Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
625/18.8T8AGH.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
MENOR
PRESUNÇÃO DE CULPA
CULPA IN VIGILANDO
PERDA DO DIREITO À VIDA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O art. 491º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa sobre o obrigado a vigiar o incapaz, mas não estabelece uma presunção de que o incapaz praticou acto ilícito.
II - A presunção de culpa (in vigilando) estabelecida no artigo 491º apenas se refere aos danos causados a terceiro, já não aos danos causados à pessoa que deve ser vigiada.
III - Não tendo a ré logrado provar a sua alegação de que a criança atravessou a estrada em violação das regras estradais, não pode agora o tribunal tirar a ilação - ao abrigo do disposto nos art. 349º e 351º do Código Civil - de que foi atropelada porque o pai a deixou sozinha na berma da estrada.
IV - Considerando a idade da vítima (7 anos), ausência de problemas de saúde e temperamento alegre e dinâmico, mostra-se adequado valorar o dano pela perda da vida em100.000 €.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
R…… e M…. instauraram acção declarativa comum contra Caravela - Companhia de Seguros, Sa, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia total de 216.000,82 € acrescida de juros legais, a título de indemnização por danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
Alegaram, em síntese:
- no dia 07/07/2013 a filha dos autores, B…, foi atropelada mortalmente pelo veículo automóvel segurado na ré, conduzido por MF…;
- o acidente deu-se por culpa exclusiva da condutora;
- as vidas dos autores estão marcadas para sempre com o grande sofrimento causado pela morte da sua única filha, nascida em 06/07/2006;
- a ré deve ser condenada a indemnizar os autores por danos patrimoniais e danos não patrimoniais, pagando: 130.00 € pelo direito à vida da vítima e 5.000 € pelos danos que sofreu antes de morrer; 35.000 € pelos danos sofridos pelo autor R..; 35.000 € pelos danos sofridos pela autora L..; e 1.261,82 € pelas despesas de funeral.
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A ré contestou, pugnando pela improcedência total da acção, invocando, em resumo:
- a condutora seguia cumprindo as regras estradais;
- o acidente deu-se por culpa exclusiva do autor, que deixou a filha menor de 7 anos sozinha na berma de uma estrada, tendo esta atravessado a estrada inesperadamente, não dando tempo nem espaço para a condutora desviar o veículo;
- os pedidos referentes a danos não patrimoniais são manifestamente exagerados
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença que decretou:
«Em face do exposto, julgo a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, decido:
a) Condenar a Ré CARAVELA – Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos Autores :
- A quantia, em conjunto, de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), pelo dano morte de B, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efectivo cumprimento;
 - A quantia, em conjunto, de €3.000,00 (três mil euros), pelos danos sofridos pela B no momento que antecedeu a sua morte, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efectivo cumprimento;
 - A quantia de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros), a cada um dos AA., a título de indemnização por danos não patrimoniais atinentes ao sofrimento por si sentido com a morte de B…, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efectivo cumprimento.
 - A quantia, em conjunto, de €1.261,82 (mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efectivo cumprimento.».
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Inconformada, apelou a ré, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1. No âmbito dos presentes autos, o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores proferiu, em 9 de Dezembro de 2019, Sentença, através da qual condenou a Ré, ora Recorrente, ao pagamento aos Autores, ora Recorridos, enquanto progenitores da Menor falecida, no acidente de viação (atropelamento) objecto dos mesmos, das seguintes quantias, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais:
a. A quantia, em conjunto, de €: 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), pelo dano morte da Menor, , acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da Sentença e até integral e efectivo cumprimento;
b. A quantia, em conjunto, de €: 3.000,00 (três mil euros), pelos danos sofridos pela Menor falecida, o momento que antecedeu a sua morte, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da Sentença e até integral e efectivo cumprimento;
c. A quantia de €: 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), a cada 1 (um) dos Autores, ora Recorridos, a título de indemnização por danos não patrimoniais atinentes ao sofrimento pelos mesmos sentido com a morte da sua Filha Menor, , acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da Sentença e até integral e efectivo cumprimento;
d. A quantia, em conjunto, de €: 1.261,82 (mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais (despesas com o funeral da Menor, ), acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da Sentença e até integral e efectivo cumprimento;
e. Custas pelos Autores, ora Recorridos, e pela Ré, ora Recorrente, na proporção do respectivo decaimento, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
2. O que perfaz, assim, a quantia global de €: 97.261,82 (noventa e sete mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da Sentença e até integral e efectivo cumprimento.
3. O Tribunal “a quo” chegou àquela condenação, plasmada na Sentença recorrida, através da divisão de responsabilidades na produção do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos, que vitimou, mortalmente, a Menor , entre a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF.., e 1 (um) dos Autores, R… (Pai da Menor falecida), ora Recorrido, na proporção de 60% (sessenta por cento) para aquela e de 40% (quarenta por cento) para este último.
4. Responsabilizando e condenando, assim e nessa sequência, a Ré, ora Recorrente, enquanto seguradora daquele veículo automóvel (ligeiro de mercadorias), com a matrícula xx-xx-xx, conduzido por MF no pagamento aos Autores, ora Recorridos, das indemnizações supra referidas, correspondentes àquela proporção de 60% (sessenta por cento) dos valores dos danos patrimoniais e dos danos não patrimoniais arbitrados pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, em virtude do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos.
5. No entanto, ao proferir tal decisão, o Tribunal “a quo” errou totalmente.
6. Com efeito, mal andou o Tribunal “a quo” a proferir aquela Decisão nos termos em que o fez, pelo que a mesma deve ser alvo de censura.
7. A Sentença ora proferida pelo Tribunal “a quo” agride e viola a prova produzida nos presentes autos, sendo, pois, vários os erros – formais e materiais – de que a mesma enferma.
8. Assim, não se conformando com a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, vem a Ré, ora Recorrente, da mesma recorrer, pugnando pela sua revogação e, consequente, modificação e/ou alteração em conformidade.
9. O presente Recurso de Apelação incidirá, assim, sobre 4 (quatro) questões: sobre o erro do Tribunal “a quo” no cálculo da quantia fixada na Sentença recorrida, a título de danos patrimoniais (€: 1.261,82), em que a Ré, ora Recorrente, foi condenada a pagar aos Autores, ora Recorridos (1); sobre o erro notório do Tribunal “a quo” na apreciação da prova – impugnação da matéria de facto dada como provada, com a consequente reapreciação da prova gravada – produzida nos presentes autos (2); sobre as percentagens de responsabilidade – 60% (sessenta por cento) e 40% (quarenta por cento) –, arbitradas pelo Tribunal “a quo”, pela ocorrência do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos (3); e sobre as indemnizações globais arbitradas pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais (4).
A.) Quanto ao erro do Tribunal “a quo” no cálculo da quantia fixada na Sentença recorrida, a título de danos patrimoniais (€: 1.261,82), em que a Ré, ora Recorrente, foi condenada a pagar aos Autores, ora Recorridos
10. Na Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” errou, desde logo, no cálculo da indemnização que fixou, a título de danos patrimoniais.
11. Ora, o Tribunal “a quo” condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar aos Autores, ora Recorridos, a esse título de danos patrimoniais, a quantia de €: 1.261,82 (mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), como resulta do último item da alínea a) do dispositivo da Sentença recorrida.
12. O que está errado.
13. Os Autores, ora Recorridos, peticionaram, nesta Acção, aquela quantia (€: 1.261,82), a título do reembolso de despesas que tiveram com o funeral da sua Filha Menor,  (danos patrimoniais).
14. Na Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” dividiu a responsabilidade na produção do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos, que vitimou, mortalmente, a Menor , entre a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF, e 1 (um) dos Autores, R… (Pai da Menor falecida), ora Recorrido, na proporção de 60% (sessenta por cento) para aquela e de 40% (quarenta por cento) para este último.
15. E foi, através dessas percentagens (60% e 40%), que o Tribunal “a quo” calculou, na Sentença recorrida, todas as indemnizações, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais.
16. Sucede que, ao contrário do que fez com o cálculo das indemnizações a título de danos não patrimoniais, o Tribunal “a quo” não aplicou aquelas mesmas percentagens (60% e 40%), no dispositivo da Sentença recorrida, quando aí fixou a indemnização, a título de danos patrimoniais.
17. Condenando a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de tudo o quanto foi peticionado pelos Autores, ora Recorridos, nos presentes autos, a título de danos patrimoniais (€: 1.261,82).
18. Ou seja, condenou a Ré, ora Recorrente, na percentagem de 100% (cem por cento) do peticionado pelos Autores, ora Recorridos, nos presentes autos, a título de danos patrimoniais.
19. O que jamais podia suceder.
20. O Tribunal “a quo”, no dispositivo da Sentença recorrida, teria que efectuar, obrigatoriamente, para os danos patrimoniais, o mesmo cálculo que fez para fixar as indemnizações, nos presentes autos, a título de danos não patrimoniais, como, aliás, consta no 1.º (primeiro) parágrafo da página 40 (quarenta) da mesma.
21. A este propósito e contexto, a Sentença recorrida é, até, contraditória em si, uma vez que faz bem tal cálculo no seu corpo – 1.º (primeiro) parágrafo da sua página 40 (quarenta) –, mas, surpreendentemente, já não o faz no seu dispositivo.
22. Assim, o valor que deveria constar no dispositivo da Sentença recorrida, a título de indemnização por danos patrimoniais, seria, indubitavelmente, aquele que consta no 1.º (primeiro) parágrafo da página 40 (quarenta) da mesma, ou seja, o valor de €: 757,09 (setecentos e cinquenta e sete euros e nove cêntimos), e nenhum outro!
23. Uma vez que ao valor peticionado, nos presentes autos, pelos Autores, ora Recorridos, a título de indemnização por danos patrimoniais (€: 1.261,82), o Tribunal “a quo”, segundo o seu raciocínio e a sua decisão quanto à responsabilidade da produção do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos, teria, necessariamente, que apurar a percentagem (60%) que cabia à Ré, ora Recorrente.
24. Ou seja, 60% (sessenta por cento) de €: 1.261,82 (mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), o que dá, assim, aquela quantia de €: 757,09 (setecentos e cinquenta e sete euros e nove cêntimos).
25. Pelo que, e desde logo, deve ser alterado e modificado, em conformidade, o constante, a este propósito, no dispositivo da Sentença recorrida.
26. Devendo o último item da alínea a) do mesmo a passar a ter a seguinte redacção:
(…)
a) Condenar a Ré CARAVELA – Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos Autores R.. e L…:
(…)
• A quantia, em conjunto, de 757,09 (setecentos e cinquenta e sete euros e nove cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efectivo cumprimento. (…)
B.) Quanto ao erro notório do Tribunal “a quo” na apreciação da prova – impugnação da matéria de facto dada como provada, com a consequente reapreciação da prova gravada – produzida nos presentes autos
27. Embora a Ré, ora Recorrente, defenda a rectificação do dispositivo da Sentença recorrida, por manifesto erro do Tribunal “a quo”, na sua elaboração, o certo é que jamais poderia o mesmo ter proferido, nos presentes autos, tal Decisão da forma como o fez.
28. O Tribunal “a quo” não poderia, atenta a prova produzida, no âmbito dos presentes autos, condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de qualquer quantia, quer seja a título de danos patrimoniais, quer seja a título de danos não patrimoniais, aos Autores, ora Recorridos, decorrente do sinistro (atropelamento), aqui, em discussão.
29. Atenta a prova, nestes autos, produzida, não restava outra solução ao Tribunal “a quo” senão a de absolver a Ré, ora Recorrente, dos mesmos e, consequentemente, absolvê-la de todos os pedidos formulados pelos Autores, ora Recorridos, neles constantes, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais.
30. Para tomar a Decisão que tomou, constante da Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” errou na apreciação da prova, efectivamente, produzida nos presentes autos.
31. E, por isso, vem, agora, nesta sede, a Ré, ora Recorrente, pugnar pela revogação da Sentença recorrida, invocando e suscitando, para o efeito, o erro notório cometido pelo Tribunal “a quo” na apreciação da prova – impugnação da matéria de facto dada como provada com a consequente reapreciação da prova gravada – produzida nos presentes autos.
