Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO | ||
| Descritores: | INTERMEDIAÇÃO DESPORTIVA EMPRESÁRIO DESPORTIVO REGISTO NA FEDERAÇÃO DESPORTIVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/12/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | SENTENÇA ALTERADA | ||
| Sumário: | I) De acordo com o prescrito no n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo existente para tal atividade junto da federação desportiva respetiva (no caso do futebol, a Federação Portuguesa de Futebol - FPF) são nulos. II) É insuficiente para afirmar a existência da observância pela autora das prescrições contidas, à data da celebração do contrato dos autos, nos artigos 36.º, n.º 1 e 37.º, n.ºs. 1 e 3 da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que a autorização para o exercício da atividade de intermediário desportivo tenha sido solicitada e obtida no decurso do tempo de vigência do contrato, mas verificando-se que era inexistente à data em que o contrato foi subscrito. III) Tratam-se, no fundo, de condições para o adequado e legal exercício da atividade de intermediário desportivo, que devem existir, ou ter lugar, previamente à contratação a que tal intermediação se refira e, nessa medida, coexistirem temporalmente, pelo menos, na data em que o contrato de intermediação ou representação é celebrado, resultando do n.º 2 do artigo 6.º do “Regulamento de Intermediários” da FPF que, “o Intermediário deve requerer previamente o seu registo sempre que participe numa transação”. IV) No caso dos autos, muito embora, quanto à segunda época considerada no contrato dos autos, a autora tenha entretanto obtido a necessária autorização, não se mostra comprovada a obtenção da autorização para a época precedente, sendo que, não se encontra demonstrado que a autora, à data da celebração do contrato, se encontrasse autorizada para a atividade de intermediação na FPF e que tenha procedido ao registo respetivo em tal entidade, circunstância que conduz, nos termos do artigo 37.º, n.º 3, da Lei nº 54/2017, de 14 de julho, à nulidade do contrato (cfr. artigo 294.º do CC). V) A nulidade opera ipso jure, podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal, para além de poder ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado, nos termos do artigo 286.º do CC. VI) A regra geral sobre os efeitos da declaração de nulidade está consagrada no art.º 289º, n.º 1, do CC, segundo a qual, a mesma, tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. VII) No contrato de intermediação – inserido na categoria mais ampla da prestação de serviços - não é possível a restituição em espécie, havendo que entregar o valor correspondente, o qual corresponde ao da prestação acordada, pelo que, a ré terá de restituir tudo o que foi prestado pela autora e, não podendo já restituir os serviços prestados por esta, dos quais beneficiou - com a contratação do jogador em questão, pelo período em que esta teve lugar - deverá restituir à autora o valor correspondente a tais serviços, que terá de ser avaliado e aferido segundo os critérios que as próprias partes acordaram fixar como sua contrapartida. VIII) Por via de tal efeito retroativo da declaração de nulidade do contrato e através da remissão feita pelo nº 3 do artigo 289º do CC para os artigos 1269º e ss. do CC, a obrigação de restituir fundada na nulidade abrange não só o que tiver sido prestado, mas também, os juros legais contados desde a interpelação para cumprir – citação ou interpelação extrajudicial, se a tiver havido -, nos termos dos artigos 212º, 1260º e 1271º do mesmo Código, dado que os juros são frutos civis. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: * 1. Relatório: * 1. FOOTBALL ASSESSORIA E SERVIÇOS DESPORTIVOS EIRELI, instaurou contra SANTA CLARA AÇORES FUTEBOL, SAD, procedimento de injunção, o qual foi transmutado em ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo o pagamento da quantia de €12.904,79 de capital, juros e outras quantias e taxa de justiça. Sustenta a sua pretensão na celebração com a requerida de um contrato de prestação de serviços de representação em regime de exclusividade, através do qual a requerida se comprometeu a pagar a importância ali identificada e, não obstante o envio de factura, não recebeu o valor estipulado. * 2. Regularmente citada, a ré apresentou oposição, confessando a assinatura do contrato em causa, mas apontando-lhe invalidades que o inquinam fatalmente e concluindo pela absolvição do pedido. * 3. Em 10-11-2022 foi proferido despacho a determinar a notificação da requerente para, querendo, nos termos do artigo 3.º do CPC, responder às exceções invocadas na oposição. * 4. Na sequência, a autora pronunciou-se pela improcedência das exceções suscitadas pela ré e, arguindo a litigância de má fé desta, peticionou a condenação da mesma no pagamento de multa e indemnização, tendo junto documentos. * 5. Em 19-01-2023 foi proferido despacho do seguinte teor: “Vislumbrando-se a eventual possibilidade de, desde já, vir a ser proferida decisão de mérito, atento o valor da acção, notifique a ré para, querendo e em 10 dias, se pronunciar quanto aos documentos juntos e peticionada condenação como litigante de má fé”. * 6. Por requerimento de 03-02-2023, a ré pronunciou-se requerendo: “a) a absolvição, a final, da Ré do pedido contra si formulado como litigante de má-fé, atento a que não estão verificados quaisquer dos específicos e gravosos pressupostos de que a lei faz depender para o seu decretamento, b) a notificação da F.P.F., com sede na Avenida das Seleções n.º 24, 1495-433, Dafundo, concelho de Oeiras, para vir aos autos informar, acompanhada de prova documental idónea e bastante, atenta a pertinência e relevância de tal factualidade, da data de aprovação da candidatura e da finalização do registo da Autora, como intermediária, para a época desportiva de 2021/2022, com todas as legais consequências.”. * 7. Em 10-03-2023 foi proferido despacho de onde se lê, nomeadamente, o seguinte: “Atento o contraditório ora operado e bem assim considerando o despacho proferido em 19.01.2023, solicite à FPF o envio aos autos de informação certificada da data do requerimento de candidatura da autora, data de aprovação da mesma e finalização do registo como intermediária para a época desportiva de 2021/2022. Prazo: 10 dias. Notifique”. * 8. Na sequência, por requerimento entrado em juízo em 30-03-2023, veio a Federação Portuguesa de Futebol informar “que o requerimento de candidatura da sociedade Football Assessoria e Serviços Esportivos Eireli como intermediária data de 19 de Julho de 2021, tendo sido aprovada em 19 de Abril de 2022. Mais se informa que a referida aprovação reporta sempre à época desportiva em curso, no caso, 2021/22”. * 9. Notificado o teor da informação às partes, a ré, por requerimento apresentado em juízo em 18-05-2023 pronunciou-se dizendo que: “1. Ficou plenamente demonstrado, em face do teor da informação solenemente prestada pela F.P.F. que a Autora não se inscreveu nem se licenciou para o exercício da atividade de intermediação desportiva com respeito à época desportiva 2020/2021. 2. Sendo tal requisito legalmente obrigatório e inarredável para o exercício da atividade em causa, mister é reconhecer-se que o contrato celebrado entre as partes em agosto de 2020 é nulo, não produzindo quaisquer efeitos, dado que a Autora (que apenas de si se pode queixar) não se licenciou para tal, estando-lhe assim vedado, porque não habilitada, a exercer a correspondente atividade, donde falece qualquer pedido de crédito emergente do referido instrumento contratual, naquela data celebrado, conforme oportunamente alegado.”. * 10. Na sequência, em 22-05-2023 foi proferida sentença, julgando a ação totalmente procedente e, em consequência, decidindo condenar “a ré “Santa Clara Açores Futebol, Sad” a pagar ao autor “Football Assessoria e Serviços Esportivos Eireli” a quantia de doze mil euros, acrescida de juros à taxa em cada momento vigente para obrigações comerciais, desde 27.10.2021 e até efectivo pagamento (…)”. * 11. Não se conformando com a referida sentença, dela apela a ré, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões: “A. O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida em 22.05.2023, a qual julgou a presente ação procedente, condenando a Ré no pagamento do valor de €12.000,00, acrescido dos juros desde 27.10.2021 e até efetivo pagamento. B. Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento espelhado na sentença em crise, certo é que a Recorrente não se pode conformar com tal sufrágio e entende que a decisão em apreço incorreu em erro de julgamento e concomitante violação de lei. C. Isto porquanto a Autora não esteve registada previamente à celebração do contrato de intermediação desportiva, conforme a lei obriga, junto da F.P.F., não tendo igualmente estado registada durante todo o tempo de vigência do referido contrato. D. E não se mostrando a Autora devida e necessariamente licenciada para o exercício daquela atividade para as épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2022 (e designadamente antes da celebração do contrato - 17.08.2020), mister é reconhecer-se que nunca poderia almejar qualquer direito remuneratório pelo facto de o atleta permanecer ao serviço da Ré após 31/08/2021 (data que está inteiramente inserida na época desportiva 2021/2022), E. Na verdade, o direito de remuneração da Autora estava inextricavelmente dependente da sua válida matrícula, registo e cadastro (licenciamento) junto dos organismos do futebol profissional (maxime, F.P.F.) para todo o período de duração ou vida do referido contrato de intermediação desportiva, e previamente à celebração do contrato. F. E não, como é apodítico, para uma parte ou parcela temporal da vida e de execução do referido contrato de intermediação desportiva, como se uma entidade pudesse exercer a sua atividade sem estar (durante todo esse correspetivo tempo de execução do contrato) devidamente licenciada. G. E neste sentido, conforme resulta da informação oficial veiculada pela F.P.F. nos autos, apenas em 19.07.2021 (e não antes) a Autora apresentou candidatura de inscrição no organismo regulatório, sendo que apenas em 19.04.2022 foi aprovado tal pedido. H. Na verdade, os dispositivos normativos aplicáveis obrigam a que o intermediário, para poder exercer válida e legalmente a sua atividade, esteja necessariamente, inscrito e registado previamente na F.P.F. durante todo o tempo em que tal exercício profissional está em curso, I. E o facto de a Autora não ter estado registada previamente ao negócio jurídico celebrado com a Ré junto da FPF (17.08.2020) inquina a legalidade de tal instrumento, porquanto tal violação é geradora de uma situação de nulidade jurídica - assim a qualifica a lei (cf. artigo 37.