Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4877/12.9TTLSB.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PREMIO DE ANTIGUIDADE
SUPRESSÃO
ORDEM DE SERVIÇO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: A ordem de serviço 9/91 da Comissão Executiva do ICEP, ao criar um prémio de antiguidade aplicável a todos os trabalhadores da empresa desde que verificados os requisitos nela definidos, tem natureza genérica e abstracta e, na sua aplicação, repercute-se nas respectivas relações laborais.
II. Nessa medida, atento esse conteúdo, a sua natureza geral e abstracta e os efeitos gerados nos contratos de trabalho, a ordem de serviço enquadra-se no poder regulamentar do empregador, consubstanciando uma proposta contratual que tendo sido tacitamente aceite pelo trabalhador, nos termos do artigo 7.º da LCT, passou a obrigar ambas as partes e a integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho.
III. Tendo os trabalhadores, entre eles o A., adquirido aquele direito por integração no seu contrato de trabalho, não poderá vê-lo suprimido pela vontade unilateral da R.
IV. Justamente por isso, é irrelevante saber se o prémio de antiguidade é, ou não,  subsumível à qualificação jurídica de retribuição.
V. Tendo-se concluindo que o direito ao denominado “prémio de antiguidade”  passou a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho dos trabalhadores ao serviço do ré, vinculando-a, então o mesmo consubstancia necessariamente um direito legitimamente adquirido, para os efeitos do n.º 2 do art.º 6.º do DL nº 14/2003 de 30 de Janeiro, logo, estando excluído dos efeitos da revogação  da ordem de serviço por via do disposto no n.º1, do mesmo artigo.
VI. Em suma, o direito ao “prémio de antiguidade”, na medida em que foi constituído e passou a integrar o contrato de trabalho do A. antes da entrada em vigor do DL nº 14/2003 de 30 de Janeiro, está protegido por força da excepção contida na parte final do n.º 2 do  artigo 6.º do mesmo diploma.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA intentou a presente acção declarativa comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “AICEP – Agência Para o Investimento e Comércio Externo de Portugal – E.P.E.”, a qual veio a ser distribuída ao 3.º Juízo – 1.ª Secção, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 9.090,18 (nove mil e noventa euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação.

Fundamenta a sua pretensão alegando que foi admitido para trabalhar sob a direcção, fiscalização e autoridade do Fundo de Fomento de Exportação que deu origem ao ICEP – IP, mediante um contrato de trabalho não escrito. Exerceu as suas funções entre 10 de Setembro de 1973 e 31 de Dezembro de 2011 e, em Setembro de 2008, completou  trinta e cinco anos de bom e efectivo serviço,  por isso sendo-lhe devido um prémio criado através da ordem de serviço n.º 9/91 de 10.07, publicada pelo extinto ICEP.

Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, a R. veio contestar apresentando defesa por excepção e impugnação.

No essencial, sustenta que a ordem de serviço em que o autor fundamenta a sua pretensão foi revogada pelo decreto-lei n.º 14/2003 de 30.01, nomeadamente pelo seu artigo 6º.

Notificado respondeu o autor às excepções.

Foi proferido despacho saneador que julgou verificados os pressupostos processuais, tendo o tribunal dispensado a selecção da matéria de facto na consideração da causa se revestir de simplicidade.

 Realizou-se audiência de discussão e julgamento, nesse acto tendo as partes acordado quanto à matéria de facto, nos termos que constam da acta.

Subsequentemente foi proferida sentença, julgando a causa nos termos seguintes:

Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julga-se a acção parcialmente procedente, e, em consequência decide-se:

3.1.1. Condenar a ré “AICEP – Agência Para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E.” a pagar ao autor a quantia de € 6.860,70 (seis mil, oitocentos e sessenta euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde data citação até integral e efectivo pagamento.

(..)».

I.2 Inconformada com essa decisão, a R. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:

                (…)

I.3 O Recorrido apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:

                (…)

I.4 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso

                I.5 Foram colhidos os vistos legais.

I.6 Delimitação do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e art.º 640.º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], a questão que se coloca para apreciação consiste em saber se o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, ao ter julgado a acção procedente, derivando o mesmo da alegada violação do disposto nos artigos 258.º e seguintes do Código do Trabalho, artigos 6.º, nº1 e nº2, do Decreto-Lei 14/2003, artigos 7.º e 39,º, ambos do Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e 459.º, 460.º e 461.º do Código Civil.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1     MOTIVAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, é a seguinte:

1. O autor foi admitido para trabalhar sob a direcção, fiscalização e autoridade do Fundo de Fomento de Exportação que deu origem ao ICEP, IP, ao abrigo de um contrato de trabalho não escrito.

2. O autor exerceu as suas funções entre 10 de Setembro de 1973 e 31 de Dezembro de 2011.

3. A extinção do ICEP, IP veio a ser declarada pelo Decreto-Lei n.º 244/2007 de 25 de Junho, operando a transferência das posições contratuais da autora para a ré, AICEP.

4. O autor completou trinta e cinco anos de bom e efectivo serviço.

5. O Instituto Comércio Externo de Portugal, EPE emitiu a ordem de serviço n.º 9/91 a fls. 8/22 destes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:

“(…).

