Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
49/11.8TVLSB-B.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: LIMITE MÁXIMO DE TESTEMUNHAS
COLIGAÇÃO ACTIVA
DIREITO À PROVA
DIREITO AO ACESSO À JURISDIÇÃO
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
DURAÇÃO RAZOÁVEL E UTIL DO PROCESSO
PROCESSO EQUITATIVO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A interpretação declarativa do artigo 632.º, n.º 1, do CPC, apoiada nos factores históricos da emergência deste normativo, bem como na unidade sistemática e na própria «ratio legis», não pode deixar de ser no sentido de que o limite geral do número de testemunhas ali estabelecido se aplica às situações de coligação activa inicial, não carecendo aquele preceito de qualquer interpretação restritiva ou mesmo derrogante.
2. Sendo tal limite assumido como um imperativo de celeridade processual no âmbito do processo declarativo ordinário, seja em caso de acção singular seja em caso de acumulação de acções, não se pode concluir que ele seja desproporcionado para este último caso, já que a coligação não é, em regra, obrigatória, assistindo às partes a faculdade de optar pela propositura de acções em separado se pretenderem porventura usar de garantias mais alargadas.
3. Nem tal imperativo se mostra sequer discriminatório em relação ao regime diferenciado da apensação, dadas as diferentes condições em que as partes, numa e noutra situação, estabelecem a sua estratégia processual e definem os termos do litígio.
4. É no equilíbrio e razoabilidade da regulação do direito à prova que se conciliam os princípios do direito ao acesso à jurisdição, da tutela jurisdicional efectiva, da duração razoável e útil do processo e do processo equitativo consagrados no artigo 20.º, n.º 1, 4 e 5 da CRP.
5. No nosso regime processual, procurou-se um equilíbrio entre a esfera do dispositivo das partes e o inquisitório do tribunal, em que àquelas é conferido o direito de propor testemunhas até determinado limite e de as inquirir, em primeira linha, também com limitação a cada um dos factos controvertidos, deixando-se ao tribunal um papel subsidiário no plano da inquirição, sem tais limitações, nos termos dos artigos 265.º, n.º 3, 638.º, n.º 3, parte final, 645.º e 653.º, n.º 1, parte final, do CPC.
6. O limite geral do número de testemunhas estabelecido no n.º 1 do artigo 632.º do CPC, ditado por razões ponderosas de economia processual, mesmo nos casos de coligação activa, inscrevendo-se no quadro desse equilíbrio, sem prejuízo da faculdade da parte lançar mão de acção autónoma, não viola os princípios do direito ao acesso à jurisdição, da tutela jurisdicional efectiva, da duração razoável e útil do processo e do processo equitativo proclamados no artigo 20.º, n.º 1, 4 e 5, da Constituição.
7. O tratamento equiparado entre o autor singular e os coligados justifica-se fundamentalmente pela afinidade do objecto das acções coligadas e pela possibilidade dos autores concertarem uma estratégia processual e uma definição conjunta das suas pretensões, com ganhos de economia processual e de eficiência no julgamento, sem prejuízo, porém, de poderem lançar mão de acções separadas quando pretendam beneficiar de garantias processuais mais alargadas. Por seu turno, o tratamento diferenciado entre a coligação e a apensação de acções, justifica-se pela diversidade de condições em que foram deduzidas as pretensões das causas já propostas e que não permite a concertação, pelo menos por banda da parte contra quem a apensação seja requerida.
8. O mecanismo previsto no artigo 265.º-A do CPC tem em vista a adequação da tramitação processual, o que não autoriza o desvio dos requisitos da admissibilidade da prova, mormente por via do seu alargamento a uma das partes, exorbitando o equilíbrio mantido no exercício do direito à prova.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