º, n.º 3 e artigo 42.º da Lei n.º 54/2017). J. Uma vez que a Autora apenas apresentou candidatura em 19.07.2021, tal significa que antes não se encontrava devidamente matriculada e registada, donde existiu um interregno durante a vigência do contrato, sendo que devia necessária e obrigatoriamente ter estado inscrita regulamentarmente durante pelo menos, ininterruptamente entre 17.08.2020 e o fim da época desportiva 2021/2022. K. E nem se diga que a aqui Recorrente incorre em abuso do direito porquanto a jurisprudência é firme e assertiva quanto a tal premissa: se ocorrer ofensa de normas de conteúdo imperativo, tal clausulado tem-se por inexistente, não escrito ou inoponível, não podendo sequer ser aplicável o regime do abuso do direito, sob pena de ser atingido um fim contrário ao desígnio normativo (cf. artigo 42.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho). L. Dos normativos constantes do Regulamento de Intermediários da F.P.F. resulta inequívoco que para a legislação desportiva que regula privativamente tal matéria, os contratos de intermediação, para granjearem validade legal, devem ser realizados unicamente com intermediários previamente registados e apenas estes dispõem dos devidos poderes e faculdades de exercício reconhecidos, e naturalmente que para toda a duração do contrato em causa, sendo que a sua participação em qualquer transação deve estar obrigatoriamente precedida desse registo anterior. M. Subsidiariamente, e ainda que assim não se entenda, também a Recorrente não pode acompanhar o entendimento do tribunal a quo, dado que na prática a intermediária desportiva (única responsável pela elaboração unilateral do instrumento contratual) forjou um contrato com condições de remuneração que a lei não prevê. N. Nos termos do preconizado no artigo 5., n.º 1, do Regulamento de Intermediários - Comunicado Oficial n.º 310, de 01.04.2015 da F.P.F., "O jogador e o clube podem contratar os serviços de um Intermediário quando negoceiem e celebrem contratos de trabalho desportivo ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações". O. Ou seja, e neste sentido, o dispositivo normativo doméstico está perfeitamente alinhado com os normativos FIFA sobre intermediação desportiva; ou seja, o intermediário apenas pode patrocinar uma das partes na relação contratual (jogador ou clube), assim como os seus serviços apenas se podem destinar à (i) contratação de um atleta e eventuais alterações/renovações desse contrato de trabalho ou (ii) negociação de transferência do atleta (definitiva ou temporária). P. No caso presente, a Recorrida veio a impor à Ré no clausulado por si unilateralmente redigido, uma ordem de pagamento (ilegal) alegadamente devido por força exclusiva da manutenção da relação laboral com o atleta em causa, após 31/08/2021, Q. Quando na verdade os seus serviços efetuados o foram apenas para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer prorrogação/alteração contratual no decurso das épocas desportivas seguintes. R. Ou seja, não tendo a Autora efetuado qualquer serviço de intermediação desportiva relacionado com a renovação/alteração contratual do contrato de trabalho desportivo do atleta, fatalmente que está em falta o pressuposto legal do seu direito de remuneração fundado por tais circunstâncias. S. Pelo que, legalmente, apenas lhe poderia, em abstrato, ser devido o pagamento pela representação aquando da contratação do atleta em causa, e não como pretende a Recorrida e o Tribunal a quo acedeu, constituindo essa a sua causa de pedir, por uma mera subsistência da manutenção do contrato de trabalho (para o período incluso na sua vigência inicial) do atleta ao serviço da Ré (no caso após 31/08/2021). T. Não lhe sendo assim legalmente devido quantias associadas à manutenção do contrato de trabalho desportivo do atleta, exatamente porquanto nenhum serviço, desde logo, foi prestado quanto a tal facto ou resultado circunstancial - que aliás, a lei não prevê como fundamento do direito de remuneração do intermediário, como é bom de ver (exceto, claro está, se tiver efetivamente tido ativa participação e intervenção na referida (se a tivesse havido) prorrogação do contrato - o que não existiu. U. Note-se até a este propósito que o pagamento pelo clube futebol (no caso, a Recorrente) ao intermediário desportivo (no caso, a Recorrida) de quaisquer quantias sem esse nexo de causalidade legal, sempre importaria uma camuflada e indireta cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras - prática expressa e veementemente proibida, que ofende direta e materialmente o conteúdo dos artigos 18bis e 18ter do Regulamento do Estatuto e Transferência dos Jogadores (FIFA). V. Caso fosse atendível a pretensão da Autora no pagamento das quantias reclamadas por este e relacionadas exclusivamente com a permanência do atleta ao serviço do clube, então tal colide frontalmente com a regra pública citada, fulminando de ilegal o conteúdo do alegado contrato de representação desportiva. W. De outro ângulo, se a remuneração do intermediário desportivo (tendo na sua génese um contrato de prestação de serviços) pressupõe que este preste necessariamente um serviço [concreto e tangível], qualquer remuneração só pode advir desse serviço prestado, X. Então não se pode admitir qualquer direito a perceber uma remuneração depois de 31.08.2021 dado que nenhum serviço pode ter sido, desde logo, prestado, Y. Designadamente, a continuidade ou não do atleta ao serviço da Recorrente após 31.08.2021 nunca esteve dependente (não podia) de qualquer atividade prosseguida pela Recorrida, donde também aqui incorreu a sentença em erro de julgamento. Z. A lei exige especificadamente que os serviços sejam efetivamente descritos, assim como o seu âmbito, natureza e qual a remuneração pela atividade concretamente desenvolvida pelo intermediário. AA. Ora, se assim é, é óbvio que a remuneração aqui reclamada pela Recorrida não tem qualquer suporte na lei, nem por isso mesmo podia vir, em conformidade, descrita no contrato, dado que nenhum serviço esta efetuou para o que o atleta permanecesse ao serviço da Ré depois de 31.08.2022 - falta assim a causa legal deste pedido de retribuição - inexistente - porque ausente é o serviço causal subjacente. BB. E nem se diga que o facto de a lei admitir o pagamento único ou faseado da remuneração do intermediário, interfere com o argumento da Recorrente que consiste em fundamento diferenciado: é que o pagamento ao intermediário tem sempre a sua causa necessariamente num concreto serviço prestado por aquele. CC. Deste modo, a continuidade do atleta ao serviço da aqui Recorrente após 31.08.2021 não procedeu de qualquer atividade ou serviço da Recorrida, até porque tal permanência resulta automática do cumprimento do contrato de trabalho desportivo, não tendo sido a intermediária desportiva a garantir tal resultado - por nenhuma ação sua. DD. Razão (de ordem normativa pública) que obsta à legalidade do montante aqui peticionado, a título de alegada remuneração por serviços de intermediação desportiva supostamente prestados. EE. Pois que determinando taxativamente a lei a forma de atuação do intermediário desportivo, fixando a sua remuneração em função de típicos negócios concretizados: (i) contratação de atleta, (ii) renovação do contrato de trabalho desportivo, (iii) cedência dos direitos do atleta - económicos e federativos (definitiva ou temporária), não está deferida ao intermediário a faculdade de remuneração por qualquer outra causa - designadamente porque o contrato de trabalho desportivo do atleta se mantém em execução/vigor durante o período da sua normal vigência! FF. Ora, esta própria cláusula (remuneração adicional e crescente do intermediário em função da permanência do atleta dentro da duração inicial do contrato de trabalho celebrado) que constitui a causa de pedir dos presentes autos é absolutamente nula, dado que nenhum serviço é prestado pelo intermediário desportivo para que o contrato de trabalho do atleta seja mantido durante o período normal da sua vigência, como é lógico. GG. Por outro lado, ainda, são diversas as desconformidades substantivas, formais e procedimentais do contrato do qual emergem os direitos da Requerente, quando analisado à luz do artigo 9.º do Regulamento da FPF, incorretamente desatendidas pelo tribunal a quo. HH. E não custa advertir que vale aqui a inadmissibilidade da tese de consagração implícita de elementos essenciais (isto é, identitários ou que constituem a essência do contrato): conforme resulta do n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento, pois que estes elementos sempre "constam expressamente do contrato de representação". II. Segue-se a falta de previsão, independentemente do enunciado adotado, da habilitação, pelo clube, do intermediário para o representar, quer se entenda que está em causa uma representação em sentido próprio (artigo 258.º do Cód. Civil), quer se entenda que se trata de uma "representação de interesses" - cf., por exemplo, os artigos 4.º, 5.º, n.º 2, e 9.º (epigrafado de contrato de representação), n.ºs 1, 2, proémio, 3 e 4, do Regulamento da FPF. JJ. Adiciona-se ainda outro argumento que conduz à ilegalidade do contrato, pois não terão sido feitas as vias exigidas, uma destinada à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (artigo 9.