Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3974/17.9T8BRRL1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
DESPEDIMENTO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1- O contrato de trabalho a termo em que falte ou sejam insuficientes as referências ao termo ou ao motivo justificativo converte-se em contrato sem termo- art. 147º, nº1, c) do CT.
2- Em caso de despedimento ilícito, são devidas, sem prejuízo das deduções previstas no nº 2 do art. 390º do CT, ao trabalhador as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, mesmo que a opção pela indemnização seja formulada pelo trabalhador em momento anterior.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I- Relatório
AAA, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra “BBB”, pedindo que:
- Seja declarado que entre A. e Ré existiu e desde o dia 15.06.2015 um contrato sem termo ou por tempo indeterminado;
- Seja declarado ilícito e nulo o despedimento de que o A. foi vítima no dia 31.12.2016;
- A Ré seja condenada a pagar-lhe:
a) as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito da sentença, somando as já vencidas € 557,00;
b) as retribuições referentes a férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais que se forem vencendo até à data do trânsito da sentença;
c) a indemnização por antiguidade, substitutiva de reintegração, no montante de € 1.771,00;
d)- juros de mora, à taxa legal, sobre todas as referidas quantias e desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento.
O autor alegou, para o efeito e, em síntese, que:
- Foi admitido ao serviço da ré, mediante um denominado contrato de trabalho a termo certo, com início a 16 de Junho de 2015 e termo a 30 de Setembro de 2015, para sob as suas ordens e orientações exercer as funções inerentes à categoria profissional de trabalhador auxiliar/trabalhador de limpeza nas instalações da ré;
- Celebrou, posteriormente, com a ré, dois outros contratos datados de 01 de Outubro de 2015 e de 1 Outubro de 2016, sem que o anterior tivesse caducado;
- Por carta datada de 30.11.2016 a Ré comunicou ao autor que o contrato entre ambos celebrado caducaria no dia 31.12.2016, não mais tendo o autor trabalhado para a ré desde essa data;
- O primeiro contrato celebrado entre autora e ré é omisso quanto à justificação do termo, devendo, assim, considerar-se tal contrato como um contrato sem termo. O que obstaria à celebração dos dois outros contratos, que, em qualquer caso, sempre padecem do mesmo vício;
- Inexistindo contrato a termo a comunicação de caducidade efectuada configura um despedimento ilícito, por não precedido de procedimento disciplinar;
- A ré pagou-lhe a título de compensação pela caducidade do contrato a quantia de € 495,80.
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Teve lugar a audiência de partes, não se tendo logrado a conciliação entre as partes.
A Ré contestou.
Suscitou, desde logo, uma denominada questão prévia, afirmando que o autor aceitou a indemnização pela caducidade do contrato, o que é demonstrativo de que se conformou com a cessação do contrato por caducidade, não podendo, agora, vir questionar a cessação do contrato. Concluiu a R. que o comportamento do A. configura uma situação de abuso de direito.
A R. admitiu a celebração dos contratos de trabalho invocados pelo autor, afirmando que os motivos justificativos que constam dos mesmos se mostram, suficientemente, expressos e que correspondem a situações de facto que se verificavam aquando da sua celebração. Mais referiu que o contrato de trabalho que uniu as partes cessou por caducidade.
Pugna, a final, pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido.
Respondeu o autor, afirmando que não tinha o ónus de devolver a compensação devida, inexistindo qualquer abuso de direito.
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento.
Pelo Tribunal a quo foi proferida sentença.
Foram considerados provados os seguintes factos:
(Da Petição Inicial):
1-O A. foi admitido ao serviço da Ré no dia 16 de Junho de 2015, mediante “ contrato de trabalho a termo certo”, com início em 16.06.2015 até 30.09.2015, constando da cláusula 7ª “ O presente contrato de trabalho a termo certo justifica-se, ao abrigo do artigo 140º, nºs. 1 e 2, alínea a) do Código do Trabalho, pela necessidade de colocação dum Trabalhador Auxiliar para férias até 30.09.2015, conforme mapa afixado”, tudo conforme documento de fls. 14 vs. a 15 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2- Para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de trabalhador auxiliar/trabalhador de limpeza, mediante a retribuição base mensal de € 505,00.
