Mercedes contra o separador central é infirmada: em primeiro lugar, pela linearidade do rasto 6 até ao separador central o que não condiz com a hipótese do Vecta se ter encostado ao Mercedes porque, nessa eventualidade, o rasto 6 (que seria do Vectra) não fluiria de imediato até ao separador, mas teria de cessar a uma distância do separador correspondente à largura do Mercedes (1,79 metros, cf. fls. 113) porque este estaria entre o Vectra e o separador central; em segundo lugar, as amolgadelas na lateral esquerda do Vecta teriam que ser maiores às decorrentes das fotos de fls. 90/91 tanto mais que o Vectra viria desgovernado depois de um forte embate no Saxo, sendo que o retrovisor esquerdo do Vectra (bastante volumoso por sinal) se mostra mesmo incólume. Note-se que o Mercedes pesa 1.630 kg ( fls. 113) e teria sido pressionado de tal forma que galgou o separador. Não cremos que tal cenário seja compatível com os danos constantes da lateral esquerda do Vectra a fls. 90/91. Tais danos são explicáveis por vários embates que ocorreram entre o Vectra e o separador central.”
Desta transcrição decorre que o raciocínio do Sr. Juiz tem por base a consideração de que a participação do acidente de viação junta aos autos é um documento autêntico que prova plenamente os seguintes pontos assinalados pelo agente e que este percepcionou:
(i) uma marca no pavimento correspondente ao ponto onde ocorreu o embate com o veículo Saxo (ponto 5);
(ii) um rasto de veículo no chão desde o ponto do embate no Saxo até ao separador central e após este já na faixa contrária (ponto 6);
(iii) marcas no separador central de betão numa extensão de 12 metros (ponto 7).
Destes factos retirou o Sr. Juiz a ilação de que existindo “uma continuidade, uniforme e linear, e de marcha entre o ponto de colisão (5), o subsequente rasto 6 até ao separador central, o início das marcas no separador central de betão e o prosseguimento do rasto no chão após tais marcas até ao ponto em que o Mercedes colidiu com a Hiace” e “sendo o Mercedes o único veículo a transpor o separador central, a factualidade referida em (i) a (iii) aponta indubitavelmente no sentido de que o veículo que colidiu com o Saxo foi o Mercedes, conduzido pelo Autor. Ou seja, sendo o rasto uniforme e contínuo e prolongando-se em sequência linear nos dois lados da Segunda Circular (antes e após o galgamento do separador central) tal rasto só pode ser do Mercedes porque foi este o único veículo que transpôs o separador central”.
Assim, a 1ª questão a abordar em sede de decisão sobre a impugnação da matéria de facto, está em saber qual o valor probatório a conferir à participação policial junta aos autos.
Esta é, de facto, um documento autêntico, uma vez que emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração.
Porém, decorre do art. 371º, n.º 1, do C.C. que os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Aqueles que não estiverem nessas condições não são plenamente provados pelo documento, pelo que podem ser impugnadas, nos termos gerais, as declarações documentadas.
Ora, a participação do acidente de viação junta aos autos é essencialmente um documento testemunhal, na medida em que o documentador (agente da PSP) se limita a atestar um facto, a informar acerca de um acontecimento que ocorreu, sendo admissível prova de que o acidente se passou de maneira diferente – vide sobre esta temática Vaz Serra, “Provas”, BMJ 111, págs. 123 e 124.
A força probatória plena desse documento limita-se aos factos praticados pelo documentador e por ele atestados. E prova ainda plenamente os factos atestados que se passaram na sua presença. Todavia, a sinceridade desses factos ou a sua validade ou eficácia jurídica são excluídos do alcance da prova plena do documento, pois disso não podia o documentador aperceber-se – cfr. ob., págs. 135/136.
Como se exarou no Ac. do STJ de 6/04/2006 (relatado pelo Cons. Bettencourt de Faria, acessível in www.dgsi.pt),
O documento da entidade policial em que esta dá conta da ocorrência dum acidente de viação tem natureza autêntica em relação ao facto praticado pelo agente de segurança que consiste na própria participação, ou seja, atesta que determinado agente "tomou conta da ocorrência". Tudo o mais, ainda que adquirido por percepção directa, nomeadamente as circunstâncias do acidente, são apenas indicações coadjuvantes ou indicativas, que não têm força probatória plena, pela simples razão de que não é da competência da entidade policial fazer um registo de carácter tabeliónico do acidente. Nem a ele foi deferido um poder de julgamento da matéria de facto”.
Ora, no caso em análise o que o Sr. Agente (a testemunha João Ramalho Carlo) poderia ter presenciado foram apenas marcas ou outros sinais existentes no pavimento e separador central da 2ª circular e não que os mesmos derivaram do acidente estradal em apreciação e/ou que foram provocados por qualquer dos veículos intervenientes neste.
Tanto basta para se poder concluir que as marcas e sinais referenciados na participação não têm força probatória que lhes foi atr...uída em 1ª instância.
Deste modo, ainda que se aceite que no local da ocorrência do acidente existiam vestígios do mesmo no pavimento (pedaços de veículos, rastos de travagem ou derrapagem, sulcos no pavimento, fluídos de óleo, manchas, etc.), a participação e o croquis constituem um meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação.
Deverá, por isso, ser confrontada com a restante prova produzida (testemunhal e documental).
É o que passaremos a fazer de seguida.
Na audiência de julgamento foram apresentadas duas poss...ilidades para a transposição do separador central por parte do veiculo Mercedes (o JX).
Assim, de acordo com o depoimento da testemunha João Ramalho Carlos (agente da PSP que após o acidente se deslocou ao local e elaborou a participação e o croquis), o Mercedes apenas transpôs o separador central (este tem uma altura de 90 cms) porque deve ter feito uma trajectória em diagonal e a muita velocidade, de certeza a mais de 100Kms/hora.