º, n.º 2, proémio, do Regulamento da FPF). A terceira via, destinada à Federação Portuguesa de Futebol também não terá sido depositada nesta federação pelo intermediário, aqui Recorrida, como imposto pelo n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento. KK. Igualmente, o contrato dos autos não conterá o número de registo de intermediário (artigo 9.º, n.º 2, al. a), do Regulamento da FPF), não se podendo confundir o seu representante legal, necessariamente também intermediário (artigo 7.º n.º 4, do RIFPF), com o intermediário interveniente no contrato. LL. Na verdade, são obrigatoriamente comunicados à FPF e à LPFP (artigo 9.º, n.º 2, do Regulamento da FPF), devendo ser depositados junto daquela entidade (artigo 9.º, n.º 3), que divulga a posteriori alguns dos seus elementos essenciais (artigo 10.º, n.º 7), sendo que é da sua natureza, considerando o seu escopo essencial - a representação (de interesses) -, a possibilidade de revelação a terceiros, em ordem a justificar os poderes representativos do intermediário, e a sua revelação no contexto da celebração do contrato visado (artigo 10.º, n.º 4). MM. Termos em que, também com base nestes fundamentos, devia a sentença recorrida ter considerado nulo o presente contrato de representação/intermediação desportiva, e em consequência ter determinado a absolvição da aqui Recorrente, por violação, inter alia, dos artigos 36.º. n.º 1, 37.º. n.ºs 1 e 3, 38.º, n.ºs 1, 2 e 4, da Lei n.º 54/2017, com a cominação plasmada no artigo 42.º desse diploma, e bem assim, artigo 801.º, n.º 1, do CC, artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), 4.º, 6.º, n.ºs 1 e 2, 9.º, n.º 2, alínea b) e d), e n.º 3, do Regulamento de Intermediários da F.P.F, pelo que não se poderá manter na ordem jurídica”. * 8. A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida. * 9. Por despacho de 13-09-2023 foi admitido o requerimento recursório. * 10. Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais. * 2. Questões a decidir: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC). Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação). Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir: * I) Impugnação da decisão de direito: A) Se a decisão recorrida violou as normas dos artigos 36.º. n.º 1, 37.º. n.ºs 1 e 3, 38.º, n.ºs 1, 2 e 4, da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, do artigo 801.º, n.º 1, do CC e dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), 4.º, 6.º, n.ºs. 1 e 2 e 9.º, n.º 2, alínea b) e d), e n.º 3, do Regulamento de Intermediários da F.P.F? * 3. Fundamentação de facto: * A DECISÃO RECORRIDA – considerando inexistir factualidade não provada com interesse para a decisão a proferir - CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE: 1. A autora, que tem como objecto social a actividade de representação desportiva de atletas e clubes desportivos, celebrou por escrito com a ré, em 17.08.2020, um contrato intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade, sendo a ré a primeira outorgante e a autora a segunda, conforme documento junto pela requerente, datado de 17 de Agosto de 2020 e que aqui, por economia processual, se considera integralmente reproduzido. 2. No dia 31 de Agosto de 2021, o atleta em causa e identificado no citado contrato manteve-se no Clube Desportivo da ré, com contrato de trabalho desportivo. 3. Face a tal, a autora emitiu a factura de 7 de Outubro de 2021 do valor fixado, €12.000, enviou-a à ré pedindo o pagamento, o que ocorreu em 21.10.2021, não obstante o que a ré não procedeu ao respectivo pagamento. 4. A Federação Portuguesa de Futebol veio aos autos certificar que a autora se candidatou como intermediária em 19.07.2021, tendo sido aprovada em 19.04.2022, aprovação esta reportada à época desportiva em curso, no caso de 2021/2022. 5. A ré aceitou a prestação dos serviços da autora através do atrás citado contrato e pagou-lhe a primeira prestação ali mencionada, reconhecendo expressamente que o fez aquando da contratação do atleta. * 4. Fundamentação de Direito: * I) Impugnação da decisão de direito: * A) Se a decisão recorrida violou as normas dos artigos 36.º. n.º 1, 37.º. n.ºs 1 e 3, 38.º, n.ºs 1, 2 e 4, da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, do artigo 801.º, n.º 1, do CC e dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), 4.º, 6.º, n.ºs. 1 e 2 e 9.º, n.º 2, alínea b) e d), e n.º 3, do Regulamento de Intermediários da F.P.F? Considerando os factos que deu como assentes, a decisão recorrida julgou a ação integralmente procedente (não condenando a ré como litigante de má fé), condenando a ré a pagar à autora a quantia de €12.000,00 acrescida de juros à taxa em cada momento vigente para obrigações comerciais, desde 27-10-2021 e até efetivo pagamento. A decisão recorrida assentou, em suma, nas seguintes razões: - O contrato celebrado entre as partes é um contrato de representação ou intermediação, a que se aplica a Lei n.º 54/2017, de 14 de julho; - Não ocorre a nulidade a que se refere o artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, porque a informação prestada pela FPF “dilucida que na época de 2021/2022 a autora se achava (perante a FPF e para toda a época) devidamente registada e credenciada como tal”; - O ano anterior “não [está] aqui em causa”; - A “ré reconheceu expressamente a validade na contestação e até que pagou, por ser devido, a prestação relativa a esse ano”; - No contrato consta que “A Primeira outorgante pretende exercer seu direito de contratar os serviços da Segunda Outorgante para por ela ser representada em negociações, tendo em vista a assinatura de contrato de transferência do jogador com uma entidade de prática desportiva nacional ou internacional, mediante remuneração”; - Relativamente ao contrato, escrito, a ré “não pôs em causa o seu conteúdo literal e, muito menos, as assinaturas de ambas as partes vinculantes, pelo que não vir, face à supra citada cláusula, invocar uma habilitação que a própria reconheceu por escrito”; - O contrato “contém o número de registo de intermediário, logo na identificação da aqui autora”; e - Do contrato consta que foi assinado em duplicado, ficando cada uma das partes com um exemplar e, prevendo o regulamento da FPF, Comunicado 310, de 01.04.2015, a obrigatoriedade de depósito na FPF do contrato de representação (art.º 9º, nº3), o Regulamento de Disciplina daquela Federação impõe-lhe o dever de sancionar qualquer das partes, em caso de violação de qualquer comando ínsito no seu Regulamento, sancionando o art.º 188º do aludido regulamento de disciplina a omissão ora invocada com multa, “o que significa que a formalidade do depósito é de cari[z] regulamentar e disciplinar e tem como consequência a actuação da Própria Federação junto do intermediário, não resultando que qualquer dispositivo legal outra sanção e, muito menos, a invalidade do contrato, quer por inexistência de norma expressa, quer por violação de norma imperativa”, pelo que, “tendo ou não havido depósito do contrato, nunca tal interferiria com a validade e eficácia do mesma, dando apenas origem a procedimento disciplinar”. A ré, ora recorrente, contesta tal decisão, convocando, em suma, os seguintes argumentos: 1º A autora não esteve registada previamente à celebração do contrato de intermediação desportiva junto da F.P.F., não tendo igualmente estado registada durante todo o tempo de vigência do referido contrato e que, por isso, não poderia almejar a qualquer direito remuneratório pelo facto de o atleta permanecer ao serviço da Ré após 31/08/2021; 2º O direito de remuneração da Autora estava inextricavelmente dependente da sua válida matrícula, registo e cadastro (licenciamento) junto dos organismos do futebol profissional para todo o período de duração ou vida do referido contrato de intermediação desportiva, e previamente à celebração do contrato; 3º Como resulta da informação da F.P.F. nos autos, apenas em 19.07.2021 (e não antes) a Autora apresentou candidatura de inscrição no organismo regulatório, sendo que apenas em 19.04.2022 foi aprovado tal pedido; 4º O facto de a Autora não ter estado registada previamente ao negócio jurídico celebrado gera a nulidade do contrato; 5º A recorrente não incorre em abuso do direito porquanto se ocorrer ofensa de normas de conteúdo imperativo, tal clausulado tem-se por inexistente, não escrito ou inoponível, não podendo ser aplicável o regime do abuso do direito, sob pena de ser atingido um fim contrário ao desígnio normativo (cf. artigo 42.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho); 6º “Subsidiariamente, e ainda que assim não se entenda”, o intermediário apenas pode patrocinar uma das partes na relação contratual (jogador ou clube), assim como os seus serviços apenas se podem destinar à (i) contratação de um atleta e eventuais alterações/renovações desse contrato de trabalho ou (ii) negociação de transferência do atleta (definitiva ou temporária), sendo que, no caso, os serviços da recorrida “o foram apenas para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer prorrogação/alteração contratual no decurso das épocas desportivas seguintes”, não tendo a Autora efetuado qualquer serviço de intermediação desportiva relacionado com a renovação/alteração contratual do contrato de trabalho desportivo do atleta, sendo que, o pagamento nesses termos, “sempre importaria uma camuflada e indireta cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras - prática expressa e veementemente proibida, que ofende direta e materialmente o conteúdo dos artigos 18bis e 18ter do Regulamento do Estatuto e Transferência dos Jogadores (FIFA);” 7º A remuneração do intermediário desportivo (tendo na sua génese um contrato de prestação de serviços) pressupõe que este preste necessariamente um serviço, sendo que, a continuidade ou não do atleta ao serviço da Recorrente após 31.08.2021 nunca esteve dependente (não podia) de qualquer atividade prosseguida pela Recorrida, não tendo a ré efetuado nenhum serviço para o que o atleta permanecesse ao serviço da Ré depois de 