32. Não pode, no entanto, a Ré, ora Recorrente, deixar de, antes, aqui, referir, tal como o fez aquando da apresentação da sua Contestação, que lamenta muito que, no âmbito dos mesmos, se esteja a discutir a responsabilidade de 1 (um) acidente de viação (atropelamento) que levou ao falecimento de 1 (uma) criança, de, apenas, 7 (sete) anos de idade.
33. É, com toda a certeza, 1 (uma) fatalidade, 1 (um) trágico acontecimento, que não deixa – nem poderia deixar, naturalmente! – ninguém indiferente e que causou, causa e causará, sempre, 1 (uma) profunda dor e 1 (uma) enorme tristeza aos seus progenitores, familiares e amigos.
34. E, por isso, desde logo, com a apresentação da sua Contestação, junta a fls., a Ré, ora Recorrente, afirmou que tal factualidade não podia deixar que, nos presentes autos, os intervenientes – ambas as partes e o próprio Tribunal “a quo” – discutissem e decidissem a questão central da presente Acção, conformados com a emoção, a comoção e a dor que este tipo de acontecimento sempre gera.
35. Antes de mais e de tudo, e por mais que custasse – o que, naturalmente, se percebe –, todos os intervenientes processuais teriam que analisar a factualidade em discussão nos presentes autos, de acordo com a prova existente e a produzir no âmbito dos mesmos, de 1 (uma) forma clara, objectiva e rigorosa.
36. No entanto, salvo o devido respeito – e que é muito, sublinhe-se –, o Tribunal “a quo”, ao longo da Audiência de Discussão e Julgamento que se realizou nos presentes autos, e na consequente prova que lá se produziu, não conseguiu ficar indiferente a tal factualidade, diferenciando – e muito – a forma como inquiriu e valorou as provas oferecidas por casa 1 (uma) das partes, ou seja, pela Ré, ora Recorrente, e pelos Autores, ora Recorridos.
37. Como se pode verificar pela audição da Gravação-Áudio da Audiência de Discussão e Julgamento, designadamente, das declarações dos Autores, ora Recorridos, e dos depoimentos de toda a prova testemunhal oferecida, nos presentes autos, por aqueles e pela Ré, ora Recorrente.
38. Com efeito, através das suas audições, é, absolutamente, claro e inequívoco, a diferenciação que o Tribunal “a quo” fez entre uns e outros, bastando, para isso, que se ouça, por exemplo, as declarações dos Autores, ora Recorridos, e designadamente, do Autor, ora Recorrido, – (…)–, e o depoimento da condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF – (…)–, quanto à dinâmica do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos.
39. Que demonstra – muito bem – a forma como o Tribunal “a quo” inquiriu cada 1 (um) deles, bem como o porquê de ter valorado, tais declarações de parte e tal depoimento testemunhal, na Sentença recorrida, de forma tão diferente.
40. Não pode, assim, a Ré, ora Recorrente, deixar, aqui e desde já, de lamentar, e muito, tal factualidade e tal materialidade.
41. E que faz, desse modo, com que a Ré, ora Recorrente, não possa, também, deixar de o, aqui, frontalmente, dizer e, consequentemente, pedir, a V. Excelências, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, e a esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que, como “último reduto” depositário da lei e da justiça, revoguem a Decisão do Tribunal “a quo” e alterem ou modifiquem por outra que retracte, com rigor, detalhe e exactidão, toda a prova produzida – ou não – no âmbito dos presentes autos.
42. Na verdade, jamais o Tribunal “a quo” poderia proferir a Decisão que proferiu, na Sentença recorrida, atenta a prova produzida quanto à dinâmica do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos.
43. Com efeito, o Tribunal “a quo”, para tomar a Decisão que tomou ao dividir a responsabilidade na produção de tal sinistro rodoviário (atropelamento), na percentagem de 60% (sessenta por cento) para a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF, e na percentagem de 40% (quarente por cento) para o Autor R.. (Pai da Menor falecida,), ora Recorrido, dá como provados determinados factos que jamais o poderiam ser, dada a prova que – não – se produziu nos presentes autos.
44. Ora, na Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” deu como provados, de entre muitos outos, os seguintes Factos (Factos C, E, G, K e L dos Factos Provados da Sentença recorrida):
“C. Como o motociclo não tinha suporte para estacionar, e daquele lado onde pararam não havia qualquer muro, barreira, passeio ou estacionamento, o A. disse à criança para ficar junto à berma, mas na estrada, enquanto o mesmo ia colocar o motociclo do outro lado da faixa de rodagem, encostado ao muro que aí existe.”;
“E. Sucede que quando o A. já estava do lado contrário da faixa de rodagem (àquele onde deixou a criança) a encostar o motociclo ao muro, B
 iniciou o atravessamento da via.”;
“G. Sendo que 83 metros após desfazer a curva aberta da Ribeira Joana Pires e quando a B.. já tinha atravessado a hemi-faixa de rodagem contrária ao sentido de circulação do veículo xx-xx-xx, a condutora do mesmo embateu na criança, atropelando-a, causando-lhe a morte.”;
“K. A condutora do veículo xx-xx-xx exercia a condução do mesmo de modo desatento e descuidado.”;
“L. O local do acidente é uma recta com cerca de 200 metros, antecedida de uma curva aberta no sentido Ribeira Funda – Cedros, a qual após desfeita permite total visibilidade em toda a sua extensão, em ambos os sentidos, bermas e passeios.”.
45. Sucede, no entanto, que o Tribunal “a quo”, atenta a prova produzida nos presentes autos, jamais poderia dar como provados estes Factos (Factos C, E, G, K e L dos Factos Provados da Sentença recorrida) tal como estão descritos, na Sentença recorrida.
46. Desde logo, jamais poderia dar como provado o Facto C dos Factos Provados da Sentença recorrida.
47. Com efeito, é, totalmente, falso que do lado daquela estrada onde o Autor, ora Recorrido, R.., e a sua Filha, a Menor falecida, circulavam, não houvesse a possibilidade de aí colocar/encostar o motociclo que os transportava.
48. Isso mesmo resulta do Facto O dos Factos Provados da Sentença recorrida, que diz o seguinte: “Do lado contrário (sentido Cedros/Ribeira Funda) não há passeio. Há apenas berma com relva e 2 postes de madeira para suporte de linhas telefónicas.” – sublinhado da Ré, ora Recorrente.
49. 2 (dois) postes de madeira, sublinhe-se.
50. O que significa que o Autor, ora Recorrido, poderia ter encostado, imobilizado, o seu motociclo no lado da estrada onde circulava, com a sua Filha Menor .
51. Não tendo necessidade de se deslocar para o outro lado (sentido) da estrada em que circulava para encostar o seu veículo motociclo.
52. Não se vislumbra, pois, da prova produzida nos presentes autos, porque razão o Autor, ora Recorrido,  foi colocar o seu motociclo do outro lado da estrada em que circulava.
53. Daí resulta que, desde já, deve ser alterado o Facto C dos Factos Provados da Sentença recorrida, passando, o mesmo, a ter a seguinte redacção:
C. Por razões não concretamente apuradas, o A. deslocou-se, com o seu motociclo, para o outro lado da faixa de rodagem.”
54. A mesma sorte – alteração – merecerão os supra referidos e citados Factos E, G, K e L dos Factos Provados da Sentença recorrida.
55. Ora, com tais Factos (E, G, K e L) dados como provados, na mesma, o Tribunal “a quo” descreve como, na sua óptica, de desenrolou a dinâmica do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos e que levou ao falecimento da Menor,
56. E, consequentemente, divide a responsabilidade na produção do mesmo entre a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF, e o Autor,  (Pai da Menor falecida), ora Recorrido, na proporção de 60% (sessenta por cento) para aquela e de 40% (quarenta por cento) para este último.
57. É, pois, através desses referidos Factos (E, G, K e L), constantes dos Factos Provados da Sentença recorrida, que o Tribunal “a quo” suporta a mencionada divisão de responsabilidades no mencionado acidente de viação (atropelamento).
58. Ou seja, alicerça, resumidamente, a sua tese, constante da Decisão de que ora se recorre, no facto da vítima, a Menor falecida, para além de ter sido exposta ao abandono por parte do Autor, ora Recorrido, seu Pai, ter sido atropelada, mortalmente, pela condutora do condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF, quando já tinha atravessado mais de metade da hemi-faixa de rodagem contrária, ou seja, mais de metade da via, encontrando-se, no concreto momento do embate, na faixa onde circulava aquela referida e identificada condutora. 59. E que esta tinha toda a visibilidade para ver a Menor falecida, a atravessar aquela sua faixa de rodagem, o que lhe permitia, assim, ter evitado, se tivesse a conduzir com a atenção e com o cuidado adequados, o acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos.
60. No entanto, a verdade é que o Tribunal “a quo” não poderia, de forma alguma, ter dado como provado tais Factos (E, G, K e L), uma vez que os mesmos não resultaram de nenhuma prova produzida nos presentes autos, designadamente, das declarações de parte do Autor, ora Recorrido, pai da Menor falecida), e dos depoimentos das diversas Testemunhas (prova testemunhal) inquiridas em Audiência de Discussão e Julgamento.
61. E isto, porque ninguém viu o acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos.
62. Como resulta, respectivamente, das declarações e dos depoimentos das 3 (três) pessoas que se encontravam, no momento e no local, de tal sinistro rodoviário (atropelamento), que vitimou, mortalmente, a Menor , ou seja, do Autor, ora Recorrido,  da condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, , e do seu marido, que a acompanhava, enquanto passageiro daquela identificada viatura, com a matrícula xx-xx-xx.
63. A este propósito, refere o Autor, ora Recorrido, (Pai da Menor falecida), nas suas declarações de parte, em Audiência de Discussão e Julgamento – (…) –, o seguinte: (…).
64. E a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF refere, também a este propósito, no seu depoimento, enquanto Testemunha, em Audiência de Discussão e Julgamento – (…)
65. E o seu marido, que a acompanhava, naquele dia, naquele momento e naquele local, enquanto passageiro daquela identificada viatura, com a matrícula xx-xx-xx, refere, ainda a este propósito, no seu depoimento, enquanto Testemunha, em Audiência de Discussão e Julgamento – (…) –, o seguinte: (…)
66. Ora, através da reprodução destes excertos – das declarações de parte e dos 2 (dois) depoimentos testemunhais – da Gravação-Áudio da Audiência de Discussão e Julgamento, verifica-se, pois, que o Tribunal “a quo” não poderia, nem pode, ter qualquer certeza acerca do modo e da dinâmica do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos.
67. Não podia, assim, o descrever da forma como o fez naqueles Factos E, G, K e L, constantes dos Factos Provados da Sentença recorrida, porque tal factualidade não resulta de nenhuma prova produzida nos presentes autos, quer seja testemunhal, quer seja documental.
68. Porque, repete-se, ninguém viu, ninguém assistiu, ao mencionado acidente de viação (atropelamento).
69. Nos presentes autos, não há 1 (uma) única prova sequer comprovativa de como ocorreu, efectivamente, tal sinistro rodoviário (atropelamento).
70. Pelo que não se percebe, de forma alguma, como é que o Tribunal “a quo” chegou àquelas conclusões, plasmadas nos Factos E, G, K e L dos Factos Provados da Sentença recorrida.
71. Não podia, assim, o Tribunal “a quo” dizer, naqueles Factos E, G, K e L dos Factos Provados da Sentença recorrida, que a Menor falecida, já tinha atravessado grande parte da via e já se encontrava na faixa de rodagem onde circulava a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF, e que esta, por ter total visibilidade, ia desatenta, ocorrendo, assim, tal embate mortal.
72. Efectivamente, pela prova produzida nos presentes autos, não se pode afirmar o que o Tribunal “a quo” afirmou naqueles Factos E, G, K e L dos Factos Provados da Sentença recorrida, até porque, acresce, nem se sabe, em concreto, qual o local do embate (atropelamento) em questão nos presentes autos, uma vez que o corpo da Menor falecida,
 após o atropelamento, estava a 1 (uma) longa distância da zona onde se suspeita ter ocorrido o mesmo.
73. Porventura, não terá a Menor, atravessado aquele local, repentinamente, no exacto momento em que passava o veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, conduzido por M F?