A testemunha João Manuel ... Dias (professor no departamento de engenharia mecânica do Instituto Superior Técnico; elaborou relatório técnico sobre o acidente a pedido do autor e da seguradora Allianz, tendo sido esta quem suportou o respectivo custo, relatório esse que constitui fls. 77 a 104 dos autos) explicou que, com base nos danos apresentados pelos veículos Mercedes, Opel Vectra (o ...) e Citroen Saxo (o PM) intervenientes no acidente, que visualizou através de fotos, da inspecção que realizou ao veículo Mercedes, e da participação policial, fez simulações computacionais sobre os possíveis cenários do acidente, tendo concluído que o acidente foi causado pelo veículo Opel Vectra, o qual embateu primeiro no Citroen Saxo e em 2º lugar no veículo Mercedes, pressionando-o contra o separador central (em betão, do tipo New Jersey), o que obrigou este último a transpô-lo, sendo que neste cenário a velocidade destes dois veículos tinha de se situar entre os 76 e os 96 Kms/h, pois que para velocidades superiores não se obteve compat...ilidade nas simulações computacionais.
Referiu ainda que o ângulo de entrada do Mercedes no separador central foi reduzido, não podendo ser superior a 30/40 graus.
Para além destas duas poss...ilidades não foi aventada qualquer outra em julgamento, nem a mesma se vislumbra.
Por outra via:
Quer o condutor do veículo Saxo (José ... Aires de Almeida), quer o condutor do Toyota Hiace (... Lopes ... de ...) nada adiantaram quanto ao veículo que desencadeou o acidente, referindo apenas o 1º que circulava a uma velocidade de cerca de 80/90 Kms/h; que a anteceder o acidente, pelo espelho retrovisor, observou luzes de um veículo a uma velocidade enorme, o qual vinha em diagonal em relação ao seu veículo, tendo embatido neste, na retaguarda, lado esquerdo, junto à roda; que não identificou esse veículo, sendo que estava escuro; que tem a sensação, em bora não possa afirmar tal a “100%” de ter dito “ao perito que estava tinta escura no seu carro”.
De sua vez o condutor do Opel Vectra (Paulo ... ... ...) declarou que circulava na faixa do meio da segunda circular, à velocidade de 80/90 Kms/h; que a dada altura, quando estava a olhar para o lado esquerdo, sentiu um toque ligeiro na frente lateral direita do veículo por si conduzido, “que me encostou logo contra o separador central”; que rebentou logo um pneu; que não travou e foi parar lá à frente e não soube mais o que aconteceu; que não reparou quem lhe bateu, mas esse carro era um pouco escuro; que não sabe se o Mercedes passou por cima do veículo que conduzia, o qual não está batido de frente, nem detrás; que à sua esquerda não circulava qualquer veículo e foi embater no separador; que a lateral esquerda do veículo ficou toda riscada; que as duas rodas da frente rebentaram; que não sabe explicar a marca de pneu na porta do condutor do Opel.
Para além destes depoimentos, foram inquiridas duas testemunhas sobre a dinâmica do acidente.
Assim:
A testemunha Ricardo ... Vicente da Silva (motorista) declarou que presenciou o acidente, seguindo atrás do Mercedes, a uma distância de mais ou menos 3 metros, mas que na altura "não falou com ninguém", afirmando que posteriormente se indicou como testemunha através do conhecimento de um colega do autor; que circulavam à velocidade de cerca de 60/70Kms/h, na faixa da esquerda; que na ocasião um carro escuro fez sinais de luzes para o ultrapassar; que o condutor daquele carro tentou ultrapassá-lo pela direita; que foi nessa ocasião que aquele veículo embateu no carro branco que seguia na faixa da direita; que depois o condutor do carro escuro (este era preto ou azul escuro) manda-se todo contra o Mercedes, que acaba por saltar o separador.
A circunstância da testemunha em referência não ter falado com nenhum dos intervenientes no acidente ou com as pessoas que o presenciaram e o declarado pela mesma levanta dúvidas sobre a veracidade das suas declarações, como, de resto, se deixou expresso na fundamentação exarada em 1ª instância.
E como aí se frisou “caso seguisse a 3 metros atrás do Mercedes a uma velocidade mesmo de 70 km/h (=19.4 metros por segundo), o veículo da testemunha ter-se-ia também envolvido no acidente”.
Estranha-se também que o mesmo não tivesse sequer identificado o veículo que alegadamente embateu no Mercedes.
Diversamente se passam as coisas quanto ao depoimento da testemunha Fernando Nuno Gomes Rodrigues, motorista do clube Belenenses, o qual após o embate se apresentou como tendo presenciado o acidente, tendo prestado declarações junto do agente que elaborou a participação.
Declarou esta testemunha que conduzia um autocarro pela faixa da direita; que se apercebeu pelo espelho das luzes de um veículo atrás de si a muita velocidade aos ziguezagues, a ultrapassar carros; que quando esse veículo escuro embateu num carro foi para o outro lado, galgando o separador; e que só depois do acidente se apercebeu que esse veículo era um Mercedes.
Esta testemunha, em momento posterior do seu depoimento, declarou que não viu o Mercedes a embater em qualquer carro que viesse na faixa mais à direita e que o veículo escuro ia pela faixa do meio e ultrapassou-o e depois só viu galgar o separador.
Embora não se duvide da sinceridade do declarado pela testemunha, o certo é que a rapidez com que o acidente se desenrolou e a circunstância de ser de noite, é natural que a mesma não tenha captado o facto tal qual o mesmo efectivamente aconteceu.
Seja como for, do conjunto da prova produzida derivou assente, sem sombra para qualquer dúvida, que por ocasião do acidente, um dos veículos intervenientes (ou o Mercedes ou Opel Vectra) embateu com a sua frente direita na traseira esquerda do Saxo, quando este circulava na 2ª Circular, na faixa situada mais à direita, tendo o Mercedes transposto o separador central e a invadido a faixa de rodagem contrária, vindo a embater no Toyota Hiace.
E das fotografias juntas ao relatório de fls. 77/104 deriva, além do mais, que:
- o veículo Mercedes apresenta toda a sua frente bastante danificada (fls. 82);
- na sua lateral direita apresenta vestígios de tinta de veículo de cor clara (fls. 84);
- na lateral esquerda apenas são visíveis danos junto à roda dianteira (fls. 85);
- o veículo Saxo apresenta danos na traseira, lado esquerdo, junto à roda (fls. 89);
- o veículo Opel apresenta danos na frente direita (esquina dianteira direita) e na porta do condutor apresenta uma marca deixada por um pneu, que se situa no friso da porta e por baixo deste (fls. 90);
- o Opel apresenta ainda danos na lateral esquerda, com marcas de tinta preta (fls. 91).