31.08.2022, pelo que falta a causa para o pagamento pretendido; 8º A permanência do atleta resulta automática do cumprimento do contrato de trabalho desportivo, não tendo sido a intermediária desportiva a garantir tal resultado - por nenhuma ação sua; 9º Determinando taxativamente a lei a forma de atuação do intermediário desportivo, fixando a sua remuneração em função de típicos negócios concretizados: (i) contratação de atleta, (ii) renovação do contrato de trabalho desportivo, (iii) cedência dos direitos do atleta - económicos e federativos (definitiva ou temporária), não está deferida ao intermediário a faculdade de remuneração por qualquer outra causa - designadamente porque o contrato de trabalho desportivo do atleta se mantém em execução/vigor durante o período da sua normal vigência; 10º A cláusula (remuneração adicional e crescente do intermediário em função da permanência do atleta dentro da duração inicial do contrato de trabalho celebrado) que constitui a causa de pedir dos presentes autos é nula, dado que nenhum serviço é prestado pelo intermediário desportivo para que o contrato de trabalho do atleta seja mantido durante o período normal da sua vigência; 11º Há diversas “desconformidades substantivas, formais e procedimentais do contrato”, incorretamente desatendidas pelo tribunal a quo, a saber: i. A não previsão da habilitação, pelo clube, do intermediário para o representar; ii. A ausência de elaboração das “vias exigidas, uma destinada à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (artigo 9.º, n.º 2, proémio, do Regulamento da FPF)”; iii. “A terceira via, destinada à Federação Portuguesa de Futebol também não terá sido depositada nesta federação pelo intermediário, aqui Recorrida, como imposto pelo n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento”; iv. O contrato dos autos “não conterá o número de registo de intermediário (artigo 9.º, n.º 2, al. a), do Regulamento da FPF), não se podendo confundir o seu representante legal, necessariamente também intermediário (artigo 7.º n.º 4, do RIFPF), com o intermediário interveniente no contrato”. Antes de prosseguirmos e de apreciarmos da existência, ou não, de erro de julgamento na decisão prolatada, importa ter presentes algumas considerações sobre o contrato dos autos e sobre as normas em que o mesmo obtém enquadramento. Depois de um período em que os jogadores se representavam nas contratações a eles mesmos, certo é que, “atendendo ao desequilíbrio das posições negociais entre as partes, os dirigentes desportivos, experientes, e os jogadores, impreparados neste domínio, não sentindo que os seus interesses estariam devidamente salvaguardados, começaram a recorrer aos serviços dos empresários de futebol, para estes os representarem nas reuniões destinadas à sua contratação (…). Os jogadores vão sentindo a necessidade de serem permanentemente representados por um empresário de futebol, e este, passa a oferecer, uma panóplia de novos serviços (jurídicos, financeiros e outros), contribuindo para ganhos mais expressivos”. (assim, Henrique Manuel Silva Faria; “O empresário de futebol/intermediário – Regime contratual no futebol profissional”, in Estudos de Direito do Futebol; Coord. de Inês Neves, Juliana Ferraz Coutinho e Rodrigo Rocha Andrade; Universidade do Porto, 2021, pp. 107-108). A legislação não se alheou deste fenómeno e, no específico campo do futebol, foram tomadas medidas legislativas e regulamentares, quer de âmbito interno (regulamentos da FPF), quer de âmbito internacional (regulamentos da federação deste desporto - FIFA), que procuraram regular e regulamentar esta atividade. Nesta linha, a Lei n.º 28/98, de 26 de junho dedicou o capitulo IV à regulação da atividade dos “empresários desportivos” (considerando inibidos para tal atividade, as sociedades desportivas e titulares dos respetivos órgãos, os clubes, os dirigentes desportivos, os treinadores, praticantes, árbitros, médicos e massagistas) prevendo que só poderiam exercer a atividade as pessoas autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes, impondo aos “empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos”, o registo “como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade” e um registo na respetiva liga, “no caso de federações desportivas onde existam competições com carácter profissional” (cfr. n.ºs. 1 e 2 do artigo 23.º). Nos termos do disposto n.º 4 do artigo 23.º da Lei n.º 28/98, “os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos que se não encontrem inscritos no registo referido no presente artigo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam a respectiva remuneração pela prestação desses serviços, são considerados inexistentes”. Esta lei veio a ser revogada pela Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que estabeleceu o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contato de formação desportiva e do “contrato de representação ou intermediação”. Conforme se dá conta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2017 (Pº 718/16.6T8FNC.L1-7, rel. HIGINA CASTELO), “[a] intermediação é termo algo lasso em direito, que engloba mandatos, mas também outras realidades, nomeadamente contratos de mediação em que aprestação característica é constituída por atos materiais. Devemos reservar a expressão contratos de intermediação para o «conjunto dos contratos em que uma das partes desenvolve uma atividade com vista à celebração de um contrato em que não é parte ou em que apenas o será por conta alheia» (Higina Orvalho Castelo, O contrato de mediação, Almedina, 2014, p. 16)”. A respeito do exercício da atividade de empresário desportivo, o artigo 36.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, passou a prescrever que: “1 - Só podem exercer atividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou coletivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes. 2 - A pessoa que exerça a atividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual, apenas por esta podendo ser remunerada, nos termos do respetivo contrato de representação ou intermediação. 3 - É vedada ao empresário desportivo a representação de praticantes desportivos menores de idade.”. E o artigo 37.º da mesma Lei, dedicado ao registo dos empresários desportivos, veio estatuir que: “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar-se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado. 2 - O registo a que se refere o número anterior é constituído por um modelo de identificação do empresário, cujas características serão definidas por regulamento federativo. 3 - São nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo”. Sobre o denominado “contrato de representação ou intermediação”, o artigo 38.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho estabelece que: “1 - O contrato de representação ou intermediação é um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva. 2 - O contrato está sujeito a forma escrita, nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida e as respetivas condições de pagamento. 3 - No caso de contrato de representação ou intermediação celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo, a remuneração paga pelo praticante não pode exceder 10 % do montante líquido da sua retribuição e o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor. 4 - O contrato tem sempre uma duração determinada, não podendo, em qualquer caso, exceder dois anos de duração. 5 - O contrato caduca aquando da verificação do termo resolutivo estipulado, podendo ser renovado por mútuo acordo das partes, mas não sendo admissíveis cláusulas de renovação automática do mesmo. 6 - O incumprimento culposo dos deveres decorrentes do contrato atribui ao contraente lesado o direito de o resolver com justa causa e com efeitos imediatos. 7 - A parte que promover indevidamente a rutura do contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer. 8 - As partes podem fixar, por acordo, o montante da indemnização a que se refere o número anterior. 9 - Quando o dever de indemnizar recaia sobre o praticante desportivo, o respetivo montante não pode exceder o que resultar da aplicação do n.º 3 ao período remanescente do contrato.”. Assim, de acordo com o prescrito no n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo existente para tal atividade junto da federação desportiva respetiva (no caso do futebol, a Federação Portuguesa de Futebol) são nulos. Ao nível da regulamentação internacional, em 2000 a FIFA aprovou um primeiro regulamento relativo a agentes de jogadores - na altura adotado na íntegra pela FPF - que depois veio a ser substituído pelo “FIFA Player’s Agente Regulations” de 2008, aí se prevendo a exigência de uma candidatura e exame à posição pretendida junto da associação nacional, sendo que, após aprovação o agente, cumpridas as respetivas formalidades, poderia obter um certificado oficial, emitido pela associação oficial, para habilitação do exercício da atividade. Este regulamento de 2008 veio, entretanto, a ser substituído pelo “FIFA – Regulations on Working with Intermediaries 2015”, que, passou a denominar os anteriores “agentes” como “intermediários” e, abolindo o sistema do licenciamento, implementou o sistema de registo, sujeito a um conjunto de pré-requisitos (para mais desenvolvimentos, vd., v.g., Diogo Ricardo Sá Loureiro Quinteiro; Empresário Desportivo – A sombra protagonista; UCP, Escola de Gestão, Lisboa, 2021, p. 22 e ss.; David V. Bastos; “Regulação da carreira profissional dos intermediários desportivos”, in Estudos de Direito do Futebol; Coord. de Inês Neves, Juliana Ferraz Coutinho e Rodrigo Rocha Andrade; Universidade do Porto, 2021, p. 123 e ss.; João Diogo Valente Manteigas; “Empresário desportivo: O princípio do fim?”, in Estudos de Direito Desportivo em Homenagem a Albino Mendes Baptista; Universidade Lusíada Editora, 2010, p. 139 e ss.; Nuno Barbosa; “O agente de jogadores”, in O Desporto que os Tribunais Praticam, Coord. José Manuel Meirim; Coimbra Editora, 2014, p. 361 e ss.; Ricardo Correia Henriques Tomás; “Do agente de jogadores ao intermediário regulamento de colaboração com intermediários no Regulamento Intermediários da FPF”, in Direito e Finanças do Desporto; Coord. João Miranda e Nuno Cunha Rodrigues; ICJP/IDEFF, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2016, p. 178 e ss.). Ao nível da regulamentação nacional, releva para o caso dos autos, a referência ao denominado “Regulamento de Intermediários” da FPF, publicitado pelo Comunicado Oficial nº 310, de 1 de abril de 2015 (o qual, recentemente, foi substituído pelo “Regulamento de Agentes de Futebol da FPF”, mas, sem aplicação ao caso, apenas vigorando desde 01-10-2023) e aprovado, com outros fundamentos, com base no “FIFA – Regulations on Working with Intermediaries 2015”. O “Regulamento de Intermediários” da FPF (que estabelece “as normas que regulam a contratação dos serviços de um intermediário por parte de um jogador e de um clube com vista a: a) Celebrar ou renovar um contrato de trabalho entre um jogador e um clube, ou b) Celebrar um contrato de transferência, temporária ou definitiva, entre dois clubes”) – cfr. artigo 2.