Nesta conformidade a Comissão Executiva deliberou:

1. Instituir o “Dia do ICEP” o qual será celebrado no dia 2 de Setembro de cada ano.

2. Criar o “Prémio de Antiguidade”, diverso das diuturnidades, o qual se regerá pelo disposto nas alíneas seguintes:

a) Os trabalhadores que completem quinze, vinte e trinta e cinco anos de bom e efectivo serviço, têm direito, no mês de Setembro desse ano, a um prémio de antiguidade de valor igual, respectivamente, a um, dois e três meses da sua retribuição mensal e, ainda, a uma insígnia correspondente ao tempo de permanência ao serviço.

b) Para aplicação da alínea anterior, considerar-se-ão todos os anos de serviço cuja antiguidade é determinada nos termos do artigo 74º do Regulamento do Pessoal do ICEP.

(…)

f) O prémio referido na alínea a) será calculado com base no valor da retribuição mensal correspondente ao nível salarial da classe profissional do trabalhador no mês de Setembro do ano de atribuição do prémio.” .

6. O autor auferiu no mês de Setembro de 2008 a quantia global de € 3.030,06 assim decomposta: € 2.286,93 a título de salário base acrescido de € 628,91 de isenção de horário de trabalho e € 114,22 de subsídio de função.

7. O ICEP emitiu o escrito de 29 de Junho de 2007, junto por cópia a fls. 44, com o seguinte teor:

A publicação do DL 244/2007, de 25 de Junho, extinguiu o ICEP Portugal, I.P., com efeitos a 1 de Julho de 2007 e, na mesma data, a publicação do DL 245/2007, de 25 de Junho, veio integrar a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE (AICEP), as atribuições e competências do organismo extinto.

De acordo com estes diplomas legais, a AICEP EPE assumirá a titularidade da universidade dos direitos e obrigações que constituem o património ICEP, bem como as respectivas posições contratuais, designadamente a de empregador do pessoal ao serviço deste.

Decorrendo de tal extinção, cessa a vigência dos Regulamentos Internos e das Ordens de Serviço emitidos por este Instituto, que tinham por objecto a definição das condições de trabalho dos respectivos trabalhadores, sem prejuízo dos direitos legalmente adquiridos.

A referida cessação enquadra-se na futura harmonização das condições de trabalho de todos os trabalhadores ao serviço da AICEP, constituindo por isso uma oportunidade para a criação e implementação de novas políticas de gestão de recursos humanos”.

8. O ICEP emitiu a ordem de serviço n.º 1/2008 de 28 de Março de 2008, junta a fls. 45, onde consta assinaladamente o seguinte:

No âmbito dos trabalhos tendentes à estruturação da nova Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE, a regulamentação interna, assumindo um cariz estruturante, obrigou a múltiplas ponderações, pretendendo-se que os textos agora aprovados, sejam um factor de agilização e modernidade interna da Agência.

Assim, a Comissão Executiva, cumpridas as necessárias formalidades e ouvida a Comissão de Trabalhadores, deliberou o seguinte:

1. Aprovar, para aplicação ao pessoal do quadro em Portugal:

. Regulamento do Pessoal da AICEP Portugal Global

. Regulamento Interno das Carreiras Profissionais

. Regulamento Interno da Compensação

. Modelo de Compensação dos Destacados

. Regulamento Interno de Gestão de Desempenho

(…).”

9. Em Março de 2008 entrou em vigor o Regulamento Interno junto a fls. 46 a 53 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO

Insurge-se a recorrente contra sentença do Tribunal a quo, condenando-a “a pagar ao autor a quantia de € 6.860,70 (..), acrescida de juros de mora à taxa legal desde data citação até integral e efectivo pagamento”.

Começando por atentar na fundamentação da sentença, constata-se que o Tribunal a quo assentou a decisão nos pressupostos seguintes:

- «O estabelecimento do prémio de antiguidade, pela ordem de serviço n.º 9/91,deve ser considerado como fazendo parte integrante do contrato de trabalho do autor (…).

A ordem de serviço em causa, revestiu a natureza de um verdadeiro regulamento interno, constituindo um meio de manifestação de proposta contratual do dador de trabalho, uma vez que as suas regras versam matéria de natureza contratual, considerando-se celebrado o contrato pela simples adesão, expressa ou tácita, do trabalhador, conforme o art. 7º LCT, em vigor à data da ordem de serviço (neste sentido Ac. do Tribunal Constitucional de 7/07/88, em DR, I série, de 26.07.88, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, pp. 254 e Ac. STJ de 04.02.2004 e de 26.09.89, tudo conforme citação no Ac. que seguimos de perto).

(…)

No caso dos autos, tendo as partes acordado quanto à matéria de facto, não, não se provou que o autor tenha usado da faculdade prevista no art. 7º n.º 2 LCT, ou seja, de afastar a adesão.

Ora não usando tal faculdade deve considerar-se como integrando o mesmo o contrato da autora.

Como referimos supra a ré sucedeu o extinto ICEP na posição contratual de empregador no contrato celebrado com o autor sucedendo-lhe nos direitos e obrigações que decorrem do mesmo. E porque o referido prémio de antiguidade passou a integrar o contrato de trabalho do autor, está a ré obrigada a proceder ao seu pagamento.