3- Competindo-lhe essencialmente e no desempenho diário de tais funções, a execução de tarefas de limpeza, nas instalações da Ré sitas no número (…) da Rua (…), no Montijo.
4- Autor e ré outorgaram “contrato de trabalho a termo certo” em 01.10.2015 com início em 01.10.2015 até 30.09.2016, constando da cláusula 7ª: O presente contrato de trabalho a termo certo justifica-se, ao abrigo do artigo 140º, nºs. 1 e 2, alínea f) do Código do Trabalho, pela necessidade de uma colaboradora para o sector de higiene e limpeza, resultante do tempo dos Acordos de cooperação com o ISS, eventualmente renovável por um ano”., tudo conforme documento de fls. 15vs. a 16 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5-Autor e ré outorgaram “contrato de trabalho a termo certo” em 01.10.2016 com início em 01.10.2016 até 31.12.2016, constando da cláusula 7ª:
“ 1- O presente contrato de trabalho a termo é celebrado ao abrigo do disposto na alínea f) do Código do nº. 2 e nº. 1 do Artº 140º do Código do Trabalho que admite a celebração deste tipo de contrato quando ocorre um acréscimo excepcional de actividade da Instituição na área da prestação de serviços de higiene e limpeza no Lar de (…).
2.- O acréscimo extraordinário da actividade desta Instituição na referida área resulta do grau de dependência do estado de alguns idosos e da celebração de um Acordo de Cooperação celebrado com o Instituto da Segurança Social que prevêem na sua globalidade um número superior de utentes ao do antecedente Acordo, tendo o Acordo a duração de 1ano, eventualmente renovável, tudo conforme documento de fls. 16vs. a 17 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6- O A. desempenhou tais funções sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré e de forma ininterrupta entre 16 de Junho de 2015 e 31 de Dezembro de 2016.
7- Cumprindo sempre, de forma alternada, e por prévia determinação da Ré, os seguintes horários normais de trabalho:
 - das 8:00 horas às 17:00 horas
ou,
- das 12:00 horas às 21:00 horas,
8- Com uma hora de intervalo para refeições e de 2ª feira a domingo, com duas folgas semanais não fixas.
9- Por carta datada de 30.11.2016 a Ré comunicou ao A. que o contrato entre ambos celebrado caducaria no dia 31.12.2016, tudo conforme carta de fls. 17 vs.
10- Entre 15.06.2015 e 31.12.2016, o A. auferiu, a título de vencimento base mensal, as seguintes quantias:
- € 505,00 - até 31.12.2015;
- € 530,00 - de 01.01.2016 a 31.10.2016;
- € 536,00 - de 01.11.2016 a 31.12.2016.
11- A título de compensação por caducidade a Ré pagou ao A. e no mês de Janeiro de 2017, a quantia de € 495,80.
(Da Contestação):
12- Os Acordos de cooperação com o ISS respeitam à assistência a idosos e têm uma duração limitada no tempo, podendo, ou não, ser renovados no seu final e abrangendo um número variável de utentes (com maior ou menor dependência de cuidados de terceiros).
Pelo Tribunal a quo foram considerados não provados os seguintes factos:
a) O contrato de trabalho celebrado em 16.06.2015 justificou-se para substituir os trabalhadores auxiliares de limpeza que se encontravam impedidos de trabalhar, por motivos de férias no período de duração do contrato.
b) O mapa a que se refere a cláusula 7ª do contrato foi dado a conhecer ao autor, na altura da celebração do contrato, bem sabendo o A. quais os trabalhadores que ia substituir durante o contrato e que substituiu durante o contrato.
c) Na altura da assinatura do contrato este foi lido em voz alta ao A. e foi-lhe explicado detalhadamente todo o conteúdo, com a exibição do referido mapa de férias.
d) O mapa de férias da ré que existia, estava afixado e foi dado a conhecer ao A.
e) O contrato celebrado em 01.10.2015 prendeu-se com um acréscimo extraordinário de serviço, relacionado com os acordos de cooperação com o ISS.
f) Aquando da sua assinatura foi lido ao A. em voz alta e explicado o seu conteúdo.
g) A existência dos acordos de cooperação com o ISS determina um acréscimo do número de utentes no lar de idosos, propriedade do réu e, em consequência, um maior volume de trabalho em todas as vertentes, incluindo a da limpeza, sector onde o A. exercia as suas funções.
h) O A. foi contratado neste enquadramento, sabendo, desde o primeiro dia, que as suas funções se enquadravam na necessidade de adequar os serviços do A. a este acréscimo excepcional e temporário do número de utentes.