Da conjugação de todos os elementos de prova:
Como acima deixámos expresso, ainda que se aceite que no local da ocorrência do acidente existiam vestígios do mesmo no pavimento (pedaços de veículos, rastos de travagem ou derrapagem, sulcos no pavimento, fluídos de óleo, manchas, etc.), o certo é que o croquis não foi elaborado à escala.
Ademais, o veículo Mercedes após o acidente não apresentava rodas rebentadas pelo que aquele rasto não poderia ser da jante.
Não se ignora que na participação se refere tratar-se rasto de derrapagem (fls. 58).
Porém, e no que toca ao Mercedes, estando este munido do sistema de travagem ABS, as rodas não bloqueiam em caso de travagem pelo que não derrapam, sendo os vestígios dos pneus no pavimento mínimos e descontínuos.
Assim, nada aponta no sentido da existência de um rasto com a configuração uniforme e extensão assinaladas no croquis sob o ponto 6, sendo que a testemunha João Ramalho Carlos (agente da PSP), dado o tempo decorrido, não conseguiu esclarecer este ponto, referindo recordar-se vagamente do acidente, tendo, em essência, se limitado a confirmar o por si consignado na participação e croquis.
Por outro lado, da prova produzida resulta que após o acidente, e em consequência deste, o veículo Opel apresentava na porta do condutor uma marca deixada por um pneu (foto de fls. 90).
Significa isto que a lateral esquerda da viatura Opel esteve encostada a um outro veículo, facto negado pelo condutor daquele, a testemunha Paulo ... ....
De resto, a explicação dada por este para o acidente não se coaduna com os danos apresentados pelo ....
Com efeito, aquele declarou que sentiu um toque ligeiro na frente lateral direita do veículo por si conduzido, que determinou que o veículo fosse embater lateralmente no separador central.
E, embora o não refira peremptoriamente, a sua versão acarreta que tenha sido o Mercedes quem primeiramente embateu no Saxo e de seguida na frente lateral direita do ....
Porém, de acordo com o que consta da participação do acidente, aquando da ocorrência deste, a testemunha Paulo ... terá declarado ao agente de autoridade que sentiu um forte embate na parte da lateral direita da frente do veículo ... (vide fls. 60).
Certo é que o pneu direito da frente do ... rebentou e em face dos estragos provocados na frente lateral direita dessa viatura, bem visíveis na fotografia de fls. 90, é possível inferir que o embate não foi ligeiro.
Assim, nesta versão dos acontecimentos, o Mercedes embateu com a sua frente direita no SAXO (que circulava na faixa situada mais à direita), flectiu a sua trajectória para a esquerda, embatendo com a sua frente lateral esquerda na frente lateral direita do Opel (que circulava na faixa do centro), e, de acordo com a versão do condutor do ..., o Mercedes, sem que tivesse ultrapassado este veículo, transpôs o separador central.
Como é que tal seria possível (note-se que o Mercedes e o Opel circulariam a circular lado a lado, encontrando-se aquele à direita deste)?
Como é que o veículo Mercedes ainda teria movimento suficiente para transpor o separador depois desses dois embates?
E como explicar a marca de pneu existente na porta da frente esquerda do Opel?
Não vislumbramos uma resposta cabal para estas interrogações, a não ser através de uma diferente valoração dos meios de prova produzidos, que apontam para um diverso processo causal do acidente.
Efectivamente, a explicação que se apresenta como plausível para o acidente e para os danos existentes na frente lateral direita do Opel é que este embateu na retaguarda do Saxo e após flectiu para a esquerda, em direcção ao separador central, na altura em que o Mercedes aí transitava, “comprimindo-o” para o separador, que veio a subir e transpor, tendo nessa altura efectuado a marca na porta do Opel com a roda do lado direito.
Esta versão do acidente que, a nosso ver, deflui da prova produzida, explica os danos registados em todos os veículos intervenientes, a marca na porta do Opel, e, como elucidou a testemunha João Manuel Dias, o arrastar do Mercedes em cima do separador durante cerca de 8 metros (12 metros, menos o cumprimento do veículo), por a defleção do Mercedes para a via (e os separadores tipo New Jersey têm uma configuração que flecte o veículo para a via) ter sido impedida pela compressão do Opel.
Se fosse apenas a velocidade a explicar o galgar do separador, o Mercedes não se teria arrastado durante tantos metros em cima do separador.
Deste modo, altera-se a matéria de facto apurada em 1ª instância (pontos 6º, 9º, 10º e 11º), dando-se como provado que:
6 - O veículo PM foi embatido na sua traseira esquerda pelo veículo ....
9 - Depois de embater no veículo PM, o ... prosseguiu a sua marcha desgovernada para a esquerda.
10 - Indo embater com a sua parte lateral esquerda na lateral direita do JX, que circulava na hemifaixa da esquerda.
11- Pressionando o JX contra o separador central de betão, que este veio a subir e transpor.
*

