Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1128/14.5TBSXL.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
EFEITOS
RETROACTIVIDADE
TEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A faculdade prevista no artigo 1789º, nº 2 do Código Civil constitui um pedido meramente acessório do divórcio, dele estando totalmente dependente, que não carece de ser formulado por via de acção ou reconvenção, sendo perfeitamente tempestiva a apresentação do respectivo requerimento em momento anterior à data designada para a realização a audiência de julgamento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:



I – RELATÓRIO:


Intentou ES a presente acção especial de divórcio contra MS, pedindo que se decrete o divórcio entre A. e R., com fundamento na ruptura definitiva da vida conjugal e na separação de facto há mais de um ano.

Realizada a diligência de tentativa de conciliação, a mesma não se mostrou possível por o A. e a R. manterem o propósito de se divorciar, não tendo sido igualmente possível a convolação do divórcio para divórcio por mútuo consentimento em virtude de não terem sido conseguidos os acordos necessários.

A R. apresentou contestação, impugnando a essencialidade da factualidade alegada pelo A.

O A. apresentou réplica.

Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 85.

Veio a R. apresentar em 15 de Junho de 2015 requerimento através o qual pede a aplicação do disposto no nº 2 do artigo 1789º do Código Civil, fixando-se na sentença a data do início da separação de facto (cfr. fls. 90 a 91).

Na audiência que teve lugar em 17 de Junho de 2015, pelo MM.º Juiz foi concedido o uso da palavra ao mandatário do autor, a fim de se pronunciar quanto ao requerimento junto aos autos pela ré em 15 de Junho de 2015, tendo este dito que não concorda com o aditamento do novo pedido de fixação da data da separação, e alteração da causa de pedir.

Nessa sequência, foi proferido o seguinte despacho:

“ Efectivamente, nos termos do art.º 1789º, n.º2 do CC é possível fixar na sentença a data em que a separação tenha começado. Porém, entendemos que processualmente se trata de um novo pedido, e de uma alteração de uma causa de pedir, a qual na falta de acordo, não deverá ser admitida, nos termos do art.º 265º, n.º 1 al. a) do CPC, desde logo porque, legitimamente, a contraparte, na presente fase de julgamento, pode não ter arroladas as testemunhas ou requerido provas, para exercer um pleno contraditório. Por outro lado, obrigaria a regressar os autos à fase de saneamento, tudo razões pelas quais temos defendido que, na falta de acordo, não ser possível, nesta fase, aditar um novo pedido. Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Notifique “.

Procedeu-se à inquirição de testemunhas.

Foi proferida sentença que julgou a presente acção de divórcio procedente, decretando-se o divórcio entre ES e MS, declarando-se dissolvido o seu casamento (cfr. fls. 96 a 99).

Apresentou a R. recurso da decisão de indeferimento do requerimento apresentado em 15 de Junho de 2015, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls.  136).

Juntas as competentes alegações, a fls. 113 a 117, formulou a apelante as seguintes conclusões:

A) Por despacho proferido na audiência de discussão e julgamento do processo de divórcio, sub judice, foi indeferido o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio, para efeitos patrimoniais, à data em que tenha começado a separação dos cônjuges, com o fundamento de se tratar de um novo pedido e de uma nova causa de pedir;
B) Não estamos, porém, na presença de um novo pedido, nem de nova causa de pedir, antes se trata de um pedido autónomo, com fundamento legal autónomo;
C) Havendo, por isso, manifesto erro de julgamento;
D) Acresce ainda que o pedido formulado pela ora recorrente, ao abrigo do artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil, foi tempestivamente apresentado, como o poderia ser mesmo após trânsito em julgado da sentença;
E) Estando provada nos autos a data da separação de facto dos cônjuges, a sentença não podia deixar de deferir o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio a tal data;
F) O despacho recorrido, ao ter indeferido (ao abrigo de uma norma legal inaplicável) o pedido autónomo formulado no requerimento apresentado pela ré, violou a norma contida no artigo 1789.º, n.º 2, do Código Civil, padecendo, por isso, de erro na determinação da norma aplicável;
G) E a sentença recorrida, ao ter omitido a declaração de retroacção dos efeitos do divórcio à data – nela fixada – em que a separação começou, é nula, por omissão de pronúncia [artigos 608.º e 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil].
H) Pelo que, deve o despacho recorrido ser revogado e, consequentemente, deve a sentença proferida, apenas na parte em que não decretou a retroacção dos efeitos do divórcio à data – nela fixada (25 de Dezembro de 2012) – em que a separação começou, ser revogada (ou, se assim se entender, anulada), devendo, em qualquer caso, decretar-se a retroacção dos efeitos do divórcio, nos termos requeridos.

Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso, deverão ser revogados o despacho recorrido e a sentença proferida, esta última apenas na parte em que não decretou a retroacção dos efeitos do divórcio à data em que a separação começou; e deverá, de qualquer modo, decretar-se a retroacção dos efeitos do divórcio, para efeitos patrimoniais, ao Natal de 2012, ou seja, ao dia 25 de Dezembro de 2012, data em que a referida sentença fixou o começo da separação dos cônjuges.

Contra-alegou o apelado, pugnando pela improcedência da apelação e pela manutenção da decisão recorrida.

II – FACTOS PROVADOS.

Os indicados no RELATÓRIO supra e ainda que foi dado como provado que:

Desde data não concretamente apurada, mas não posterior ao dia de Natal do ano de 2012, que Autor e Ré não vivem na mesma casa, não partilham a mesma cama e a mesma mesa, fazendo vidas separadas.
Desde, pelo menos essa data, que autor e ré não pretendem reatar a relação afectiva entre ambos.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

É a seguinte a única questão jurídica que importa dilucidar:

Momento processual até ao qual pode qualquer das partes, em processo de divórcio, requerer a aplicação do disposto no artigo 1789º, nº 2 do Código Civil.

Passemos à sua análise:

A apreciação da questão jurídica em causa reveste elementar simplicidade.

Tendo a Ré reconvinte apresentado, dois dias antes da data da audiência de julgamento, requerimento pugnando pela aplicação do disposto no artigo 1789º, nº 2 do Código Civil (retroacção dos efeitos do divórcio à data em que a separação dos cônjuges tenha começado), é obviamente tempestiva tal pretensão.

Trata-se aqui, apenas e só, da possibilidade de requerer a aplicação de um dos efeitos patrimoniais associados ao divórcio fundado em separação de facto entre os cônjuges, cuja faculdade se encontra expressamente prevista no regime jurídico respectivo.
A lei não prevê, nem pressupõe, que tal pretensão tenha que constar dos articulados ou de sujeitar-se à regra prevista no artigo art.º 265º, n.º 1 do CPC.

A previsão da norma apenas faz depender o dito efeito de retroacção da condicionante “se a separação de facto estiver provada no processo”.

Nada mais.

Não se estabelece que o exercício dessa faculdade legal tenha que revestir a forma de um pedido principal (artigo 552º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Civil) ou obedecer ao respectivo rito processual.

Trata-se, conforme se assinala no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de Janeiro de 2002 (relatora Fernanda Isabel), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII, Tomo I, pags. 97 a 98, de um pedido meramente acessório do divórcio, dele estando totalmente dependente, que não carece de ser formulado por via de acção ou reconvenção.

É absolutamente uniforme a doutrina e a jurisprudência no sentido de considerar que tal requerimento pode ser apresentado, pelo menos, até ao encerramento da discussão da matéria de facto.

Vide, entre outros, sobre este ponto:

- Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in “ Curso de Direito da Família “ Volume I, pag. 669, nota 127ª,
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2004 ( relator Moreira Camilo ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, Tomo III, pags. 65 a 67, onde se refere que “ tal pedido deverá ser formulado no processo até à prolação da sentença “.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2006 ( relator Fernandes Magalhães ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, Tomo III, pags. 176 a 177, onde se refere que “ é indispensável que o requerimento do cônjuge tenha de ser necessariamente, formulado no processo de divórcio antes da prolação da sentença“.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 2006 ( relator Alves Velho ), publicado in www.dgsi.pt, onde se refere “ ser necessário que o requerimento com a pretensão em causa seja formulado no processo de divórcio antes da prolação da respectiva sentença, desde a petição inicial até ao encerramento da discussão, com a produção das alegações”.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2011 ( relator Granja da Fonseca ), publicado in www.dgsi.pt, que considerou que tal requerimento deverá ser apresentado até à sentença.
- acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Abril de 2004 ( relator Pinto de Almeida ), publicitado in www.jusnet.pt., no mesmo sentido do anterior.
- acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Abril de 2006 ( relator Coelho de Matos ), publicitado in www.jusnet.pt., onde se considerou que tal pretensão pode ser apresentada mesmo depois do trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio.
- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Setembro de 2010 ( relator Ilídio Martins ), publicitado in www.jusnet.pt., onde se considerou que o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio à data da cessação da coabitação teria que ser formulado antes da prolação da respectiva sentença, ficando apenas precludido com a sentença de divórcio. 
- acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Outubro de 2013 ( relatora Ana Cristina Duarte ), publicitado in www.jusnet.pt., onde se considerou que o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio à data da cessação da coabitação teria que ser formulado após a prolação da respectiva sentença, não sendo formulado antes.

A apelação procede, naturalmente, fixando-se, para efeitos do disposto no artigo 1789º, nº 2 do Código Civil, o dia 25 de Dezembro de 2012 – em estreita conformidade com os factos dados como provados nestes autos.

O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.

IV - DECISÃO:
 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e  – em conformidade com os factos dados provados em 1ª instância -  fixar o dia 25 de Dezembro de 2012 como data da cessação da coabitação entre os cônjuges, nos termos e para os efeitos do artigo 1789º, nº 2 do Código Civil.
Custas pelo apelado.


Lisboa, 10 Novembro de 2015


(Luís Espírito Santo).
(Gouveia Barros).
(Conceição Saavedra).