Assim, fazendo parte integrante do contrato de trabalho e estando salvaguardados os direitos adquiridos nos termos que resultam dos diplomas legais e comunicados enunciados supra, não assiste razão à ré.

Considerando que o autor completou trinta e cinco anos de bom e efectivo serviço ainda no activo (..) adquiriu o autor nessa data o direito a receber o referido prémio.

(..)».

 Contrapõe a recorrente que o erro de julgamento decorre do seguinte:

i) Não assumir a ordem de serviço 9/91 da Recorrente, então ICEP, a feição de regulamento interno.

ii) Não ter sido considerado relevante que o prémio de antiguidade em causa constitui uma mera liberalidade da Ré, não subsumível à qualificação jurídica de retribuição e não beneficiando do princípio da irredutibilidade.

ii) Não ter sido considerado revogada a ordem de serviço que o institui, por via do disposto no artigo 6.º, nº1, do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de Janeiro; ou, caso assim não se entenda, em 2007, por meio da sua revogação formal e unilateral por parte da Ré.

Melhor delimitados os contornos do objecto do recurso, passaremos à apreciação das questões suscitadas, seguindo-se essa ordem a que se nos afigura mais lógica.

II.2.1 Importa começar por atentar na ordem de serviço n.º 9/91, da Comissão Executiva do extinto Instituto Comércio Externo de Portugal, ICEP,  ao qual sucedeu a recorrente AICEP, cujo teor é o seguinte (facto 5):

- “Nesta conformidade a Comissão Executiva deliberou:

1. Instituir o “Dia do ICEP” o qual será celebrado no dia 2 de Setembro de cada ano.

2. Criar o “Prémio de Antiguidade”, diverso das diuturnidades, o qual se regerá pelo disposto nas alíneas seguintes:

a) Os trabalhadores que completem quinze, vinte e trinta e cinco anos de bom efectivo serviço, têm direito, no mês de Setembro desse ano, a um prémio de antiguidade de valor igual, respectivamente, a um, dois e três meses da sua retribuição mensal e, ainda, a uma insígnia correspondente ao tempo de permanência ao serviço.

b) Para aplicação da alínea anterior, considerar-se-ão todos os anos de serviço cuja antiguidade é determinada nos termos do artigo 74º do Regulamento do Pessoal do ICEP.

(…)

f) O prémio referido na alínea a) será calculado com base no valor da retribuição mensal correspondente ao nível salarial da classe profissional do trabalhador no mês de Setembro do ano de atribuição do prémio.”

Em termos lógicos, o primeiro ponto a resolver consiste em saber se, tal como entendeu o Tribunal a quo, deve considerar-se que esta ordem de serviço “revestiu a natureza de um verdadeiro regulamento interno”.

À data em que a ordem de serviço em causa foi implementada por deliberação da Comissão Executiva do então ICEP, vigorava ainda o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT (Lei do Contrato de Trabalho), diploma entretanto revogado com a entrada em vigor do pretérito Código do Trabalho de 2003, a 1 de Dezembro de 2003 (artigos 3.º n.º1 e 21.º n.º1, al. a) e d), da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto). Contudo, de harmonia com a regra de aplicação da lei no tempo constante do n.º 1 do artigo 8.º da Lei 99/2003, estando em causa os efeitos de factos e situações totalmente passados antes da data de entrada em vigor do Código do Trabalho/03, cumprirá atender ao regime jurídico então vigente, ou seja, à LCT.

A ordem de serviço 9/91, do Conselho Consultivo do ICEP, não oferece dificuldades de interpretação, retirando-se da mesma os seguintes aspectos essenciais seguintes:

i) Conexão entre a instituição do “Dia do ICEP”, a ser celebrado a 2 de Setembro de cada ano, e a criação do “Prémio de Antiguidade”;

ii) A expressa intenção de o distinguir das “diuturnidades”;

iii) A natureza abstracta e geral do mesmo, dado que dirigido a todos os trabalhadores, independentemente das suas funções, desde que preencham os pressupostos de atribuição;

iv) Os requisitos cumulativos de atribuição: um primeiro – quantitativo -, consistindo no completamento de quinze, vinte e trinta e cinco anos de antiguidade no ICEP, para o efeito considerando-se “todos os anos de serviço cuja antiguidade é determinada nos termos do artigo 74º do Regulamento do Pessoal do ICEP”; um segundo – qualitativo -, exigindo a prestação da actividade em termos “de bom efectivo serviço”;

v) momento de aquisição do direito ao prémio: no mês de Setembro do ano em que completem aqueles períodos de antiguidade, desde que cumulativamente se verifique o segundo requisito;

vi) em que consiste o prémio: valor monetário em função do patamar de antiguidade atingido -  igual, respectivamente, a um, dois e três meses da sua retribuição mensal  -, calculado “com base no valor da retribuição mensal correspondente ao nível salarial da classe profissional do trabalhador no mês de Setembro do ano de atribuição do prémio” e, ainda, a “uma insígnia correspondente ao tempo de permanência ao serviço”.

Cabe agora atentar nas disposições legais da LCT invocadas na sentença recorrida, nomeadamente os artigos 7.º e 39.º, as quais, na perspectiva da Recorrente, terão sido violados.