IV. Do mérito do recurso:
Da questão da prescrição:
Para a apreciação desta questão, e para além da factualidade acima considerada provada, mostram-se assentes os seguintes factos:
- O acidente estradal ocorreu dia 10/12/2005;
- Com base na ocorrência desse acidente, no dia 9/06/2006 o ora autor Mário ... ... ... ... apresentou junto dos serviços do MP queixa- crime contra José ... Aires de Almeida e Paulo ... ... ..., requereu a sua constituição como assistente e manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização cível (vide fls. 608 a 610);
- Por despacho proferido dia 28/06/2010 foi admitida a intervenção daquele nos autos como assistente (fls. 608);
- Por despacho proferido dia 18/03/2010 foi ordenado o arquivamento dos autos, na parte atinente àquela queixa (fls. 608 e 578);
- O assistente Mário ... ... foi notificado desse despacho por carta registada com prova de depósito de 8/04/2010, depositada no receptáculo postal em 132/04/2010, tendo o seu mandatário sido notificado por carta registada expedida dia 8/04/2010 (fls. 608);
- A presente acção foi instaurada dia 9/05/2011;
- A ré foi citada dia 12/05/2011.

Deriva dos autos que o acidente de viação ocorreu dia 10/12/2005.
Dispõe o art. 498º, do CC que a acção de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (n.º 1); e que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável (n.º 3).
O alongamento do prazo radica na especial gravidade do facto ilícito praticado pelo agente.
Daí que o único requisito de que a lei faz depender a aplicação de prazo mais longo é o facto ilícito constituir crime e este ter um prazo de prescrição mais dilatado do que os 3 anos mencionados no n.º 1, não exigindo, como requisito para a consideração desse prazo mais longo, que o lesado deduza procedimento criminal contra o lesante, apresentando a correspondente queixa-crime nos casos em que o crime tenha natureza semi-pública – cfr neste sentido Ac STJ 20-02-2001, relatado pelo Cons. Pinto ..., in CJ-STJ 2001, tomo 1, pag. 126; Antunes Varela, RLJ ano 123, pag. 46.
Por outro lado:
Dispõe o art. 71º do CPP que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tr...unal civil, nos casos previstos na lei.
Esses casos são os contemplados no art. 72º, n.º 1, do mesmo diploma legal, onde se prescreve que:
1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tr...unal civil, quando:
a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;
b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento;
c) O procedimento depender de queixa ou de acusação particular;
d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão;
e) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 3 do artigo 82.º;
f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido;
g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tr...unal colectivo, devendo o processo penal correr perante tr...unal singular;
h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima;
i) O lesado não tiver sido informado da poss...ilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º e do n.º 2 do artigo 77.º
A lei processual penal consagra assim o princípio da adesão obrigatória.
É a existência de uma profunda conexão entre os dois ilícitos resultantes da unidade do facto gerador, tanto da responsabilidade civil como da criminal, que justifica a apreciação no mesmo processo da questão criminal e da questão civil.
Assim, só os lesados directa ou indirectamente com a sua prática podem ser demandantes, e os acusados ou terceiros que sejam responsáveis civilmente pela reparação dos respectivos danos, demandados.
Daqui decorre que a instauração e subsequente tramitação do processo-crime tem consequências jurídicas sobre o início da contagem do prazo prescricional ou sobre a sua interrupção, face ao estatuído nos artigos 71.º e 72º do C.P.P.
Daí que, em princípio, se haja de admitir que o prazo de prescrição não corre enquanto pender a acção penal, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do C. Civil,
interrupção esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou desfecho final) do processo crime.
O Acórdão do Supremo Tr...unal de Justiça de 10/02/2004, Moreira Camilo, acessível in www.dgsi.pt, defende que, no caso dos crimes semi-públicos e particulares e enquanto estiver a decorrer o prazo para a necessária queixa-crime (6 meses – cf. artigos 48.º e seguintes do Código de Processo Penal e 113.º a 116.º do Código Penal), o referido direito ao ressarcimento dos danos de natureza cível não pode ser exercido, achando-se igualmente abrangido pelo regime do número 1 do artigo 306.º do Código Civil.
Importa ainda frisar que, como tem sido salientado pela jurisprudência, a lei não impõe ao lesado, logo que se verifique a situação em que a lei consente a dedução em separado de pedido de indemnização cível (art 72º, n.º 1, do CPP), o ónus de assim proceder que importaria, por definição, uma consequência gravosa em caso de incumprimento – cfr. Acs. STJ de 18.12.2013, João Bernardo (Relator), 14-6-2007 (Salvador da Costa) e de 13 de Outubro de 2009, Salazar Casanova www.dgsi.pt.
Assim sendo, assiste ao lesado, que não quiser recorrer à acção cível em separado, o direito de aguardar o desfecho do procedimento criminal.
Por outro lado, a interrupção, bem como o alargamento do prazo da prescrição nos casos em que é admissível, aplica-se (é oponível) aos responsáveis meramente civis (seguradoras e ao Fundo de Garantia Automóvel), na medida em que estes representam (substituem) em última "ratio", o lesante civilmente responsável – cfr. Acs. STJ de 15 de Outubro de 1998. Matos Namora, e de 22/01/2004, Ferreira de Almeida, acessíveis in www.dgsi.pt.
Tem pois de concluir-se que no caso dos autos o prazo prescricional só começou a correr, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil, com a notificação do despacho de arquivamento do inquérito ocorrida dia 12/04/2010.
É que o autor e a autora foram lesados pela prática do crime, o primeiro directamente e a segunda indirectamente, fundando-se os pedidos formulados nos autos nesse ilícito.
Logo, tendo a acção sido instaurada a 9/05/2011, e a ré sido citada dia 12/05/2011, é manifesto que não decorreu sequer o prazo prescricional a que alude o art. 498º, n.º 1 do C. Civil.
Improcede, pois, a excepção da prescrição.

Em função da improcedência da excepção da prescrição, passa-se a conhecer dos pedidos formulados pelos autores, ex vi do disposto no art. 665º, n.º 2, do CPC.