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Com base nos factos provados, o Tribunal a quo concluiu que, por insuficiência das referências ao motivo justificativo da celebração do termo, o primeiro contrato terá de considerar-se como sendo não sujeito a termo e proferiu a seguinte decisão:
«Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, e, em consequência:
a) declaro ilícito o despedimento que o Autor foi alvo em 31.12.2016;
b) condeno a ré a pagar ao Autor a quantia total de € 8.710,00 (oito mil setecentos e dez euros), relativa a retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal vencidos entre 14 de Outubro de 2017 e o dia 14 de Novembro de 2018, acrescida das quantias que se vencerem a título de retribuição, férias, subsídio de férias e de Natal até ao trânsito em julgado da presente sentença, sem prejuízo da dedução da quantia que o autor recebeu a título de compensação no valor de € 495,80 (quatrocentos e noventa e cinco euros e oitenta e cêntimos) e das quantias que não teria auferido, nesse período, não fosse o despedimento, nomeadamente, retribuições a favor de outra entidade patronal e do subsídio de desemprego auferida pelo mesmo, tudo a liquidar em incidente de liquidação;
c) condeno a ré a pagar ao Autor a quantia de € 2.144,00 (dois mil cento e quarenta e quatro euros) a título de indemnização de antiguidade calculada até à presente data, acrescida da quantia que se venha a vencer a idêntico título até ao trânsito em julgado da sentença;
d) sobre as quantias referidas em b) e c) acrescem os juros legais, à taxa actualmente de 4%, vencidos quanto à quantia referida b) desde a data do vencimento de cada uma das prestações em causa até efectivo e integral pagamento e quanto à quantia referida em c) desde o trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento.
Custas pela Ré (cfr. art.º 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil)»

A R. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
A) O contrato de trabalho a termo certo que o recorrido detinha com a recorrente cessou, por caducidade, atempadamente comunicada, de acordo com o artigo 344º do Código do Trabalho, não se verificando, assim, o despedimento ilícito do recorrido;
B) A sentença recorrida mal interpretou e aplicou o referido dispositivo legal;      C) Embora a sentença não tenha declarado (em sede decisória) a ilicitude dos contratos de trabalho a termo certo, celebrados entre a recorrente e o recorrido, sempre se dirá que os mesmos não enfermam de qualquer ilegalidade;
 D) O 1º contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a recorrente e o recorrido destinou-se a substituir trabalhadores em férias, conforme mapa de férias afixado (facto provado nº 1);
 E) Trata-se de um fundamento admissível por lei (artigo 140º, nº 1 e 2 a) do C. Trabalho), sendo claro – para qualquer pessoa – que o contrato se destinava a substituir trabalhadores em férias, nos períodos de férias destes que ocorriam, normalmente, no período de duração do contrato (de 16 de junho a 30 de setembro);
 F) No 1º contrato celebrado, as partes declararam que as férias dos substituídos constavam do mapa de férias afixado;
G) O recorrido não ilidiu a veracidade de tal declaração, como se vê da matéria de facto provada, ónus da prova que sobre si recaía, de acordo com o artigo 367º do Código Civil e que não foi levado em linha de conta na sentença recorrida, ao analisar este 1º contrato;
H) O 2º contrato substituiu o 1º contrato, a partir de 01.10.15 com um fundamento diverso, o que é permitido nos termos do artigo 143º, nº 2 b) do Código do Trabalho; Com efeito,
I) o 2º contrato com a duração de 1 ano tem por fundamento acréscimo excecional de atividade da empresa decorrente da duração dos acordos de cooperação com o ISS, IP que se provou que são temporários e que podem ser, ou não, renováveis, determinando acréscimo excecional de trabalho;
 J) É, sem dúvida, uma fundamentação que permite retirar, com clareza, o motivo da contratação do recorrido: acréscimo excecional de trabalho, decorrente dos acordos de cooperação com o ISS, IP que são temporários, eventualmente renováveis e que abrangem um número variável de utentes (com maior ou menor dependência de cuidados de terceiros);