Dispunha o art.º 7.º, com a epígrafe “Contrato de trabalho de adesão”, o seguinte:

 1.A vontade contratual pode manifestar-se, por parte da entidade patronal, através dos regulamentos internos a que se refere o artigo 39.° e, por parte do trabalhador, pela adesão expressa ou tácita dos ditos regulamentos.

2. Presume-se a adesão do trabalhador quando este ou o seu representante não se pronunciar contra ele por escrito dentro de trinta dias, a contar do início da execução do contrato ou da publicação do regulamento, se esta for posterior.

Por seu turno, o art.º 39.° com a epígrafe “Competência da entidade patronal”, tinha então a redacção seguinte (antes da alteração ao n.º 3, introduzida pelo pelo art. 1.°, n.° 2, da Lei n.° 118/99, de 11 de Agosto):

1.Dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, compete à entidade patronal fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho.

2.A entidade patronal, sempre que as condições de trabalho ou o número dos trabalhadores ao seu serviço o justifiquem, poderá elaborar regulamentos internos donde constem as normas de organização e disciplina do trabalho.

3. (..)

4. A entidade patronal deve dar publicidade ao conteúdo dos regulamentos internos, designadamente afixando-os na sede da empresa e nos locais de trabalho, de modo que os trabalhadores possam a todo o tempo tomar deles inteiro conhecimento.

5. A elaboração de regulamentos internos sobre determinadas matérias poderá ser considerada obrigatória por portaria de regulamentação de trabalho ou por convenções colectivas.

O n.º3, fora tacitamente revogado pelo art.º 13.º do DL 491/85, de 26 de Novembro (Estabelece disposições relativas às contra-ordenações no âmbito do direito laboral e da disciplina jurídica sobre higiene, segurança, medicina do trabalho, acidentes de trabalho e doenças profissionais), que veio dispor no artigo 13.º,com a epígrafe, Regulamentos internos,  mais precisamente no n.º1  “Os regulamentos internos previstos na lei deverão ser submetidos à aprovação, no prazo de 30 dias, do organismo competente da administração do trabalho, ouvida a comissão de trabalhadores, caso exista, considerando-se aprovados se no prazo de 30 dias após a sua recepção não forem objecto de despacho de indeferimento ou de aperfeiçoamento”.

A propósito do “poder regulamentar” do empregador, a que se refere o art.º 39.º da LCT,  Bernardo da Gama Lobo Xavier elucida o seguinte:

-  “[C]onstitui basicamente a manifestação – por forma normativa, geral e abstracta, e com especial publicidade – do poder directivo e disciplinar da entidade empregadora, que elabora regulamentos internos donde constam as normas gerais de organização e disciplina do trabalho na empresa (art.º 39.º n.º2 da LCT). À entidade empregadora cabe também a faculdade de emitir normas, como ordens de serviço, instruções, etc., com forma menos solene.

Mas do regulamento interno podem também constar outras disposições que funcionam como cláusulas contratuais gerais (art.º 7.º da LCT), em que se definem as condições de trabalho, ou se pormenorizam os vários direitos conferidos pela lei às partes [p. ex., disposições sobre as actividades a desempenhar, período de trabalho (horas a prestar), remunerações, férias, faltas etc.]. Note-se que nesta parte o regulamento interno já não trata de matérias que possam ser decididas unilateralmente pela entidade empregadora, mas sim de questões que, por respeitarem ao conteúdo do contrato de trabalho, têm de ter o acordo dos trabalhadores. A Lei presume a existência desse acordo quando os trabalhadores não pronunciem contra o regulamento, por escrito, dentro de 30 dias (n.º2 do art.º 7.º LCT).  

O regulamento interno ou regulamento de empresa desempenha assim duas funções principais distintas: a manifestação de vontade contratual; e manifestação dos poderes organizacionais, directivos e disciplinares do empregador, distinção essa plenamente consagrada nos artigos 7.º e 39.º da LCT.

No que toca à parte contratual dos regulamentos, estes constituem “contratos de adesão” e também para alguns autores “cláusulas contratuais gerais”. As empresas aproveitam aqui as vantagens derivadas de uma tipificação do conteúdo dos contratos de trabalho: em vez de discutirem individualmente e ponto por ponto as condições de trabalho (p. ex. as remunerações do seu pessoal, as actividades a prestar ou as condições em que os empregados adquirem direito a regalias suplementares) definem no regulamento um certo esquema contratual que propicie a regulamentação a racionalização, a igualdade e o equilíbrio  de situações dos seus empregados, que lhes possibilite o exacto conhecimento do que podem contar e ainda que permita uma certa antevisão e programação no que toca aos encargos com o trabalho”[Iniciação do Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª Edição, Lisboa, 1999, p. 186]

 No mesmo sentido pronuncia-se igualmente Monteiro Fernandes, observando, no que concerne à função do regulamento interno como “meio de manifestação da vontade contratual”, que o mesmo “inclui ou pode incluir regras alusivas às carreiras na empresa, ao horário, à retribuição, às férias, etc., que constituem elementos próprios do conteúdo do contrato – isto é, dos contratos de trabalho que o titular da empresa está na disposição de celebrar”, para sustentar que “o regulamento pode funcionar, nessa parte, como uma «proposta –tipo» da entidade patronal. [P]ara que um contrato se celebre basta que certo trabalhador dê a sua adesão (ou seja, a sua aceitação global) ao conteúdo do regulamento”, que tanto pode ser expressa ou tácita, valendo “como adesão tácita (presumida) a falta de oposição do trabalhador (..)”. Embora reportando-se ao actual CT/09, esta asserção tem inteira validade face ao disposto na LCT, pois, como o próprio autor elucida “O tratamento das duas funções do regulamento – contratual e técnico-disciplinar – em preceitos legais separados só surgiu com a segunda versão da LCT, publicada em 1969. O modelo de regulação então adoptado foi mantido nas duas versões do Código” [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 306 e nota 1].