Da questão da ilicitude e da culpa na produção do acidente:
Assente a factualidade provada, importa analisar a questão que se prende com a matéria da culpa dos condutores dos veículos intervenientes na produção do acidente.
Deriva da factualidade apurada que foi o veículo Opel Vectra (...) que foi primeiramente embater na traseira esquerda do veículo Saxo (PM) e de seguida prosseguiu a sua marcha desgovernada para a esquerda, indo embater com a sua parte lateral esquerda na parte lateral direita do veículo Mercedes conduzido pelo autor (JX), que circulava na hemifaixa esquerda, pressionando este contra o separador central, que veio a subir e transpor.
Significa isto que no momento do embate no PM o veiculo ... circulava com os rodados do lado direito na hemifaixa situada mais à esquerda e com os rodados do lado esquerdo na hemifaixa do meio.
Ignora-se se na ocasião o condutor do ... pretendia mudar de uma hemifaixa para a outra.
Seja como for, o condutor do ..., ao embater na traseira de outro veículo que o precedia só o poderá ter feito por distracção, excesso de velocidade ou falta de destreza, pois que não se provou, nem tal foi sequer alegado, ter este último diminuído a velocidade a que seguia.
Em qualquer uma destas situações, o comportamento estradal daquele é passível de um juízo de censura, o que conduz a que se considere que o autor concorreu causalmente para a eclosão do sinistro de forma culposa – art. 487º do C. Civil.
Em decorrência dessa conduta imprudente do condutor do ..., este seguiu desgovernado para a esquerda, indo embater lateralmente no veículo conduzido pelo autor (JX), pressionando-o contra o separador central, que veio a subir e transpor.
E não se tendo provado qualquer facto donde derive ter o autor, enquanto condutor do JX, contr...uído também, de forma culposa, para a ocorrência do acidente, pois que se não provou que circulasse a velocidade excessiva, conclui-se pela culpa exclusiva do condutor do ... na produção do acidente.
Têm, por isso, os autores direito a serem ressarcidos pela ré seguradora dos danos sofridos decorrentes do acidente de viação, para quem o proprietário do ... tinha transferido a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da sua circulação – arts. 483º, 562º a 564º e 566º, do CC.

Dos danos/nexo de causalidade:
Na p.i. a autora peticionou a condenação da ré no pagamento:
- da quantia de €17.000,00, atinente ao valor venal do veículo JX;
- a quantia de €133.602,70 relativa às quantias que deixou de receber (lucros cessantes) durante o período em que o autor esteve sem poder trabalhar;
- dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento.
E o autor peticionou a condenação da ré no pagamento:
- da quantia de €20.000,00 a título de indemnização pelos danos físicos sofridos (incapacidade parcial permanente absoluta de 22,5%);
- de uma quantia não inferior a €200.000,00 a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos (perturbações de índole psíquica, angústia, dores);
- da quantia de €2.550,00 a título de vencimentos que deixou de auferir durante o período em que não pode trabalhar (de 10/12/2005 a 30/11/2007), depois de abatido o que recebeu da segurança social (23meses x €750,00 - €14.700,00);
- da quantia de €1.500,00 a título de ressarcimento do vestuário;
- da quantia de €892,50 de despesas médicas.
- dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento.

Das quantias devidas pela ré à autora:
Apurou-se que em consequência directa do acidente, o veículo da A. ficou totalmente destruído e, por isso, foi considerado sinistro total, sendo que à data o JX tinha um valor venal, não inferior a €17.000,00.
Assim, a autora tem direito a ser ressarcida dessa quantia – arts. 562º, 564º, n.º 1, 563º e 566º, do C. Civil.
Sobre essa quantia incidem juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da propositura da acção (não vêm pedido juros de mora desde data anterior) até integral pagamento.

Dos lucros cessantes:
Os lucros cessantes referem-se ao benefício que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, ao acréscimo patrimonial frustrado – art. 564º, n.º 1, do CC.
A este título a autora peticionou a condenação da ré no pagamento da quantia de €133.602,70 relativa às quantias que deixou de receber durante o período em que o autor esteve sem poder trabalhar, de 10/12/2005 a 30/11/2007.
Alegou ainda que por cada dia de trabalho realizava a quantia de €170,00, a que se deverá abater a título de custos uma percentagem de 25%, apurando-se assim o montante de €76.245,00 (€127,50 x 26 dias x 23 meses).
E que nesse período a autora deixou de auferir as quantias relativas a serviços que lhe chegavam da Agência Abreu com quem mantinha um protocolo, juntamente com hotéis e agências de viagem, serviços que delegaram em colegas, numa média mensal de €8.298,30, o que totaliza a quantia de €57.258,30, após se abater 25% de custos e a percentagem de 5% que recebeu dos colegas (€8.298,00 x 23 meses - 30%).
Nesta matéria apurou-se que:
- Por cada dia que passou imobilizado o táxi da A. deixou de realizar um montante diário que podia atingir €170,00.
- Ao montante referido em 31 há que retirar, a título de custos, uma percentagem que se estima em 25% .
- O táxi efectuava diversos serviços.
- O Autor tinha um protocolo com a Agência Abreu e com hotéis.
- Neste cenário, os AA tinham duas opções:
- Ou, aceitavam os serviços e encaminhava-os para os Colegas;
- Ou, declinavam esses mesmos serviços, e perderiam os Clientes.
- Os AA. aceitavam os serviços e delegavam-nos nos vários colegas.
- Apesar de ter delegado todos os serviços aos Colegas, os AA. facturaram no ano de 2006 montante concretamente não apurado.
- E, em 2007, facturaram montante concretamente não apurado.
- A este valor dos serviços passados aos Colegas terá de ser retirado 25% a título de custos que eles teriam se tivessem efectuado os serviços.
- Como também, deverá ser deduzida ainda uma percentagem de 5% pela comissão que recebeu pelos serviços prestados pelos Colegas.
No que toca a esta matéria, pelo requerimento de fls. 1095 e segs. -, formulado pela apelada após ter sido notificada para se pronunciar sobre as questões que a 1ª instância considerou prejudicadas por ter julgado procedente a excepção da prescrição -, veio esta sustentar que a autora alegou ter facturado nos anos de 2006, e 2007 os montantes de €110.199,36 e €88.959,77 quando deriva das declarações de IRC juntas aos autos que nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 o montante total de proveitos do exercício ascendeu a €200.154,74, €224.511,13, €236.609,57 e €303.555,91, respectivamente, tendo assim facturado mais nos anos subsequentes ao acidente do que nos anos anteriores; que o total dos resultados líquidos do exercício terá ascendido nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 a €11.199,35, €16.850,65, €21.856,33 e €3.571,18, respectivamente; e que a autora não sofreu danos consistentes em lucros cessantes em consequência do acidente.
Os dados de facto assim alegados pela apelada fluem das declarações de IRC juntas aos autos a fls. 641 e segs.
Ora, como já deixámos expresso, a autora faz derivar a indemnização peticionada do facto de em consequência do acidente o autor ter estado incapacitado para exercer a sua actividade de taxista no período de 10/12/2005 a 30/11/2007 (quanto a esse período apenas se apurou que o autor esteve totalmente imposs...ilitado de exercer a sua actividade profissional entre 10.12.2005 e 13.9.2007) e, em decorrência desse facto, não ter podido aproveitar todas as utilidades económicas do táxi que aquele conduzia.
Faz assim derivar a indemnização da imobilização do veículo, decorrente daquela incapacidade, e não do facto de não ter sido imediatamente ressarcida pela ré da perda do veículo JX.
Ora, como é sabido, o dever da seguradora de proceder à reparação dos danos decorrentes da privação do uso de um veículo sinistrado, no caso de perda total, só cessa verdadeiramente aquando do pagamento da indemnização (data em que a viatura sinistrada é substituída, em sub-rogação real, no património da lesada pelo respectivo valor patrimonial), pois que só então o lesado ficará habilitado a adquirir um veículo que substitua o que foi danificado – cfr. neste sentido o acórdão do STJ de 21-04-2005, in www.dgsi.pt.

