Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA MENDES | ||
Descritores: | CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO INCUMPRIMENTO PERSI NÃO APLICAÇÃO DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | –O PERSI aplica-se, tão só, às situações de incumprimento dos contratos exarados no art. 2/1 DL 227/2012, de 25/10 - clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96 de 31/7). –Afastada está a sua aplicação (PERSI) às pessoas colectivas, bem como aos avalistas e fiadores deste contrato de utilização de cartão de crédito. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa Caixa Económica Montepio Geral demandou (requerimento de injunção ao abrigo do DL 269/98 de 1/9) V-C. – Valentim de Carvalho – Filmes, Áudio Visuais, Lda. e C [Francisco ........], pedindo a sua condenação solidária no montante de € 5.825,24 (K - € 5.484,46 e juros - € 318,06), acrescida dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento. Alegou, para tanto, que face à solicitação da requerida pessoa colectiva, emitiu, em 17/9/2020, um cartão de crédito com o nº 7...03.1....2-3. A requerida e C, enquanto utilizador do cartão, aquando da outorga do contrato, responsabilizaram-se solidariamente pelas dívidas resultantes dessa utilização. Pela outorga do contrato a requerida tomou conhecimento de todos os termos e demais condições associadas ao cartão de crédito com elas se conformando. Ao cartão estava associado um limite de crédito de € 5.000,00. Tendo a requerida feito uso efectivo das vantagens e disponibilidades associadas ao aludido cartão, utilizando o montante global de € 5. 484,46, em dívida, desde 278/2022. Interpelada para pagar, até hoje não o fez. Na contestação, requerida e requerido deduziram oposição ao requerimento de injunção, arguindo a ineptidão da p.i. com fundamento em falta e ininteligibilidade da causa de pedir e, consequentemente, a nulidade de todo o processo, concluindo pela absolvição da instância – fls. 2 e sgs. Na resposta, a Caixa Montepio Geral pugnou pela inexistência de ineptidão da p.i., juntando docs. Foi a requerente notificada para esclarecer se integrou os requeridos no PERSI, bem como se os informou de tal. A Caixa Montepio informa que não integrou os requeridos no PERSI (Procedimento Extra-Judicial de Regularização de Situações de Incumprimento) por tal procedimento não se lhes aplicar. Este procedimento é, tão só, aplicável aos contratos elencados no art. 2 do DL 227/2012, de 25/10, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei de consumo (Lei 67/2003 de 8/4, alterações DL 84/2008 de 21/5). Assim, face à legislação, consumidor será qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não actuando no âmbito da sua actividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar. As pessoas colectivas estão excluídas do âmbito da aplicação deste DL 227/2012, o mesmo acontecendo (entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência) com os fiadores e/ou avalistas do contrato de mútuo (não se enquadram/incluem na noção legal de consumidor). O réu, enquanto pessoa singular, é um mero utilizador do produto contratado (cartão de crédito), não sendo abrangido pelas situações previstas no DL 227/12. Foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção dilatória inominada de preterição da sujeição do devedor ao PERSI, absolveu o requerido C da instância. Fundamentou a sua decisão no facto da requerente, aquando da instauração da injunção, não integrou o requerido (pessoa singular) no PERSI pelo que, apesar de notificado para tal, não alegou, nem provou o cumprimento das formalidades referentes ao PERSI (Procedimento Extra-Judicial de Regularização de Situações de Incumprimento) previstas no DL 227/2012, de 25/10, nomeadamente, o preceituado nos arts. 12 a 18 do DL cit., sendo certo que os fiadores também podem ser integrados no PERSI (art. 21 Dl cit.). Inconformada, a Caixa Montepio Geral apelou formulando as conclusões que se transcrevem: 1.–Após incumprimento generalizado das obrigações assumidas pelos Réus, a Recorrente não integrou os mesmos no âmbito do PERSI. 2.–Não o fez, porque a Recorrente não está obrigada a fazê-lo. 3.–A definição constante da alínea a) do artigo 3 do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro remete para a acepção dada pelo nº 1 do artigo 2º da Lei da Defesa do Consumidor, a qual se aplica aos contratos celebrados com clientes bancários. 4.–Esta definição de consumidor exclui do seu âmbito as pessoas colectivas. 5.–O Decreto-Lei 227/2012 não se aplica aos contratos de crédito celebrados entre instituições bancárias e pessoas colectivas, assim como aos respectivos fiadores, mesmo que estes sejam pessoas singulares. 6.–O PERSI é um procedimento aplicável aos contratos elencados no artigo 2º do Decreto-Lei 227/2012, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo. 7.–Em igual sentido, o Acórdão do STJ de 9.02.2017, in revista 94/13.5TBCMN-A.G1.S1-7ª Sec, in www.dgsi.pt. 8.–O artigo 2º da Lei 67/2003, de 8 de Abril, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva 1999/44/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de Maio de 1999, dispõe: “1– Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”. 9.–Esta noção de consumidor foi introduzida com as alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei 84/2008, de 21 de Maio. 10.–A definição de consumidor adoptada é substancialmente distinta daquela que consta na Directiva transposta (alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Directiva 1999/44/CE), uma vez que, segundo esta, consumidor é “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”. 11.–O conceito de consumidor consagrado na Lei 67/2003 adoptou o seu sentido estrito, uma vez que surge definido como aquele que adquire um bem ou serviço para uso privado (utilização doméstica, familiar ou pessoal) e, bem assim, a sua determinação é feita exclusivamente com base no destino dado aos bens ou serviços adquiridos. 12.–Consumidor será qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não actuando no âmbito da sua actividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar. 13.–De acordo com o pensamento maioritário na jurisprudência o conceito adoptado é o conceito de consumidor na acepção restrita, neste se não incluindo em caso algum as pessoas colectivas. 14.–É igual entendimento pacífico na nossa jurisprudência que os fiadores e avalistas do contrato de mútuo também não se incluem na noção de legal de consumidor. 15.–O Réu é um mero utilizador do produto contratado (cartão de crédito), motivo pelo qual não é enquadrável nas situações que caem no âmbito da alçada do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15/04/2021, consultável em www.dgsi.pt). 16.–Assim, deve o recurso ser julgado procedente e, em consonância, ser revogada a sentença recorrida. Não foram apresentadas contra-alegações. Dispensados os vistos, cumpre decidir. Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso (arts. 639 e 640 CPC), a questão a que cabe decidir consiste em saber se na injunção em questão havia ou não lugar à integração do requerido C (pessoa singular) no âmbito do PERSI (DL 227/2012 de 25/10). Vejamos, então. Defende a apelante que afastada está a integração do requerido C (pessoa singular), utilizador do cartão concedido à requerida V.C.- Valentim de Carvalho (pessoa colectiva), no PERSI. Conforme decorre o exarado no preâmbulo do DL 227/2012 de 25/10 (Plano para Acção de Risco de Incumprimento – PARI), a degradação das condições económico-financeiras sentidas nos vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associada a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte das instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias. Neste contexto, o presente diploma visa estabelecer um conjunto de medidas que, reflectindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas. Assim, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) fixando-se procedimentos e medidas de acompanhamento de execução de contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a detecção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamentos dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e, por outro, promovam a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o incumprimento. Adicionalmente, define-se um Procedimento Extra-Judicial de Regularização de situações de incumprimento (PERSI), no âmbito da qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor (cfr. Lei 254/96 de 31/7 – Defesa do Consumidor, alterada pelo DL 67/2003 de 8/4). Daqui se extrai, que este diploma visa prevenir/colmatar/regularizar as situações de incumprimento, seja ele duradouro ou não, relativa à concessão de crédito, pelas instituições públicas ou privadas, aos Consumidores, ou seja, contempla as situações de mora e dos montantes vencidos e em dívida e não já situações em que os contratos foram resolvidos pelas instituições de crédito. In casu, o requerimento de injunção entrou em juízo, em 19/10/22, já na vigência do DL 227/2012 de 25/10. O contrato de utilização de cartão de crédito (adesão) foi celebrado, em 17/9/2020, entre a requerente Caixa Montepio e a sociedade V. C. - Valentim de Carvalho – Filmes audiovisuais, S.A. a sociedade e C enquanto utilizador do cartão. Não foi pago o valor do crédito utilizado, apesar da interpelação. As instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento das suas obrigações decorrentes de contratos de crédito, neles se incluindo os fiadores – art. 12 e 31 do DL 227/2012, de 25/10. O âmbito de aplicação deste diploma legal (contratos de crédito celebrados com clientes bancários), consta das várias alíneas do art. 2, a saber: a)-Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para aquisição de terrenos para construção de habitação própria. b)-Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel. c)-Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no DL 133/2009, de 2/6, alterado pelo DL 72-A/2010, de 18/6, com excepção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo. d)-Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no DL 359/91, de 21/9, alterado pelos DLs 101/2000, de 2/6 e 82/2006, de 3/5, com excepção dos contratos em que uma das partes se obriga. Contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato. e)-Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês. Para efeitos do presente diploma, entende-se por “cliente bancário” o consumidor, na acepção dada pelo art. 2/1 da Lei de Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei 24/96, de 31/7, alterado pelo DL 67/2003, de 8/4, que intervenha como mutuário no contrato de crédito – art. 3º a) DL 227/2012, de 25/10. Consumidor é todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios – art. 2/1 Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96, de 31/7). Daqui se extrai, que a lei optou por um sentido estrito do conceito do consumidor, considerando que o consumidor é toda a pessoa singular (arredadas estão as pessoas colectivas) que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial e/ou profissional/que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), ou seja, que actue fora do âmbito da sua actividade profissional e desde que adquira bens e serviços para seu uso pessoal e/ou familiar, nele se incluindo os fiadores desde que informados, o requeiram e tenham condições para aí serem integrados – cfr. Aviso do Banco de Portugal 17/2012 de 17/12 (exclusão dos avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento) – cfr. Acs. STJ de 9/2/17, relatora Fernanda Isabel e de 20/10/2011, relator Moreira da Silva, in www.dgsi.pt. Tendo em atenção os preceitos aludidos supra, constata-se que o regime do PERSI aplica-se, tão só, às situações de incumprimento dos contratos exarados no art. 2/1 – clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96 de 31/7), pelo que afastada/excluída está a sua aplicação (PERSI) às pessoas colectivas, bem como aos avalistas e fiadores deste contrato (pessoas singulares) – cfr. Acs. RE de 15/4/2021, relatora, Conceição Ferreira, RL, de 12/10/17, relatora Isoleta Costa, de 9/10/18, relatora Conceição Saavedra, de 6/6/19, relatora Maria de Deus Correia e, de 23/2/21, relatora Ana Rodrigues da Silva, in www.dgsi.pt. In casu, a utilização do cartão de crédito foi concedida à requerida sociedade e a C, enquanto utilizador do cartão. Desconhece-se se este último (C) é ou não fiador e/ou avalista do contrato (tal não foi alegado no requerimento de injunção, nem resulta do documento junto (contrato de utilização de cartão de crédito/adesão). Não obstante, alegado foi que, quer a sociedade, quer o requerido C se responsabilizaram solidariamente pelas dívidas associadas ao cartão. Assim e tendo em conta estes elementos e o extractado supra, a conclusão a extrair é a de o requerido C não se subsume/integra o conceito legal de consumidor tal como definido supra, pelo que afastada/vedada está a aplicação do PERSI. Concluindo: – O PERSI aplica-se, tão só, às situações de incumprimento dos contratos exarados no art. 2/1 DL 227/2012, de 25/10 - clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96 de 31/7). – Afastada está a sua aplicação (PERSI) às pessoas colectivas, bem como aos avalistas e fiadores deste contrato. Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a decisão, determina-se o prosseguimento do processo (injunção) contra o requerido C. Sem custas. Lisboa,7/6/2023 Carla Mendes Carla Oliveira Teresa Sandiães |