74. É o mais provável, mas, também, não há qualquer certeza.
75. Por outro lado, também, não resulta de qualquer prova – 1 (uma) única sequer – produzida nos presentes autos, que a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF, circulava, naquele dia, naquele momento e naquele local, de modo desatento e descuidado.
76. Da mesma forma, também não resulta de qualquer prova constante dos presentes autos, que, na estrada onde ocorreu o acidente de viação (atropelamento) em questão, haja visibilidade, para quem conduz, em toda a sua extensão, em ambos os sentidos, bermas ou passeios
77. Toda essa prova – quer fosse documental, testemunhal ou pericial – caberia aos Autores, ora Recorridos, o que, como se predisse, jamais lograram fazer, até porque a dinâmica de tal sinistro rodoviário (atropelamento) por eles defendida, na sua Petição Inicial, era, totalmente, diferente daquela que está, agora, consagrada na Sentença recorrida.
78. Ora, não havendo prova – documental ou testemunhal – da tal factualidade, constante daqueles Factos E, G, K e L dos Factos Provados da Sentença recorrida, terão, necessariamente, os mesmos que ser ou, devidamente, alterados e, consequentemente, rectificados, ou passarem a ser considerados como Factos Não Provados da referida Decisão.
79. Nesses termos, os Factos E, G e L dos Factos Provados da Sentença recorrida deverão passar a ter a seguinte redacção:
E. Sucede que quando o A. já estava do lado contrário da faixa de rodagem, B atravessou a via.”;
G. Sendo que 83 metros após desfazer a curva aberta da Ribeira Joana Pires, a condutora do veículo xx-xx-xx embateu na criança, quando esta atravessou a via onde circulava, atropelando-a, causando-lhe a morte.”;
L. O local do acidente é uma recta com cerca de 200 metros, antecedida de uma curva aberta no sentido Ribeira Funda – Cedros.”.
80. Por seu turno, o Facto K dos Factos Provados da Sentença Recorrida – “K. A condutora do veículo xx-xx-xx exercia a condução do mesmo de modo desatento e descuidado.” – deverá passar a constar dos Factos Não Provados da mesma Decisão.
81. Nesse contexto, alterando-se, totalmente, aquela factualidade dada como provada nos Factos E, G, K e L dos Factos Provados da Sentença recorrida, e passando o Facto K dos mesmos a constar dos Factos Não Provados de tal Decisão, terá, obrigatoriamente, que improceder todo o raciocínio do Tribunal “a quo” exposto na Sentença recorrida.
82. Tendo, nesses termos, que ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que absolva a Ré, ora Recorrente, desta Acção, e, consequentemente, dos pedidos formulados pelo Autores, ora Recorridos, na mesma, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais, com as necessárias consequências legais.
83. Na verdade, decorre de toda a prova produzida nos presentes autos, que a condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, MF, não teve culpa, nem qualquer responsabilidade, na ocorrência do referido acidente de viação (atropelamento) e que levou ao falecimento da filha dos Autores, ora Recorridos, a Menor .
84. Ora, no dia 7 de Julho de 2013, pelas 11h10m, a condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, M F, acompanhada pelo seu marido, que se encontrava no banco do passageiro dianteiro, vulgo “lugar do pendura”, daquela viatura, circulava, naturalmente, na referida via (Estrada Regional), na localidade de Cedros, concelho da Horta.
85. Ao sair da curva aí existente (curva da Ribeira Joana Pires), reparou que estava alguém a estacionar 1 (um) veículo motociclo na berma da mesma hemi-faixa de rodagem de circulação da sua viatura, com a matrícula xx-xx-xx.
86. Tendo, de imediato e sem que nada o fizesse prever, verificado, à sua frente, a existência de 1 (uma) sombra/mancha de cor verde na via, roupa que alguém vestia, não tendo tido tempo, nem espaço, para se desviar, dada a sua imprevisibilidade.
87. Embatendo, assim, na filha dos Autores, ora Recorridos, a Menor atropelando-a, tendo como consequência o seu falecimento.
88. Verifica-se, pois, que jamais a condutora do veículo automóvel junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx,  no modo e nas circunstâncias referidas, ter evitado o embate contra a Menor , dada a imprevisibilidade e a rapidez com que a mesma atravessou, naquele dia e naquele local, aquela já referida Estrada Regional.
89. Ou seja, a Menor, atenta a sua tenra idade – 7 (sete) anos –, atravessou aquela estrada no exacto momento em que a condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, , circulava naquela artéria.
90. Invadiu a faixa rodagem no exacto momento em que esta procedia à sua travessia e sem que a mesma pudesse reagir, atempadamente e prontamente, àquele súbito e inesperado atravessamento da via.
91. O acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos tem, apenas, 1 (um) único culpado: o Autor, ora Recorrido, (Pai da Menor falecida), que deixou a sua filha Menor, sozinha, na berma de 1 (uma) estrada.
92. Como se verifica pela confissão do Autores, ora Recorridos, constante do artigo 20.º da Petição Inicial, a qual se acha junta a fls. dos presentes autos, e conforme, também, expressamente, confessa o Autor, ora Recorrido, (Pai da Menor falecida), nas suas declarações de parte, em Audiência de Discussão e Julgamento –(…) –, quando diz o seguinte: (…)
93. Deixou, pois, o Autor, ora Recorrido, naquele dia, naquele local e naquele momento, a sua Filha Menor, sozinha junto à berma, mas na estrada, de 1 (uma) Estrada Regional.
94. Completamente abandonada, à mercê da sua “sorte”.
95. E foi este facto – o abandono de 1 (uma) criança de 7 (sete) anos junto à berma de 1 (uma) estrada – que fez com que ocorresse o sinistro rodoviário (atropelamento) objecto dos presentes autos, que a levou a que atravessasse aquela via para ir ter com o seu progenitor, o ora Autor, ora Recorrido, que se encontrava do outro lado da via, na berma oposta.
96. Se o Autor, ora Recorrido, não tivesse deixado a sua Filha, sozinha no outro lado da via, ter-se-ia verificado tal atropelamento?
97. É claro que não.
98. Quando o local da estrada em questão (Estrada Regional), também, não permite a passagem, o atravessamento, de peões.
99. E quando se trata de 1 (uma) criança de tenra idade, que não tem qualquer noção do risco ou do perigo em atravessar 1 (uma) qualquer via.
100. E foi esse atravessamento repentino, súbito e inesperado, daquela via por parte da Menor,  que fez com que a mesma fosse atropelada pela condutora do veículo seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, 
101. Não tendo a mesma qualquer possibilidade de evitar o embate.
102. Ora, foi isto que o Tribunal “a quo” não valorou na Sentença recorrida.
103. Na verdade, o Tribunal “a quo” deveria ter percebido e percepcionado que, efectivamente, a referida condutora da viatura seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, nada podia mais podia fazer, perante a imprevisibilidade de tal atravessamento da Menor.
104. Bastava que o Julgador se metesse no “lugar” daquela.
105. Conseguiria fazer algo diferente do que aquela fez?
106. É claro que não.
107. Aliás, dada a imprevisibilidade e a rapidez de tal situação (atravessamento da via), a condutora do veículo seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx,  não teve, sequer, a possibilidade de fazer qualquer manobra que evitasse ou que, por qualquer modo, limitasse as consequências do sinistro (atropelamento) em questão.
108. Foi tudo, muito, rápido.
109. Não tendo a mesma qualquer hipótese de reacção.
110. Sendo que tal factualidade, dada a sua imprevisibilidade, não demonstra que a condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx,  seguisse, naquela via, desatenta e não observando as regras estradais, antes pelo contrário, uma vez que, no concreto momento do embate (atropelamento), esta parou, repentina e subitamente, a sua viatura.
111. Acresce, ainda, referir, aqui, que o acidente de viação (atropelamento), aqui, em discussão, foi, também, objecto de investigação, averiguação e decisão por parte do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, designadamente da Procuradoria da Instância Local da Horta, tendo aí corrido termos o respectivo Inquérito, sob o número de Processo 183/13.0PBHRT, em que era denunciada a condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, e cujos factos ilícitos, ali, em análise integravam o tipo legal de crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 137.º do Código Penal.
112. No âmbito desses mesmos autos de Processo-Crime, o Ministério Público, proferiu, em 16 de Janeiro de 2015, Despacho de Arquivamento, o qual se acha junto como Documento n.º 4 da Contestação, a fls. dos presentes autos.
113. Tais autos foram arquivados – e cita-se o dispositivo do referido Despacho de Arquivamento (página 3 do mesmo) – “(…) por se ter recolhido prova bastante da inexistência do crime de homicídio por negligência (…)”.
114. Aliás, em tal Despacho de Arquivamento é afirmado e defendido tudo o quanto, neste Recurso de Apelação, já se expandiu e se defendeu acerca da dinâmica do acidente de viação (atropelamento), agora, objecto dos presentes autos.
115. Com efeito, segundo aquele referido e mencionado Despacho de Arquivamento, resulta das diversas diligências de investigação realizadas no âmbito de tal Inquérito que, e cita-se – 2.º (segundo) parágrafo da página 2 (dois) do mesmo –, “(…) foi possível apurar que a menor, atenta a sua tenra idade, atravessou a estrada no exacto momento em que a denunciada circulava naquela artéria.(…)” – sublinhado e negrito da Ré, ora Recorrente.
116. Concluindo, assim – 3.º (terceiro) parágrafo da sua página 2 (dois) –, que “(…) não podem ser assacadas responsabilidades à denunciada, pela morte da menor  faria (…) – sublinhado e negrito da Ré, ora Recorrente.
117. Isto, porque o Ministério Público, na análise factual e jurídica que fez ao acidente de viação (atropelamento) em questão, naqueles autos, considera que, aqui, se está perante a figura da auto-colocação em perigo da ofendida.
Em virtude da Menor, ter invadido a faixa de rodagem em questão (Estrada Regional, na localidade de Cedros, concelho da Horta) no exacto momento em que o veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, conduzido por MF procedia à travessia da mesma.
118. A condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, não teve qualquer responsabilidade na produção do acidente de viação (atropelamento) em questão, que levou ao falecimento da Menor, mas, sim, o seu Pai, o Autor, ora Recorrido, .
119. Nesses termos, não recai sobre a Ré, ora Recorrente, enquanto seguradora daquele veículo automóvel, com a matrícula xx-xx-xx, conduzido por MF qualquer obrigação de indemnizar os Autores, ora Recorridos, em consequência de tal acidente de viação (atropelamento).
120. Pelo que, atentas estas razões, alicerçadas na prova, aqui, produzida, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída/alterada/modificada por outra que absolva a Ré, ora Recorrente, da presente Acção, e, consequentemente, que a absolva dos pedidos, nela, formulados pelo Autores, ora Recorridos, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais, com as necessárias consequências legais.
C.) Quanto à questão das percentagens de responsabilidade – 60% (sessenta por cento) e 40% (quarenta por cento) –, arbitradas pelo Tribunal “a quo”, pela ocorrência do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos
121. Não obstante o que se concluiu quanto à responsabilidade do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos, e sem conceder, o que só por mero dever de patrocínio jurídico se faz, importa, ainda, que a Ré, ora Recorrente, refira que, caso V. Excelências, Exmos Senhores Juízes Desembargadores, e esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, decidissem manter – o que não se admite – a divisão de responsabilidades, na produção do mesmo, entre a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) por si seguro, com a matrícula xx-xx-xx,  e o Autor, ora Recorrido,  (Pai da Menor falecida), as percentagens a atribuir a cada 1 (um) deles deveriam ser diferentes daquelas – 60% (sessenta por cento) e 40% (quarenta por cento) –, estabelecidas pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida.
122. Pelo que, assim, a Ré, ora Recorrente, pugna pela revogação da mesma, com a consequente alteração das percentagens de responsabilidade a atribuir a cada 1 (um) daqueles intervenientes.
123. Com efeito, atenta a factualidade dada como provada no âmbito dos presentes autos, não é justo, não é correcto, não é razoável, nem é adequado, que àquela condutora seja atribuída 1 (uma) percentagem de responsabilidade na produção do acidente (atropelamento) em questão de 60% (sessenta por cento), e que ao Autor, ora Recorrido, (Pai da Menor falecida) seja atribuída, apenas e tão só, 1 (uma) percentagem de responsabilidade de 40% (quarenta por cento).
124. E isto, porque, este, com a sua conduta de abandonar a sua Filha Menor, , na berma de 1 (uma) estrada contribuiu, decisivamente, para a ocorrência de tal acidente de viação (atropelamento).
125. Sendo que aquela pouco ou nada podia ou pôde fazer, atenta a imprevisibilidade e o repentismo daquele atravessamento da via, por parte da Menor falecida, .
126. Contribui, pois, aquele outro, de 1 (uma) forma superior – muito superior – à da condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx, para a produção de tal atropelamento mortal da Menor falecida, 
127. Tem, indubitavelmente, o Autor, ora Recorrido, (Pai da Menor falecida) 1 (uma) maior – muito maior – responsabilidade na ocorrência daquele atropelamento, do que aquela condutora.
128. Caso contrário, nos presentes autos, está-se a beneficiar quem contribuiu decisivamente para a produção do atropelamento em questão.
129. Pelo que, caso V. Excelências, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, e esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, concluíssem pela, efectiva, repartição de responsabilidades daqueles intervenientes na produção do sinistro rodoviário (atropelamento) objecto dos presentes autos, a percentagem relativa ao Autor, ora Recorrido, (Pai da Menor falecida) deveria ser, conforme se predisse, numa outra ordem de grandeza.
130. Numa percentagem entre 70% (setenta por cento) a 80% (oitenta por cento).
131. Sendo, assim e consequentemente, atribuída à condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx,  1 (uma) percentagem de responsabilidade de 20% (vinte por cento) a 30% (trinta por cento).
132. E, desse modo, a Ré, ora Recorrente, condenada, enquanto seguradora daquela, a pagar aos Autores, ora Recorridos, as respectivas indemnizações, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais, nessas mesmas percentagens de responsabilidade – 20% (vinte por cento) a 30% (trinta por cento) –, atribuídas àquela condutora.
133. Caso V. Excelências, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, e esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, também, assim, não o entendam, deverão, no entanto, ser fixadas outras percentagens de responsabilidade – que não as constantes na Sentença recorrida – na produção do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos entre a condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx,  e o Autor, ora Recorrido, (Pai da Menor falecida, ), ora Recorrido.
134. Numa maior percentagem de responsabilidade a atribuir a este do que àquela.
135. E, desse modo, a Ré, ora Recorrente, condenada, a pagar aos Autores, ora Recorridos, as respectivas indemnizações, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais, nessas percentagens de responsabilidade da condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) por si seguro, com a matrícula xx-xx-xx,  a fixar no Acórdão a proferir por V. Excelências, Exmos. Senhores Juízes.
136. Pelo que, nesses termos, deve a Sentença recorrida ser revogada e ser, assim, consequentemente, substituída/alterada por outra que consagre o, aqui, peticionado.
D.) Quanto às indemnizações globais arbitradas pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais
137. Por último, sem conceder, e não obstante o que supra já se concluiu, o que só por mero dever de patrocínio jurídico se faz, importa, ainda, que a Ré, ora Recorrente, caso não se desse provimento ao que se peticionou, se pronuncie sobre outra questão que, no seu entendimento, sempre mereceria a revogação da Sentença recorrida e a sua, consequente, alteração ou modificação.
138. A qual incide sobre os concretos valores arbitrados pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais.
139. Com efeito, e independentemente das percentagens de responsabilidade atribuídas na produção do acidente de viação (atropelamento) objecto dos presentes autos, à condutora do veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) seguro junto da Ré, ora Recorrente, com a matrícula xx-xx-xx,  – 60% (sessenta por cento) –, e ao Autor, ora Recorrido,  Faria (Pai da Menor falecida, ) – 40% (quarenta por cento) –, o Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, arbitrou, as seguintes indemnizações globais, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais: €: 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), a título de indemnização pelo dano morte da Menor, (danos não patrimoniais); €: 5.000,00 (três mil euros), a título de indemnização pelos danos sofridos pela Menor falecida,  no momento que antecedeu a sua morte (danos não patrimoniais); €: 40.00.000,00 (quarenta mil euros), ao Autor, ora Recorrido,  a título de indemnização por danos não patrimoniais atinentes ao sofrimento pelo mesmo sentido com a morte da sua Filha Menor,  (danos não patrimoniais); €: 40.00.000,00 (quarenta mil euros), à Autora, ora Recorrida,  a título de indemnização por danos não patrimoniais atinentes ao sofrimento pelo mesmo sentido com a morte da sua Filha Menor, danos não patrimoniais); €: 1.261,82 (mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, ou seja, com as despesas com o funeral da Menor,  (danos patrimoniais).
140. À excepção daqueles €: 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), fixados, pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, a título de indemnização pelo dano morte da Menor,  (danos não patrimoniais), todos os outros – €: 5.000,00 (três mil euros) + 40.00.000,00 (quarenta mil euros) + €: 40.000,00 (quarenta mil euros) + €: 1.261,82 (mil duzentos e sessenta e um euros e oitenta e dois cêntimos) – são os pedidos formulados, pelos Autores, ora Recorridos, nos presentes autos.
141. O Tribunal “a quo” arbitra, pois, na Sentença recorrida, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais, naqueles 4 (quatro) “ítems”, tudo aquilo que é peticionado, nos presentes autos, pelos Autores, ora Recorridos, ou seja, decidiu julgar, totalmente, procedentes, todos os seus pedidos.
142. O que não deixa de ser, muito, estranho, atenta a prova produzida, quanto aos mesmos.
143. Sucede, no entanto, que tais indemnizações, arbitradas pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, a título de danos não patrimoniais, são, na verdade, manifestamente, desajustadas, exageradas, desmedidas, desmesuradas, exorbitantes, imoderadas e desproporcionais.
144. Com efeito, a Jurisprudência tem fixado, para casos similares ao que se discute nos presentes autos, valores muito inferiores àqueles que foram arbitrados, agora, pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, designadamente os que respeitam aos danos não patrimoniais (danos morais) de cada 1 (um) dos Autores, ora Recorridos – €: 40.00.000,00 (quarenta mil euros) + €: 40.00.000,00 (quarenta mil euros).
145. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, proferido em 19 de Novembro de 2019, no âmbito do Processo n.º 216/13.0GTSTB.E1, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador, José Maria Martins Simão, e o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido em 6 de Novembro de 2019, no âmbito do Processo n.º 1231/16.7GAMAI.P1, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador, Moreira Ramos, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
146. Pelo que as referidas indemnizações arbitradas, na Sentença recorrida, pelo Tribunal “a quo”, a título de danos não patrimoniais, designadamente aquelas fixadas a cada 1 (um) dos Autores, ora Recorridos – €: 40.000,00 + €: 40.000,00 –, devem ser ajustadas, diminuindo-se tais montantes, por juízos de equidade, tendo em conta o que os Tribunais superiores têm decidido em casos semelhantes.
147. Se, assim, também, não se entender, deve ser efectuada 1 (uma) discriminação positiva nas quantias fixadas, na Sentença, pelo Tribunal “a quo”, a cada 1 (um) dos Autores, ora Recorridos – €: 40.000,00 + €: 40.000,00 –, a título de danos não patrimoniais, devendo a indemnização fixada à Autora, ora Recorrida, (Mãe da Menor falecida), ser maior do que a atribuída ao Autor, ora Recorrido,  (Pai da Menor falecida).
148. Descendo-se, assim, aquela quantia – €: 40.000,00 (quarenta mil euros) – arbitrada ao mesmo, pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, a título de danos não patrimoniais, uma vez que, dada a sua responsabilidade na produção de tal sinistro (atropelamento), não é justo que o mesmo tenha 1 (uma) indemnização, àquele título, igual à da Autora, ora Recorrida, (Mãe da Menor falecida), que nada contribuiu para a sua ocorrência
149. Estaria, assim, o mesmo a ser beneficiado em relação àquela, em virtude do seu culposo comportamento em tal sinistro rodoviário (atropelamento).
150. Nesses termos, deve ser julgado, totalmente, procedente o presente Recurso de Apelação, nos termos e com os fundamentos ora invocados e peticionados pela Ré, ora Recorrente, em sede de Alegações.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação, revogando-se a Sentença recorrida, como é de Lei e de Justiça.
*
Também inconformados, apelaram os autores, terminando a alegação com estas conclusões:
A - Da impugnação da matéria de facto provada na sentença:
1. Os Apelantes impugnam, nos termos do art.º 640º do CPC, a decisão que recaiu sobre a matéria de facto constante dos pontos B, D e I dos Factos provados e a constante do ponto 1. dos Factos não provados.
2. Os Factos Provados B e D deverão ter a seguinte redacção:
 “B. Circularam na Estrada Regional no sentido Cedros – Ribeira Funda e, entre as 10h00 e as 11h10m, pararam ao Km29 da referida estrada, junto à berma do lado direito atento o sentido de marcha em que seguiam, para conversar com H.., padrinho da B.. e amigo do A, que lhe pediu ajuda para segurar um vitelo.
D. Nesse instante, já H.. não se encontrava junto a este e à criança e não havia qualquer veículo a circular nem estacionado ao longo de uma extensão de cerca 200 metros daquela estrada, nem qualquer outro obstáculo à visibilidade sobre aquela estrada”.
3. Tal fundamenta-se no depoimento do Apelante  e da testemunha H.. (depoimento deste ao minuto 03:00), sendo relevante esta precisão para demonstrar, ainda mais, que H.. não só não tinha a carrinha estacionada na via, como também ele não estaria nem na carrinha nem na via onde circulava a condutora do veículo SS.
4. O Facto Provado I deverá ter a seguinte redacção:
I. A condutora do veículo xx-xx-xx não travou nem desviou o seu sentido de marcha, tendo B… sido arrastada por 32,8 metros, após o que saiu por baixo do veículo xx-xx-xx e tendo B… ficado, inanimada, no meio da faixa de rodagem e em cima da linha divisória das duas hemi-faixas, tendo então a condutora imobilizado a sua marcha a 7,7 metros do local onde ficou imobilizado o corpo da criança”.
5. Pelo depoimento do Apelante Rúben, e das testemunhas H… (…) M.F. e o agente da PSP Ildo Pereira (…), não restam dúvidas que a posição final do corpo da B…, após o embate, foi no ponto A (inspecção ao local), ou seja, mesmo em cima da linha divisória das duas faixas de rodagem.
6. O Ponto 1. dos Factos Não Provados deverá ser considerado como provado e ter a seguinte redacção:
A condutora do veículo xx-xx-xx, nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, circulava com as rodas do lado esquerdo do veículo a ocuparem a hemi-faixa contrária ao seu sentido de marcha”.
7. O veículo SS circulava numa recta com cerca de 200 metros de extensão, com total visibilidade em toda a extensão, em ambos os sentidos (ponto Provado L) e “não havia qualquer veículo a circular nem estacionado ao longo de uma extensão de cerca 200 metros daquela estrada, nem qualquer outro obstáculo à visibilidade sobre aquela estrada” (ponto Provado D), o que, segundo as regras da experiência comum, permite, numa via com a largura total de cerca de 6 m, que os veículos circulem normalmente no meio da via, com as rodas esquerdas a invadir (pouco ou muito) a faixa contrária. A MF nunca viu a B.., pelo que não tinha motivos para agir de forma diferente.
8. As declarações do Apelante são precisas no sentido da B… ter sido embatida quando estava mais ou menos na linha divisória das duas faixas de rodagem (…); que o embate foi mais ou menos a meio da frente do veículo SS e que este quando embateu e ao longo dos 32,8 metros seguintes foi sempre com as rodas esquerdas a invadir a faixa contrária. “Mantinha-se a meio da coisa. Tenho ideia disso”, afirmou Rúben.
9. Também H.. e I… não tiveram dúvidas quanto à posição final do corpo da B..: “Mais ou menos a meio da estrada” e “No meio, no meio da via”.
10. Acresce que ficou provado que “I. A condutora do veículo xx-xx-xx não travou nem desviou o seu sentido de marcha, tendo B.. sido arrastada por 32,8 metros, após o que saiu por baixo do veículo xx-xx-xx...”
11. Ora, se ficou assente que a posição final do corpo da B… ficou no meio da via, em cima da linha divisória, e se a condutora do veículo SS “não desviou o seu sentido de marcha” desde que embateu na B… até o corpo desta ter saído por baixo do veículo, a conclusão óbvia que o Tribunal “a quo” deveria ter retirado é que o embate do veículo SS na B… ocorreu quando esta estava em cima da linha divisória das duas hemi-faixas, ou seja, no local I da marcação efectuada na inspecção ao local. Pesa neste sentido a credibilidade dada pelo Tribunal ao depoimento do Apelante e, em sentido contrário, às incongruências de todo o depoimento de MF.
12. O corpo da B foi levado pelo veículo “por 32,8 metros”. Para tal acontecer o embate nunca poderia ter sido apenas com a frente esquerda do veículo, porque se assim fosse a B… teria sido projectada para a esquerda do veículo e nunca poderia ter sido arrastado por este.
13. Aliás quer o R..quer MF..(esta por referência a uma bola verde) afirmam que a B.. subiu o capô do veículo SS (…). Para arrastar a B.. por 32,8 metros, o embate teria que necessariamente ter sido mais ou menos a meio do veículo, mais centímetros ou menos centímetros. Mas nunca poderá ser numa das laterais.
14. Assim, necessariamente as rodas esquerdas do veículo SS estariam a invadir a faixa contrária, poucos ou muitos centímetros, mas sempre na faixa contrária, daí que deverá ser considerado provado que a condutora do veículo xx-xx-xx, nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, circulava com as rodas do lado esquerdo do veículo a ocuparem a hemi-faixa contrária ao seu sentido de marcha.
15. Caso o Tribunal “a quo” tivesse considerado como provados os factos como acima se requer, necessariamente deveria, na distribuição das responsabilidades pelo acidente fixar a responsabilidade da condutora do veículo SS em 100% ou muito próximo desta percentagem, pois para além da violação das normas estradais referidas na sentença, MF, conduzia o veículo SS na faixa de rodagem contrária, em violação do disposto no artigo 13º, nº 1, do Código da Estrada (CE): “A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes”.
16. A matéria de facto deverá ser alterada em conformidade com o acima exposto, sob pena de violação dos artigos 413º e 662º, nº 1, do Código do Processo Civil.
B - Recurso sobre a decisão relativa à matéria de direito:
17. Mesmo admitindo que a matéria de facto fixada na sentença se mantenha inalterada, a mesma deveria sempre: a) Quanto à culpa do lesado, nos termos do artigo 570º do Código Civil, deveria concluir que a causalidade do acidente deve ser imputada na proporção nunca superior a 10% para o pai da B.. e nunca inferior a 90% para a condutora do veículo SS; b) e deveria fixar a indemnização pelo dano morte no mínimo de € 100.000,00.
- Culpa do lesado (artigo 570º CC):
18. A sentença recorrida fundamenta e sustenta a responsabilidade e o contributo da condutora do veículo SS para o acidente (vide todas as citações da sentença acima efectuadas), mas, de forma contraditória, apenas imputa 60% da responsabilidade para a mesma, quando deveria, pelo menos, atribuir 90%.
19. A sentença recorrida fundamentou bem a negligencia grosseira da condução exercida por MF, que não conseguiu ver o único elemento estranho àquela recta de 200 m, a B.., menina alta e obesa para a idade que vestia e calçava roupa florescente, mas não adequou a responsabilidade da condutora de forma proporcional às circunstâncias do caso concreto e não aquilatou a maior intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente.
20. A condutora, pelo menos desde aquela curva não viu sequer a via onde circulava, estando certamente atenta às novidades do jornal que o marido estava a ler ao seu lado. A condutora se visse a B.. desde o início, como era sua obrigação, teria sempre evitado o acidente, independentemente da circulação atenta ou não da B.
21. Com a sua circulação desatenta e negligente, a condutora violou, de forma ostensiva e grosseira, as regras estradais previstas nos artigos 3º, nº 2, 11ª, nºs 2 e 3, 24º, nº 1, e 25º do CE, subsunção integral que deveria ter sido efectuada pela sentença recorrida.
22. É certo que os peões deverão atravessar as vias “com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos” – artigo 99.º, n.º 2 al. a) CE - mas na situação dos autos, por mais cuidado que a B.. tivesse no atravessamento da via seria sempre atropelada, pois a condutora do veículo SS nunca a viu, quando tal estava ao seu alcance desde que fez a curva antecedente a mais de 80 metros.
23. Uma criança na berma da estrada já é um utilizador vulnerável, que deverá ser alvo da maior atenção e cuidado pelos condutores dos veículos. Então uma criança a atravessar uma recta com cerca de 200 m, com total visibilidade, ainda mais cuidado se deverá exigir aos condutores dos veículos.
24. Este não é nenhum caso de criança que sai a correr detrás de autocarro, ou que atravessa a via numa curva ou em local com trânsito ou sem visibilidade.
25. Nenhum contributo a B.. teve para o embate do veículo SS, a não ser estar no local errado na hora em que MF exercia a condução desatenta e com negligência grosseira, e não apenas “inconsciente” como referido na sentença.
26. No caso concreto, a acção da B teve diminuta relevância e contribuição para o resultado ou lesões sofridas, pelo que a proporção da responsabilidade pelo acidente deverá ser no mínimo de 90% para a condutora do veículo SS e nunca deverá ultrapassar os 10% para o Apelante (pai), sob pena de violação das seguintes normas:
- artigos 491º, 496º e 570º CC;
- artigos 3º, nº 2, 11ª, nºs 2 e 3, 24º, nº 1, e 25º CE
- Dano morte / direito à vida:
27. Os € 75.000,00 fixados pela sentença para compensação do dano morte é, neste caso, pouco, muito pouco. Não se compreende que a sentença recorrida tenha feito referência a diversa jurisprudência do STJ, não muito recente, que em muitos casos o dano pela perda do direito à vida chega aos € 100.000,00 (cem mil euros) e não tenha fixado este valor, supostamente máximo (o que não se compreende), neste caso da B.
28. Como referido pelo Ac STJ de 29-10-2013 - Procº 62/10.2TBVZL.C1.S1III - A jurisprudência tem avançado no sentido de uma crescente valorização do direito à vida, atribuindo valores que geralmente oscilam entre os € 50 000 e os € 80 000, chegando mesmo atingir os € 100 000 para vítimas ainda jovens”.
29. A indemnização fixada pela sentença não é consentânea com os factos provados da mesma de W a KK nem com a crescente valorização do direito à vida que tem se verificado na última década.
30. O que se espera de uma menina de 7 anos de idade, com esta saúde, vitalidade, alegria, cheia de energia, afável e muito sociável? O juízo de prognose terá que, necessariamente, ser o mais auspicioso. E o Tribunal “a quo” não considerou esta questão, quando deveria.
31. Ora, se já em 2013 o STJ refere que as indemnizações por dano morte atingem os € 100.000, precisamente para vítimas ainda jovens, e que, em 2013, a “jurisprudência tem avançado no sentido de uma crescente valorização do direito à vida”, significa que em 2019 (ano da sentença) os € 100.000,00 para uma criança que fez de 7 anos no dia anterior ao da morte, esta quantia deveria ser normal, justa e equitativa em relação à B, sob pena de violação dos artigos 24º, nº 1, CRP, 70º, nº 1, 496.º, n.º3, e 494.º do CC.
32. Pelo exposto, nesta parte a sentença deverá ser revogada e substituída por decisão que fixe o dano morte em € 100.000,00 (cem mil euros).
Fazendo-se assim a almejada justiça.
*
Não há contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos apelantes, pelo que as questões a decidir são:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- responsabilidade pela eclosão do acidente
- se os autores têm direito a ser indemnizados por danos patrimoniais e não patrimoniais e quais os valores a fixar
*
III - Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
A. No dia 7 de Julho de 2013, pelas 9h00, a B. saiu com o pai (o A. ) de motociclo para ver os animais e passear.
B. Circularam na Estrada Regional no sentido Cedros – Ribeira Funda e, entre as 10h00 e as 11h10m, pararam ao Km29 da referida estrada, junto à berma do lado direito atento o sentido de marcha em que seguiam, para conversar com um amigo do A. que lhe pediu ajuda para segurar um vitelo.
C. Como o motociclo não tinha suporte para estacionar, e daquele lado onde pararam não havia qualquer muro, barreira, passeio ou estacionamento, o A. disse à criança para ficar junto à berma, mas na estrada, enquanto o mesmo ia colocar o motociclo do outro lado da faixa de rodagem, encostado ao muro que aí existe.
D. Nesse instante, já o amigo do A. não se encontrava junto a este e à criança e não havia qualquer veículo a circular nem estacionado ao longo de uma extensão de cerca 200 metros daquela estrada, nem qualquer outro obstáculo à visibilidade sobre aquela estrada.
E. Sucede que quando o A. já estava do lado contrário da faixa de rodagem (àquele onde deixou a criança) a encostar o motociclo ao muro, B iniciou o atravessamento da via.
F. Nesse momento, circulava na referida Estrada Regional, no sentido Ribeira Funda – Cedros, o veículo de matrícula xx-xx-xx, conduzido por MF acompanhada esta pelo seu marido, que se encontrava no banco dianteiro de passageiro.
G. Sendo que 83 metros após desfazer a curva aberta da Ribeira Joana Pires e quando a B.. já tinha atravessado a hemi-faixa de rodagem contrária ao sentido de circulação do veículo xx-xx-xx, a condutora do mesmo embateu na criança, atropelando-a, causando-lhe a morte.
H. O A. apercebendo-se da aproximação do veículo xx-xx-xx, quando olhou para trás vê o embate e já não teve tempo para qualquer reacção senão gritar e correr atrás do veículo xx-xx-xx para alcançar a B...
I. A condutora do veículo xx-xx-xx não travou nem desviou o seu sentido de marcha, tendo B.. sido arrastada por 32,8 metros, após o que saiu por baixo do veículo xx-xx-xx, tendo então a condutora imobilizado a sua marcha a 7,7 metros do local onde ficou imobilizado o corpo da criança.
J. A condutora do veículo xx-xx-xx ao longo da sua marcha nunca avistou a B, só se tendo apercebido de que atropelara uma criança depois de imobilizar o seu veículo e dele sair.
K. A condutora do veículo xx-xx-xx exercia a condução do mesmo de modo desatento e descuidado.
L. O local do acidente é uma recta com cerca de 200 metros, antecedida de uma curva aberta no sentido Ribeira Funda – Cedros, a qual após desfeita permite total visibilidade em toda a sua extensão, em ambos os sentidos, bermas e passeios.
M. A faixa de rodagem tem 6,10 metros de largura, permitindo o trânsito em dois sentidos, e cada hemi-faixa mede 3,05 metros, estando separadas com linhas divisórias descontínuas de cor branca.
N. O local é ladeado de terrenos e de casas de habitação e tem passeio para peões e estacionamento, mas estes apenas no sentido de marcha do veículo xx-xx-xx (sentido Ribeira Funda – Cedros).
O. Do lado contrário (sentido Cedros/Ribeira Funda) não há passeio. Há apenas berma com relva e 2 postes de madeira para suporte de linhas telefónicas.
P. No momento do embate o piso, de asfalto e em bom estado de conservação, encontrava-se limpo e seco e não existia chuva, névoa ou neblina.
Q. No local o limite de velocidade é de 50 Km/h.
R. À data do embate, a B… trajava um fato de treino de cor verde fluorescente e uns sapatos cor-de-rosa e tinha uma compleição física alta e com excesso de peso para a sua idade.
S. A B.. depois do embate sofreu fortes dores, medo e angústia, tendo sido alvo de várias tentativas de reanimação.
T. Porém, todas goradas, vindo o seu óbito a ocorrer às 11h10m do dia 07.07.2013.
U. Do relatório de autópsia realizado ao corpo de B.. resulta o seguinte teor, no item designado por Discussão:
“Observou-se na autópsia de B um conjunto de lesões traumáticas externas e internas, atingindo sobretudo o Tórax e o Abdómen, que pressupõem o embate violento contra uma superfície dura, existindo, pois, um nexo de causalidade entre as lesões descritas e as circunstâncias em que se deu a morte – atropelamento. A morte sobreveio em pouco tempo por rotura de vísceras Toraco-Abdominais e consequente hemorragia interna maciça. Muito provavelmente já deveria estar inconsciente devido ao traumatismo crânio-encefálico.”.
V. Do relatório de autópsia realizado ao corpo de B resulta o seguinte teor, no item designado por Conclusão:
 “1.ª – É de admitir que a morte de B.. tenha sido devida a hemorragia interna provocada por traumatismo toraco-abdominal.
2ª – As lesões pleuro-pulmonares e hepáticas e esplénicas observadas são causa adequada de morte.
3ª – As lesões traumáticas descritas foram provocadas por acidente de viacção – atropelamento.
4ª – Os elementos necrópsicos constatados são compatíveis com uma etiologia acidental.
5ª – A pesquisa de álcool no sangue revelou-se negativa.”.
W. A B era e é a única filha dos AA. e nasceu em 06.07.2006.
X. Até à data do embate a B gozava de boa saúde e não tinha qualquer defeito físico. .
Y. Era uma menina alegre, cheia de energia, afável e muito sociável.
Z. Frequentou desde tenra idade o jardim de infância do Colégio de Santo António, onde sempre foi a alegria da sala, quer para educadoras de infância quer para os colegas de turma.
AA. À data do acidente frequentava a 1ª classe na Escola do Pasteleiro, onde também era a alegria da sala.
BB. A A. era chefe da Associação de Guias de Portugal, nas Angústias (escutismo feminino).
CC. A B acompanhou a mãe no escutismo desde o nascimento até à sua morte, radiando alegria em toda a Associação de Guias de Portugal.
CC. Era a mascote das “Caravelas”, escalão dos 14 aos 17 anos de idade. DD. Aos 5 anos entrou para as “Avezinhas”, 1º escalão (até aos 10 anos)
FF. No seio escolar, social, cultural e familiar a menor era tida com grande carinho e admiração por toda a gente.
GG. Convivia com toda a gente.
HH. Tinha uma grande alegria de viver e constante boa disposição.
II. Era uma menina feliz e estava sempre a rir.
JJ. Amava a vida, a família e amigos.
KK. Era uma fonte de felicidade, alegria e vontade de viver dos seus pais, ora AA.
LL. Em Outubro de 2008 os AA. separaram-se, ficando a B.. a residir com a mãe, na Rua …, juntamente com os avós maternos. 
MM. A B.., para além de filha única, era a única neta dos avós maternos, os quais nutriam por ela um amor extremo.
NN. A B era a razão de viver dos seus pais e avós.
OO. Apesar da separação dos AA. a B sempre teve uma relação muito saudável, próxima e alegre com o pai, e este com ela.
PP. A B passava muitos fins-de-semana com o pai em casa dos avós paternos nos Cedros.
QQ. A B estava sempre ansiosa para ir passar uns dias com o pai nesta casa, na qual expandia o seu gosto por animais e por andar de motociclo com o pai.
RR. A Badorava visitar as galinhas, cães, gatos e cavalos na casa dos avós paternos nos Cedros.
SS. O A. esteve preso de Março de 2009 a Maio de 2013.
TT. Desde a separação dos pais e durante o período de prisão do pai, a B era para este a única razão de viver e o único alento para passar aquela fase difícil da sua vida.
UU. Mesmo quando estava preso, o A. falava quase todos os dias ao telefone com a B.
VV. E chorava todos os dias por não a poder abraçar.
WW. Fruto do amor pela Be desta pelos pais, em 2011, os AA. reataram a relação amorosa.
XX. O A. fez tratamento sério à sua dependência de produtos estupefacientes e deixou de os consumir.
YY. A B ficou muito feliz por ver os pais juntos novamente.
ZZ. Quando o A. saiu definitivamente da prisão, em Maio de 2013, os AA. e a B voltaram a viver juntos, constituindo uma família muito unida e totalmente dedicada à filha B.
AAA. Sucederam-se jantares e convívios familiares e com amigos.
BBB. Os avós maternos e paternos tiveram um período de maior convivência, tendo sempre a B como elo de união familiar.
CCC. A A. sempre foi atenta a cada passo da B.
DDD. A A. estava sempre ansiosa para sair do trabalho e ir conviver com a B
EEE. A A. e a B faziam quase tudo juntas, faziam refeições juntas, frequentavam o escutismo juntas, passeavam juntas.
FFF. Os avós, quer maternos quer paternos, estavam sempre a falar da neta.
GGG. A B adorava passear e conviver com todos os avós.
HHH. Os pais e avós estavam sempre aos abraços e beijos na B e a viver momentos intensos de alegria, em família e em convívio social.
III. Todos tinham esperança numa longa vida para a B, muito para além das suas.
JJJ. Os pais e avós estavam sempre a pensar e a projectar um grande e feliz futuro para a B.
KKK. No dia 06 de Julho de 2013, o dia anterior ao embate que culminou na morte de B, foi a festa de aniversário da criança, na casa dos avós paternos, nos Cedros.
LLL. Onde a família esteve unida e onde marcaram presença muitos amigos da B.
MMM. Nos meses que se seguiram ao falecimento da B, os AA. mal se alimentavam, não dormiam e tiveram que recorrer a medicação.
NNN. A morte da B deixou os AA. e restante família e amigos em estado de choque.
OOO. No seu funeral estiveram muitos amigos e familiares.
PPP. A Associação de Guias de Portugal compôs uma música dedicada à B, que cantaram no funeral, numa sentida homenagem de “eterna saudade da 3ª Companhia da Horta.
QQQ. Até hoje não há dia que os AA. não se lembrem da B, com mágoa e desgosto, chorando com muita frequência a sua perda.
RRR. A pensar na B os Autores ainda passam noites a dormir pouco, tensos e nervosos, tendo pesadelos. SSS. Por vezes ficam muito tempo a chorar abraçados à foto da B
TTT. A A tensão, nervosismo e depressão provocada pela morte da B foi o reinício da separação dos Autores.
UUU. Os AA só choravam em casa.
VVV. Na sequência, o A. começou a afastar-se de casa e a refugiar-se nas bebidas alcoólicas.
WWW. E depois regressaram os consumos de estupefacientes.
XXX. Voltando as discussões entre o casal, que culminaram com a separação definitiva em Novembro de 2014.
YYY. O A. ainda tem acompanhamento psicológico e psiquiátrico no Hospital da Horta.
ZZZ. A A. não consegue estar muito tempo em casa, refugiando-se em diversas actividades profissionais e convívios com amigos
AAAA. O funeral da B teve um custo de €1.261,82, que os AA. pagaram.
BBBB. A responsabilidade civil emergente de acidente e viação do veículo xx-xx-xx à data do acidente estava transferida para a Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90.00567727.
CCC. Correu termos no DIAP junto do Tribunal da Horta o inquérito com o n.º 183/13.0PBHRT onde se investigou a prática dos factos descritos supra e atinentes ao embate, tendo sido proferido despacho de arquivamento em 16.01.2015 com o seguinte teor:
 “(…) atento o facto de a menor ter «invadido» a faixa de rodagem no momento em que o veículo conduzido pela denunciada procedia à travessia da mesma, depõe no sentido da auto-colocação em perigo do mesmo, operando- se, por essa via, à limitação da teoria da imputação objectiva do resultado lesivo à conduta e, consequentemente, à irresponsabilidade jurídico-penal da denunciada.
Em consequência, determino o arquivamento do inquérito, por se ter recolhido prova bastante da inexistência do crime de homicídio por negligência (artigo 137.º, n.º 1, do CP, art.º 277.º, n.º 2. 2.ª parte do CPP)”.
*
B) E vem dado como não provado:
1. A condutora do veículo xx-xx-xx nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas circulava no meio da faixa de rodagem, com as rodas do lado esquerdo do veículo a ocuparem a hemi-faixa contrária ao seu sentido de marcha.
2. A condutora do veículo xx-xx-xx nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas circulava a uma velocidade superior a 50km/h.
3. O embate do veículo xx-xx-xx no corpo de B ocorreu quando a criança estava quase a chegar à linha divisória das hemi-faixas de rodagem.
*
C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Sustenta a ré que deve ser alterado o teor das alíneas C), E), G) e L) e julgado não provado o que consta na alínea K).
Sustentam os autores que deve ser alterado o teor das alíneas B), D) e I, e que deve ser julgado provado parte do ponto 1.
*
a) Nas alíneas C) e E) lê-se:
«C. Como o motociclo não tinha suporte para estacionar, e daquele lado onde pararam não havia qualquer muro, barreira, passeio ou estacionamento, o A. disse à criança para ficar junto à berma, mas na estrada, enquanto o mesmo ia colocar o motociclo do outro lado da faixa de rodagem, encostado ao muro que aí existe.».
«E. Sucede que quando o A. já estava do lado contrário da faixa de rodagem (àquele onde deixou a criança) a encostar o motociclo ao muro, Be iniciou o atravessamento da via.».
Pretende a ré que seja julgado provado:
«C. Por razões não concretamente apuradas, o A. deslocou-se com o seu motociclo para o outro lado da faixa de rodagem».
«E. Sucede que quando o A. já estava do lado contrário da faixa de rodagem, B atravessou a via».
Diz que é falso que não houvesse a possibilidade de colocar/encostar o motociclo do lado em que pararam, pois na alínea O) está provado que há dois postes de madeira para suporte de linhas telefónicas.
Porém, na alínea C) não vem dado como provado que o autor não podia ter encostado o motociclo àqueles postes de madeira, mas sim que o motociclo «não tinha suporte para estacionar», sendo certo que o autor, em declarações de parte, explicou que «o descanso da moto estava partido». Além disso, na sala de audiências e na inspecção judicial ao local a testemunha  MFdisse que quando saiu da zona de curvas viu no parque de estacionamento existente do lado direito da faixa de rodagem uma moto estacionada e uma pessoa - que depois soube ser o autor - com as mãos no capacete.
Repare-se, ainda, que os autores alegaram no art. 13º da petição inicial a existência dos postes de madeira, mas a ré não alegou na contestação que o motociclo poderia ter ali ficado encostado, e vem agora contrariar o que disse nos art. 33º e 73º da contestação, pois declarou expressamente aceitar o alegado no art. 20º da petição inicial, em que se lê:
«Como o motociclo não tinha suporte para estacionar, e daquele lado não havia qualquer muro, barreira, passeio ou estacionamento, o A disse à menor para ficar junto à berma da estrada, enquanto o pai ia colocar o motociclo do outro lado da estrada, encostado ao muro que estava para além do estacionamento».
Portanto, o autor foi estacionar o motociclo do outro lado da faixa de rodagem. Se podia e devia ter encostado o veículo aos referidos postes de madeira para não deixar a filha sozinha é questão a apreciar em sede de discussão jurídica da causa.
Improcede, pois, a pretensão da ré quanto a estas duas alíneas.
*
b) Na alínea G) lê-se:
«G. Sendo que 83 metros após desfazer a curva aberta da Ribeira Joana Pires e quando a B já tinha atravessado a hemi-faixa de rodagem contrária ao sentido de circulação do veículo xx-xx-xx, a condutora do mesmo embateu na criança, atropelando-a, causando-lhe a morte.»
*
Discorda a ré, pretendendo que seja julgado provado:
«G. Sendo que 83 metros após desfazer a curva aberta da Ribeira Joana Pires a condutora do veículo xx-xx-xx embateu na criança quando esta atravessou a via onde circulava, atropelando-a, causando-lhe a morte.»
*
Por sua vez, os autores discordam do julgamento quanto à alínea I) e quanto ao ponto 1 dos factos dados como não provados.
Na alínea I) lê-se:
«A condutora do veículo xx-xx-xx não travou nem desviou o seu sentido de marcha, tendo B.. sido arrastada por 32,8 metros, após o que saiu por baixo do veículo xx-xx-xx, tendo então a condutora imobilizado a sua marcha a 7,7 metros do local onde ficou imobilizado o corpo da criança.»