Esta linha de entendimento tem igualmente sido acolhida na jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo tribunal de Justiça, como se menciona no Acórdão de 28-06-2006, relatado pelo Senhor Conselheiro PINTO HESPANHOL, citado na sentença e referido pelas partes. Elucida-o o extrato seguinte:

Refira-se, ainda, que a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que as ordens de serviço, quando constituam um instrumento regulador, de aplicabilidade genérica no âmbito da empresa e com reflexos directos na relação contratual, devem qualificar-se como regulamentos internos (Acórdãos deste Supremo Tribunal de 4 de Fevereiro de 2004, Revista n.º 2928/03, de 16 de Junho de 2004, Revista n.º 1378/04, e de 29 de Novembro de 2005, Revista n.º 2556/05, todos da 4.ª Secção).

Assim, deve entender-se que as anteditas deliberação e ordem de serviço emitidas pela recorrida configuram uma proposta contratual da entidade patronal que, uma vez aceites por adesão expressa ou tácita do recorrente, nos termos do artigo 7.º da LCT, passaram a obrigar ambas as partes em termos contratuais e a integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho celebrado».

Este entendimento é reiterado, ainda, no Acórdão do STJ de 12-10-2011, processo n.º 3074/06.7TTLSB.L1.S1, também relatado pelo Senhor Conselheiro PINTO HESPANHOL [disponível em www.dgsi.pt].

Mas para que melhor se compreenda esta doutrina e, em particular, a distinção entre ordem de serviço e regulamento interno, mostra-se pertinente convocar o Acórdão de 4 de Fevereiro de 2004 – proc.º 03S2928, FERNANDES CADILHA, disponível em www.dgsi.pt -  (citado no aresto do STJ que acabámos de referir) onde se lê o seguinte:

- «No essencial, o regulamento interno, emitido nos termos previstos no artigo 39º da LCT, visa estipular normas de organização e disciplina do trabalho, assim se compreendendo a sua sujeição à aprovação do organismo estadual da tutela do sector laboral (n.º 3), a exigência de publicidade «na sede da empresa e nos locais de trabalho» (n.° 4) e a obrigatoriedade da sua elaboração quanto a determinadas matérias (n.º 5). Por outro lado, o regulamento interno poderá funcionar também como proposta contratual do dador de trabalho considerando-se celebrado o contrato pela simples adesão, expressa ou tácita, do trabalhador - artigo 7.° da LCT (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, pág. 254).

O regulamento interno tem, pois, a característica de um instrumento regulador global dos comportamentos no âmbito do funcionamento da empresa. Ao contrário, as «ordens», «comunicações» ou «instruções» de serviço constituem uma expressão formal do poder de direcção e organização, com âmbito mais restrito e, porventura, com destinatários mais particularizados. São usualmente emitidas pelos órgãos de gestão (conselho de administração, conselho de gerência, comissão executiva, etc.), mas podendo também ser oriundas de titulares da hierarquia da empresa, reportando-se, neste último caso, a sectores ou departamentos definidos. Através desses documentos, são estabelecidos, de modo mais ou menos avulso, regras de funcionamento e critérios de interpretação e aplicação de normas a que a empresa se encontra sujeita: organigramas, cadeias hierárquicas, delegações de competência; como pode também ser formalizados actos de gestão de natureza mais concreta, como, por exemplo, transferências, substituições temporárias, promoções, substituições temporárias (idem, págs. 254-255).

(…)».

Foi este entendimento que o Tribunal a quo acolheu para concluir que a Ordem de Serviço n.º 9/91, da Comissão Executiva do extinto Instituto Comércio Externo de Portugal, ICEP, “revestiu a natureza de um verdadeiro regulamento interno, constituindo um meio de manifestação de proposta contratual do dador de trabalho” e, em consequência, que “o prémio de antiguidade passou a integrar o contrato de trabalho do autor”.

Pois bem, tendo em conta o que concluímos sobre a ordem de serviço, bem assim os ensinamentos acima mencionados, os quais acolhemos, não discordamos daquela asserção. Com efeito, ao criar um prémio de antiguidade aplicável a todos os trabalhadores da empresa desde que verificados os requisitos nela definidos, a deliberação constante da ordem de serviço tem natureza genérica e abstracta e, na sua aplicação,  repercute-se nas respectivas relações laborais. Nessa medida, atento esse conteúdo, a sua natureza geral e abstracta e os efeitos gerados nos contratos de trabalho, a ordem de serviço enquadra-se no poder regulamentar do empregador, consubstanciando uma proposta contratual que tendo sido tacitamente aceite pelo trabalhador, nos termos do artigo 7.º da LCT, passou a obrigar ambas as partes e a integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho.