 K) O 3º contrato, mais não é do que a renovação do 2º contrato, por um prazo diferente, daí que tenha obedecido aos requisitos legais de forma exigidos pelo artigo 149º, nºs 3 e 5 do Código do Trabalho. E, neste contrato, remete-se, também, para um acordo de cooperação com o ISS, IP que prevê um número superior de utentes que o antecedente acordo;
L) Como se verifica, os contratos de trabalho a termo certo celebrados entre a recorrente e o recorrido são válidos e a relação laboral terminou licitamente, com a caducidade do contrato de trabalho a termo certo, comunicada nos termos e prazo legal;           M) Não estamos perante qualquer despedimento ilícito, contrariamente ao que, erradamente, foi decidido;
N) Mas, mesmo que assim se considerasse, o que se admite por mera cautela, sempre se dirá que a sentença devia ter efetuado a liquidação das retribuições intercalares a serem pagas ao recorrente, uma vez que o processo continha todos os necessários elementos para o efeito e não relegar para liquidação da sentença essa matéria, violando assim o disposto no artigo 690º do CPC;
O) Com a opção do trabalhador pela indemnização, em substituição da reintegração mesmo considerando a data da audiência de julgamento (12.10.2018) as chamadas retribuições intercalares são devidas apenas até essa data e não até ao trânsito em julgado da sentença, como se decidiu na decisão recorrida, em violação do artigo 391º do Código do Trabalho.
Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e revogada a sentença recorrida, sendo a mesma substituída por sentença que absolva a recorrida do pedido.
O autor contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
I- Em face da prova produzida e consolidada, designadamente aquela que se mostrou consensual, documental, equidistante e não comprometida, o Tribunal a quo fez uma completa e correcta fixação dos factos dados como provados e não provados.
II - Perante a matéria factual dada como provada e não provada, apenas se pode concluir que o denominado "contrato de trabalho a termo certo" celebrado pelas partes, com início em 16.06.2015 até 30.09.2015 é " vago e impreciso no que toca aos factos que integram o motivo justificativo da contratação a termo " e " não permite estabelecer relação entre a justificação invocada (não concretizada ...) e o prazo de duração estipulado no contrato ".
III - Não se provando a indicação concreta e precisa nos sucessivos contratos de uma qualquer factualidade real justificativa daquele tipo de contratação e a sua relação com a duração do contrato, impunha-se considerar ope legis o primeiro contrato como sendo contrato sem termo art° 141° n° 3 e 147° n° 1 alin. c) do C.T. ).
IV - Com tal conclusão e continuidade do exercício de idênticas funções pelo Autor, o Tribunal a quo ao declarar a ilicitude da subsequente contratação e do despedimento consubstanciado na comunicação de caducidade do contrato e, consequentemente, ao condenar a Ré ao pagamento de retribuições, subsídios e indemnização, acrescidos de juros moratórios (artigos 143° n° 1 e 381° alin. c) do C.T.), não violou qualquer norma jurídica.
V — O n° 1 do artigo 390° do C.T. faz corresponder expressamente o termo do cômputo das retribuições intercalares devidas pelo despedimento ilícito com a data incerta do trânsito em julgado da sentença declarativa da ilicitude, ou seja, independentemente da opção do trabalhador pela substituição da reintegração por indemnização.
VI — Assim, o Tribunal a quo ao relegar para liquidação de sentença a fixação do valor de tais retribuições não incorreu em qualquer omissão.
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
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II- Importa solucionar no âmbito do presente recurso:
- Se deve ser alterada a decisão quanto à matéria de facto;
- Se as cláusulas de aposição de termo nos contratos celebrados pelas partes são válidas;
- Se o contrato de trabalho celebrado entre a recorrente e o recorrido cessou por caducidade, não se verificando despedimento ilícito;
- Se as retribuições intercalares não deveriam ter sido relegadas para liquidação de sentença;
- Se as retribuições intercalares não são devidas até ao trânsito em julgado da sentença.
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III- Apreciação
Conforme entendimento uniforme da jurisprudência, as conclusões das alegações delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem.
Refere a recorrente : «No 1º contrato celebrado, as partes declararam que as férias dos substituídos constavam do mapa de férias afixado. O recorrido não ilidiu a veracidade de tal declaração, como se vê da matéria de facto provada, ónus da prova que sobre si recaía, de acordo com o artigo 367º do Código Civil e que não foi levado em linha e conta na sentença recorrida, ao analisar este 1º contrato».
Mesmo que se entendesse que a recorrente pretendia impugnar a decisão sobre a matéria de facto, verificamos que não foi cumprido, em sede de conclusões, o ónus previsto no art. 640º, nº1, c) do CPC, ou seja não foi indicada pela recorrente a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas, o que tem como consequência, nos termos do citado preceito legal, a rejeição do recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto.
Os factos provados são os acima indicados.
Vejamos, agora, a validade dos acima indicados contratos de trabalho a termo.
A este propósito refere a sentença recorrida:
«A contratação a termo, porque atenta contra o princípio da segurança e estabilidade no emprego e, consequentemente, faz perigar a garantia do sustento do trabalhador e sua família, assume carácter de excepção, dela devendo as entidades empregadoras apenas lançar mão nas situações em que a sua justificação seja apodíctica. Daí que o legislador tenha estabelecido limites severos quer à celebração do contrato a termo, quer à estipulação do seu conteúdo, enunciando no art.º 140º, do Código do Trabalho de 2009 (aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro) ao tempo em vigor, as situações em que é lícito ao empregador lançar mão do precário vínculo contratual e, no art.º 141º, do mesmo diploma, as indicações que o contrato a termo deve conter.
De acordo com o disposto no art.º 141º, nº. 1, al. d), do Código do Trabalho, o contrato de trabalho a termo, certo ou incerto, está sujeito à forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter, designadamente, a indicação do prazo estipulado com indicação do motivo justificativo.
A indicação dos factos concretos e circunstâncias integradoras do motivo justificativo da celebração de um contrato a termo constitui formalidade “ad substantiam” que não pode ser suprida por qualquer outro meio de prova que não seja a do próprio documento onde foi exarado o contrato de trabalho. Só desta forma é possível aquilatar da justeza da contratação a termo, em cada caso concreto, em respeito pela natureza excepcional que o legislador entendeu ser de atribuir à contratação a prazo.
De acordo com o disposto no nº 3, do art.º 141º, do Código do Trabalho, para efeitos de indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, é necessário que seja feita menção expressa aos factos que integram aquele motivo, devendo, igualmente, estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. Deste preceito resulta que a indicação do motivo justificativo deve descrever uma factualidade real e determinada, radicada em dados concretos, cumprindo à entidade empregadora o ónus da prova da justificação do termo, ou seja, a indicação dos factos e circunstâncias concretos que justifica a contratação a termo, bem como a veracidade da mesma, pois que se tratam de elementos constitutivos do seu direito de contratar a prazo (cfr. art.º 140º, nº. 5, do Código do Trabalho).
Finalmente, considera-se sem termo o contrato em que, e para o que ora importa, falte a redução a escrito ou em que se omitam ou sejam insuficientes as referências atinentes ao termo estipulado e ao respectivo motivo justificativo (art.º 147º, nº.1, al.c) do Código do Trabalho).
Do que se vem de expor decorre, pois, que o contrato a termo é um negócio formal, achando-se sujeito à forma escrita, cuja inobservância tem como consequência a nulidade da aposição da cláusula acessória do termo, mantendo-se, portanto, o contrato válido, mas passando a ter duração indeterminada.
Revertendo, agora, ao caso dos autos, importa atentar no contrato firmado entre as partes denominado “contrato de trabalho a termo certo”, com início em 16.06.2015 até 30.09.2015, constando da cláusula 7ª “ O presente contrato de trabalho a termo certo justifica-se, ao abrigo do artigo 140º, nºs. 1 e 2, alínea a) do Código do Trabalho, pela necessidade de colocação dum Trabalhador Auxiliar para férias até 30.09.2015, conforme mapa afixado”
Consta, assim, do referido contrato o termo estipulado.