No ponto 1 lê-se como não provado:
«A condutora do veículo xx-xx-xx nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas circulava no meio da faixa de rodagem, com as rodas do lado esquerdo do veículo a ocuparem a hemi-faixa contrária ao seu sentido de marcha».
*
Pretendem os autores que seja julgado provado:
«I. A condutora do veículo xx-xx-xx não travou nem desviou o seu sentido de marcha, tendo B sido arrastada por 32,8 metros, após o que saiu por baixo do veículo xx-xx-xx, e tendo B.. ficado, inanimada, no meio da faixa de rodagem e em cima da linha divisória das duas hemi-faixas, tendo então a condutora imobilizado a sua marcha a 7,7 metros do local onde ficou imobilizado o corpo da criança.».
«1. A condutora do veículo xx-xx-xx, nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, circulava com as rodas do lado esquerdo do veículo a ocuparem a hemi-faixa contrária ao seu sentido de marcha.».
*
Na petição inicial vem alegado:
«25. Sendo colhida por aquele veículo quando estava a chegar à linha divisória das hemifaixas (doc. 3, ponto 2 da 1ª foto»
«27. (…) e pelo facto desta atropelar a B na hemifaixa contrária ao seu sentido de marcha, que foi impossível evitar o acidente»
«29. O embate da frente do veículo (a meio da frente deste) com o corpo da B ocorreu quase a meio da faixa de rodagem, quando a B estava a chegar à linha branca de separação das duas hemifaixas»
«30. O veículo circulava naquela reta com as rodas do lado esquerdo na faixa contrária»
«31. O veículo não travou nem desviou o seu sentido de marcha, antes ou após o embate na B»
«32. Seguindo sempre em frente, ocupando sempre as duas faixas de rodagem.»
«33. O corpo da B foi levado na frente do veículo»
«34. E só, cerca de 40 metros depois, saiu por baixo do veículo, sendo neste momento que o veículo parou».
Na contestação, vem alegado nos art 65º, 67º, 68º, 94º e 95º:
«Ou seja, a menoria, atenta a sua tenra idade, atravessou aquela estrada no exacto momento em que a condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, com a matrícula  xx-xx-xx, MF, circulava naquela artéria»
«Invadiu a faixa de rodagem no momento em que esta procedia à sua travessia».
«E sem que a mesma pudesse reagir, atempadamente, àquele inesperado atravessamento da via».
«Sendo que, contrário do que os Autores pretendem, agora, fazer crer - aliás, os mesmos nem o concreto L.P.E. (local do ponto do embate) sabem com rigor, sublinhe-se - a referida condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, com a matrícula xx-xx-xx, MF seguia, naquela via, em estrito cumprimento das regras estradais.»
«Circulando, prudentemente e atentamente, na sua via de circulação».
*
Portanto, os autores pretendem fazer valer a versão apresentada na petição inicial de que o automóvel ocupava parte da hemi-faixa esquerda atento o sentido em que circulava quando atropelou a criança, mas já não sustentam que o atropelamento ocorreu nessa hemi-faixa. Além disso, querem que seja julgado provado que a criança ficou em cima da linha divisória das duas hemi-faixas, embora não o tenham alegado na petição inicial.
A ré pretende fazer valer a versão de que o automóvel circulava na hemi-faixa direita atento o seu sentido de marcha, ou seja, na sua via de trânsito, e que aí ocorreu o atropelamento.
A 1ª instância fundamentou a convicção quanto à alínea G) nas medições efectuadas na inspecção judicial ao local, dizendo, além do mais:
«- o ponto C foi localmente atestado pelo Tribunal, e por ambas as partes acordado, como aquele a partir do qual à condutora do veículo seria possível avistar por completo a recta descrita pela configuração da estrada e o local onde estaria a B a iniciar ou quase a iniciar o atravessamento da via.
Com estas premissas e efectuada a correspondente medição, resultou mediar do ponto C ao ponto onde se terá verificado o embate (H ou I) a distância de 83 metros.
Ainda a propósito do facto descrito em G. e pro referência ao ponto de embate cumpre dizer que pese embora não seja possível apurar com certeza e segurança jurídica se o ponto de conflito corresponde àquele que foi indicado pelo A. ou àquele que foi indicada pela condutora do veículo SS, uma coisa temos por certa: a B já tinha atravessado a hemi-faixa de rodagem contrária ao sentido de circulação do veículo SS, ou seja, aquela correspondente ao lado onde o A. a deixou pedindo que ali esperasse por ele (cfr pontos I e H da inspecção ao local, ambos assinalados após a travessia daquela hemi-faixa).».
Diz a autora que ninguém viu o atropelamento, pelo que a 1ª instância não o podia ter descrito como fez em G e pretende que seja julgado provado na alínea G que a criança foi atropelada quando atravessou «a via onde circulava o automóvel». Mas a ser acolhida tal pretensão, não ficaria claro se o vocábulo «via» corresponde às duas hemi-faixas, ou à hemi-faixa direita atento o sentido de circulação do automóvel.
Ora, está provado, e sobre isso não há discussão, que o acidente ocorreu na faixa de rodagem da Estrada Regional. Portanto, a entender-se que nenhuma prova foi produzida sobre o ponto da estrada em que ocorreu o atropelamento, a redacção da alínea G não poderia ser a que a ré indica, mas sim «… quando esta atravessava a referida estrada».
Além disso, a ré não impugnou o julgamento da 1ª instância quanto à alínea H, estando assim provado sem impugnação: «O A. apercebendo-se da aproximação do veículo xx-xx-xx, quando olhou para trás vê o embate e já não teve tempo para qualquer reacção senão gritar e correr atrás do veículo 91-41-SS para alcançar a B». Portanto, não é verdade que ninguém tenha visto o atropelamento.
Por quanto se disse, improcede a impugnação da ré quanto à alínea G).
*
Sobre a pretensão dos autores para que seja julgado provado na alínea I «(…) e tendo B ficado, inanimada, no meio da faixa de rodagem e em cima da linha divisória das duas hemi-faixas (…)», cumpre dizer que referem factos não alegados na petição inicial. Por isso, só poderão ser atendidos se forem enquadráveis no nº 2 do art. 5º do CPC.
Ora, estando provado que a criança sofreu fortes dores, medo e angústia, poderia ser considerado contraditório julgar provado que já estava inanimada quando ficou imobilizada na estrada.
Quanto ao ponto onde ficou imobilizado o corpo, é relevante face ao demais que a 1ª instância julgou provado na alínea I, pois é um pressuposto para o cálculo da distância entre esse ponto e aquele em que o veículo ficou imobilizado. Assim, e perante a prova produzida na inspecção judicial ao local - declarações do autor, depoimentos das testemunhas e fotografias com legendas - e bem assim o «croqui» no auto de participação do acidente desenhado pela testemunha  (agente da PSP) - que confirmou que a menina estava no meio da via em cima da linha divisória, impõe-se julgar provado que B ficou imobilizada em cima da linha divisória das duas faixas hemi-faixas de rodagem.
Nestes termos, dá-se nesta parte razão aos autores, e altera-se a alínea I), julgando-se provado:
«I. A condutora do veículo xx-xx-xx não travou nem desviou o seu sentido de marcha, tendo B sido arrastada por 32,8 metros, após o que saiu por baixo do veículo xx-xx-xx,  ficando na faixa de rodagem em cima da linha divisória das duas hemi-faixas, tendo então a condutora imobilizado a sua marcha a 7,7 metros do local onde ficou imobilizado o corpo da criança.».
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Sobre o ponto 1 dos factos julgados não provados sustentam os autores que resulta da prova que o automóvel circulava com as rodas do lado esquerdo ocupando a hemi-faixa contrária ao seu sentido de marcha. Mais dizem que as regras da experiência comum mostram que as características daquela estrada naquele local permitem que os veículos circulem normalmente no meio da via, com as rodas esquerdas a invadir a faixa contrária.
Estabelece o nº 4 do art. 607º do CPC que «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração (…) compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência».
Não alegam os autores que se trata de facto notório, referido no art. 412º do CPC como sendo aquele que é do conhecimento geral e por isso não carece de prova nem de alegação. E na verdade, não é do conhecimento geral que em faixas de rodagem com aquelas características os veículos circulem ocupando parte da via contrária se não houver mais veículos.
Nem os juízos correntes de probabilidade e os princípios da lógica levam a considerar que isso sucede.
Quanto ao depoimento da testemunha H não assistiu ao atropelamento nem viu o automóvel antes disso.
E o autor disse que tem a ideia, mas não a certeza, de que o automóvel circulava a meio da estrada, com as rodas esquerdas ocupando a hemi-faixa contrária.
Improcede, assim, a impugnação dos autores nesta parte.
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c) Nas alíneas K) e L) lê-se:
«K. A condutora do veículo xx-xx-xx exercia a condução do mesmo de modo desatento e descuidado.».
«L. P local do acidente é uma recta com cerca de 200 metros, antecedida de uma curva aberta no sentido Ribeira Funda - Cedros, a qual após desfeita permite total visibilidade em toda a sua extensão, em ambos os sentidos, bermas e passeios.».
*
Entende a ré que deve ser julgado não provado o que consta em K) e que na alínea L) deve ser julgado provado apenas:
«O local do acidente é uma recta com cerca de 200 metros, antecedida de uma curva aberta no sentido Ribeira Funda - Cedros».
Alega a ré:
«Da mesma forma, também não resulta de qualquer prova constante dos presentes autos, que, na estrada onde ocorreu o acidente de viação (atropelamento) em questão, haja visibilidade para quem conduz, em toda a sua extensão, em ambos os sentidos, bermas ou passeios».
Porém, foi realizada inspecção judicial ao local, tendo a 1ª instância fundamentado a sua convicção sobre as características da estrada nestes termos: «Os L) a Q) relativos às características do local têm a sua demonstração quer no acordo entre as partes, quer na participação de acidente e respectivo croqui constantes de fls. 18 v a 19 v, quer ainda, na inspecção judicial ao local». E não aponta a ré, razão plausível para discordar desta apreciação da prova. Além disso, na sala de audiências o agente policial  disse que a recta tem visibilidade completa, e a condutora, inquirida se ao sair da curva via toda a recta, respondeu que «sim», sem hesitação.
Por fim, é de lembrar que vem alegado nos art. 46º, 47º e 48º da contestação:
«O local onde ocorreu o sinistro - cuja configuração/geometria estradal se mantém, presentemente, inalterada - é uma faixa de rodagem (recta), composta por 2 (duas( vias de trânsito, com sentidos opostos de circulação.»
«Relativamente ao traçado da mesma, constata-se que, atento o sentido de marcha da condutora do veículo automóvel seguro junto da Ré, com a matrícula xx-xx-xx, , existe uma curva, à esquerda, denominada por curva da Ribeira Joana Pires, seguindo-se uma recta.».
«Com uma visibilidade de cerca de 200 (duzentos) metros.».
Improcede pois, a impugnação quanto à alínea L).
*
Sobre a alínea K) diz a ré que não resulta da prova produzida que a condutora circulava de modo desatento e descuidado e «Perguntar-se-á, também, a este propósito: onde é que o Tribunal “a quo” foi fundamentar - qual a prova? - tal factualidade de que a mesma conduzia daquela forma e em violação das regras estradais?».
Mas a fundamentação exarada pela 1ª instância dá resposta à pergunta da ré: análise do depoimento da condutora e do local, bem como presunção judicial - permitida pelos art. 349º e 351º do Código Civil e art. 607º nº 4 do CPC -, como evidencia este trecho:
«O facto K. tem a sua demonstração quer no depoimento da testemunha MF, quer na conjugação deste com os elementos objectivos apurados em sede de inspecção judicial. Vejamos, A condutora do veículo SS afirma peremptoriamente não ter visto a B senão depois de nela embater e imobilizar o seu veículo. Assim, a questão de facto que se coloca é a de saber se não tendo visto, podia/devia ter visto a criança, só não o tendo conseguido por conduzir de modo descuidado e desatento. Ou, se pelo contrário, avistar a B era impossível para a condutora dadas as condições em que o embate se deu.