A autora ao fundamentar o seu pedido indemnizatório na incapacidade do autor para conduzir o taxi, de certo modo, reconhece que ainda que tivesse sido atempadamente ressarcida daquele valor continuaria a não retirar utilidades económicas do serviço de táxi, atenta a situação de incapacidade daquele. Sintomático de tal é que a autora nem sequer alegou não ter adquirido outro veículo para substituir o sinistrado ou a incapacidade económica para o fazer, sem o prévio ressarcimento do valor do JX.
Deste modo, a extensão e dimensão do dano cujo ressarcimento vem peticionado decorreu da conduta da própria autora, ao não contratar temporariamente um outro trabalhador para substituir o autor como motorista de táxi, não tendo a mesma alegado e, consequentemente, demonstrado a imposs...ilidade ou inviabilidade de o fazer, que, de resto, se não vislumbram.
É que, segundo o curso normal das coisas, em face da incapacidade do seu empregado, a autora poderia (e deveria) ter contratado um outro trabalhador para o substituir, não podendo a mesma, à luz das regras da boa fé, aproveitar-se da sua própria inércia para fazer avolumar o dano.
E, na falta de dados de facto que apontem em sentido contrário, considera-se adequado um prazo não superior a 30 dias subsequente ao acidente para que a autora pudesse providenciar pela contratação de um motorista que possuísse os requisitos legais mínimos para poder conduzir um táxi.
Para além desse período temporal, considera-se imputável à autora o alargamento do período de privação do uso do veículo, por falta de contratação de um motorista, e a extensão dos danos daí decorrentes.
Sendo assim, e nos termos do n.º 1 do art. 570º do C. Civil, a indemnização pelos lucros cessantes não deverá ultrapassar o período considerado.
Por outro lado:
Deriva da documentação junta aos autos que nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 a autora declarou, para efeitos de IRC, um montante total de proveitos do exercício de €200.154,74, €224.511,13, €236.609,57 e €303.555,91, respectivamente, tendo o total dos resultados líquidos do exercício ascendido naqueles anos os montantes de €11.199,35, €16.850,65, €21.856,33 e €3.571,18, respectivamente.
Certo é que se apurou, sem impugnação da apelada, que por cada dia que passou imobilizado o táxi da A. deixou de realizar um montante diário que podia atingir €170,00 (não se apurou que com a realização dos demais serviços alegados na p.i. a facturação do táxi fosse de montante bem superior aos €170,00 diários).
A este montante, segundo se apurou, havia que retirar, a título de custos do táxi, uma percentagem na ordem dos 25%.
Haveria ainda que considerar que a autora suportaria os custos com o vencimento do autor (do montante mensal liquido de €750,00, a que acrescia subsídio de Natal e de férias, sendo que no mês que o autor estivesse de férias o táxi não laboraria) e as contr...uições para a segurança social, e que recebeu 5% de comissão pelos serviços que delegou nos colegas, cujo montante exacto se ignora.
Tudo isto aponta para uma quantia líquida mensal seguramente não superior a €1.500,00 [(€170,00 x 22 dias úteis x 75%) – (€750,00 + contr...uições para segurança social + 1/12 de subsídio de férias + 1/12 de subsídio de Natal) – 5% do valor das comissões].
Entende-se, por isso, equitativo fixar nesse montante o valor da indemnização a que a autora tem direito.
Sobre essa quantia incidem juros de mora, à taxa legal desde a data da propositura da acção até integral pagamento.

Dos danos peticionados pelo autor:
- da quantia de €2.550,00 a título de vencimentos que deixou de auferir durante o período em que não pode trabalhar (de 10/12/2005 a 30/11/2007), depois de abatido o que recebeu da segurança social (23meses x €750,00 - €14.700,00);
- da quantia de €1.500,00 a título de ressarcimento do vestuário;
- da quantia de €892,50 de despesas médicas.
- da quantia de €20.000,00 a título de indemnização pelos danos físicos sofridos (incapacidade parcial permanente absoluta de 22,5%);
- de uma quantia não inferior a €200.000,00 a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos (perturbações d eíndole psíquica, angústia, dores);
- dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento.

Da questão da responsabilidade da ré seguradora pelo pagamento do valor das indemnizações devidas ao autor:

Quanto aos danos patrimoniais:
O autor peticionou o pagamento da quantia de €2.550,00 a título de vencimentos que deixou de auferir durante o período em que não pode trabalhar (de 10/12/2005 a 30/11/2007), depois de abatido o que recebeu da segurança social (23meses x €750,00 - €14.700,00).
Relativamente ao referido período de incapacidade, apurou-se que o autor esteve incapacitado para o trabalho de 10.12.2005 e 13.9.2007 (na p.i. o autor não fundamentou o seu pedido na incapacidade ocorrida no período de 3/03/2008 a 25/05/2008), ou seja, durante 22 meses e 3 dias, e que auferia a quantia mensal líquida de €750,00.
No requerimento de fls. 1095 e segs. - formulado pela apelada após ter sido notificada para se pronunciar sobre as questões que a 1ª instância considerou prejudicadas por ter julgado procedente a excepção da prescrição -, sustenta a mesma que se encontram juntos aos autos documentos que permitem concluir que o autor recebeu, pelo referido período, o montante total de €15.565,00 e não €14.700,00; que consubstanciando o acidente em apreço simultaneamente um acidente de viação e de trabalho, resulta dos elementos documentais que o autor recebeu da Fidelidade-Companhia de Seguros, S.A. (na qualidade de entidade seguradora de acidentes de trabalho), a título de indemnizações salariais, o montante de €15.543,15 (rec...os de indemnização juntos aos autos), que cobriam todo o período decorrido entre os dias 10/12/2005 e 30/11/2007, a título de despesas médicas, a quantia de €39.917,85, e a título de capital de remição, o montante total de €17.494,76; e que tendo o autor recebido o montante total de €31.108,15 (€15.565,00 + €15.543,15), mostra-se compensado pelas perdas de rendimentos decorrentes da incapacidade para o trabalho.
Sucede que a factualidade considerada provada em 1ª instância não foi impugnada nos moldes definidos no art. 640º do CPC, pelo que se tem por assente que o Autor recebeu da Segurança Social a quantia de €14.700,00.
Por outro lado, como nos dá nota o Ac. STJ de 04 de Dezembro de 2014 (relatado pela Cons. Maria dos Prazeres Beleza e acessível in www.dgsi.pt), o responsável civil (no caso a ré) não pode opor ao lesado a excepção peremptória do pagamento (total ou parcial) da indemnização no âmbito da responsabilidade laboral, por parte de um terceiro (outra seguradora).
É que a responsabilidade primacial e definitiva pelo ressarcimento dos danos decorrentes de acidente simultaneamente de viação e de trabalho é a que incide sobre o responsável civil, pelo que não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado - sendo antes indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido (traduzida, ou na dedução de oportuna intervenção principal na causa, ou no exercício do direito ao reembolso contra o próprio lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de acção de regresso em substituição do lesado) – cfr- Ac. STJ de 21 de Abril de 2016, relatado pelo Cons. António Silva Gonçalves, acessível in www.dgsi.pt
Deste modo, o autor tem direito a ser ressarcido da quantia de €1.875,00 [(22 meses x €750,00 + 3 dias x €25) - €14.700,00].

No que tange às despesas de saúde, apurou-se que o autor suportou despesas no montante de €892,50, assistindo-lhe o direito ao seu ressarcimento.
Sobre essas quantias incidem juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da propositura da acção (não vêm pedido juros de mora desde data anterior) até integral pagamento.

Quanto às alegadas despesas de vestuário, não se provaram, improcedendo o pedido formulado a esse nível pelo autor.

No que tange ao dano biológico:
O autor peticionou o pagamento pela ré seguradora da quantia de €20.000,00 a título de indemnização pelos danos físicos sofridos (incapacidade parcial permanente absoluta de 22,5%).
Prevê expressamente o n.º 2, do art. 564º, do C.C., a poss...ilidade de o tr...unal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
E são previsíveis desde que constituam uma derivação ou prolongamento inevitável, directo e certo, do dano já verificado, dependendo de vários factores como a idade e o tempo provável de vida da vítima, a flutuação do valor do dinheiro nesse período e a probabilidade de angariação de rendimentos por parte do lesado.
Nesta matéria o autor logrou provar que o acidente ocorreu dia 10/12/2005; que na ocasião tinha 58 anos de idade (este facto flui da diversa documentação junta aos autos e não foi impugnado); que após o período de incapacidade, retomou o seu trabalho habitual de motorista de táxi, embora, com esforços acrescidos; que em resultado directo do acidente, sentiu fortes e permanentes dores durante todo o período de convalescença, as quais ainda hoje permanecem, e permanecerão, para o resto da sua vida; e que ficou afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em cinco pontos.
Assim, o autor apresenta algumas limitações motoras que determinam incapacidade funcional parcial - actual designação para incapacidade permanente (vide Tabela anexa ao D.L. n.º 352/2007, de 23/10) -, quantificada em cinco pontos.
Ora, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» – cfr. Ac. STJ de 10 de Outubro de 2012, proc. n.º 632/2001.G1.S1, in www.dgsi.pt.
Como se exarou no acórdão do STJ, de 10/10/2012 (relatado pelo Cons. Lopes do Rego; acessível in www.dgsi.pt):
“… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às poss...ilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, (…) quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
E, no mesmo aresto, acrescenta-se que:
“Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal …”
A repercussão negativa da incapacidade funcional centra-se precisamente na diminuição da condição física e capacidade de esforços, por parte da lesada, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade – cfr. Ac. do STJ de 6-03-2007, proc. n.º 07A277, in www.dgsi.pt.
Esse dano tem vindo a ser enquadrado no leque dos danos patrimoniais - vide, entre outros, os Acs. do STJ, de 22-09-2005, relatado pelo Cons. Salvador da Costa, de 7-6-2011, relatado pelo Cons. Granja da Fonseca, e de 10/03/2016, relatado pelo Cons. Manuel Tomé Gomes, acessíveis in www.dgsi.pt.
A fixação da indemnização devida por esses danos apenas pode ser conseguida por via da equidade – art. 566º, n.º 3, do C. Civil.
A utilização de critérios de equidade não impede, porém, que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, a qual se alcança tendo em conta os valores fixados pelos tr...unais superiores para casos similares.
Haverá por isso que procurar uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (Acórdão do STJ de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt).
Nas palavras do acórdão do Supremo Tr...unal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tr...unais não podem nem devem contr...uir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previs...ilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição”.
Deverá assim atender-se ao que vem sendo decidido pelos tr...unais, em especial pelo STJ, em casos semelhantes, por força do estatuído no nº 3 do art. 8º do C.C.
Por outro lado, em sede de equidade, o tr...unal pode valorar dados que derivam do conhecimento geral, constituindo factos notórios – art. 412º do CPC.
Haverá por isso que ponderar que a esperança média de vida actual dos homens é de 77,4 anos – dados colhidos no site Pordata.
Consequentemente, por referência à data do acidente, o apelante tinha uma esperança média de vida de mais 19 anos.
Nessas circunstâncias e na linha dos padrões jurisprudenciais seguidos pelo STJ para situações do género (no Ac STJ de 16/06/2016, relatado pelo Cons. Manuel Tomé, fixou-se a indemnização no valor de €25.000,00, para uma mulher de 39 anos à data do acidente que ficou com uma incapacidade permanente geral de 6% - acessível in www.dgsi.pt), tem-se por ajustada a compensar o dito dano biológico uma indemnização no valor de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), reportado à presente data.
Tendo aquele montante sido calculado em função do valor da moeda na presente data, os juros de mora incidentes sobre aquela quantia devem contar-se apenas a partir da data deste acórdão.

Quanto aos danos não patrimoniais:
A este título peticiona o autor o pagamento de uma quantia não inferior a €200.000,00.
Vejamos.
A indemnização pelos danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, vol. I, 9ª ed., pág. 630.
Para a determinação da indemnização a atr...uir por danos não patrimoniais, o tr...unal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º).
No caso em apreciação apurou-se,
Apurou-se que:
- o autor nasceu a 15/01/1947;
-à data do acidente, ocorrido dia 10/12/2005, era saudável;
- em resultado do acidente, o A. ficou politraumatizado, tendo sido transportado para os serviços de urgência do Hospital de Santa Maria, e de seguida foi transferido para o Hospital Fernando da Fonseca (Hospital Amadora-­Sintra) onde permaneceu até ao dia 05 de Janeiro de 2006.
- Durante este período, sofreu angústias, dores, sofrimento, fobias, depressões e foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas: úmero; fémur, rotula, cabeça.
- O autor sofreu fracturas externas, e internas, um pouco por todo o corpo, amnésia, traumatismo facial, síndrome vertiginoso, traumatismo craniano;
- No dia 05 de Janeiro de 2006 o autor foi transferido para o Hospital Português Privado, hoje Hospital dos Lusíadas, onde permaneceu internado até 19 de Maio de 2006 (44º).
- Neste hospital foi ainda submetido a diversas intervenções cirúrgicas.
- No total, o A. foi submetido a 7 Intervenções cirúrgicas;
- Em consequência directa do acidente, o A. teve necessidade de ser submetido a inúmeras sessões e tratamentos de fisioterapia;
- O Autor sofreu dores violentas, após o acidente, e durante os tratamentos de fisioterapia a que teve de ser submetido.
- Esteve totalmente imposs...ilitado de exercer a sua actividade profissional entre 10.12.2005 e 13.9.2007 e 3.3.2008 e 25.5.2008.
- Em resultado directo do acidente, o A. sentiu fortes e permanentes dores durante todo o período de convalescença.
Desta factualidade decorre que o sofrimento foi bastante acentuado, envolvendo sete intervenções cirúrgicas e internamento hospitalar durante mais de cinco meses, fisioterapia, o que lhe causou dores violentas, angústia, fobias e depressão.
No caso analisado pelo STJ no acórdão de 19/02/2015, proferido no processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1 (acessível in www.dgsi..pt), considerou-se: «(…) adequada a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, tendo em atenção que: (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão; (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com velpeau; (iv) foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms vertical, na face anterior do punho; (ix) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7.»
Tendo em conta este quadro, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo ..., sem qualquer parcela de responsabilidade do autor, entende-se equitativo e ajustado ao caso fixar o montante indemnizatório pelo dano não patrimonial no montante de €30.000,00 (trinta mil euros), por referência à data do presente acórdão.
Sobre essa quantia incidem juros de mora desde a data do presente acórdão e até integral pagamento.
Procede, assim, em parte a apelação.

*
Sumário (da responsabilidade do relator):
1. A participação e o croquis de um acidente de viação constituem um meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação, devendo ser confrontados com a restante prova produzida.
2. O prazo de prescrição do direito não corre enquanto pender a acção penal, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do C. Civil,
3. interrupção esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou desfecho final) do processo crime.
3. Provando-se que o autor, pessoa de 58 anos de idade na data do acidente, em consequência deste foi sujeito a sete intervenções cirúrgicas, a internamento hospitalar durante mais de cinco meses e a fisioterapia, o que lhe causou dores violentas, angústia, fobias e depressão, e tendo em conta o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo cuja responsabilidade foi transferida para a ré seguradora, sem qualquer parcela de responsabilidade daquele, entende-se que o montante de €30.000,00 pelo ressarcimento do dano não patrimonial se configura equitativo e ajustado ao caso.
4. A afectação da pessoa do ponto de vista funcional na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial.
5. Apurando-se que, em consequência do acidente, o autor, após o período de incapacidade, retomou o seu trabalho habitual de motorista de táxi, embora, com esforços acrescidos; que em resultado directo do acidente, sentiu fortes e permanentes dores durante todo o período de convalescença, as quais ainda hoje permanecem, e permanecerão, para o resto da sua vida; e que ficou afectado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica quantificada em cinco pontos, afigura-se-nos que o valor indemnizatório de €17.500,00 se afigura equil...rado e ajustado àquele dano biológico.
***

VI. Decisão:
a. Pelo acima exposto, decide-se julgar a apelação procedente, e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente a excepção da prescrição do direito dos autores arguida pela ré na contestação.
b. E, em substituição do tr...unal recorrido, nos termos do art. 665º, n.º 2, do CPC, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
- condenar a ré a pagar à autora a quantia de €18.500,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a instauração da presente acção até integral pagamento;
- condenar a ré a pagar ao autor as quantias de:
- €2.767,50, acrescida dos juros de mora à taxa legal, actualmente de 4%, desde a instauração da presente acção até integral pagamento;
- €47.500,00, acrescida dos juros de mora à referida taxa legal, desde a data do presente acórdão até integral pagamento;
- absolver a ré do demais peticionado.
c. Custas devidas em ambas as instâncias pela apelante, pelo apelante e pela apelada na proporção de 35,30%, 46,30% e 18,40%, respectivamente.
d. Registe e notifique.

Lisboa, 6 de Junho de 2017

(Manuel Ribeiro Marques - Relator)

(Pedro Brighton - 1º Adjunto)

(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)