Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2259/10.6T2SNT-A.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
ACEITAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -  Tendo o Tribunal sido destinatário da informação relativa ao conteúdo e intenção de alienação por negociação particular, tendo-se o mesmo remetido ao silêncio, por razões que não se consegue divisar nem se apresentam justificadas e que aparentaram referenciar aceitação, e tendo-se realizado, no ano que mediou, a escritura de compra e venda do imóvel penhorado, não teria qualquer sentido, violaria as legítimas expectativas criadas e desprotegeria a confiança dos cidadãos no sistema de Justiça admitir-se como aceitável a prolação, com total descolagem temporal e em contra-ciclo face às aparências criadas, de decisão que declarasse sem efeito a aludida compra e venda. 
-  Atenta a aceitação tácita dos termos da alienação por parte dos interessados mencionados na lei adjectiva e sendo dispensável um acto expresso de autorização do juiz (face ao facto de o mesmo ter organizado os termos da alienação e não se ter oposto aos ulteriores que lhe foram comunicados), não se preenche situação subsumível ao disposto no art. 201.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, não se concretiza o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 909.º do mesmo Código.

     (sumário elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I. RELATÓRIO
O BANCO ... com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «execução comum» contra A... e V..., neles também melhor identificados.
Com data de 17.03.2011, foi lavrado, nessa execução, «auto de penhora» incidente sobre a Fracção autónoma, designada pela letra “V”, do prédio urbano sito na Rua Professor Luís Gomes, n.º 11, 5.º direito, freguesia de Algueirão Mem-Martins, concelho de Sintra, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 1676 e inscrito na matriz predial sob o artigo matricial 7052;

Foi designada diligência de abertura de propostas para venda do aludido imóvel, tendo sido fixado o valor base em € 96.428,57 e o valor mínimo das propostas em 70% daquele quantitativo, ou seja, em € 67.500,00.
Na data agendada para a venda do referido imóvel através da abertura de propostas em carta fechada, constatou-se a inexistência de qualquer proposta, tendo o Tribunal «a quo» determinado que se procedesse à venda do bem por negociação particular sem indicação de qualquer valor de base para o efeito. Ficou encarregado desta venda  o Agente Execução.
Este Agente informou o Tribunal, em 04.09.2012, que, não obstante todas as diligências efectuadas, não se conheciam, à data, interessados na aquisição do imóvel.
A Sociedade Exequente requereu ao aludido agente, em 20.09.2012, que o imóvel lhe fosse adjudicado pelo valor de € 54.300,00 com dispensa de depósito do preço respectivo. 
As partes foram notificadas da apresentação dessa pretensão, tendo-o sido também para, em dez dias, dizer o que tivessem por conveniente, não tendo manifestado qualquer oposição.
Também o Tribunal «a quo» teve conhecimento desse requerimento.
Consta do processo um auto intitulado «Decisão do agente de execução» no qual se pode ler:
«(...) Agente de Execução no processo nº 2259/10.6T2SNT, que corre termos na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste - Juízo de Execução de Sintra – Juiz 1, em que são executados A... e outro, considerando:
1. o tempo decorrido,
2. o facto do processo se encontrar na fase de negociação particular,
3. anão» (leia-se «a não») «oposição dos executados à proposta apresentada e devidamente notificada,
4. afalta» (leia-se «a falta») de propostas de valor superior ao oferecido pela exequente, não obstante todas as diligências efectuadas,
Decide aceitar a proposta da exequente, sendo de se proceder à venda do bem imóvel penhorado nos autos – Fracção autónoma, designada pela letra “V”, do prédio urbano sito na Rua Professor Luís Gomes, nº 11, 5º direito, freguesia de Algueirão Mem-Martins, concelho de Sintra, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 1676 e inscrito na matriz predial sob o artigo matricial 7052 - à exequente, pelo valor de 54.300,00 euros.
A exequente está dispensada do depósito do preço, nos termos do disposto no nº 1 do art. 887º do CPC, ficando isenta do pagamento do Imposto Municipal sobre Transmissões, nos termos do art. 8º, nº 1, do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis.
Face à fase processual em que se encontra o processo, será a venda concretizada por escritura pública, a realizar logo que esteja reunida a documentação necessária para o efeito.
Lisboa, 15 de Outubro de 2012»

Com data de 16.10.2012, o Sr. Agente de Execução deu conhecimento ao o Tribunal do conteúdo desta decisão, bem como às partes no processo.
Com data de 09.11.2012, foi lavrada a «Escritura» de «Compra e Venda» que teve como objecto o referido imóvel. Aí figuraram como outorgantes o Agente de Execução nomeado e o Banco ..., tendo-se aí referido como sendo o preço global o de cinquenta e quatro mil e trezentos, sem indicação da moeda de referência.
Em 21.11.2012, o exequente/adquirente requereu a entrega do imóvel, ao abrigo do disposto, nos art.s 901.º e 930.º do Código de Processo Civil CPC.
Com data de 21.10.2013, o Tribunal «a quo» proferiu decisão do seguinte teor:
«Pelo exposto, decide-se dar sem qualquer efeito a sobredita venda por negociação particular, salvo se o exequente efectuar o pagamento do remanescente do preço até perfazer 85% do valor base anunciado.
Custas do incidente, a cargo do Sr. agente de execução, que se fixam em 4UC.
Notifique e dê conhecimento ao Sr. agente de execução, o qual deverá, no prazo de 10 dias após o trânsito do presente despacho, comprovar nos autos a regularização da situação do imóvel penhorado em conformidade com o supra decidido.»

É desta decisão que vem o presente recurso interposto pela Sociedade Exequente, que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
«I. No âmbito da execução movida pelo recorrente, com base em dois mútuos com hipoteca foi penhorada uma fracção autónoma, cujo valor base para venda por meio de propostas em carta fechada, foi fixado em € 96.428,57 (70% = € 67.500,00).
II. Na data designada para a abertura de propostas em carta fechada, 29/05/2012, não foi apresentada qualquer proposta, constando do Auto de Abertura de Propostas em Carta Fechada, o seguinte: "Não tendo havido propostas determina-se a venda por negociação particular. Notifique a exequente e executados para no prazo de dez dias virem dizer se se opõem a que seja nomeado encarregado da venda por negociação particular o Agente de Execução, César Belchior, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art.º 905º do CPC, com a cominação de nada dizendo ficar o mesmo investido no cargo e proceder às diligências necessárias à venda."( ...)
III. Por ofício datado de 04/09/2012, o Sr. Agente de Execução, veio informar os autos de que "não obstante todas as diligências realizadas, junto de diversas entidades, até à data não se conhecem interessados na aquisição do imóvel penhorado nos autos. "
IV Notificado pelo Sr. Agente de Execução do teor da informação, que antecede, apresentou o recorrente, no dia 20/09/2012, proposta, para aquisição da fracção penhorada, pelo valor de €54.300,00, através de requerimento dirigido ao Sr. Agente de Execução.
V. Através de ofício datado de 21/09/2012 o Sr. Agente de Execução, notificou as partes, exequente e executados da proposta/requerimento apresentada pelo recorrente, com a cominação expressa de que o silêncio, valeria como aceitação ( art.º 218º do Código Civil ), pois ali pode ler-se "... Deste modo, serve o presente para notificar VExa. para, no prazo de 10 dias, dizer o que tiver por conveniente. Caso V.Exa. nada diga no prazo supra referido presume-se que aceita a proposta do B...", os quais nada disseram.
VI. O Sr. Agente de Execução, deu também conhecimento ao Tribunal "a quo", através de ofício datado de 21/09/2012, de que o “...B.../ exequente requereu a adjudicação/apresentou proposta de aquisição do bem imóvel penhorado nos autos e melhor identificado no auto de penhora, pelo valor de 54.300,00 euros, cfr requerimento/proposta que se junta. Da proposta foram os executados notificados, para dizerem o que tiverem por conveniente."
VII. Em 15/10/2012, O Sr. Agente de Execução, aceitou a proposta da exequente, face: ao tempo decorrido; ao facto do processo se encontrar na fase da negociação particular, à não oposição dos executados à proposta apresentada e devidamente notificada; à falta de propostas de valor superior ao oferecido pela exequente, não obstante todas as diligências efectuadas;
VIII. Daquela decisão foram notificados, por ofício datado de 16/10/2012, remetido pelo Sr. Agente de Execução, os executados e o exequente, tendo sido ainda dado conhecimento ao Tribunal "a quo", e ninguém reagiu.
IX. No dia 09/11/2012, realizou-se escritura de compra e venda (art.º 875º do C.C.) pelo valor de €54.300,00 que foi junta aos autos, no 14/11/2012, pelo Sr. Agente de Execução.
X. Em 21/11/2012, o exequente/adquirente requereu a entrega do imóvel, ao abrigo do disposto, nos arts.º 901º e 930º do CPC. Eis, senão quando,
XI. Em 29/10/2013, foi o exequente notificado do douto despacho recorrido, proferido em 21/10/2013, o qual deu sem qualquer efeito a venda do bem imóvel supra identificado ao recorrente, sem que nenhuma das partes, nomeadamente, exequente e executados, tivessem levantado qualquer questão, de facto ou de Direito, em relação a toda a tramitação que levou à venda da fracção, aqui em causa.
XII. O douto despacho recorrido reconheceu que a venda ocorreu na fase da negociação particular, tendo ficado incumbido de proceder à venda, o Sr. Agente de Execução que passou a estar mandatado, em primeira mão pelo Tribunal, e depois pelos próprios executados, para proceder à venda, aplicando-se, o regime do mandato, como preceitua o art.º 905º/1 do CPC : "Ao determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efectuar.".
XIII. Ao invocar a violação do disposto nos arts.º 875º a 878º do CPC, para dar sem efeito a venda da fracção ao Banco ..., o douto despacho recorrido, ignorou, que estes dispositivos legais, não são aplicáveis ao caso sub judice, dado que, os mesmos aplicam-se às situações em que o exequente requer a adjudicação antes da data da abertura de propostas em carta fechada, caso em que, a venda deverá ser publicitada com a menção expressa do valor oferecido pelo exequente que deverá ser superior ao valor mínimo fixado, como se depreende, aliás, da leitura do art.º 877º do CPC, e que não foi o caso dos autos.
XIV. No caso sub judice, o exequente, apresentou uma proposta de aquisição, como qualquer outro proponente, já na fase da negociação particular, aplicando-se, consequentemente, o regime previsto nos arts.º 904º e 905º do CPC.
XV. Os executados não reagiram, aos oficios do Sr. Agente de Execução, datados de 21/09/2012 e 16/10/2012, dos quais foram notificados, pelo que, ficou precludido o Direito, de reagirem contra a referida venda.
XVI. Nos termos do art.º 1163º do Código Civil, tal ausência de reacção ou silencio, "vale como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante", sendo certo que, no caso em apreço todas as partes interessadas aprovaram os actos praticados pelo Sr. Agente de Execução.
XVII O art.º 894º do CPC no nº 3 refere expressamente: "Não serão aceites as propostas de valor inferior ao previsto no nº 2 do art.º 889º, salvo se o exequente, o executado e todos os credores com garantia sobre os bens a vender acordarem na sua aceitação."
XVIII. Foram observadas as regras processuais estatuídas na lei a respeito da venda executiva, que se destinam, a acautelar a legalidade e os interesses de ambas as partes, e foi assegurado, o princípio do contraditório, pelo que, a decisão de dar ".. sem qualquer efeito a sobredita venda por negociação particular", passados cerca de 12 meses, após a realização da escritura, ocorrida, em 09/11/2012, tomada oficiosamente pelo Tribunal " a quo" - a quem foi sempre dado conhecimento de todos os actos processuais - carece, salvo o devido respeito, de fundamento.
XIX. O Tribunal considerou a venda ferida de "inexistência jurídica", sendo certo que, os casos de anulação da venda vêm taxativamente previstos no art.º 909º do CPC, não cabendo, o vício apontado de "inexistência jurídica" em qualquer das alíneas ali previstas.
XX. Não existe, assim, qualquer vício, que possa ser apontado, à venda da fracção autónoma, aqui em causa, ao Novo Banco, S.A., pelo que, deverá a mesma manter-se.
XXI. Violou, assim, o douto despacho recorrido, o disposto, nomeadamente, nos arts.º 894º, nº 3, 904º, 905º, 909º do C.P.C. e 1157º do C.C.
(...)
Nestes termos,
E nos do mui Douto e sempre invocado suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado, e, outrossim, o douto despacho recorrido ser revogado, com todas as demais consequências legais, designadamente, mantendo-se a aquisição do imóvel Novo Banco, S.A. (...)»

A executada, A..., respondeu a tais alegações concluindo que:
«A) O processo executivo n.º 2259/10.6T2SNT correu a tramitação normal, não tendo sido apresentada oposição à execução por inexistirem fundamentos.
B) Anunciada a venda por proposta em carta fechada, a esta não se apresentou nenhum proponente.
C) Posteriormente o Recorrente, em 20/09/2012, requereu ao Agente de Execução, por ele nomeado, que o imóvel lhe fosse adjudicado por valor inferior a 70% do valor base, tendo a Recorrida sido notificada.
D) O Agente Execução em 21/09/2012 notificou a ora recorrida que o Recorrente pretendia a adjudicação do imóvel por 54.300,00€, sem contudo indicar o dia, hora e local para a abertura das propostas, como prevê o art.º 876 CPC.
E) Inexiste no processo qualquer documento que comprove que, com uma antecipação de 10 dias, tenha publicitado o dia, hora e local para a abertura das propostas mediante anúncio em página informática de acesso público e edital afixado na porta dos prédios urbanos a vender, conforme decorre das funções do Agente de Execução.
F) O art.º 875, n.º3 do CPC (na redacção anterior à lei 41/2013 de 26 de Junho) determina claramente que o valor a anunciar para a venda é igual a 70% do valor base dos bens, sendo este limite mínimo aplicável independentemente do momento em que é apresentado o requerimento de adjudicação (art.º 875, n.º4 do CPC na redacção anterior à lei 41/2013 de 26 de Junho) ou se houveram ou não propostas concorrentes na adjudicação (art.º 877 do CPC na redacção anterior à lei 41/2013 de 26 de Junho), sendo que os art.º 875, n.º4 e 877 do CPC (na redacção anterior à lei 41/2013 de 26 de Junho) não constituem normas especiais relativamente à regra geral e logo não afastam a aplicação do art.º 875, n.º3 de CPC (na redacção anterior à lei 41/2013 de 26 de Junho).
G) Se o legislador pretendesse que o limite mínimo dos 70% se aplicasse unicamente quando o requerimento de adjudicação é efectuado antes da venda por proposta em carta fechada, tê-lo-ia dito expressamente no n.º 3 do art.º 875 e n.º2 do art.º 889 ambos do CPC (na redacção anterior à lei 41/2013 de 26 de Junho), que regula esse limite - o que não o fez - e daí se retirando que este limite mínimo é uma regra basilar e inamovível da adjudicação.
H) O legislador reforçou, e intencionalmente, na actual redacção da lei 41/2013 de 26 de Junho, a importância do valor base do imóvel na adjudicação, aumentando para valor igual a 85%, o que anteriormente era fixado em valor igual 70% do valor base do imóvel, por considerar o executado a parte mais fraca.
I) E este limite é tão essencial que o Acórdão da Relação de Évora datado de 3-3-2010 vem fazer jurisprudência, admitindo que o imóvel seja vendido por valor inferior a 70% do valor base, com a autorização do Juiz responsável pelo processo executivo, desde que antes se tenha procedido à averiguação pericial do valor de mercado do imóvel, sendo o imóvel vendido pelo “preço que se vier a constatar ser o verdadeiro e real preço de mercado”. Ora, no processo em apreço, nem o Recorrente, nem o Agente Execução requereram junto do Juiz do processo essa mesma autorização, sendo a adjudicação por estes imposta.
J) Contrariamente ao entendido pelo Recorrente, o garante da boa condução do processo executivo e bom exercício de funções pelo agente execução é o Juiz responsável pelo processo e não o próprio Agente Execução – que é parte concernida no processo, defendendo os interesses do Recorrente que o nomeou – ou o notário. É ao Juiz que compete fiscalizar o cumprimento da lei executiva, atingindo todos os intervenientes no processo.
K) O Agente de Execução cometeu uma irregularidade insanável ao adjudicar o imóvel ao Recorrente, violando grosseiramente as regras próprias do instituto da adjudicação,
L) Pelo que o Despacho ora recorrido se deverá manter.»

Terminou pedindo a manutenção da decisão impugnada.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
Ao invocar a violação do disposto nos arts. 875.º a 878.º do CPC, para dar sem efeito a venda da fracção referida nos autos, o despacho recorrido ignorou que estes dispositivos legais não são aplicáveis ao caso «sub judice»?
Porque os Executados e todos os credores com garantia sobre os bens a vender acordaram na aceitação da venda nos termos em que a mesma ocorreu, era aceitável proposta de valor inferior ao previsto no n.º 2 do art. 889.º do Código de Processo Civil, face ao estabelecido no n.º 3 do art. 894.º do mesmo Código?
Não existe qualquer vício que possa ser apontado à venda da fracção autónoma aqui em causa, pelo que deverá a mesma manter-se?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Relevam, neste ponto lógico da decisão, os elementos fácticos constantes do «relatório» supra lançado.
Fundamentação de Direito
1. Ao invocar a violação do disposto nos arts.s 875.º a 878.º do CPC, para dar sem efeito a venda da fracção referida nos autos, o despacho recorrido ignorou que estes dispositivos legais não são aplicáveis ao caso «sub judice»?
Atenta a data da prática do acto questionado pela decisão recorrida, há que buscar no regime anterior à reforma introduzida pela Lei n.º 41/13, de 26 de Junho, os elementos de ponderação da valia do praticado e avaliado pelo Tribunal «a quo» na decisão criticada.
Tem razão a Recorrente quando sustenta não serem directamente aplicáveis à situação em apreço o conjunto de preceitos referidos – art.s 875.º a 878.º do Código de Processo Civil. Com efeito, os mesmos reportam-se a uma venda judicial (reduzida à alienação mediante propostas em carta fechada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro) sendo que, no caso que cumpre avaliar, o processo se encontrava já, no momento da prática dos actos objecto do decido, em fase de venda extrajudicial - concretamente, de venda por negociação particular - mostrando-se ultrapassada, por frustração, aquela forma de alienação de metodologia solene.
O quadro processual sob avaliação antes era subsumível ao estatuído na al. a) do art. 904.º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
Assim tem sido ao longo do tempo, como se pode ver se compararmos dois trabalhos doutrinais largamente separados pelos anos e incidentes sobre a mesma matéria – LOPES-CARDOSO, Eurico, Manual da Acção Executiva, Lisboa, INCM, 1987, pág. 548, e PINTO, Rui, Manual da Execução e do Despejo, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 999,
É positiva, pois, a resposta a esta questão.

2. Porque os Executado e todos os credores com garantia sobre os bens a vender acordaram na aceitação da venda nos termos em que a mesma ocorreu, era aceitável proposta de valor inferior ao previsto no n.º 2 do art. 889.º do Código de Processo Civil, face ao estabelecido no n.º 3 do art. 894.º do mesmo Código?
O n.º 2 do art. 889.º do Código de Processo Civil constituía um preceito regulador da venda judicial mediante propostas em carta fechada – cf. o título da divisão II em que se insere – pelo que, sendo a venda extrajudicial por negociação particular uma forma de alienação «fora do Tribunal», mais dúctil, assente nas reais dimensão e apetências do mercado, não estava a mesma sujeita aos limites emergentes daquele preceito – veja-se, no sentido da inexistência desse limite, a acertada jurisprudência vertida nos arestos deste Tribunal de 06.11.2013, processo n.º  30888/09.3T2SNT.L1-8, e de e de 25.09.2014, in processo n.º 512/09.0TCSNT-A.L1-8, ambos em http://www.dgsi.pt.
É relevante a norma invocada pela Recorrente. Pois se, para uma alienação mais solene como a assente em propostas em carta fechada era possível, à data das consultas às partes e ao Tribunal e alienação em apreço, a venda por valor inferior ao referido no n.º 2 do art. 889.º do Código de Processo Civil desde que houvesse aceitação do exequente, do executado e de todos os credores com garantia real sobre os bens a vender, nos termos do estatuído no n.º 3 do art. 894.º do mesmo Código, nenhuma razão haveria para, em sede geral e respeitados os requisitos impostos pelo Direito adjectivo, rejeitar a  venda por valor inferior àquele.
Independentemente desta aceitação das partes, sempre a alienação por valor inferior poderia ser autorizada pelo juiz do processo, atenta as suas funções de controlo e direcção da acção excecutiva, o que faria com vinculativa ponderação dos objectivos finais do processado entre os quais avultava a eficaz cobrança coerciva das quantias suportadas por um título executivo.
Por assim ser é que o aporte doutrinal carreado por estas decisões judiciais aponta, com acerto, a disjuntiva «ou» – «Como refere Lebre de Freitas, “se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente da execução corresponde ao valor de mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente da execução é encarregado da venda (...) lhe coubesse baixar o valor-base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder (...) de autorizar a venda por preço inferior ao valor base”. - “Código de Processo Civil Anotado”, 3º pág. 602». Havendo aquele acordo, a intervenção do juiz seria exclusivamente confirmativa e já não de vera autorização.
No caso em apreço, o Tribunal optou por nada dizer, em tempo útil, face à informação do conteúdo da dita «decisão» do Sr. Agente de Execução. Tem que se entender que, desta forma, sufragou a alienação. Assim, foi seguramente, entendido pelos sujeitos e colaboradores processuais.
Tendo o Tribunal sido destinatário da informação relativa ao conteúdo e intenção de alienação por negociação particular em 16.10.2012, tendo-se o mesmo remetido ao silêncio, por razões que não se consegue divisar nem se apresentam justificadas e que aparentaram referenciar aceitação, até 21.10.2013, e tendo-se realizado, nesse ano que mediou, a escritura de compra e venda do imóvel penhorado, não teria qualquer sentido, violaria as legítimas expectativas criadas e desprotegeria a confiança dos cidadãos no sistema de Justiça admitir-se como aceitável a prolação, com total descolagem temporal e em contra-ciclo face às aparências criadas, da decisão impugnada. 
Atenta a aceitação tácita dos termos da alienação por parte dos interessados mencionados na lei adjectiva e sendo dispensável um acto expresso de autorização do juiz (face à referida disjuntiva e ao facto de o mesmo ter organizado os termos da alienação e não se ter oposto aos ulteriores que lhe foram comunicados), não se preenche situação subsumível ao disposto no então art. 201.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, não se concretiza o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 909.º do mesmo Código.
Responde-se, pois, afirmativamente à questão sob ponderação.

3. Não existe qualquer vício que possa ser apontado à venda da fracção autónoma aqui em causa, pelo que deverá a mesma manter-se?
Face ao que se deixou referenciado, tem que se concluir ser devida resposta afirmativa a esta questão.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação procedente e, em consequência, revogamos a decisão impugnada.
Custas pela Apelada que contra-alegou.
*
Lisboa, 05.03.2015


Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)

Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)

Tomé de Almeida Ramião (2.º Adjunto)