Argumenta a recorrente que a ordem de serviço 9/91, não assume os formalismos próprios de um regulamento interno, nomeadamente “a sujeição a parecer da associação representativa dos trabalhadores, a aprovação pela entidade administrativa competente e a publicidade por meios idóneos dentro da empresa”. Porém, salvo o devido respeito sem razão.

Em primeiro lugar, importa notar que o n.º3, do art.º 39.º, reporta-se aos “regulamentos internos donde constem as normas de organização e disciplina do trabalho”, mencionados no n.º2, importando ter aqui presente a distinção entre as funções dos regulamentos internos, isto é, nas palavras de Bernardo da Gama Lobo Xavier “a manifestação de vontade contratual; e manifestação dos poderes organizacionais, directivos e disciplinares do empregador, distinção essa plenamente consagrada nos artigos 7.º e 39.º da LCT”.  No caso concreto, em rigor, não estão em causa regras sobre a organização e disciplina do trabalho, crendo-se que a ordem de serviço não se enquadra na previsão do n.º2, do art.º 39.º e, logo, que não era exigível a observância dos formalismos referidos no n.º3, do mesmo artigo.

Acresce não se saber se existia comissão de trabalhadores, pois esta era a exigência decorrente do art.º 13.º do DL 491/85, de 26 de Novembro, que revogou tacitamente o n.º3, do art.º 39.º da LCT (que ainda mantinha a redacção antiga, referindo-se às comissões corporativas).

Por isso mesmo, não sendo essa uma razão suficiente para afastar o entendimento do Acórdão do STJ de 28-06-2006, isto é, que as “ordens de serviço, quando constituam um instrumento regulador, de aplicabilidade genérica no âmbito da empresa e com reflexos directos na relação contratual, devem qualificar-se como regulamentos internos”.

Na verdade, reafirma-se, a ordem de serviço 9/91 consubstancia um acto de aplicabilidade genérica com reflexos directos na relação contratual, na medida em que estabelece os critérios gerais que, verificados, conferem aos trabalhadores em geral o direito a verem atribuído o prémio de antiguidade.

II.2.2 Passemos à questão seguinte. Na perspectiva da Ré o prémio de antiguidade não é subsumível à qualificação jurídica de retribuição, mas antes uma liberalidade  e, logo, não beneficiará do princípio da irredutibilidade, podendo ser revogada a ordem de serviço 9/91.

Como se sabe, dos princípios gerais aplicáveis à generalidade dos contratos decorre que, em regra, os mesmos só podem ser modificados por acordo de ambas as partes. Esta regra é reafirmada no direito do trabalho quanto à matéria da retribuição, estabelecendo a Lei o princípio da irredutibilidade da retribuição, nomeadamente, no n.º 1, al. d) do art.º 129.º CT/09, normativo que consagra as garantias do trabalhador, como o elucida a sua epígrafe. O artigo em causa teve como correspondente o art.º 122.º do CT/03 [ali constando o mesmo princípio na al. d)], o qual por seu turno acolheu o art.º 21.º da LCT.

Em suma, de acordo com esse princípio transversal aos regimes jurídicos enunciados, é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos na lei e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Acontece, porém, que o argumento não releva. Salvo o devido respeito, a recorrente está a desviar-se do fulcro da questão.  

Como se disse no ponto anterior, atento esse conteúdo, a sua natureza geral e abstracta e os efeitos gerados nos contratos de trabalho, a ordem de serviço 9/91 enquadra-se no poder regulamentar do empregador, consubstanciando uma proposta contratual que tendo sido tacitamente aceite pelo trabalhador, nos termos do artigo 7.º da LCT, passou a obrigar ambas as partes e a integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho. Portanto, em rigor, o fulcro da questão consiste antes em saber se essa contrapartida contratual, que abrangeu o A. e todos os demais trabalhadores já contratados à data, mas também todos aqueles que vieram a ser contratados posteriormente e em momento anterior à revogação da ordem de serviço, pode ser unilateralmente alterada pela entidade empregadora.

Com efeito, através dessa ordem de serviço a R. manifestou a vontade contratual, dirigida às relações laborais já existentes, mas também às que viessem a ser estabelecidas, no sentido de que verificados determinados requisitos, os trabalhadores adquiriam o direito ao prémio de antiguidade. Note-se, ainda, que para adquirirem esse direito não bastava aos trabalhadores atingirem determinados patamares de antiguidade, em concreto, os “quinze, vinte e trinta e cinco anos”, sendo também necessário que cumulativamente se verificasse a prestação da actividade em termos “de bom efectivo serviço”, o que permite dizer estar-se perante a atribuição de uma regalia que funciona não só como reconhecimento do bom e efectivo serviço, mas também como incentivo a uma boa prestação, ao longo dos anos, em termos qualitativos que a permitam qualificar naqueles termos.