º, n.º 1) contém, nomeadamente, as seguintes prescrições: - “Artigo 4º Definição de Intermediário Intermediário é a pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência”; - “Artigo 5º Contratação de Intermediários 1. O jogador e o clube podem contratar os serviços de um Intermediário quando negoceiem e celebrem contratos de trabalho desportivo ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações. 2. No processo de seleção e de contratação, o jogador e o clube devem agir com o devido cuidado, devendo, nomeadamente, antes do início da prestação dos serviços, certificar que o Intermediário está registado na FPF e assinar um contrato de representação, conforme o disposto neste Regulamento. 3. O Intermediário apenas pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual (…)”; - “Artigo 6º Registo de Intermediários 1. Só podem exercer a atividade de Intermediário as pessoas singulares ou coletivas registadas na FPF. 2. O Intermediário deve requerer previamente o seu registo sempre que participe numa transação. 3. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o registo de Intermediário pode ser requerido para uma época desportiva, sendo emitido o respetivo documento comprovativo. 4. O Intermediário registado pode utilizar, no exercício da sua atividade, a designação “Intermediário registado na FPF”. 5. O Intermediário não pode, em circunstância alguma, utilizar as marcas, os logótipos ou quaisquer outros sinais distintivos da FPF (…)”; - “Artigo 10º Divulgação e publicação 1. O jogador e o clube comunicam à FPF as informações completas sobre todas e quaisquer remunerações ou pagamentos acordados, sejam de que natureza forem, que tenham efetuado ou venham a efetuar a favor de um Intermediário. 2. A pedido da FPF, o jogador ou o clube devem divulgar todos os contratos, acordos e registos com Intermediário, que estejam relacionados com os contratos de trabalho ou de transferência. 3. O jogador e o clube devem celebrar acordos com o Intermediário, de modo a garantir que não existem obstáculos à divulgação das informações e documentos referidos nos números anteriores. 4. Todos os contratos acima referidos devem ser anexados ao contrato de transferência ou ao contrato de trabalho desportivo, conforme for o caso, para fins de registo do jogador. 5. O clube ou o jogador devem assegurar que qualquer contrato de transferência ou contrato de trabalho celebrado com o recurso a serviços de Intermediário contém o nome e assinatura desse Intermediário e o seu número de registo na FPF (…)”; - “Artigo 13º Sanções 1. A FPF é responsável pela imposição de sanções a qualquer das partes que viole as disposições do presente Regulamento (…)”. Com respaldo neste regime jurídico, “o jogador e o clube podem contratar os serviços de um intermediário quando negoceiem e celebrem contratos de trabalho desportivo ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações. No processo de negociação, o jogador e o clube devem agir com o devido cuidado, tendo de, nomeadamente, antes de início da prestação dos serviços, certificar-se de que o intermediário está registado na FPF e tendo de assinar um contrato de representação. Na verdade, só podem exercer a atividade de intermediário as pessoas singulares ou coletivas registadas na FPF. No que respeita ao contrato de representação, o artigo 9.º impõe que os elementos essenciais da relação jurídica entre o jogador ou o clube e o intermediário constem expressamente do contrato de representação, celebrado antes do início da atividade por parte do intermediário. Exige-se a forma escrita, devendo o documento que formaliza o negócio conter obrigatoriamente os elementos constantes do artigo 9º/2 Regulamento de Intermediários da FPF” (assim, Mafalda Miranda Barbosa; “Da nulidade ou da inexistência de um contrato de prestação de serviços, na sua modalidade de contrato de mandato, quando o empresário desportivo não está inscrito na respetiva federação: comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2017 (Processo nº 10145/14)”, in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, v. 95, n.1 (2019), pp. 213-239). Em diversas decisões jurisprudenciais têm sido atuadas as disposições normativas e regulamentares referentes aos contratos de intermediação desportiva e, em particular, os termos de aplicação dos dispositivos que preveem e sancionam a falta de registo da intermediação. A este respeito, podem citar-se, no âmbito de aplicação da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, entre outras, as seguintes decisões (elencadas por ordem cronológica crescente): - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2011 (Pº 19/08.3TVLSB.L1.S1, rel. MARQUES PEREIRA): “Os empresários desportivos que pretendem exercer a actividade de intermediários desportivos na contratação de praticantes desportivos, devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade e, nas federações desportivas onde existam competições de carácter profissional, igualmente junto da respectiva liga. Essa obrigação legal impende sobre os empresários desportivos, seja quando os seus serviços são requisitados pelos jogadores, seja quando são requisitados pelos clubes/sociedades desportivas. O contrato celebrado entre um empresário desportivo, não inscrito no registo, e uma sociedade desportiva, nos termos do qual, o primeiro se obriga, simplesmente, a prestar à segunda os seus serviços na negociação da contratação de um determinado jogador de futebol, mediante uma remuneração a pagar pela mesma sociedade desportiva, por celebrado contra disposição legal de carácter imperativo, deve considerar-se nulo”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2015 (Pº 165/14.4TBFUN.L1-6, rel. ANABELA CALAFATE): “Os empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediação na contratação de um jogador de futebol estão obrigados a registar-se junto da Federação Portuguesa de Futebol e na Liga Portuguesa de Futebol. Estando provado que a apelante não estava autorizada/credenciada para o exercício da actividade de empresária desportiva junto dessas entidades, tem de se considerar inexistente o contrato em que outorgou naquela qualidade com uma sociedade desportiva e no qual se clausulou a sua remuneração pela prestação do serviço de intermediação na contratação de um jogador de futebol”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-03-2017 (Pº 10145/14.8T8LSB.L1-6, rel. EDUARDO PETERSEN SILVA): “No domínio da Lei 28/98 de 26 de Junho e da incorporação pela Federação Portuguesa de Futebol do Regulamento FIFA de 2008 sobre Agentes de Jogadores, é juridicamente inexistente o contrato celebrado entre uma SAD e um empresário desportivo que não se encontra registado na Federação Portuguesa de Futebol (…). O abuso de direito não é oponível à procedência da invocada inexistência jurídica do contrato”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2017 (Pº 718/16.6T8FNC.L1-7, rel. HIGINA CASTELO): “A atividade do empresário desportivo pode ter na sua génese contrato que lhe permita celebrar contratos desportivos por conta e até em nome do seu cliente(cliente que poderá ser a entidade empregadora ou formadora, ou poderá ser o praticante de desporto), assim como pode ter na sua origem contrato que lhe permita apenas atividades materiais ou jurídicas secundárias com vista à aproximação das futuras partes em contratos desportivos. Mesmo quando a atividade do empresário desportivo se alicerça num contrato com amplos poderes de gestão e representação, pode suceder que no caso concreto a sua atuação se fique pela aproximação e facilitação de contratos nos quais não intervém (nem em representação, nem por conta). A Lei 28/98, de 26 de junho, cominava com a inexistência os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos não registados. Sendo a inexistência jurídica um conceito controverso, de contornos imprecisos, sem regime legalmente estabelecido, mas de consequências pelo menos tão gravosas como a nulidade, a norma que a estabelece para um dado «contrato» deve ser interpretada de forma contida, estrita e rigorosa, pois no campo dos contratos, o princípio é o da liberdade. Se a norma determina que os contratos de mandato (celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo) são inexistentes, não devemos ir além da letra do preceito e incluir outros contratos, eventualmente próximos, mas que não se qualifiquem como mandato. Mesmo que o contrato devesse ser tido por inexistente, não podendo o tempo voltar atrás e a ré restituir os serviços efetivamente prestados pela autora – ou seja, não sendo já possível à ré abster-se de tirar partido da atividade de intermediação levada a efeito pela autora, pois dessa atividade beneficiou celebrando os contratos por ela visados que lhe permitem receber agora elevada quantia com a transferência do jogador para novo clube –, deveria a ré restituir valor correspondente à atividade de que beneficiou”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2020 (Pº 625/19.0T8LSB.L1-7, rel. CRISTINA COELHO):“Só pode exercer a atividade de empresário a pessoa que se registe, como tal, junto da respetiva federação desportiva, e da respetiva Liga, sendo caso disso, nos termos do art.º 23º, nºs 1 e 2 da Lei nº 28/98, de 26.06. Esta disposição legal tem caráter imperativo não podendo ser derrogada, contrariada, por normas corporativas ou regulamentos. Estando em causa um contrato inexistente, não pode operar a figura do abuso de direito, porquanto através deste instituto conseguir-se-ia obter o resultado que a lei não pretende”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-03-2021 (Pº 1691/19.4T8LSB.L1-7, rel. DINA MONTEIRO): “A Lei 28/98, de 26 de Junho, cominava com a inexistência os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos não registados. Sendo a inexistência jurídica um conceito controverso, de contornos imprecisos, sem regime legalmente estabelecido, mas de consequências pelo menos tão gravosas como a nulidade, a norma que a estabelece para um dado «contrato» deve ser interpretada de forma contida, estrita e rigorosa, pois no campo dos contratos, o princípio é o da liberdade. Mesmo que o contrato devesse ser tido por inexistente, não podendo o tempo voltar atrás e a ré restituir os serviços efectivamente prestados pela autora – ou seja, não sendo já possível à ré abster-se de tirar partido da actividade de intermediação levada a efeito pela autora, pois dessa actividade beneficiou celebrando os contratos por ela visados que lhe permitem receber agora elevada quantia com a transferência do jogador para novo clube –, deveria a ré restituir valor correspondente à actividade de que beneficiou. (…) Sem prejuízo do referido (…), vir a Ré invocar a omissão de um requisito formal na celebração do Contrato, cuja redação é da sua responsabilidade, e cuja ausência em nada interferiu na conclusão de todas as suas pretensões económicas e jurídicas por si prosseguidas, ou seja, sem que possa invocar um qualquer interesse “real, efectivo e prático” para a conclusão dos contratos aqui em causa, e para, com a invocação deste expediente, não cumprir com as suas obrigações perante a A., e que se encontram expressas no Contrato celebrado com esta, sempre configuraria uma situação de Abuso de Direito , na modalidade de “venire contra factum próprio” a que o Direito nunca poderia dar cobertura legal”. No domínio da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, a respeito do contrato de intermediação e da questão atinente às consequências da falta de registo do intermediário desportivo – sendo que, como referido, a nova lei alterou a anterior previsão (cfr. artigo 23.º, n.º 4, da Lei n.º 28/98) da cominação de inexistência para os contratos de mandato desportivos sem registo, passando a prever (cfr. artigo 36.º, n.º 3, da Lei n.º 54/2017) que, a celebração de contratos de representação ou intermediação, com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo, gera a nulidade – podem citar-se os seguintes arestos: - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-06-2021 (Pº 910/20.9T8PDL.L1-7, rel. CARLOS OLIVEIRA): “O contrato de intermediação desportiva tem como partes necessárias, por um lado, um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva, e por outro, um intermediário desportivo, tendo por finalidade específica que um dos dois primeiros solicite do segundo a prestação de serviços que consistem essencialmente na mediação tendente à celebração de contratos desportivos, nomeadamente contratos de trabalho desportivos ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações, o que pode ser realizado de forma gratuita ou remunerada, podendo eventualmente ser atribuídos poderes de representação ao intermediário desportivo. Por força do Art.º 37.º n.º 3 da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho os contratos de intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo da autoridade federativa competente são nulos. (…) Tendo o Autor sido contratado para a prestação de serviços, na qualidade de “intermediário desportivo”, pelo período de vigência do contrato, que no caso era de 2 anos a contar de 3 de julho de 2018, deveria o mesmo durante todo esse período de tempo continuar registado nessa qualidade junto da F.P.F.. O registo como intermediário desportivo junto da entidade federativa competente é condição necessária para o exercício regular dessa atividade económica (Art.º 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7). Não se encontrando o Autor licenciado para o exercício da atividade de intermediário desportivo para o segundo ano de vigência do contrato de intermediação dos autos, existe uma impossibilidade objetiva de cumprimento desse contrato pela sua parte (cfr. Art.º 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7), não podendo exigir, nessas condições, o cumprimento da correspetiva obrigação de exclusividade por parte do Réu, nem o pagamento duma remuneração a que só poderia ter direito caso fosse um intermediário desportivo registado”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-11-2021 (Pº 13647/18. 0T8LSB.L1-2, rel. NELSON BORGES CARNEIRO): “São nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos na federação desportiva da respetiva modalidade”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-11-2022 (Pº 110265/20.0YIPRT.L1-6, rel. MARIA DE DEUS CORREIA): “Os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar-se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado. São nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos na respectiva federação desportiva”. Ora, analisando o contrato dos autos – junto com o requerimento apresentado pela autora em juízo em 12-10-2022 – importa referir que não procede o argumento da apelante, no sentido de que a autora não efetuou nenhum serviço para que o atleta permanecesse ao serviço da ré depois de 31-08-2022 pelo que lhe faltaria causa para pedir o pagamento que solicita. Apreciando a mera redação da Cláusula 1.ª do contrato dos autos se afere a fragilidade de uma tal argumentação. É que, de acordo com tal cláusula, o acordo firmado entre as partes respeita ao “trabalho desenvolvido pela Segunda Outorgante na assinatura do contrato do jogador” aí identificado, constituindo tal trabalho a causa para a possibilidade de a autora exigir da contraparte o pagamento dos valores ali considerados. E, conforme resulta do n.º 2 da mencionada Cláusula 1.ª, certo é, todavia, que os outorgantes acordaram “que a prestação referida no número anterior que fiz respeito à Época 21/22 apenas será devida caso o atleta se mantenha no clube após o fecho da janela de mercado em 31 de Agosto de 2021”. Encontra-se vertida no n.º 2 da mencionada cláusula uma condição suspensiva – que, como se sabe, constitui o “acontecimento futuro e incerto” ao qual as partes condicionam a produção dos efeitos do negócio jurídico (cfr. artigo 270.º do CC) – em que os efeitos atinentes ao pagamento referente à época de 21/22 ficaram suspensos à espera da verificação do evento condicionante, no caso, a circunstância de o atleta se manter no clube após a data de 31 de agosto de 2021, o que, na realidade, veio a suceder (cfr. facto provado n.º 2). Para além deste aspeto, cumpre sublinhar que, o pagamento dos valores referidos na cláusula 1.ª apenas se reportava ao “trabalho desenvolvido pela Segunda Outorgante na assinatura do contrato do jogador”, o qual se mostrava concluído com tal assinatura, não se encontrando relacionado ou conexionado com a necessidade de qualquer prestação de serviço atinente à prorrogação ou alteração contratual no decurso das épocas desportivas, mas tão só, à verificação do aludido “acontecimento futuro e incerto” – a manutenção do jogador no clube após a data de 31-08-2021. Neste sentido, soçobra a argumentação da apelante no sentido de que a cláusula em questão padece de nulidade, sendo certo que, com a estipulação contratual, existente ao tempo de transação, foi devidamente observado, igualmente, o prescrito no artigo 11.º, n.º 2, do Regulamento de Intermediários da FPF (impondo que “o clube que contrate os serviços de um intermediário deve acordar a remuneração antes da realização da transação, podendo o pagamento ser efetuado de uma só vez ou em prestações”). Também soçobram, nos termos e com os fundamentos alinhados na decisão recorrida, as invocações da apelante no sentido de que o Tribunal recorrido desatendeu à ocorrência de “diversas desconformidades substantivas, formais e procedimentais do contrato”. Quanto à não previsão de habilitação pelo clube do intermediário para o representar, o considerando iv) do contrato claramente afasta esta situação. Ali se lê que: “iv) A Primeira Outorgante pretende exercer seu direito de contratar os serviços da Segunda Outorgante para por ela ser representada em negociações, tendo em vista a assinatura de contrato de transferência do jogador com uma entidade de prática desportiva, nacional ou internacional, mediante remuneração”. E, conforme bem se assinalou na decisão recorrida: “Tratando-se de um contrato formal e, por isso, imperativamente reduzido a escrito, como foi, a ré não pôs em causa o seu conteúdo literal e, muito menos, as assinaturas de ambas as partes vinculantes, pelo que não vir, face à supra citada cláusula, invocar uma habilitação que a própria reconheceu por escrito”. Quanto à ausência de elaboração das “vias” exigidas no artigo 9.º, n.º 2, do “Regulamento de Intermediários” da FPF – onde se prevê que, “o contrato de representação é celebrado em quadruplicado, sendo uma cópia para cada uma das partes, outra para a FPF e outra para a LPFP, quando os contratos digam respeito a jogadores ou clubes que participam nas suas competições (…)” – e a circunstância de a 3.ª via não ter sido depositada na FPF (asserção exposta pela apelante, aliás, em sentido dubitativo), como o impõe o n.º 3 do mesmo artigo 9.º, o título contratual junto aos autos apenas evidencia no termo da sua página 2 que “Este contrato foi assinado em duplicado, ficando cada uma das partes com um exemplar”. Ora, conforme se refere na decisão recorrida, em considerações que se mostram de acolher, a eventual inobservância dessas disposições regulamentares seria inconsequente em termos de interferir com a validade ou eficácia do contrato ou, bem assim, com a exigibilidade das prestações pecuniárias nele assinaladas: “(…) Efectivamente, de acordo com o proémio do regulamento da FPF, Comunicado 310, de 01.04.2015, prevê-se a obrigatoriedade de depósito na FPF do contrato de representação (art.º 9º, nº3), não se podendo, contudo, olvidar que o Regulamento de Disciplina daquela Federação lhe impõe o dever de sancionar qualquer das partes, em caso de violação de qualquer comando ínsito no seu Regulamento. Neste quadrante, observa-se que o art.º 188º do aludido regulamento de disciplina sanciona a omissão ora invocada com multa, o que significa que a formalidade do depósito é de caris regulamentar e disciplinar e tem como consequência a actuação da Própria Federação junto do intermediário, não resultando que qualquer dispositivo legal outra sanção e, muito menos, a invalidade do contrato, quer por inexistência de norma expressa, quer por violação de norma imperativa. Conclui-se, pois, que, tendo ou não havido depósito do contrato, nunca tal interferiria com a validade e eficácia d[a] mesma, dando apenas origem a procedimento disciplinar.”. Estas mesmas razões são conducentes à improcedência da invocação respeitante à “ausência do número de registo de intermediário”, pois, jamais a inobservância de tal disposição regulamentar poderia contender com as obrigações – de cariz privatístico – decorrentes das estipulações contratuais das partes. Contudo, já se nos afigura procedente a invocação da apelante atinente à nulidade do contrato, com fundamento na ausência de autorização/registo na FPF da qualidade de intermediário da autora à data em que o contrato dos autos foi celebrado. Com efeito, conforme referido pela apelante, a autora não se encontrou – de acordo com os elementos de que dão conta os autos – registada previamente à celebração do contrato dos autos, datado de 17 de agosto de 2020 – pois, de acordo com a informação colhida junto da FPF (cfr. requerimento desta entidade de 30-03-2023), a autora apresentou requerimento de candidatura como intermediária apenas em 19 de julho de 2021 (pretensão que, ulteriormente, em 19 de abril de 2022, foi objeto de aprovação pela FPF). É certo que, muito embora, a aprovação se tenha reportado à época de 2021/2022, importa não esquecer que, o contrato dos autos, respeitando embora, parcelarmente, a esta época, abrangeu, com clareza e na sua integral amplitude, a época de 2020/2021 (a essa época se mencionado, expressamente, o n.º 1 da cláusula 1.ª do contrato). Afigura-se-nos que, ao invés do entendimento levado a efeito na decisão recorrida, não se pode afirmar terem sido observadas as prescrições contidas, à data da celebração do contrato dos autos, nos já citados artigos 36.º, n.º 1 e 37.º, n.ºs. 1 e 3 da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que a autorização viesse a ser obtida no decurso do tempo previsto no contrato e, não, pelo menos, que, com referência à data em que o contrato foi subscrito, a autorização para o exercício da atividade de empresário desportivo pela autora já deve existir e, bem assim, que, pelo menos, com referência à data de tal celebração, já se encontrasse o registo da atividade da autora como intermediária desportiva junto da FPF. Dito de outro modo: É insuficiente para afirmar a existência da observância pela autora das prescrições contidas, à data da celebração do contrato dos autos, nos artigos 36.º, n.º 1 e 37.º, n.ºs. 1 e 3 da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que a autorização para o exercício da atividade de intermediário desportivo tenha sido solicitada e obtida no decurso do tempo de vigência do contrato, mas verificando-se que era inexistente à data em que o contrato foi subscrito. Tratam-se, no fundo, de condições para o adequado e legal exercício da atividade de intermediário desportivo, que devem existir, ou ter lugar, previamente à contratação a que tal intermediação se refira e, nessa medida, coexistirem temporalmente, pelo menos, na data em que o contrato de intermediação ou representação é celebrado. Aliás, quanto ao registo de intermediários, o n.º 2 do artigo 6.º do “Regulamento de Intermediários” da FPF é inequívoco em salientar que: “O Intermediário deve requerer previamente o seu registo sempre que participe numa transação”. Ou seja: O registo da atividade como intermediário deve ter lugar sempre em momento prévio ou antecedente à data da celebração do negócio jurídico concreto a que a respetiva intermediação se pretenda operar, dado que, precisamente, tais circunstâncias são condicionantes do legal exercício da atividade de intermediação ou representação desportiva. Conforme se referiu, com clareza, no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-06-2021 (Pº 910/20.9T8PDL.L1-7, rel. CARLOS OLIVEIRA): “Por força do Art.º 37.º n.º 3 da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho os contratos de intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo da autoridade federativa competente são nulos. (…) Tendo o Autor sido contratado para a prestação de serviços, na qualidade de “intermediário desportivo”, pelo período de vigência do contrato, que no caso era de 2 anos a contar de 3 de julho de 2018, deveria o mesmo durante todo esse período de tempo continuar registado nessa qualidade junto da F.P.F.. O registo como intermediário desportivo junto da entidade federativa competente é condição necessária para o exercício regular dessa atividade económica (Art.º 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7). Não se encontrando o Autor licenciado para o exercício da atividade de intermediário desportivo para o segundo ano de vigência do contrato de intermediação dos autos, existe uma impossibilidade objetiva de cumprimento desse contrato pela sua parte (cfr. Art.º 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7), não podendo exigir, nessas condições, o cumprimento da correspetiva obrigação de exclusividade por parte do Réu, nem o pagamento duma remuneração a que só poderia ter direito caso fosse um intermediário desportivo registado”. No caso dos autos, muito embora, quanto à segunda época considerada no contrato dos autos, a autora tenha entretanto obtido a necessária autorização, não se mostra comprovada a obtenção da autorização para a época precedente, sendo que, não se encontra demonstrado que a autora, à data da celebração do contrato, se encontrasse autorizada para a atividade de intermediação na FPF e que tenha procedido ao registo respetivo em tal entidade. Como se disse, a falta de tal legal habilitação conduz, nos termos do artigo 37.º, n.º 3, da Lei nº 54/2017, de 14 de julho, à nulidade do contrato. Efetivamente, conforme se referiu, a respeito da comparação de consequências previstas na lei no caso de não se demonstrar encontrar-se o intermediário desportivo a exercer tal atividade, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2017 (Pº 718/16.6T8FNC.L1-7, rel. HIGINA CASTELO), “[p]ode argumentar-se que a nova lei vem, nesta matéria, mas esclarecer que inovar. Mas se isso for válido para o conceito do contrato em causa na previsão da norma, para a celebração do qual se impõe ao empresário o seu prévio registo, também terá de o ser para a estatuição, para as consequências previstas na norma. Ou seja, terá de o ser para as consequências previstas na norma. Ou seja, se entendermos justificado alargar o conceito de contrato de mandato previsto no art.º 23, n.º 4, da Lei 28/98 de modo a abranger contratos de intermediação que não se qualifiquem como mandatos, porque a nova lei (Lei 54/2017) assim o «clarificou», então também devemos entender que a inexistência da velha Lei 28/98 corresponde ou tem as consequências da nulidade com a qual a nova lei sanciona os contratos de intermediação celebrados por empresário não registado”. De facto, em torno do debate sobre quais as consequências da celebração de um contrato de intermediação celebrado por intermediário não registado, no âmbito da Lei n.º 28/98, a jurisprudência inclinou-se, mesmo no âmbito desse regime legal, para a consideração de que, o vício daí resultante - mencionado na referida lei como reportado à “inexistência”- deveria ter, pelo menos, em termos de regime invalidante, as consequências próprias da celebração de um contrato nulo (cfr., nesse sentido, entre outros, os já citados Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2011 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2017 e de 23-03-2021). Seja como for, é hoje líquido e expressamente previsto na lei vigente que, o contrato de intermediação celebrado por agente ou intermediário não autorizado/não registado na respetiva federação terá como consequência a nulidade do contrato que seja celebrado nesses termos (cfr. artigo 294.º do CC), o que, assim, cumpre afirmar quanto ao contrato dos autos. É sabido que a nulidade é a sanção que o ordenamento jurídico liga às operações contratuais contrárias aos valores ou aos objetivos de interesse público por ele prosseguidos ou aos que o direito, por razões desse interesse, não considera justo e oportuno prestar reconhecimento e conceder tutela. Por isso, tal vício opera ipso jure, podendo e devendo a nulidade ser declarada oficiosamente pelo tribunal, para além de poder ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado, nos termos do artigo 286.º do CC (cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-03-2004, Pº 0326178, rel. FERNANDO SAMÕES). A regra geral sobre os efeitos da declaração de nulidade está consagrada no art.º 289º, n.º 1, do CC, segundo a qual, a mesma, tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Como salienta Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6.