            I – Relatório

1. No âmbito de acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, instaurada por 25 sociedades comerciais e empresas comerciais na titularidade de pessoas singulares, entre as quais as sociedades JL, Ld.ª (20.ª A.), DL – Distribuição de …, Ld.ª (6.ª A) e 3L – Companhia de Distribuição de …, S.A. (21.ª A) contra a TAB – EIT, S.A. (1.ª R.) e TAB II, S.A. (2.ª R.), alegando em resumo, que:
- As A.A., no exercício da sua actividade de armazenagem e distribuição, compram por grosso às R.R. produtos de tabaco, por estas produzidos e comercializados, para revenda a clientes seus retalhistas, há já longos anos, com base em contratos de concessão comercial, de início individualmente celebrados;
- Porém, desde 1992, a TAB passou a pretender alterar as condições de exercício da actividade de distribuição por meio de cláusulas gerais que designou por “Condições Gerais” e, desde 2002, tem procurado descaracterizar os referidos contratos de concessão, não só para se furtar às vinculações em matéria de cessação contratual, mas também para conseguir, de forma unilateral, modificações contratuais de modo a que os únicos contratos que celebra com os distribuidores sejam tidos como contratos múltiplos de compra e venda de produção sucessiva;
- Tais condições gerais, surgidas desde 1992, com versões em 1997, 2002, 2005 e 2006, passaram, após a cisão ocorrida na TAB, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2008, a ser parcialmente assumidas e comunicadas pela 2.ª R.;
- Um variado conjunto de cláusulas das ditas “Condições Gerais”, presentes e passadas, são legalmente inadmissíveis e consequentemente nulas, já que configuram práticas restritivas da concorrência, na sequência da posição de domínio no mercado nacional de cigarros de produção fabril e da exploração abusiva da dependência económica das A.A. perante as R.R., enquanto que outras contrariam o regime vigente em matéria de cláusulas contratuais gerais constantes do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25-10;
- No que respeita à A. JL, Ld.ª, ora apelante, a aplicação dos factores de correcção indicados nos artigos 318.º a 332.º da petição inicial, atenta a facturação da TAB constante dos documentos n.º 105 a 109 juntos com aquele articulado, por força da imposição ilícita das alterações contratuais acima referidas, implicou que a mesma A. deixasse de receber o montante de € 306.321,33.            
Concluem as A.A. por pedidos múltiplos, em via principal e subsidiária, de declaração de ineficácia, anulação e declaração de nulidade de várias dessas cláusulas gerais, bem como pedidos específicos de condenação solidária das R.R. a entregaram determinadas quantias pecuniárias a A.A. individualmente considerados, designadamente aos acima identificados, em que se destaca o pedido de condenação das R.R. a pagar à A. JL, Ld.ª, ora apelante, a quantia € 306.321,33, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efectivo pagamento.  
2. Proferido despacho saneador a julgar procedente a excepção de ilegitimidade de uma das A.A., foi seleccionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória, na qual foram incluídos sob os artigos 190.º a 195.º factos controvertidos exclusivamente respeitantes à A. JL, Ld.ª, ora apelante.   
3. Fixada que foi a base instrutória, as A.A. identificados a fls. 355 apresentaram, primeiramente, um rol conjunto de 20 testemunhas (fls. 355 a 357), enquanto que as A.A. JL, Ld.ª (20.ª A.), DL – Distribuição …, Ld.ª (6.ª A) e 3L – Companhia de Distribuição …, S.A. (21.ª A) ofereceram, em seguida, também um rol conjunto de outras 21 testemunhas (fls. 365 a 367), invocando, em síntese, que:
   - o presente processo compreende uma acumulação de 25 acções, em regime de coligação activa, ao abrigo do artigo 30.º do CPC, cujo único motivo é o de economia processual;
   - os A.A. não podem, por essa razão, ficar diminuídos nas suas garantias processuais, nomeadamente através da limitação do número de testemunhas prescrita no artigo 632.º, n.º 1 do CPC, sob pena violação do seu direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efectiva, proclamado no artigo 20.º da Constituição da República;
   - a interpretação do citado artigo 632.º, n.º 1, para ser consentânea com aquela garantia constitucional, deve ser feita no sentido de considerar o sobredito limite respeitante a cada um dos autores coligados que não ao seu conjunto;
   - para tal conciliação, o tribunal poderá lançar mão do mecanismo previsto no artigo 265.º-A do CPC inspirado no princípio da adequação processual.       
4. Por seu lado, as R.R., que também apresentaram um rol conjunto de 12 testemunhas, opuseram-se ao requerido pelas indicadas A.A., sustentando o entendimento de que o limite estabelecido no artigo 632.º, n.º 1, do CPC é comum a todos os autores.
5. Sobre os mencionados requerimentos probatórios, foi proferido o despacho reproduzido a fls. 373-374, a admitir os róis de testemunhas apresentado na audiência preliminar com a ressalva de considerar não escritos os nomes das últimas 21 testemunhas apresentadas pela Ilustre Mandatária das A.A., nos termos do artigo 632.º, n.º 3, do CPC.
 6. Inconformada com tal decisão, a A. JL, Ld.ª, apelou dela, formulando as seguintes conclusões:
1.ª – A A. ora recorrente arrolou 21 testemunhas, em conjunto com outros dois A.A., em requerimento probatório separado do dos restantes 22 A.A., pelas razões e pela forma acima referidas.
2.ª - Mesmo que se perfilhasse o entendimento do Tribunal “a quo”, a aplicação do art.º 632.º, n.º 3, do CPC apenas permitia considerar-se não escrita a última testemunha constante do rol apresentado, e não todas as 21;
3.ª - A partir do momento em que estamos na presença de várias partes processuais distintas, vários autores coligados, nada obsta a que cada parte apresente o seu requerimento probatório. E tanto assim é que os distintos requerimentos foram admitidos pelo Tribunal, tendo este tratado os diferentes A.A. como diferentes partes, nomeadamente na aplicação de multas em virtude da junção de documentos.
4.ª - Mesmo na interpretação de que autores coligados só podem arrolar, em conjunto, 20 testemunhas, o Tribunal a quo, a partir do momento em que admitiu a apresentação de requerimentos probatórios distintos, cada um com o seu rol, condenando diferentes Autores em multas distintas pela junção de diferentes documentos, só poderia ter excluído a vigésima primeira testemunha arrolada pelo Recorrente, e não todas as testemunhas por ele arroladas.
5.ª - Aplicou, assim, erradamente, o n.º 3 do artigo 632.º do CPC.
6.ª - Mas a natureza, origem e função da coligação leva a que a interpretação do art.º 632.º, n.º 1, do CPC tenha de ser a de que eram admissíveis mais do que 20 testemunhas;
7.ª - A coligação traduz-se na cumulação de várias acções conexas, visto que os autores se juntaram, não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada. Assim é no caso dos autos, pois trata-se de 25 A.A., cada um formulando um ou mais pedidos, tendo cada um desses pedidos uma causa de pedir distinta: a relação contratual que cada um mantém com as R.R.
8.ª - A coligação pode ser inicial ou sucessiva, nos termos do art.º 275.º CPC, que estabelece que “Se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, será ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.”.
9.ª - A simples apensação de acções não opera a sua integração numa única, mantendo como uma delas a sua individualidade própria, uma vez que a apensação é ditada por razões de economia processual.
10.ª - Ambas as disposições (30.º e 275.º CPC) são corolário o princípio da economia processual. Neste caso concreto optaram os AA. pelo respeito dessa “economia da actividade” ab initio, pois que são, na verdade, 25 acções diferentes, com pedidos individualizados para cada um dos Autores, tendo por base distintas causas de pedir sustentadas nas diversas relações contratuais estabelecidas entre A.A. e R.R.
11.ª - Este art.º 275.º atribui ao juiz um “poder-dever” que tem “como função suprir a não coligação inicial” (Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª  ed., 2004). 
12.ª - Optaram as A.A. por proporem as acções que pretendiam mover contra as R.R. numa só instância, coligando-se, ao abrigo do art.º 30.º do CPC e poupando a posterior apensação de acções.
13.ª - Esta opção, que teve por único motivo a economia processual, não pode implicar para os Autores uma diminuição das suas garantias processuais, nomeadamente ao nível da prova testemunhal.
14.ª - Sobretudo se atentarmos no facto de que uma tal diminuição seria facilmente contornada pelos autores coligados, bastando moverem 25 processos diferentes, arrolando cada um as suas testemunhas, para no dia seguinte requererem a apensação dos processos.
15.ª - A ora Recorrente vê-se constrito à impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito, desrespeitando-se o direito de acesso à justiça na sua vertente de direito de o interessado produzir a demonstração dos factos que, na sua óptica, suportam o direito ou o interesse que visa defender pelo recurso aos tribunais.
16.ª - Ninguém poderá negar que o sentido literal da norma em apreço, a do n.º 1 do art.º 632.º do CPC, permite extrair dois sentidos do uso da expressão “autores”: o de que se fala de autores de forma genérica, querendo referir-se cada um dos autores, ou o de que se fala de autores mesmo quando sejam vários, coligados, numa mesma acção. Os dois sentidos são possíveis e têm bastante correspondência com a letra da lei.
17.ª - Mas uma interpretação literal da letra da lei suportada apenas no elemento literal e num só dos sentidos que o texto da norma encerra (o de que por mais que sejam só podem apresentar, no conjunto, 20 testemunhas) teria por efeito punir os A.A. que, por razões de economia processual, optaram por mover um só processo ao invés de 25, esperando assim uma mais célere obtenção de uma decisão judicial, e transformaria as regras do processo civil num obstáculo formal à prossecução da verdade material. E não é essa a função do processo.
18.ª - Cabe aos Tribunais actuar no sentido da justiça real, da justiça verdadeira, o que também deve servir de critério teleológico de interpretação das normas.
19.ª - O que acabou de se dizer é aliás perfilhado e explicado por Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, pág. 568): “Estranho é porém o regime literalmente decorrente do n.º 1 para os casos de coligação em que a causa de pedir não é a mesma […]. Constituindo situações de pluralidade de partes (e não só de sujeitos processuais), a interpretação restritiva do preceito impõe-se, de modo a não as abranger […]. A esta interpretação traz alguma achega o n.º 2 (“cada uma das partes”).”.
20.ª - O art.º 632.º, n.º 1, do CPC, interpretado no sentido de que, em caso de coligação de autores, com pedidos distintos e individualizados, baseados em causas de pedir diferentes, os autores, no seu conjunto, e independentemente de quantos sejam, só podem arrolar 20 testemunhas, é inconstitucional por violação do art.º 20.º da CRP. Ao que acresce, in casu, uma violação do princípio da igualdade, constante do art.º 13.º da CRP e transversal a todos os direitos fundamentais, pois que com a interpretação/decisão do Tribunal a quo foi o ora Recorrente, contrariamente ao verificado a propósito dos restantes 22 AA., impedido de requerer a sua prova testemunhal.
21.ª - São ainda inconstitucionais, por violação do art.º 13.º da CRP, com discriminação entre autores que se coliguem e autores cujas acções sejam apensadas, os artigos 632.º, n.º 1, e 275.º, n.º 1, do CPC, quando interpretados no sentido de que em caso de coligação inicial de autores, com pedidos distintos e individualizados, baseados em causas de pedir diferentes, os autores, no seu conjunto, e independentemente de quantos sejam, só podem arrolar 20 testemunhas.
22.ª - O art.º 20.º, n.º 4, da CRP consagra também um direito a um processo equitativo, igualdade essa que se pretende efectiva, nomeadamente, no que aos meios de defesa diz respeito. Tratar de modo diferente aquilo que é igual sem qualquer justificação para essa desigualdade é ir contra um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global 24 (art.º 13.º CRP), sendo esta, precisamente, a situação sob análise, pois que se viram negativamente distinguidos os ora Recorrentes, relativamente aos restantes A.A., pela impossibilidade de, em condições de igualdade para com os mesmos, apresentar o seu rol de testemunhas.
23.ª - Mas, ainda que não fosse esta a interpretação acolhida por esse Tribunal, não colhe o argumento do “absurdo” referido no despacho recorrido quando se afirma que “Levando tal posição até às últimas consequências, sendo 25 os AA. na presente acção, podiam ser arroladas 500 testemunhas.”, pois cumpre destacar que o Tribunal sempre disporia do instrumento necessário e da base legal bastante para, no presente caso, admitir a inquirição de mais do que 20 testemunhas arroladas pelo conjunto dos 25 AA, nomeadamente as 21 testemunhas arroladas pelos Recorrentes.
24.ª - Fazemos referência ao princípio da adequação formal, estabelecido no art.º 265.º-A do CPC.
25.ª - No caso concreto, tem conhecimento o Tribunal a quo, mediante o requerimento probatório apresentado, que os AA. pretendem arrolar, na totalidade, 41 testemunhas e não 500!
26.ª - Do mesmo modo que, se tivessem sido arroladas 500 testemunhas, também ao abrigo do art.º 265.º-A do CPC poderia o Tribunal ter excluído parte delas, dada a inadequação que tal número revelaria em face da causa.
27.ª - Mesmo que a letra do art.º 632.º, n.º 1, do CPC não tivesse a mínima correspondência com a interpretação aqui pretendida pelo Recorrente, o Tribunal sempre disporia do instrumento necessário e da base legal bastante – o art.º 265.º-A do CPC – para, no presente caso, admitir a inquirição de mais do que 20 testemunhas arroladas pelo conjunto dos 25 AA (para além do que resultaria já do disposto no art.º 20.º da Lei Fundamental).
28.ª - Mesmo que se concorde com a interpretação do art.º 632.º, n.º 1, do CPC, no sentido de que o conjunto dos autores coligados só pode arrolar 20 testemunhas, deveria, nesse caso, o Tribunal ter aplicado o art.º 265.º-A do CPC, tendo andado mal ao violar o princípio da adequação formal que, como resulta da letra do preceito (“deve o juiz”), se trata não de um mero poder, mas de um verdadeiro dever do Tribunal.
29.ª - E a violação desse dever de adequação formal é manifesta quando se trata, como no presente caso, de mais autores do que as testemunhas admitidas, não sendo assegurada nem sequer uma testemunha por autor. Sobretudo se tivermos em conta que parte da causa de cada Autor é integrada por factos específicos de cada um, que não poderão certamente ser provados por testemunhas comuns.
30.ª - O Tribunal, ao não ter admitido as testemunhas arroladas pelo Recorrente, ou pelo menos parte delas, violou o dever estipulado no art.º 265.º-A do CPC.
31.ª - Por violação dos artigos 13.º e 20.º da CRP, é inconstitucional o art.º 265.º-A do CPC na interpretação de que, em casos em que o número de autores coligados, com pedidos e causas de pedir distintos, seja superior a 20, não podem ser admitidas mais do que 20 testemunhas.
7. As R.R. apresentaram contra-alegações, em que pugnam pela confirmação do despacho recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
           
            II – Delimitação do objecto do recurso

            Como é sabido, o objecto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, 684.º, n.º 2, e 685.º-A, n.º 1, do CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
            Das conclusões formuladas pela apelante colhe-se que o objecto do recurso incide sobre as seguintes questões:
A – O alegado erro de interpretação e aplicação do preceituado no n.º 1 do artigo 632.º do CPC, no que respeita ao limite geral de testemunhas ali estabelecido na hipótese de coligação inicial activa, como é o caso dos presentes autos;
B – Subsidiariamente:
a) - a questão da pretensa inconstitucionalidade da referida norma, no segmento em que foi aplicada, por violação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição, e da sua interpretação em conformidade com tais normativos constitucionais;
b) – nessa conformidade interpretativa, a pretendida aplicação da norma em foco, designadamente por via do mecanismo de adequação processual previsto no artigo 265.-A do CPC.   

            III – Fundamentação    

1. Enquadramento preliminar

Do que acima ficou sumariamente relatado sobre as pretensões deduzidas colhe-se que estamos no âmbito de uma acumulação de acções na modalidade de coligação inicial activa, em que uma pluralidade de autores deduziu diversas pretensões, algumas delas individualmente discriminadas contra ambas as R.R., estes em regime de litisconsórcio passivo.
Tais pretensões estribam-se em causas de pedir, pelo menos em parte diferentes, em particular no que concerne aos pedidos de condenação no pagamento de quantias pecuniárias, mas cuja procedência se afigura dependente da apreciação de factos idênticos e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito e de cláusulas contratuais perfeitamente análogas, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do CPC.  
É perante esta configuração, que subjectiva quer objectiva, do litígio que importa ajuizar sobre o alcance do limite geral de testemunhas estabelecido no n.º 1 do artigo 632.º do CPC e bem assim sobre a sua adequação ao caso, na perspectiva do direito à prova, tendo em conta os princípios fundamentais do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva, do processo equitativo e da igualdade das partes, tal como vêm assegurados, respectivamente, nos artigos 20.º, nº 1, 4 e 5, e 13.º da Constituição da República. 



2. Quanto ao invocado erro de interpretação e aplicação do art.º 632.º, n.º 1, do CPC

O artigo 632.º do CPC, sob a epígrafe Limite do número de testemunhas, prescreve o seguinte:
1 - Os autores não podem oferecer mais de 20 testemunhas, para prova dos fundamentos da acção; igual limitação se aplica aos réus que apresentem a mesma contestação.
2 – No caso de reconvenção, cada uma das partes pode oferecer também até 20 testemunhas, para prova dela e da respectiva defesa.
3 – Consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o número legal.     
            E o artigo 633.º do mesmo diploma, sob a epígrafe Número de testemunhas que podem ser inquiridas sobre cada facto, consigna que:
Sobre cada um dos factos que se propõe provar, não pode a parte produzir mais de cinco testemunhas, não se contando as que tenham declarado nada saber.
            Deste quadro normativo decorre que, no domínio do processo declarativo ordinário, o exercício do direito das partes à proposição e produção da prova testemunhal está sujeita a dois limites quantitativos: um limite geral de 20 testemunhas; um limite específico de cinco testemunhas por cada um dos factos que a parte pretenda provar. Todavia, estas limitações não obstam a que o tribunal possa inquirir, oficiosamente, determinada pessoa não oferecida como testemunha, se houver razões para presumir que tenha conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, nos ter-mos do artigo 645.º, ou mesmo ao abrigo da parte final do n.º 1 do artigo 653.º, ambos do CPC, o que, de resto, se inscreve na esfera latitudinária do inquisitório, em sede de actividade probatória, genericamente delineada no n.º 3 do artigo 265.º do citado diploma.

Sucede que a apelante vem questionar, neste recurso, em primeira linha, o alcance normativo do n.º 1 do transcrito artigo 632.º relativamente às situações de coligação inicial activa, sustentando a tese de que, nestas hipóteses de pluralidade de partes e de pretensões, o inciso “autores”, sendo passível de duas leituras semânticas distintas - uma delas reportada ao conjunto de autores; outra a cada um deles -, deve ser interpretado no sentido de que o limite de 20 testemunhas ali estabelecido se refere a cada um dos autores coligados. Em reforço deste entendimento, socorrendo-se do cânone hermenêutico sistemático, a recorrente convoca para tanto o lugar paralelo do instituto da apensação de acções, regulado no artigo 275.º do CPC, na medida em que, perante situações similares, não contempla ali tal limitação.
Vejamos.
Para ingressar no trilho da interpretação declarativa do inciso em foco, convém recordar que, no domínio do velho CPC de 1876, apenas se previa o limite de oito testemunhas para cada facto (art.º 262.º § 1.º). Foi, pois, por via do Decreto n.º 12.353, de 22 de Setembro de 1926, que o limite geral de 20 testemunhas passou a constar do nosso ordenamento processual civil, nos termos prescritos na primeira parte do artigo 32.º deste diploma, ao consignar que:
Não podem ser inquiridas mais de cinco testemunhas a cada facto e o número total, por cada parte, não pode ser superior a vinte.
            Tanto a redução de oito para cinco testemunhas por cada facto como a introdução inovatória do limite geral de vinte testemunhas tiveram por objectivo assumido afrontar uma das principais causas da, já nessa época alastrante, morosidade processual radicada, além do mais, nas fastidiosas e longas assentadas e no prolongamento indefinido da inquirição de testemunhas, em virtude da tendência irresistível dos advogados para se espraiarem, já nos interrogatórios, já nas instâncias, em detalhes, minúcias e pormenores que nenhuma importância têm para a resolução da causa e que só servem para abafar ou oprimir o objecto essencial do pleito”, como literalmente se consigna no preâmbulo do mencionado diploma.     
            Posteriormente, aquele normativo foi trasladado, ipsis verbis, para o corpo do artigo 59.º do Decreto n.º 21.287, de 26 de Maio de 1932, diploma que compilou toda a então dispersa legislação sobre processo civil e comercial, mantendo-se até à entrada em vigor do CPC de 1939.    
            No entanto, no âmbito da Reforma do Processo Civil de 1939, foi ponderada a sobrevivência das duas espécies de limites à prova testemunhal, tendo-se presente, a título de direito comparado, que nem o Código francês, nem a lei espanhola, nem mesmo o Código italiano estabeleciam um número máximo de testemunhas, embora, neste último, fosse conferido ao juiz instrutor o poder de reduzir a lista das testemunhas superabundantes. Já o Código brasileiro de então limitava a 10 o número de testemunhas por cada parte e permitia ao juiz dispensar as testemunhas excedentes a três por cada facto[1].  
            Apesar disso, a opção legislativa foi no sentido de manter aqueles limites, que passaram a constar dos artigos 635.º e 636.º do CPC de 1939 e que correspondente, respectivamente, aos artigos 632.º e 633.º do CPC actual.
            Porém, como o artigo 59.º do Decreto n.º 21.287, ao limitar o número total de testemunhas por cada parte, se prestava a interpretações divergentes, quanto a saber como devia ser entendido no caso de pluralidade de autores ou de réus, foi então adoptada nova formulação com vista a acolher a doutrina nacional de que: “por parte dos autores só podem oferecer-se, ao todo, vinte testemunhas”, havendo que distinguir, por parte dos réus, se contestam conjuntamente, caso em que só poderão oferecer até vinte testemunhas, ou se contestam separadamente, podendo, neste caso, cada contestante oferecer até vinte testemunhas, tendo vindo a considerar-se que, para tal efeito, as contestações separadas se devem traduzir em versões factuais substancialmente distintas[2]. E foi também ressalvada a hipótese da reconvenção, de modo a permitir que cada uma das partes possa oferecer testemunhas até ao limite de 20 para prova da mesma ou da sua defesa.       
            Assim sendo, nas palavras do Professor Alberto dos Reis[3], “qualquer que seja o número de autores, não lhes é lícito, em conjunto, oferecer mais de vinte testemunhas; para vincar este pensamento é que o artigo, em vez de dizer não pode o autor, disse: não podem os autores.” De resto, a técnica legislativa utilizada na modelação das disposições do CPC adoptou a matriz do paradigma singular, só se desviando dela nas hipóteses em que visa contemplar o conjunto de cada pluralidade de partes.     
Nessa linha de entendimento, o mesmo Professor acrescenta que: “É indiferente que se verifique a simples pluralidade de autores por serem vários os titulares do mesmo interesse (art.º 28.º), ou que se verifique a coligação de autores (art.º 29.º e 30.º); a limitação abrange os dois casos.”[4]
E o mesmo sucede quando sobrevenha intervenção incidental de algum ou alguns litisconsortes, de assistente ou de coligação activa sucessiva[5]. Só no caso do incidente de oposição, sendo por essa via enxertada uma nova acção, perfeitamente distinta e com base em pretenso direito incompatível com o do autor, é que o oponente tem direito a apresentar rol de testemunhas, separadamente da parte primitiva, até ao referido limite máximo, como não poderia deixar de ser[6].         
Nesta conformidade, a interpretação declarativa do artigo 632.º, n.º 1, do CPC, apoiada nos factores históricos da emergência deste normativo, não pode deixar de ser no sentido de que o limite geral do número de testemunhas ali estabelecido se aplica às situações de coligação activa inicial, como é o caso destes autos.    
Mas será que tal entendimento quebra, de forma irremediável, a unidade do sistema, quando equacionado o instituto da coligação com o instituto paralelo da acumulação de acções por via de apensação, nos termos previstos e regulados no artigo 275.º do CPC, em que um dos requisitos poderá ser precisamente os pressupostos de admissibilidade da coligação, tal como sustenta a apelante?
Na verdade, segundo o preceituado no n.º 1 do citado artigo 275.º, a apensação de acções que tenham sido propostas em separado pode ocorrer, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, nomeadamente, desde que se verifiquem entre tais acções os índices de conexão exigidos para a coligação, nos termos do artigo 30.º do CPC, e possam ser reunidas num único processo, a não ser que o estado da causa ou outra razão especial torne inconveniente a apensação. E pode mesmo a apensação ser ordenada, oficiosamente, quando se tratar de processos pendentes perante o mesmo juiz (art.º 275.º, n.º 4).       
A este propósito, convém ter presente que tanto o instituto da coligação como o da apensação são inspirados em duas linhas de força fundamentais:
- no princípio da economia processual, tendo em vista a instrução, discussão e julgamento conjunto de pretensões objectiva e subjectivamente distintas, mas com objecto idêntico ou pelo menos afim, de modo a proporcionar as vantagens decorrentes da concentração de meios e da própria actividade processual;
- no desiderato da uniformidade de julgamento garantida seja pela sinergia na produção de prova e nos subsequentes resultados probatórios, seja pela coerência dos critérios de julgamento de facto e de direito.      
Porém, como observa o Professor Alberto dos Reis, embora da apensação de acções decorram benefícios de economia processual, “a vantagem mais apreciável é a garantia do julgamento uniforme.”[7]
Sucede que, enquanto a acumulação de acções por via da coligação está sujeita à forma em que é inicialmente processualizada, a apensação de acções propostas em separado opera apenas a unificação superveniente da tramitação das causa juntas, que passam a ser processadas no processo principal, mas que mantêm certa autonomia para outros efeitos essenciais, nomeadamente quanto ao valor das diversas causas no que dele decorre em termos de alçada e de recurso, bem como, no que aqui releva, quanto aos limites, geral e específico, do número de testemunhas e que se aplicam autonomamente a cada uma das acções juntas.    
Sendo assim, como justificar tal regime processual diferenciado entre a coligação e a apensação?
Ora, se é certo que a coligação e a apensação de acções comungam da mesma teleologia e partilham de pressupostos similares, já não se poderá afirmar que dependem de idênticas condições no que respeita à configuração do litígio.
Com efeito, na coligação inicial activa, os autores coligados têm a possibilidade de concertar entre si a estratégia processual a prosseguir, definindo os termos complexos do litígio em petição conjunta, com vista a obterem as vantagens proporcionadas em sede de economia processual e um julgamento uniforme das suas pretensões. E mesmo no domínio da coligação activa sucessiva, espontânea ou provocada, quando deduzida mediante articulado próprio, nos termos dos artigos 320.º, alínea b), 322.º, n.º 1, 323.º, n.º 1, 325.º, n.º 1, 326.º e 327.º, n.º 3, do CPC, o terceiro chamado tem ainda assim a possibilidade de concertar a sua estratégia e de definir a sua pretensão em consonância com a pretensão já deduzida pela parte a que se pretenda associar.        
Em tais circunstâncias, sendo a coligação, em regra, facultativa[8], cada autor tem a faculdade de optar entre essa modalidade de acumulação de acções, se nisso reconhecer vantagens, ou de instaurar acção autónoma, quando pretenda uma actividade processual que lhe ofereça maior latitude no exercício dos seus direitos processuais.  
Já no domínio da apensação de acções propostas em separado, não se verificam tais condições, uma vez que as partes traçaram, aquando da propositura da respectiva acção, a sua estratégia processual e delinearam as suas pretensões de forma independente. Acresce que a apensação não depende do acordo das partes que se poderiam ter coligado, bastando que qualquer delas com interesse atendível na junção o requeira ou que o tribunal, oficiosamente, o ordene nos termos acima indicados. Assim, não seria justo que, sendo a apensação determinada em função do interesse de uma das partes ou mesmo do interesse público, diminuísse as garantias processuais da outra parte que já definira em acção própria a sua estratégia processual e os termos do litígio.
Por outro lado, é sabido que o juiz, em sede de coligação, pode obstar, oficiosamente ou a requerimento do réu, ao respectivo prosseguimento, quando haja inconveniente que as causas sejam instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente, nos termos do n.º 4 do artigo 31.º do CPC, como também poderá recusar a apensação quando o estado do processo ou outra razão especial a torne inconveniente, ao abrigo do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 275.º do mesmo Código.
Ora, se as partes contra quem a apensação for requerida ficassem, por esse facto, diminuídas nas suas garantias processuais, isso multiplicaria as razões de recusa da apensação, o que já não se verifica no campo da coligação, na medida em que esta opção se mantém na disponibilidade das parte coligantes.             
Em suma, tanto a economia processual e a uniformidade de julgamento visados pela coligação e pela apensação de acções como a similaridade dos seus pressupostos não implicam, por si só, a identidade do respectivo regime processual, mas sim uma diferenciação que atente na diversidade de condições em que as pretensões são deduzidas.
Dir-se-á pois que, na coligação activa, recai sobre as partes que se pretendam associar a inteira disponibilidade de o fazer em função do modelo processual que a lei estabelece na conciliação do princípio da economia processual com as garantais das partes. Na apensação, não se verificando tal disponibilidade por banda da parte contra quem a apensação seja requerida, não seria legítimo que a economia processual fosse conseguida à custa da diminuição das garantias processuais dessa parte.
Embora o limite geral do número de testemunhas prescrito no artigo 632.º, n.º 1, do CPC seja assumido como um imperativo de celeridade processual no âmbito do processo declarativo ordinário, quer em caso de acção singular, quer em caso de acumulação de acções, não se pode concluir que esse limite seja desproporcionado para este último caso, já que a coligação não é, em regra, obrigatória, assistindo às partes a faculdade de optar pela propositura de acções em separado se pretenderem porventura usar de garantias mais alargadas. Nem tal imperativo se mostra sequer discriminatório em relação ao regime diferenciado da apensação, dadas as diferentes condições em que as partes, numa e noutra situação, estabelecem a sua estratégia processual e definem os termos do litígio, como acima ficou dito.     
Aqui chegados, resta concluir, nesta vertente, que a interpretação declarativa do preceituado no artigo 632.º, n.º 1, do CPC, no sentido de que o limite ali estabelecido se aplica ao conjunto de autores coligados, se mostra não só condizente com a letra da lei, como também com os elementos lógicos de índole genética ou histórica, de unidade sistemática e com a pró-pria ratio legis, não carecendo portanto de qualquer interpretação restritiva ou mesmo derrogante.
Termos em que improcedem, nesta parte, as razões da apelante.

3. Quanto à alegada inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 632.º do CPC

A segunda linha de impugnação, por parte da apelante, do despacho recorrido, consiste em arguir a inconstitucionalidade da norma editada no n.º 1 do artigo 632.º do CPC, no segmento em que foi aplicada ao processo aqui em referência, iniciado por via de coligação activa, por considerá-la, no que respeita ao direito à prova, violadora dos princípios fundamentais do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva, do processo equitativo e da igualdade das partes, tal como vêm assegurados, respectivamente, nos artigos 20.º, nº 1, 4 e 5, e 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O citado artigo 20.º da nossa Lei Fundamental, sob a epígrafe Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, no que aqui releva, consigna que:
1 - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…).
-------------------------------------------------------------------------------------------       
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.         
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
Por sua vez, o artigo 13.º da mesma Lei, sob a epígrafe Princípio da igualdade, proclama que:
1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado ou prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Importa também ter presente o artigo 12.º do mesmo diploma que, sob a epígrafe Princípio da universalidade, estabelece que:
1 – Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
2 – As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.
A par disso, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, que faz parte integrante do direito português, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Constituição Portuguesa, à luz da qual devem ser interpretados e integrados os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais, nos termos do artigo 16.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental, no seu artigo 10.º, consagra que:
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações (…).
E ainda Convenção Europeia dos Direitos do Homem, adoptada no âmbito do Conselho da Europa, em 4 de Novembro de 1950 e aprovada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, no seu artigo 6.º, nº 1, consigna que:
Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá … sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil.

            Deste quadro normativo decorrem como princípios constitucionais basilares do ordenamento processual civil:
   a) – o princípio do direito à jurisdição;
   b) - o princípio da tutela jurisdicional efectiva;
   c) – o princípio da duração razoável e útil do processo;
   d) – o princípio do processo equitativo.
            Por sua vez, tais princípios postulam, em sede do direito de acção civil, os princípios estruturantes do processo, como são, além das garantias de independência do tribunal e da imparcialidade do juiz (art.º 203.º da CRP), os princípios do dispositivo e do contraditório, bem como o princípio da igualdade substancial das partes, genericamente acolhidos nos artigos 3.º e 3.º-A do CPC.   
Ora, como já foi dito, o que está em causa neste recurso é saber se o limite máximo do número de testemunhas estabelecido no artigo 632.º, n.º 1, do CPC, no tocante às acções iniciadas em coligação activa, sob a forma de processo ordinário, afecta de tal forma o direito à prova dos autores que viole os referidos princípios constitucionais do direito de acesso à jurisdição, da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo, ou mesmo o princípio da igualdade dos cidadãos, incluindo as pessoas colectivas, perante a lei. 
Como é sabido, a realização do direito, mormente por via judicial, não se basta com a contemplação do seu arquétipo legal; requer sim a demonstração em juízo dos factos singulares, abstractamente previstos na lei, para desencadear o efeito prático-jurídico concretamente pretendido. O direito à prova encerra, pois, o complexo de poderes legalmente atribuídos às partes para demonstrarem, perante o tribunal, os factos em que estribam a sua pretensão e a sua defesa, ou seja, para lograrem a verdade judicial.
 Mas não se caia no equívoco de tomar a verdade judicial como uma verdade eminentemente histórica, muito menos como uma verdade absoluta. É antes um constructus sobre eventos empíricos ou situações de facto relevantes no quadro normativo de determinado litígio, que acaba por se consubstanciar num juízo de conformidade ou desconformidade, expresso, vulgarmente, pelas locuções de provado ou não provado, entre o que, sobre a forma de enunciados linguísticos, as partes narram no processo e o que resulta dos dados colhidos pela actividade probatória perante o tribunal.  
Por isso mesmo é que a verdade judicial está sujeita a determinadas condicionantes como são, designadamente:
- no plano substantivo, a repartição do ónus probatório, os requisitos de admissibilidade e validade de cada um dos meios de prova e a respectiva eficácia probatória;
- no plano processual, os requisitos de proposição e impugnação da prova, bem como a disciplina a observar na sua produção.      
            Assim a regulação legal do exercício do direito à prova tem por finalidade garantir a obtenção de uma verdade judicial, em tempo útil, mediante a participação interessada das partes, em recíprocas condições de igualdade, perante um julgador imparcial, para que reúna, desse modo, as condições necessárias a que seja uma verdade legítima e justa. É no equilíbrio e razoabilidade dessa regulação que se conciliam os princípios do direito ao acesso à jurisdição, da tutela jurisdicional efectiva, da duração razoável e útil do processo e do processo equitativo.    
            Como resulta do que ficou dito no ponto precedente, o limite máximo do número de testemunhas estabelecido no artigo 632.º, n.º 1, do CPC visou por cobro à então avassaladora morosidade processual decorrente das tendências da prática do foro na dilatação exorbitante e prolixa de inquirições que, em vez de conduzirem à eficiência na produção da prova, acabavam por esbater os resultados probatórios, quanto mais não fosse pelo próprio decurso do tempo. E ainda hoje não se mostra que tais tendências e efeitos tenham sido satisfatoriamente superados.  
            Não se ignora que, na maioria dos regimes processuais europeus, não existe uma tal limitação, mas, pelo menos alguns deles, são temperados pela maior latitude do poder do tribunal em obviar à chamada prova superabundante, o que, todavia, não deixará de importar algum riscos de arbitrariedade judicial[9].
De qualquer modo, a justeza e adequação, nessa particular, de um regime processual não deve ser vista só em função de determinada norma de regulação do direito à prova, como é, no caso, o limite máximo do número de testemunhas, mas numa perspectiva integral de todo o regime probatório processual e da cultura e prática judiciárias de cada país. Por exemplo, um regime que confira ao juiz o poder de inquirir, em primeira linha, as testemunhas e de rejeitar a prova tida por desnecessária, bem poderá prescindir de qualquer limite quantitativo desse meio de prova para fazer face a expedientes dilatórios.
No caso do nosso regime processual, procurou-se um equilíbrio entre a esfera do dispositivo das partes e o inquisitório do tribunal, em que àquelas é conferido o direito de propor testemunhas até determinado limite e de as inquirir, em primeira linha, também com limitação a cada um dos factos controvertidos, deixando-se ao tribunal um papel subsidiário no plano da inquirição, sem tais limitações, nos termos dos artigos 265.º, n.º 3, 638.º, n.º 3, parte final, 645.º e 653.º, n.º 1, parte final, do CPC.
Ora, o limite geral do número de testemunhas estabelecido no n.º 1 do artigo 632.º do CPC, ditado por razões ponderosas de economia processual, mesmo nos casos de coligação activa, inscrevendo-se no quadro desse equilíbrio, sem prejuízo da faculdade da parte lançar mão de acção autónoma, não viola os princípios do direito ao acesso à jurisdição, da tutela jurisdicional efectiva, da duração razoável e útil do processo e do processo equitativo proclamados no artigo 20.º, n.º 1, 4 e 5 da Constituição.          
De resto, a apelante nem sequer questiona que o limite máximo de 20 testemunhas, no processo declarativo, viole os citados princípios constitucionais, só o invocando no caso de coligação activa[10]. Mas, como já foi dito, a limitação neste caso, além de se justificar por razões de economia processual, não obsta a que a parte possa optar pelo exercício do seu direito de acção em processo autónomo com garantias mais alargadas. Por outro lado, mostra-se razoável que legislador só tenha reconhecido os benefícios de economia processual na modalidade da coligação activa, quando exercida, pelo conjunto dos autores coligados, dentro dos parâmetros da forma de processo aplicável, considerando que os índices de conexão objectiva da coligação estabelecidos no artigo 30.º do CPC fazem presumir uma maior concentração de meios de prova.
Por tais razões, não se acolhe aqui o entendimento de alguma doutrina que aponta no sentido de uma interpretação restritiva do n.º 1 do artigo 632.º do CPC de modo a confinar o seu âmbito normativo a cada um dos autores coligados, nos casos em que a causa de pedir não seja a mesma nem a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos[11].
De resto, e sem prejuízo do acima exposto, no caso presente, as pretensões deduzidas centram-se, nuclearmente, na apreciação de contratos análogos e das condições gerais do acordo de distribuição e, mesmo no que respeita aos pedidos de pagamento de quantias, a factualidade discriminada por cada uma das A.A. respeita a aplicação de factores de correcção sobre facturação documentada nos autos. Seja como for, nem a apelante indica uma base factual que, em substância, requeira uma produção de prova testemunhal autónoma em relação aos restantes co-autores.  

Pelas mesmas razões não se vislumbra que a aplicação do mencionado limite às acções instauradas em regime de coligação activa discrimine negativamente os autores coligados em relação ao autor singular ou aos autores de acção que venham a ser objecto de apensação, em termos de ofender o artigo 13.º da Constituição.
Com efeito, o tratamento equiparado entre o autor singular e os autores coligados justifica-se fundamentalmente pela afinidade do objecto das acções coligadas e pela possibilidade dos autores concertarem uma estratégia processual e uma definição conjunta das suas pretensões, com ganhos de economia processual e de eficiência no julgamento, sem prejuízo, porém, de poderem lançar mão de acções separadas quando pretendam beneficiar de garantias processuais mais alargadas. Por seu turno, o tratamento diferenciado entre a coligação e a apensação de acções, justifica-se, como acima foi referido, pela diversidade de condições em que foram deduzidas as pretensões das causas já propostas e que não permite a concertação, pelo menos por banda da parte contra quem a apensação seja requerida.      
Acresce que a solução propugnada pela apelante de lhe ser reconhecido o direito de apresentar rol próprio, essa sim violaria o princípio da igualdade perante as rés que se manteriam sujeitas à mesma limitação.

Nesta conformidade, não se acolhe o entendimento de que o segmento normativo do artigo 632.º, n.º 1, do CPC aplicado ao caso dos autos viole os princípios constitucionais constantes dos artigos 13.º e 20.º, n.º 1, 4 e 5 da Constituição, não se impondo assim interpretação diversa da adoptada pelo tribunal recorrido. 

4. Da adequação processual

Face às conclusões a que se chegou nos dois pontos precedentes, prejudicada fica a questão da pretendida adequação processual.
No entanto, sempre se dirá que o mecanismo previsto no artigo 265.º-A do CPC tem em vista a adequação da tramitação processual, o que parece não autorizar o desvio dos requisitos da admissibilidade da prova, mormente por via do seu alargamento a uma das partes, exorbitando o equilíbrio mantido, nesse particular, no exercício do direito à prova.

5. Conclusão final 

Uma vez que não assistia à apelante, na qualidade de autor coligado, o direito de apresentar rol de testemunhas separadamente dos restantes co-autores e que a apresentação dos dois róis se configura como um só para efeitos de aplicação do limite máximo estabelecido no artigo 632.º, n.º 1, do CPC, têm de ser dados como não escritas os nomes das testemunhas que ultrapassam o primeiramente apresentado, por imperativo do n.º 3 do mesmo artigo, sem prejuízo desse rol ainda poder ser alterado nos termos previstos no artigo 512.º-A do CPC. 

IV - Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o despacho recorrido.
As custas do recurso ficam a cargo da apelante.
                                   
Lisboa, 20 de Novembro de 2012

Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado   
Rosa Maria Ribeiro Coelho
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[1] Veja-se o Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pag. 405-406.
[2] Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pag. 407.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pag. 406.
[4] Ob. e loc. citados.
[5] Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pag. 406-407.
[6] Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pag. 407.
[7] In Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra Editora, 1946, pag. 203.
[8] As hipóteses de coligação obrigatória legal, como, por exemplo, nos casos de acções emergentes de responsabilidade civil por acidente de viação fundada em risco, sujeita a limite máximo - art. 510.º do CC e art. 64.º, n.º 1, al. a) do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21/8 - e a convocação de credores e do cônjuge do executado (art. 864.º do CPC), são de natureza excepcional, radicando em razões poderosas e estritas, nomeadamente para garantir que a decisão produza o seu efeito útil normal – vide Prof. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pag. 170.   
[9] Neste sentido, vide o Professor Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, pag. 599.
[10] Sobre a razoabilidade desse limite, vide Professor Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, pag. 598-599.
[11] No sentido indicado vide Professor Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, pag. 600.