Nessa consideração, na linha do entendimento do Supremo Tribunal apontado, isto é, “que uma vez atribuído incondicionalmente um benefício (…) passa a integrar o contrato individual de trabalho, não podendo ser retirado ou diminuído, a não ser por consenso”, cremos que, tendo os trabalhadores, entre eles o A., adquirido aquele direito por integração no seu contrato de trabalho, não poderá vê-lo suprimido pela vontade unilateral da R. [Cfr. Ac. do STJ de 28-06-2006].

Justamente por isso, é irrelevante saber se o prémio de antiguidade é, ou não,  subsumível à qualificação jurídica de retribuição, com o propósito de resolver a questão em sentido favorável à recorrente, no pressuposto de que não sento qualificável como retribuição, não beneficiará do princípio da irredutibilidade e, logo,  poderia ser revogada a ordem de serviço 9/91.

II.2.3 Resta a questão de saber se a ordem de serviço 9/91 foi revogada por via do disposto no artigo 6.º, nº1, do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de Janeiro ou, caso assim não se entenda, em 2007, por meio da sua revogação formal e unilateral por parte da Ré, em concreto através da comunicação a que se refere o facto provado 7.

Comecemos por este último ponto, dado antever-se já a resposta face ao concluído na apreciação da questão anterior. Em suma, tendo o A. adquirido o direito a beneficiar do denominado prémio de antiguidade, por integração no seu contrato de trabalho, não poderá vê-lo suprimido pela vontade unilateral da R.

Contudo, que fique claro, não se põe em causa que a R. não o possa revogar relativamente aos novos contratos de trabalho que viesse a celebrar; mas o mesmo não é de dizer quanto aos trabalhadores que já adquiriram esse direito. De resto, note-se, a própria R. o refere, constando da parte final deste parágrafo: “Decorrendo de tal extinção, cessa a vigência dos Regulamentos Internos e das Ordens de Serviço emitidos por este Instituto, que tinham por objecto a definição das condições de trabalho dos respectivos trabalhadores, sem prejuízo dos direitos legalmente adquiridos”.

É certo que a R. usa a expressão genérica “direitos adquiridos”, bem assim que lhe assiste o direito a discutir quais sejam, mas o que se pretende realçar é o reconhecimento de que os direitos legalmente adquiridos não podem ser prejudicados pela revogação.

Atentemos agora no Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de Janeiro, diploma que, conforme delimitado no seu art.º 1.º,  “(..) visa disciplinar a atribuição  de regalias e benefícios suplementares ao  sistema remuneratório, directos ou indirectos,  em dinheiro ou em espécie, que acresçam à remuneração principal dos titulares de órgãos de administração ou gestão e de todos os trabalhadores das entidades abrangidas por este diploma, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego”.

 Recorrendo ao preâmbulo, o legislador justifica esta intervenção legislativa nos termos seguintes:

- «(..)

A matéria respeitante a regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório atribuídos pelos serviços e fundos autónomos aos seus dirigentes e funcionários traduz-se numa realidade marcada pela ausência de um modelo coerente e sistematizado e, como tal, assente em situações heterogéneas e potenciadoras de regimes profundamente diferenciados.

As lacunas e desajustamentos encontrados justificam a definição urgente de regras claras e inequívocas de forma a garantir o respeito por critérios de legalidade, exigência e moralização que assegurem uma uniformidade de procedimentos neste universo e promovam a boa gestão financeira na utilização de fundos públicos.

A existência, em certos casos, de regulamentação avulsa e ad hoc relativamente a determinadas regalias e benefícios tem originado tratamentos diversificados em situações  idênticas.

Noutros casos, verifica-se a ausência de regulamentação e enquadramento legal, bem

como a sobreposição na utilização de algumas  regalias e benefícios.

Torna-se também urgente a adopção de  medidas no sentido da redução da despesa  pública com o objectivo de assegurar uma  política orçamental sustentada e de consolidar  as nossas finanças públicas, no quadro da participação de Portugal na união económica e monetária.

No que aqui importa o referido diploma estabelece ainda o seguinte:

Artigo 2.º “Âmbito de aplicação”

 O presente diploma aplica-se aos fundos e  serviços autónomos, ou seja, todas as entidades que preencham cumulativamente os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, incluindo as que, nos termos das suas leis

orgânicas, estejam subsidiariamente submetidas ao regime das empresas públicas, em qualquer das suas modalidades.

Artigo 3.º “Sistema remuneratório”

1 - O sistema remuneratório dos titulares de  órgãos de administração ou de gestão e restante pessoal das entidades referidas no artigo  anterior é composto pela remuneração principal, respectivos suplementos, prestações sociais e  subsídio de refeição, desde que previstos na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho.

2 - É proibida a atribuição aos titulares de órgãos de administração ou gestão e restante pessoal das entidades referidas no artigo anterior de quaisquer regalias e benefícios  suplementares ao sistema remuneratório, em  dinheiro ou espécie, directos ou indirectos, que  acresçam às componentes remuneratórias  referidas no número anterior, designadamente os seguintes:

a) Cartões de crédito para pagamento de  despesas pessoais;

b) Subsídios para formação e educação;

c) Seguros dos ramos «Vida» e «Não vida», exceptuando os obrigatórios por lei;

d) Opção de compra de viaturas;

e) Pagamento de combustíveis;

f) Empréstimos em dinheiro;

g) Pagamento de despesas com telecomunicações que excedam os limites aprovados pelo Governo.