ª ed., p. 746), no caso da nulidade fala-se de retroatividade em sentido impróprio visto que o negócio não chega a produzir efeitos jurídicos, pois, o que está em causa é a retroatividade das consequências de facto derivadas do negócio. A jurisprudência dominante tem seguido a orientação doutrinal, que veio a ser acolhida no assento do STJ n.º 4/95, de 28-03-1995 (rel. MIGUEL MONTENEGRO, publicado no DR n.º 114, I série-A, de 17-05-95), estabelecendo que: “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do art.º 289º do Código Civil”. O referido assento, cuja doutrina permanece válida, vale hoje como acórdão de uniformização de jurisprudência (cfr. artigos 686.º e 687.º do CPC e artigo 17.º, n.º 2, do D.L. n.º 329-A/95, de 12 de dezembro). Posteriormente, o STJ já teve o ensejo de acolher e reiterar este entendimento em vários acórdãos, entre os quais, se referem, os de: -11-01-2001 (Processo n.º 3245/00, rel. MOITINHO DE ALMEIDA); -18-01-2001 (Processo n.º 2150/00, rel. NEVES RIBEIRO); - 22-02-2001 (Processo n.º 3139/00, rel. ARAÚJO DE BARROS, todos disponíveis em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2001.pdf); - de 05-06-2001 (Processo n.º 01A809, rel. FERREIRA RAMOS, disponível em http://www.dgsi.pt); e - de 16-10-2003 (Processo n.º 03B484, rel. LUCAS COELHO, também publicado nesta base de dados). E conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2009 (Processo 94/1997.L1-7, rel. ANA RESENDE), a jurisprudência do referido acórdão do STJ de 28-03-1995 não se mostra violadora das limitações de apreciação a que se reportava o artigo 661.º, n.º 1, do CPC de 1961 - a que corresponde, no vigente CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, o n.º 1 do artigo 609.º - “considerando-se a admissibilidade da conversão da causa de pedir, inicialmente na pressuposição de um contrato válido, ao abrigo do art.º 293, do CC, em causa de pedir assente na nulidade do negócio”. Destes arestos resulta que se impõe extrair da declaração de nulidade todas as devidas consequências, sem que seja legítimo retirar ou excluir dessa obrigação alguma delas, cerceando, injustificadamente, os efeitos da retroatividade da nulidade. Conforme explica Mafalda Miranda Barbosa (Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de setembro de 2017 (Proc. n.º 10145/14.4T8LSB.L1.S1, 7ª Secção) – Contrato de prestação de serviço de empresário desportivo e inscrição na federação desportiva, online, disponível em: http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=113, com publicação, igualmente, no Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, v.95 n.1 (2019), pp. 213-239): “A declaração de nulidade do negócio tem efeito retroativo, nos termos do artigo 289º/1 CC. As partes devem, de acordo com o dispositivo legal, restituir tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Nos contratos de prestação de serviços, de que o mandato é uma modalidade, é evidente que não é possível a restituição em espécie. Haverá, portanto, que entregar o valor correspondente. Ora, este valor é, conforme ensina Menezes Cordeiro, o valor da contraprestação acordada. O autor preocupa-se, sobretudo, com os contratos de execução continuada, onde integra o mandato. Atentemos na lição do autor a este propósito: “sendo um arrendamento declarado nulo, deve o senhorio restituir as rendas recebidas e o inquilino o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa nestes casos” Simplesmente, no caso em análise, a compensação a que se alude não pode ter lugar, exatamente porque a SAD ré não efetuou o pagamento do preço acordado. É claro que, sendo o negócio nulo, não terá de realizar a prestação. Mas terá de restituir ao empresário desportivo o que ele haja prestado a título de cumprimento, correspondendo esse valor ao montante convencionado. Estabelece-se, de facto, ao nível das prestações restituitórias, um verdadeiro sinalagma, que integra o que na doutrina alemã vem conhecida por relação de liquidação e que, entre nós, Mota Pinto designou por relação de repristinação. (…) Mas, independentemente do valor em causa, é inequívoco que a retroatividade da nulidade que se afirma obriga-nos a restaurar in pristinum o que não encontra causa justificativa (já que o negócio não produz efeitos) para ser alterado. De outro modo, abrir-se-iam as portas a um enriquecimento injustificado por parte de um dos sujeitos da relação. É essa a hipótese que se verifica se a SAD não for condenada à restituição do valor da prestação de serviços efetuada pelo empresário desportivo. Por um lado, beneficiou da atuação do empresário desportivo; por outro lado, escusa-se ao pagamento dos valores acordados, mas só o faz depois de dessa mesma atuação retirar as correspondentes vantagens, numa clara atuação contrária à boa-fé (…)”. Ora, estando em causa a nulidade do negócio, parece que o equilíbrio patrimonial que deve ser restabelecido, apagando qualquer alteração que deixe de ter causa justificativa, impõe, em determinadas situações, que se realizem prestações pecuniárias que, não se confundindo com o cumprimento dos deveres de prestação principal (que deixam de existir), podem com elas coincidir. Conclui-se, portanto, que a SAD ré, em obediência à eficácia retroativa da nulidade e porque a prestação do empresário desportivo não pode ser restituída, deverá efetuar uma prestação de valor correspondente, com a limitação atrás enunciada”. Em conformidade com o que se vem expondo, cujo sentido merece o nosso inteiro acolhimento, a ré terá de restituir tudo o que foi prestado pela autora e, não podendo já restituir os serviços prestados pela autora, dos quais beneficiou - com a contratação do jogador em questão, pelo período em que esta teve lugar - deverá restituir à autora o valor correspondente a tais serviços, valor que terá de ser avaliado e aferido segundo os critérios que as próprias partes acordaram fixar como sua contrapartida. Com efeito, é inequívoco que a autora prestou os serviços estipulados no contrato dos autos à ré - cfr. facto provado n.º 5 - , mas também o é que esta prestação já não poderá ser restituída pela ré, pelo que, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do CC, uma vez que a restituição em espécie não é possível, terá de ter lugar a restituição pelo valor correspondente. E, aplicando o critério objetivo para o cálculo desse valor, fundado precisamente no valor peticionado, que corresponde ao valor – ainda em falta – que as partes acordaram como correspondente ao dos serviços prestados (considerando esta valoração, vd., por exemplo, o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-11-2022, Pº 110265/20.0YIPRT.L1-6), manter-se-á o juízo de condenação da ré no pagamento à autora da quantia de €12.000,00, desta feita, não fundada no cumprimento do contrato, mas sim, na aferição das consequências decorrentes da declaração de nulidade de tal contrato. Relativamente aos juros a decisão recorrida condenou a ré – com fundamento na exigibilidade do cumprimento do contrato – nos juros “à taxa em cada momento vigente para obrigações comerciais, desde 27.10.2021 e até efetivo pagamento”. O Tribunal recorrido considerou a referida data considerando que, “a autora apenas remeteu a (…) interpelação e factura à ré em 26.10.2021 (…)”. Conforme se assinalou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-02-2000 (Pº 01A809, rel. FERREIRA RAMOS), “a declaração de nulidade do contrato arrasta consigo a destruição retroactiva das atribuições patrimoniais, como se o negócio não tivesse sido realizado (…)”. Por via de tal efeito retroativo e através da remissão feita pelo nº 3 do artigo 289º do CC para os artigos 1269º e ss. do CC, conclui-se que a obrigação de restituir fundada na nulidade abrange não só o que tiver sido prestado, mas também, os juros legais contados desde a interpelação para cumprir – citação ou interpelação extrajudicial, se a tiver havido -, nos termos dos artigos 212º, 1260º e 1271º do mesmo Código, dado que os juros são frutos civis (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2010, Pº 3377/06.0YXLSB-2, rel. FARINHA ALVES). No caso, conforme assinalado na decisão recorrida, a interpelação extrajudicial da ré teve lugar em 26-10-2021, pelo que, sobre a referida quantia de €12.000,00 - cuja restituição impende sobre a ré efetuar à autora - encontra-se a ré, igualmente, obrigada a pagar juros de mora, em cada momento vigentes para obrigações comerciais, vencidos desde 27-10-2021, e vincendos, até efetivo e integral pagamento. * A decisão prolatada pelo Tribunal recorrido, uma vez que, não teve em devida conta o sentido interpretativo que resulta da conjugação e aplicação ao caso das normas dos artigos 36.º. n.º 1 e 37.º. n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, assinalando a nulidade do contrato celebrado, deverá, pois, ser alterada, sendo, todavia, a ré condenada, com fundamento na produção dos efeitos decorrentes da declaração da nulidade do negócio que celebrou com a autora, a restituir a esta a quantia de € 12.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, em cada momento vigentes para obrigações comerciais, vencidos desde 27-10-2021, e vincendos, até efetivo e integral pagamento. * De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses. Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”. Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá sobre a apelante que, para efeitos tributários, decaiu integralmente na pretensão recursória deduzida - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC. * 5. Decisão: Pelos fundamentos expostos, na improcedência da apelação, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em alterar a decisão recorrida, declarando a nulidade do negócio jurídico firmado entre autora e ré e, em consequência, em determinar a restituição, pela ré à autora, da quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), acrescida de juros de mora, acrescida de juros de mora, à taxa legal, em cada momento vigentes para obrigações comerciais, vencidos desde 27-10-2021, e vincendos, até efetivo e integral pagamento. Custas pela apelante. Notifique e registe. * Lisboa, 12 de outubro de 2023. Carlos Castelo Branco Susana Maria Mesquita Gonçalves António Moreira |