No entanto, o contrato ajuizado é, a nosso ver, vago e impreciso no que toca aos factos que integram o motivo justificativo da contratação a termo, porquanto não decorre do mesmo a razão justificativa da invocada necessidade de colocação de um trabalhador auxiliar, nomeadamente, a necessidade de substituir, directa ou indirectamente um trabalhador ausente ( v.g.por motivo de férias ou doença), em ordem a subsumir-se a factualidade à previsão a que alude a citada cláusula.
Também, a formulação acolhida não permite estabelecer relação entre a justificação invocada (não concretizada como já se viu) e o prazo de duração estipulado no contrato (cfr. artigo 141º, nº. 3 do Código do Trabalho).
Assim, se conclui que sendo insuficiente as referências ao motivo justificativo da estipulação do termo, o contrato terá de considerar-se como sendo não sujeito a termo (cfr. artigo 147º, nº. 1. al, c) do CT) ( …)
Aqui chegados, tendo-se concluído, como se fez, que o primitivo contrato celebrado era um contrato sem termo - o que obstava à celebração dos que se lhe seguiram - a situação verificada configura um despedimento do autor, que se mostra ilícito (cfr. art.º 381º, al. c) do Código do Trabalho).»
Vejamos.
Concordamos com a decisão recorrida quando refere que a cláusula 7ª do primeiro contrato (de 16.06.2015) é imprecisa. As menções constantes do contrato devem ser suficientes para aquilatar a necessidade de contratação a termo, não sendo, por isso, suficiente a remissão genérica para o mapa de férias. Da cláusula em apreço também não resultam elementos que nos permitam estabelecer uma relação entre a justificação invocada e a duração do contrato (desde 16.06.2015 a 30.09.2015) - vide art. 141º, nº3 do CT.
O que significa que o contrato dever-se-á considerar sem termo ( art. 147º, nº1, c) do CT).
Após a celebração do referido acordo foram celebrados dois contratos (em 1 de Outubro de 2015 e em 01 de Outubro de 2016) sob a designação “contrato de trabalho a termo certo”.
Conforme referido no Acórdão desta Relação de 23 de Outubro de 2013 ( assinado pela ora relatora e pela Exmª Juiz 1ªAdjunta- www.dgsi.pt : « No quadro legislativo do CT de 2003 (tal como no CT de 2009) um contrato de trabalho sem termo pode ser revogado por um contrato a termo. Foi esta a posição sustentada no Acórdão da Relação de Lisboa de 08.05.2013- www.dgsi.pt (que sintetizou da seguinte forma: “Anteriormente à vigência da Lei 18/2001, de 3 de Agosto, entendia-se que a celebração de um contrato de trabalho a termo depois de as partes se encontrarem vinculadas por contrato de trabalho por tempo indeterminado, revogava este, validamente, porque se elas podiam revogar o contrato, por maioria de razão podiam transformá-lo de contrato sem termo em contrato a termo. Aprovados os Códigos do Trabalho (…) devemos voltar àquele entendimento da jurisprudência, uma vez que não vigora norma de conteúdo idêntico ao do referido art. 41.º-A da LCCT”).» [1]
Consideramos, todavia, que os contratos celebrados em 1 de Outubro de 2015 e 01 de de Outubro de 2016 não converteram um contrato de trabalho sem termo em contrato a termo, em virtude das cláusulas de aposição de termo padecerem do vício de nulidade, pelas razões que passaremos a indicar.
No contrato celebrado em 1 de Outubro de 2015 foi estipulado: «O presente contrato de trabalho a termo certo justifica-se, ao abrigo do artigo 140º, nºs. 1 e 2, alínea f) do Código do Trabalho, pela necessidade de uma colaboradora para o sector de higiene e limpeza, resultante do tempo dos Acordos de cooperação com o ISS, eventualmente renovável por um ano».
O referido contrato é impreciso quanto aos acordos de cooperação em causa e à duração dos mesmos. Também não resultam elementos que nos permitam aferir a relação entre o motivo invocado e a duração do contrato.