Artigo 4.º

Artigo 5.º “Responsabilidade”

1 - Os titulares dos órgãos de administração ou gestão, bem como os restantes dirigentes, das entidades referidas no artigo 2.º, que autorizem a atribuição de regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório em violação do disposto no presente diploma incorrem em responsabilidade civil, disciplinar e financeira, constituindo ainda tal conduta fundamento para a cessação do respectivo cargo.

2 - O recebimento de quaisquer regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório em violação do disposto no presente diploma obriga à reposição do respectivo montante, independentemente da  responsabilidade disciplinar que ao caso couber.

Artigo 6.º  “Situações existentes”

1 - Ficam revogadas todas as disposições  gerais e especiais não constantes de lei ou de instrumento de regulamentação colectiva do  trabalho, bem como todos os regulamentos e actos, que contrariem o disposto no presente  diploma.

2 - Cessam imediata e automaticamente com a entrada em vigor do presente diploma todas as regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório previstos no n.º 2 do artigo 3.º que já tenham sido atribuídos, com excepção dos que correspondam a direitos legitimamente adquiridos.

3 - São proibidos o aumento ou a renovação das regalias e benefícios suplementares,

constantes de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho ou de contrato escrito, que correspondam a direitos legitimamente  adquiridos.

4 - Presume-se não existir direito a regalias e benefícios suplementares ao sistema  remuneratório quando os mesmos, devendo sê- lo, não tenham sido declarados para efeitos de  tributação de rendimentos na última declaração  fiscal daquele que os reivindique.

Não nos suscita dúvida concluir que por força do disposto no n.º1, do art.º 6.º, a ordem de serviço 9/91, foi revogada. Porém, de acordo com o princípio geral de aplicação na lei no tempo (art.º 12.º 1 do CC), os efeitos dessa revogação apenas se produzem para futuro, não podendo pôr em causa os direitos adquiridos.

De resto, como o próprio legislador logo veio acautelar com o n.º2, excluindo expressamente dos efeitos da revogação “os direitos legitimamente adquiridos” que se incluam no âmbito de regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório. Mais, estabelecendo ainda o n.º3, relativamente a esses mesmos “direitos legitimamente adquiridos”, a proibição de “aumento ou a renovação das regalias e benefícios suplementares”.

Ora, tendo-se concluindo que o direito ao denominado “prémio de antiguidade”  passou a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho dos trabalhadores ao serviço do ré, vinculando-a, então o mesmo consubstancia necessariamente um direito legitimamente adquirido, para os efeitos do n.º 2 do art.º 6.º, logo, estando excluído dos efeitos da revogação  da ordem de serviço por via do disposto no n.º1, do mesmo artigo.

Poderá opor-se que à data da entrada em vigor do DL 14/2003, ainda o A. não adquirira o direito, dado não terem ainda decorrido os 35 anos de “de bom efectivo serviço” e, nessa medida, questionar-se se a situação em causa tem acolhimento na expressão “direitos adquiridos”, do n.º2, do art.º 6.º.

Cremos que a resposta só pode ser afirmativa, nessa consideração acompanhando-se  o Acórdão da Relação do Porto de 15-10-2012, que a propósito do sentido e alcance da expressão “direitos adquiridos”, elucida, o seguinte:

-“O legislador, embora referindo-se a direitos adquiridos[..], também usa expressões do tipo expectativas, expectativas adquiridas[..], direitos em formação[..] ou direitos individuais em formação[..], ficando nós sem saber se temos duas categorias, expectativa e direito ou três, expectativa, direito em formação e direito, ou mais.

Seja como for, certo é que a execução do contrato de trabalho coloca o trabalhador numa situação jurídica que goza de protecção legal, como todos reconhecem, pois expectativa jurídica é algo mais que mera expectativa e direito em formação há-se ser algo mais que aquelas; daí que quando se refere direito adquirido, tratar-se-á certamente de um direito que esteve em formação ou que surgiu de uma situação jurídica terminada recentemente.

Tratar-se-á mais, certamente, de um direito em formação [..], a ser tratado como direito adquirido, desde que a condição temporal se venha a verificar”.

[Proc.º 48/11.0TTPRT.P1, Desembargador Ferreira da Costa, reafirmando o entendimento seguido no Ac. da RP de  20-09-2010, proc.º 524/08.1TTVCT.P1, do mesmo relator, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].

Em suma, o direito ao “prémio de antiguidade”, na medida em que foi constituído e passou a integrar o contrato de trabalho do A antes da entrada em vigor do DL nº 14/2003 de 30 de Janeiro, está protegido por força da excepção contida na parte final do n.º 2 do  artigo 6.º do mesmo diploma [Neste sentido veja-se o Acórdão de 12-10-2011, proc.º n.º 3074/06.7TTLSB.L1.S1, Conselheiro PINTO HESPANHOL, disponível em www.dgsi.pt].

Improcede, pois, o recurso, não merecendo censura a sentença recorrida.

***

Considerado o disposto no art.º 527.º 1 e 2, do NCPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrente, que a elas deu causa.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso de apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

 Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Novembro de 2014

Jerónimo Freitas

Francisca Mendes

Celina  Nóbrega

Decisão Texto Integral: