Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
167/25.5YLPRT.L1-7
Relator: ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
TAXA DE JUSTIÇA
FALTA DE PAGAMENTO
PRECLUSÃO DO DIREITO DE DEFESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sumário:
No PED, a consequência prevista no art. 15.º-F n.º7 do NRAU não deve ser interpretada como sendo de funcionamento automático, antes devendo ser previamente aplicado o disposto no art. 570.º n.º3 a 5 do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
D... apresentou, em 24/1/2025, junto do BAS, requerimento de despejo, no âmbito de PED, contra C..., indicando, como fundamento do despejo, «resolução pelo senhorio (nos termos do n.º3 do art. 1083.º do Código Civil)». Juntou, além do mais, contrato intitulado de «arrendamento» (celebrado entre o anterior proprietário do imóvel e a requerida), datado de 17/6/2003, bem como notificação judicial avulsa, efectuada à requerida em 30/4/2022, mediante a qual lhe foi dado conhecimento de que o requerente considerava resolvido o contrato de arrendamento, devendo a requerida entregar o local arrendado ao requerente, devoluto de pessoas e bens, e encontrando-se em dívida as rendas vencidas no valor total de € 2.300,00.
A requerida foi notificada em 31/1/2025[1], tendo apresentado, em 17/2/2025, em suporte de papel, oposição, a qual fez acompanhar de documento comprovativo da apresentação, junto dos serviços de SS, de pedido de protecção jurídica, na modalidade de «dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo».
Em 10/3/2025, o BAS enviou notificação a requerente e requerido, informando-os de que, face à dedução de oposição, o PED iria ser enviado ao Tribunal, para distribuição, tendo, na mesma data, sido enviada cópia da oposição ao requerente.
Em 19/3/2025, a requerida juntou ao processo a mesma oposição, desta feita por via electrónica, mas agora sem que fosse junto documento comprovativo de pagamento de taxa de justiça ou de apresentação de pedido de apoio judiciário.
Em 31/3/2025, o Instituto da Segurança Social, I.P., juntou ao processo informação segundo a qual C... foi notificada, em audiência prévia, de que apenas tinha direito às modalidades de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tendo sido informada de que, na falta de resposta, o requerimento iria ser indeferido, pelo que, não tendo existido resposta em tempo útil, o pedido foi automaticamente considerado indeferido pelo sistema informático em 26/3/2025. Indicou ainda o Instituto da Segurança Social, I.P., que o pedido de protecção jurídica foi submetido pela requerente na plataforma «SS Direta» (SSD), tendo aquela seleccionado, aquando da submissão, que as notificações ocorreriam unicamente através da caixa de mensagens da SSD.
Em 24/4/2025, foi proferida a seguinte decisão:
«Ofício da Segurança Social que antecede:
Dê conhecimento às partes.
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De acordo com o nº5 do art. 15º-F do NRAU, o requerido pode opor-se ao requerimento de despejo, devendo, para esse efeito, juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, salvo nos casos de apoio judiciário.
No seu articulado de defesa, a requerida não juntou qualquer comprovativo de pagamento, nem comprovou ser beneficiária de apoio judiciário.
De acordo com o nº6 da citada norma legal, “não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”.
Ante ao citado normativo, tem-se a oposição apresentada nos autos como não deduzida.
Notifique.
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D... apresentou requerimento de despejo no Balcão do Arrendatário e do Senhorio contra C..., para desocupação do locado sito na R. … Cascais.
A oposição apresentada considerou-se como não deduzida.
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De acordo com alínea b) do nº1 do art. 15º-EA, os autos devem ser conclusos ao Juiz para efeitos de prolação de decisão judicial para entrada imediata no domicílio nos casos em que a oposição se tiver por não deduzida.
Verificando-se a previsão da referida norma legal, e mostrando-se observados os formalismos legais na tramitação desenvolvida pelo BAS, ao abrigo do citado art. 15º-EA, n.º 1,
al. b) e dos artigos 15º-J n.ºs 3 e 4 do NRAU e 757º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil, autoriza-se a entrada imediata no imóvel sito na R. …Cascais, para efeitos de investimento do Requerente na posse do imóvel.
Sendo o caso, o Agente de Execução/Notário deverá observar o disposto no art. 15º, nº3 do Decreto-Lei nº1/2013, de 07.01.
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Custas pela Requerida (artigo 527º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil).
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Valor da causa - € 3000,00 (art. 26º do Decreto-Lei 1/2013, de 07/01).
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Registe, notifique e comunique (cf. art. 15.º-EA, nº5 do NRAU)».
No mesmo dia 24/4/2025, a requerida veio alegar que, em 17/2/2025, remeteu a oposição por correio (electrónico e também em suporte de papel), porque a sua i. mandatária não tinha acesso ao portal CITIUS.
Não se conformando a decisão proferida pelo tribunal em 24/4/2025, supra transcrita, dela apelou a requerida, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1ª Em 17/02/2025 a Apelante apresentou oposição a procedimento especial de despejo.
2ª Em 24/04/2025 a Apelante foi surpreendida pela sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu, sem contraditório prévio, não considerar como deduzida a oposição apresentada, por falta de pagamento da taxa de justiça.
3ª A decisão que se pronuncia no sentido da consideração da oposição apresentada pela ora Apelante como não deduzida, não pode manter-se.
4ª A decisão proferida não aplica corretamente e viola o disposto n.º 3 do artigo 145.º e n.º 3 do artigo 570.º, ambos do Código de Processo Civil.
5ª Decorre do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e dos demais princípios estruturantes do processo civil, a verificação da oportunidade à parte em questão para proceder à junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
6ª Cabe ao Juiz assegurar ao longo do processo o princípio do contraditório.
7ª Não é lícito, sem qualquer justificação para tal, decidir questões desta natureza, relacionadas com um direito constitucionalmente imposto, sem que a Apelada tenha possibilidade de se pronunciar.
8ª As consequências estabelecidas no n.º 3 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, para a falta de junção do documento comprovativo de pagamento de taxa de justiça, mediante aplicação dos artigos 570.º e 642.º, também do Código de Processo Civil, foram manifestamente ignoradas pelo Tribunal a quo.
9ª O Tribunal a quo não adotou a sua conduta de acordo com dever de gestão processual consagrado no artigo 6.º do Código de Processo Civil.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento.
Nestes termos e nos melhores de direito, V. Excelências revogando a sentença proferida farão a tão curial JUSTIÇA!».
O recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e defendendo que a oposição não pode sequer considerar-se tempestiva, porquanto a de 17/2/2025 foi remetida por via que não a electrónica, sem que estivessem preenchidos os pressupostos do justo impedimento, encontrando-se a de 14/3/2025 fora de prazo.
QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões formuladas pela recorrente nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3.º n.º3 e 5.º n.º3 do Código de Processo Civil). Note-se que «as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa». Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer da matéria constante das conclusões que não tenha correspondência nas alegações [as conclusões têm de ser uma síntese das alegações], nem de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso  [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022 – 7.ª ed., págs. 134 a 142].
Nessa conformidade, por se tratar de questão não invocada nas alegações e que não é de conhecimento oficioso, não se conhecerá violação do princípio do contraditório, na vertente da decisão surpresa, a que aludem as conclusões n.º 2, 6 e 7. Por outro lado, também não se conhecerá da intempestividade da oposição e da insusceptibilidade da sua apresentação em suporte de papel, invocadas nas contra-alegações,  já que se trata de nulidades que teriam de ter sido (e não foram) invocadas pelo requerente no prazo de 10 dias após o conhecimento, pelo mesmo requerente, do teor da notificação que o BAS lhe enviou em 10/3/2025, com cópia da oposição deduzida (cfr. arts. 149.º n.º1, 196.º e 199.º n.º1 do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, é apenas a seguinte a questão que cabe apreciar:
- Se a requerida deveria, ou não, ter sido notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Relevam para a decisão as ocorrências fáctico-processuais supra transcritas no relatório, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
MÉRITO DO RECURSO
Pelo PED pretendia o requerente, aqui recorrido, a entrega de imóvel que havia sido arrendado à requerida, ora recorrente, fundando a sua pretensão na cessação, por resolução, do respectivo contrato de arrendamento para habitação.
A requerida deduziu a sua oposição, fazendo-a acompanhar de documento comprovativo da apresentação de pedido de protecção jurídica, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e encargos.
De acordo com o art. 15.º-F n.º5 do NRAU, «com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida», sendo certo que o n.º7, da mesma norma prevê que quando for requerido apoio judiciário para dispensa de pagamento das taxas e demais encargos, «a oposição tem-se (…) por não deduzida quando o requerido não efectuar o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário».
No caso dos autos, a requerida apresentou aquele pedido de apoio judiciário, que veio a ser objecto de audiência prévia, à qual a mesma nada respondeu, tendo o Instituto da Segurança Social, I.P., feito constar da notificação que efectuou, com vista à audiência prévia, que, na falta de resposta, o requerimento iria ser indeferido. Assim, não tendo existido resposta, o pedido foi considerado indeferido em 26/3/2025, não sendo necessária nova notificação, tal como previsto no art. 23.º n.º2 e 3 da L 34/2004 de 29-7.
Não cabia, pois, ao tribunal informar a requerida do indeferimento do pedido de apoio judiciário, uma vez que a mesma havia já sido notificada de tal indeferimento, em conformidade com o citado art. 23.º n.º2 e 3.
Face ao indeferimento, e como condição de admissibilidade da oposição, estava a requerida obrigada a, em cinco dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida - cfr. o  já citado art. 15.º-F n.º7 do NRAU.
Não tendo a requerida efectuado tal pagamento no prazo estabelecido naquela norma, o tribunal a quo, numa interpretação literal da mesma [embora tenha aplicado o n.º5, em vez de, como cabia, aplicar o n.º7], considerou a oposição não deduzida e, em consequência, autorizou a entrada imediata no imóvel, para efeitos de investimento do requerente na sua posse.
A solução seguida pela 1.ª instância vai no mesmo sentido de alguma jurisprudência, aliás citada pelo recorrido nas suas contra-alegações[2], que usa, essencialmente, o argumento relativo à literalidade da norma e, ainda, o de que, não sendo uma acção, mas sim um procedimento célere, o PED não é compatível com a aplicação do disposto no art. 570.º do Código de Processo Civil.
No entanto, se é certo que o PED é, por definição, um procedimento especial, simplificado e expedito[3], é também certo que a celeridade processual não é um valor absoluto e, tal como se assinala no Ac. RE de 11/4/2024[4], «o carácter urgente e especial do PED não impede que se apreciem os pressupostos processuais de que depende o conhecimento do mérito do procedimento; nem impede que, perante qualquer questão, nulidade ou excepção dilatória susceptível de sanação se imponha ao Juiz que providencie pela regularização dos autos» [cfr. art. 15.º-H n.º3 e 4 do NRAU e art. 6.º n.º2 do Código de Processo Civil]. «Não só este dever se impõe por óbvias exigências de prevalência de justiça material sobre a formal no caso concreto, como se impõe pela aplicação do princípio da igualdade das partes, pois há que não esquecer que no art.º 15.º-C do NRAU, que dispõe sobre os fundamentos da recusa do requerimento inicial - entre os quais se conta a alínea d) do n.º 1: “Não estiver indicada a modalidade de apoio judiciário requerida ou concedida, bem como se não estiver junto o documento comprovativo do pedido ou da concessão do benefício do apoio judiciário; (…)” – se confere, como resulta do seu n.º 2, a possibilidade ao requerente de “Nos casos em que haja recusa, o requerente pode apresentar outro requerimento no prazo de 10 dias subsequentes à notificação daquela, considerando-se o procedimento iniciado na data em que teve lugar o pagamento da taxa devida pela apresentação do primeiro requerimento ou a junção do documento comprovativo do pedido ou da concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo.”».
Ademais, tal como referido no mesmo Ac. RE e ainda nos RL de 20/6/2024[5] e RL de 10/10/2024[6], a interpretação do art. 15.º-F n.º5 e 7 do NRAU não pode desligar-se da Constituição da República Portuguesa e da jurisprudência constitucional, nem mesmo (acrescentamos nós) da CEDH e da jurisprudência do TEDH.
Prevê o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa que:
«(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos».
Por seu turno, o art. 6.º n.º1 da CEDH prevê que:
«Direito a um processo equitativo
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça».
Quanto ao art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, como se refere no Ac. RL de 20/11/2012[7], «deste quadro normativo decorrem como princípios constitucionais basilares do ordenamento processual civil:
a) – o princípio do direito à jurisdição;
b) - o princípio da tutela jurisdicional efectiva;
c) – o princípio da duração razoável e útil do processo;
d) – o princípio do processo equitativo.
Por sua vez, tais princípios postulam, em sede do direito de acção civil, os princípios estruturantes do processo, como são, além das garantias de independência do tribunal e da imparcialidade do juiz (art.º 203.º da CRP), os princípios do dispositivo e do contraditório, bem como o princípio da igualdade substancial das partes, genericamente acolhidos nos artigos 3.º e 3.º-A do Código de Processo Civil»
Relativamente ao art. 6.º do TEDH, o mesmo «é uma omnibus provision que além de consagrar uma miríade de direitos basilares é igualmente uma condição necessária de um Estado de Direito. O direito a um processo equitativo é, pois, também um dos pilares fundamentais do Direito Internacional e visa proteger os indivíduos contra tratamentos arbitrários. (…) Desde cedo, o Tribunal de Estrasburgo associou o “direito a um processo equitativo” ao primado do Direito e à sua efetividade, tal como resultam plasmadas no preâmbulo da Convenção [Cfr. o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) Golder v. Reino Unido de 21.02.1975, pesquisável em http://www.echr.coe.int.]. Em primeiro lugar e em regra, o direito ao processo equitativo e a averiguação da sua violação deverão efetuar-se segundo uma análise casuística, que atenda às particularidades do processo em causa. Nesta sede, dever-se-á perspetivar o processo como um todo, no seu conjunto [10. Acórdão do TEDH Pélissier e Sassi v. França de 25.03.1999, par. 46, pesquisável em http://www.echr.coe.int.]. Ainda que a garantia de um processo equitativo perpasse os planos civil e penal, o Tribunal tem entendido que a margem de livre apreciação dos Estados Contratantes deverá ser menos ampla no âmbito do processo penal, em virtude da legalidade estrita própria deste tipo de processo [11. Acórdão do TEDH Tavirlau v. Roménia de 02.02.2016, pars. 37-41, pesquisável em http://www.echr.coe.int.]. (…) Como a própria denominação indica, o processo equitativo será aquele que possibilita a ambas as partes processuais idênticas condições ou mecanismos para tutelarem as suas posições jurídicas e interesses legalmente protegidos [17. Cfr. os Acórdãos do TEDH Dombo Beheer B. V.de 27.10.1993, par. 33, e Salov de 06.09.2005, par. 87, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int]. Neste domínio, assumem pois especial relevância: (i) o princípio da igualdade de armas; (ii) e o princípio do contraditório. Ambos os princípios estão mutuamente conexionados. Com efeito, de acordo com o princípio da égalité des armes, as partes deverão possuir iguais possibilidades de juntar testemunhas e peritos, e de acesso ao processo. Este princípio foi, pela primeira vez, mencionado no Acórdão Neumeister v. Áustria [Acórdão do TEDH de 20.11.1989, pesquisável em http://www.echr.coe.int.]. Por sua vez, o princípio do contraditório garante que cada uma das partes possa apresentar a sua prova e a sua argumentação jurídica, assim como lhe seja asseverada a possibilidade de refutar as razões de facto e de direito que tenham sido aduzidas pela outra parte processual[8]».
Precisamente na vertente do direito a um processo equitativo, enquanto corolário do direito à tutela efectiva, o Tribunal Constitucional concluiu, no seu Ac. n.º760/2013[9], citando o Ac. n.º434/2011, em termos aplicáveis aos presentes autos, que: «O princípio da equitatividade é expressamente referido no n.º 4 do artigo 20.º da Lei Fundamental [e] É densificado por vários subprincípios, entre os quais se conta o direito de defesa e direito ao contraditório, traduzido na possibilidade de cada uma das partes apresentar a sua versão e os seus argumentos, de facto e de direito, oferecer provas e pronunciar-se sobre os argumentos e material probatório carreado pela parte contrária, antes da prolação da decisão sobre o litígio. Corresponde, pois, tal direito a uma garantia de equilíbrio e de igualdade de armas entre os litigantes, que veem constitucionalmente assegurada a possibilidade de exercerem influência efetiva no desenvolvimento do processo, que se pretende que conduza a uma decisão materialmente justa do litígio.
(…) Não obstante a ampla liberdade reconhecida ao legislador, no âmbito da definição da tramitação processual, é inegável que a garantia do contraditório, de que decorre a proibição da indefesa, constitui um limite vinculativo incontornável.
Desde logo, e no segmento que aqui nos interessa, as cominações e preclusões, associadas ao incumprimento de determinado ónus processual, não podem revelar-se funcionalmente desajustadas.
O princípio do contraditório, como componente do direito a um processo equitativo, terá de manter a sua função operante num conteúdo mínimo, seja qual for a estrutura processual em que se desenhe o acesso à tutela judiciária.
Apesar de se reconhecer a importância de uma estrutura processual deliberadamente simplificada e célere, vocacionada para os objetivos de política legislativa (…) é imperioso garantir que o bem jurídico celeridade não comprometa, de forma desproporcional, o princípio do contraditório, sob pena de violação incomportável do acesso à tutela jurisdicional efetiva.
A propósito do equilíbrio necessário entre a celeridade processual e a justiça da decisão, em termos transponíveis para a presente situação, refere C. Lopes do Rego:
“As exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adoção de “mecanismos que desencorajem as partes de adotar comportamentos capazes de conduzir ao protelamento indevido do processo”, sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere – mas também justa, adequada e ponderada” (in “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 855).
Do exposto resulta que uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflita considerável grau de negligência – não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitetura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.
Transpondo as considerações expendidas para a interpretação normativa em apreciação, teremos de concluir que associar ao incumprimento de um ónus processual, relativo ao pagamento de custas, a consequência, imediata e irreversível, de desentranhamento da contestação – impossibilitando a consideração das razões de facto e de direito, excetuando as de conhecimento oficioso, aduzidas em tal peça processual – é manifestamente desproporcional, por acarretar o gravoso e inevitável resultado de impossibilitar a parte incumpridora de fazer valer a sua posição no litígio, em termos determinantes para o desfecho ou dirimição definitiva dos direitos ou interesses controvertidos. Existe, de forma ostensiva, uma restrição inconstitucionalmente intolerável do direito de contraditório, não se assegurando o tratamento equitativo das partes, nem a efetividade da tutela jurisdicional».
Ainda no Ac. Tribunal Constitucional n.º760/2013, de forma igualmente transponível para o caso dos autos, assinala-se a diversidade de consequências, para o requerente e para o requerido, do não pagamento da taxa de justiça: enquanto o requerente não fica inibido de intentar novo procedimento, fazendo valer o seu direito, o requerido vê definitivamente precludido o seu direito de defesa, com a não consideração da oposição e consequente procedência da acção. «Tal interpretação (…) conduz, de facto, a um desproporcionado comprometimento do núcleo essencial do princípio do contraditório, como dimensão constitutiva crucial de um due process of law». Concluiu aquele acórdão ser inconstitucional a interpretação de uma norma (no caso, o art. 20.º do DL 269/98, na redacção do DL 34/2008) segundo a qual a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça pelo réu acarretaria o imediato desentranhamento da pela processual de defesa, «por tal interpretação comportar restrição desproporcional do princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP».
Conclui-se, assim, em conformidade com o raciocínio exposto, que a imediata desconsideração da oposição, face ao não pagamento da taxa de justiça devida, dentro do prazo de 5 dias subsequente à notificação do indeferimento do pedido de apoio judiciário, violaria o direito à tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo, razão pela qual se impõe uma interpretação do art. 15.º-F n.º7 do NRAU conforme à Constituição, com prevalência do mérito sobre a forma, no sentido de ser dada à requerida a oportunidade de comprovar o pagamento omitido nas condições previstas no art. 570.º n.º3 a 5 do Código de Processo Civil.
Nessa medida, procede o recurso. 

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que ordena a notificação da requerida para os termos do art. 570.º n.3 e 4 do Código de Processo Civil.
Custas pelo apelado – arts. 527.º do Código de Processo Civil e 6.º n.º2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 23 de setembro de 2025
Alexandra de Castro Rocha
Cristina Silva Maximiano
Edgar Taborda Lopes
____________________________________________
[1] Cfr. ref.ª CITIUS 156341787 e 156341790, de 27/1/2025 e 17/2/2025.
[2] Dos acórdãos citados - Ac. RC de 12/9/2017, proc. 686/16, RL de 1/4/2014, proc. 2095/13, RG de 29/2/2024, proc. 79/23, RL de 9/5/2024, proc. 2339/23 - apenas o primeiro se reporta à falta de pagamento da taxa de justiça (embora em caso não totalmente coincidente com o dos presentes autos), já que os outros dizem respeito à questão diversa da falta de pagamento da caução.
[3] Cfr. o Preâmbulo do DL 1/2013 de 7-1, onde se refere que o procedimento especial de despejo do local arrendado visa a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento, tornando o arrendamento um contrato mais seguro e com mecanismos que permitam reagir com eficácia ao incumprimento, permitindo que a desocupação do imóvel seja realizada de forma célere e eficaz no caso de incumprimento do contrato por parte do arrendatário.
[4]Proc. 2240/23, disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/fe4edaad8c8e81ba80258b1e004f8f05?OpenDocument
[5]Proc. n.º8624/24, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9a7c846384060aee80258b4e00684afc?OpenDocument
[6]Proc. n.º283/24, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/09612da3cf5cbd8180258bc0003a49c2?OpenDocument
[7]Proc. 49/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/8692B00672824C8D80257B0F00564988 .
[8] Cfr. Manuel Afonso Vaz e Catarina Santos Botelho, Algumas reflexões sobre o artigo 6.º da convenção europeia dos direitos do homem - Direito a um processo equitativo e a uma decisão num prazo razoável, in Revista Eletrónica de Direito Público, Vol. 3, n.º1, Abril 2016, págs. 234 e ss., artigo disponível em www.e-publica.pt
[9]Disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130760.html