No contrato celebrado em 01.10.2016 as partes estipularam sob a cláusula 7ª:
1- o presente contrato de trabalho a termo é celebrado ao abrigo do disposto na alínea f) do Código do nº. 2 e nº. 1 do Artº 140º do Código do Trabalho que admite a celebração deste tipo de contrato quando ocorre um acréscimo excepcional de actividade da Instituição na área da prestação de serviços de higiene e limpeza no Lar de São José.
2.- O acréscimo extraordinário da actividade desta Instituição na referida área resulta do grau de dependência do estado de alguns idosos e da celebração de um Acordo de Cooperação celebrado com o Instituto da Segurança Social que prevêem na sua globalidade um número superior de utentes ao do antecedente Acordo, tendo o Acordo a duração de 1ano, eventualmente renovável».
É manifesto que deste contrato não resultam elementos que nos permitam aferir a relação entre o motivo invocado e a duração do contrato (de 01.10.2016 a 31.12.2016).
Assim e atentas as razões indicadas, dever-se-ão considerar sem termo os referidos contratos de trabalho.
A cessação do contrato, sem precedência do respectivo procedimento, considera-se ilícita (art. 381º, c) do CT).
Na sentença recorrida a ora recorrente foi condenada a pagar ao ora recorrido «a quantia total de € 8.710,00 (oito mil setecentos e dez euros), relativa a retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal vencidos entre 14 de Outubro de 2017 e o dia 14 de Novembro de 2018, acrescida das quantias que se vencerem a título de retribuição, férias, subsídio de férias e de Natal até ao trânsito em julgado da presente sentença, sem prejuízo da dedução da quantia que o autor recebeu a título de compensação no valor de € 495,80 (quatrocentos e noventa e cinco euros e oitenta e cêntimos) e das quantias que não teria auferido, nesse período, não fosse o despedimento, nomeadamente, retribuições a favor de outra entidade patronal e do subsídio de desemprego auferida pelo mesmo, tudo a liquidar em incidente de liquidação».
Refere a recorrente que a sentença não deveria ter condenado em quantia ilíquida, em virtude de resultarem dos autos os elementos necessários para a liquidação.
Vejamos.
Conforme resulta do disposto no art. 609º, nº 2 do CPC, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o Tribunal condena no que vier a ser liquidado.
Ora, face aos factos provados acima enunciados, não resultam elementos que nos permitam, desde já, condenar numa quantia líquida, pelo que não cumpre revogar nesta parte a sentença recorrida.
Por último, vejamos se as retribuições intercalares não são devidas até ao trânsito em julgado da sentença, porque o ora recorrido optou pelo direito à indemnização.
A este propósito refere o art. 390º, nº1 do CT que, em caso de despedimento ilícito são devidas, sem prejuízo das deduções efectuadas no nº2 do citado preceito legal, as retribuições que o trabalhador «deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento».
Conforme refere Pedro Furtado Martins in “Cessação do Contrato de Trabalho”. 4ª edição, pág. 541 : «O despedimento ilícito, se bem que inválido enquanto facto extintivo, constitui um acto ilícito, gerando uma situação de incumprimento do contrato de trabalho que desencadeia a possibilidade de aplicação de sanções civis, conferindo à contraparte o direito de resolver o contrato e de receber a indemnização fixada na lei. A cessação do vínculo deriva aqui da resolução do contrato de trabalho com justa causa, por iniciativa do trabalhador. É o trabalhador que põe termo à relação, e nesse sentido se diz que a extinção lhe é imputável. Simplesmente, tal ficou a dever-se a um acto ilícito da entidade patronal, ou seja surge como uma reação perante uma situação de incumprimento.
Os efeitos desta resolução produzem-se na data do trânsito em julgado da decisão judicial que declara a invalidade do despedimento, mesmo que a opção pela indemnização seja formulada pelo trabalhador em momento anterior.»
Atenta a redacção do citado art. 390º, nº1 do CT, sufragamos este entendimento.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.
                                   *
IV- Decisão
Em face do exposto, o Tribunal acorda em julgar o recurso de apelação improcedente e confirma, embora com fundamentação parcialmente diversa, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 15 de Maio de 2019
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos

[1] A redacção do art. 349º do CT conferida pela lei nº 73/2017, de 16/08 não estava em vigor à data dos factos.