A resposta, que é porventura o âmago do presente litígio, não pode deixar de se materializar no facto assente K, considerando:
 - as características da via e o estado da meteorologia - não chovia, nem havia nevoeiro, o piso era de asfalto em bom estado de conservação e a faixa de rodagem, com  6,20 m  de largura, tratava-se de uma recta de muito boa visibilidade (como se afere pelas fotografias captadas aquando a inspecção judicial) antecedida por uma curva, que após desfeita permitia à condutora avistar toda a extensão daquela recta a cerca de 200 metros à sua frente, estando a B a 83 metros do ponto a partir do qual à condutora do veículo SS era permitido avistá-la;
 - à hora a que o embate se deu - entre as 10h00 e as 11h10m, horário de elevada luz natural;
 - a ausência de quaisquer veículos estacionados de qualquer dos lados, árvores ou qualquer outro obstáculo que impedisse ou dificultasse a visibilidade da condutora;
 - a roupa que a criança trajava, de cor verde fluorescente e sapatos cor-de-rosa que facilitava a sua visualização, para o que também concorria a sua compleição física;
 - o local onde a B foi embatida pelo veículo SS - já depois de atravessar, pelo menos, a metade da faixa de rodagem correspondente ao sentido contrário àquele em que seguia o veículo SS, o que, a par do que já foi dito, não permite sustentar a tese do seu surgimento inesperado na frente do veículo;
 - a circunstância de não se ter demonstrado que a condutora do veículo SS conduzia o mesmo em excesso de velocidade, o que permitiria maior atenção ao que se passa na via e, consequentemente, mais tempo para decisão de manobra de evasão que evitasse o embate, o que no caso sequer foi envidado».
De notar, ainda, que a ré não impugnou a alínea G na parte em que está julgado provado que o embate ocorreu «83 metros após desfazer a curva aberta».
Portanto, uma pessoa conduzindo com atenção e cuidado numa estrada com aquelas características - e sendo certo que na contestação a ré fez questão de alegar que a velocidade máxima permitida no local era de 50 km/h e que a condutora seguia normalmente a sua marcha - não teria deixado de ver uma criança à distância de 83 metros quer na berma do lado esquerdo quer a atravessar a faixa de rodagem, ainda para mais, alta para a sua idade de 7 anos, com excesso de peso e com roupa e calçado de cores exuberantes.
E o depoimento da condutora não podia ser mais esclarecedor sobre o seu estado de desatenção e falta de cuidado, ao dizer: «E nisto, vindo do nada, apareceu no capôt da minha carrinha uma forma, um círculo, uma forma circular, verde, tipo esfera, pairou e depois, lentamente foi-se desvanecendo.», «eu na altura fiquei perplexa e intrigada», «eu não conseguia perceber a causa daquele verde, muito menos, o que me estava a acontecer», «eu senti um ligeiro abanão no carro», «eu estava focada naquele verde, o que é isto», «ia à volta dos 50 km/h». Repare-se ainda, que ao ser-lhe perguntado «Não se recorda de ver a criança a correr?», respondeu «não»; e sobre o que se seguiu quando ouviu o marido dizer «pára, pára»: «eu já estava começando a raciocinar parar», sendo que à pergunta «porque é que teve de raciocinar» respondeu: «eu tive de sair dum lado para o outro do pára», «teve de dar o mínimo de espaço de tempo para eu parar»; e depois «só vi aquela bola verde em cima da carrinha, não vi mais nada», «não tinha criança», «no meu campo de visão não tinha nada», «não tinha criança nenhuma», «não tinha mais nada na estrada». E a verdade é que está provado em J), sem impugnação, e que confirma a desatenção da condutora: «A condutora do veículo xx-xx-xx ao longo da sua marcha nunca avistou a B, só se tendo apercebido de que atropelara uma criança depois de imobilizar o seu veículo e dele sair».
Improcede, pois, a impugnação da alínea K.
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d) Sustentam os autores que nas alíneas B) e D) deve constar o nome desse amigo e que é padrinho da B.
No art. 19 da petição inicial diz-se que o autor parou «para conversar com um amigo do pai, Helder».
Na audiência de julgamento a testemunha H confirmou que é o referido amigo. Se é ou não padrinho da menina , é facto não alegado na petição inicial e irrelevante para a decisão da causa, não se enquadrando por isso no disposto no art. 5º nº 1 e 2 do CPC (Código de Processo Civil).
Assim, decide-se alterar a redacção das duas alíneas, julgando-se provado:
«B) Circularam na Estrada Regional no sentido Cedros – Ribeira Funda e, entre as 10h00 e as 11h10m, pararam ao Km29 da referida estrada, junto à berma do lado direito atento o sentido de marcha em que seguiam, para conversar com Helder Costa, amigo do A., que lhe pediu ajuda para segurar um vitelo.»
«D. Nesse instante, já H não se encontrava junto a este e à criança e não havia qualquer veículo a circular nem estacionado ao longo de uma extensão de cerca 200 metros daquela estrada, nem qualquer outro obstáculo à visibilidade sobre aquela estrada.».
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D) O Direito
1. Da responsabilidade pela produção do acidente
O art. 342º nº 1 do Código Civil estabelece:
«Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.».
Por sua vez, o nº 1 do art. 483º do mesmo Código, prevê:
«Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.».
E o art. 487º dispõe:
«1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.».
O art. 570º estatui:
«1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.».
E o art. 572º dispõe:
«Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada.».
Entendeu a 1ª instância que o acidente «foi causado pela violação das regras estradais impostas ao condutor e, concomitantemente ao peão, devendo neste último conspecto ser chamado à colação o dever de vigilância que sob o A. impendia por referência à sua filha menor de idade» e concluindo que «(…) a causalidade do acidente (…) deve ser imputada na proporção de 40% para o A. (pai) e de 60% para a condutora do veículo SS (…)».
Discordam ambas as partes.
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Segundo a ré, deve ser absolvida dos pedidos porque a condutora não teve qualquer responsabilidade, mas assim não se entendendo, deverá ser alterada a repartição de responsabilidades, imputando-se entre 70% a 80% ao autor/pai e entre 20% a 30% à condutora, ou outras percentagens que o tribunal entenda correctas, desde que se impute maior percentagem àquele.
Sustenta-se na procedência total da sua impugnação quanto à matéria de facto, dizendo daí resultar que jamais a condutora poderia ter evitado o acidente dada a imprevisibilidade e rapidez com que a criança atravessou a estrada, mais alegando que o local não permite a atravessamento da faixa de rodagem pelos peões e invocando o arquivamento do inquérito que correu termos no DIAP.
*
Os autores entendem que se a 1ª instância tivesse considerado provados os factos como pugnam neste recurso, necessariamente deveria fixar a responsabilidade da condutora em 100% ou no mínimo, em 90%.
Sustentam que por mais cuidado que a B tivesse no atravessamento da via seria sempre atropelada porque a condutora nem a viu, pois «exercia a condução desatenta e com negligência grosseira e não apenas “inconsciente” como referido na sentença.», além de que deve pesar a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo.
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Apreciando.
O arquivamento do inquérito criminal não tem relevância, pois não é uma decisão penal absolutória, e por isso não se enquadra no art. 624º do CPC que estabelece:
«1. A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2. A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.».
Por outro lado, improcedeu integralmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela ré.
Quanto à alegada proibição de atravessamento da estrada por peões naquele local, importa ter em consideração que o art. 101º do Código da Estrada dispõe:
«1 - Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente.
2 - O atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se o mais rapidamente possível.
3 - Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito ou, quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50 m, perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem.
4 - Os peões não devem parar na faixa de rodagem ou utilizar os passeios de modo a prejudicar ou perturbar o trânsito.
5 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 10 a (euro) 50.».
Não está provado - nem sequer foi alegado - que no local do acidente havia sinal de trânsito proibindo o atravessamento da faixa de rodagem pelos peões, nem que havia passagem de peões a menos de 50 m.
Decorre sim, dos factos provados, que a condutora conduzia tão desatenta e descuidadamente, que só se apercebeu de que atropelara uma criança depois de sair do veículo, apesar de esta ter sido arrastada debaixo dele por 32,8 m. Repare-se, aliás, que vem alegado na contestação que a condutora ao sair da curva à esquerda viu do seu lado direito alguém a estacionar um motociclo na berma existente no seu sentido de circulação (seu lado direito) «Tendo de imediato e sem que nada o fizesse prever verificado, à sua frente uma sombra/mancha de cor verde na via, roupa que alguém vestia», «Não tendo tido tempo, nem espaço para se desviar».
Ora, está provado que o acidente deu-se a 83 metros após a referida curva aberta, a visibilidade era total numa extensão de 200 metros de recta, e a criança apresentou-se pelo lado esquerdo da condutora. Portanto, o local do acidente não integra o conceito de visibilidade reduzida nos termos do art. 19.º do Código da Estrada («considera-se que a visibilidade é reduzida ou insuficiente sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 m»).
Se, na versão apresentada na contestação, a criança tivesse atravessado a estrada inesperadamente e com rapidez, isso só poderia significar que estava na berma quando o automóvel saiu da curva e que podia ser vista pela condutora, pois o acidente deu-se 83 m depois da curva.
E se a criança estava na berma quando o automóvel saiu da curva, impunha-se que a condutora tomasse especial cuidado, abrandando a marcha ou mesmo parando - sendo certo que o limite de velocidade no local era de 50 Km/h -, para se assegurar de que ela não iria atravessar, pois é facto notório - e por isso não carece de ser provado nem alegado (art. 412º nº 1 do CPC) - que as crianças são peões especialmente vulneráveis, visto não terem o discernimento que se espera de um adulto.
Mas a condutora não equacionou sequer a necessidade de abrandar ou mesmo parar o veículo para se assegurar de que a criança não iria atravessar a estrada, pela simples razão de que não a viu na berma nem a iniciar a travessia.
O art. 11º nº 2 do Código da Estrada prevê: «Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança».
Portanto, a condutora teve responsabilidade na produção do acidente e agiu com culpa grave, violando com negligência grosseira as mais elementares regras de prudência na condução de veículos automóveis.
Quanto à criança, não decorre dos factos provados que ela ou o pai se tenham certificado de que não se aproximava nenhum veículo.
É certo que face ao que vem alegado na petição inicial, confessadamente, a criança não obedeceu à instrução do pai para que ficasse na berma, nem este a orientou no atravessamento da estrada.
Mas também não está provado que a criança iniciou a travessia da estrada sem se ter certificado de que nenhum automóvel se aproximava do seu lado direito vindo da curva, nem que atravessou inesperadamente a estrada, surpreendendo a condutora, ou seja, infringindo o disposto no art. 101º do Código da Estrada.
Na sentença recorrida entendeu-se que há concorrência de culpas, discreteando-se, designadamente:
«Dos factos provados soçobra, todavia, a preterição pelo peão, das regras enunciadas nos artigos 3º nº 2, 99º, nº 2 al. a) e 100º, nº 1, todos do Código da Estrada.
In casu, porém, o peão destinatário de tais normas tratava-se de uma criança com 7 anos de idade, pelo que sabendo que ninguém se coloca culposamente em determinado estádio etário e que não parece poder afirmar-se que a menor era capaz de discernir ou entender o perigo em que se colocou e, muito menos que queria o facto danoso que veio a suceder, sempre se terá de concluir pela não responsabilidade da menor pelas consequências do acidente para o qual contribuiu (artigo 488º, nº 1 do Código Civil).
Embora a lei só presuma a inimputabilidade relativamente a menores de 7 anos (artigo 488º, nº 2 do Código Civil), é, para nós, claro que a travessia duma via de trânsito por uma criança que tenha completado os 7 anos de idade, aliás, no dia anterior ao do acidente, como era o caso, não pode ser analisada, no plano da culpa, como se tivesse lugar por um adulto (…).
(…)
Assim, a movimentarmo-nos no domínio da culpa esta só poderá ser in vigilando nos termos do art. 491º do Código Civil (….)
(…)
Donde, a agir diligentemente e no cumprimento do dever que sobre si impendia, ou o Autor não tinha tomado a decisão de atravessar a via para o lado contrário, aquele onde havia espaço para o efeito, ir estacionar o motociclo ou, tomando-a, não podia, nunca, ter perdido de vista a B, devendo levá-la consigo, por modo a não perder o controlo dos seus passos.
(…)
Deste modo, considerando a esfera de protecção das regras estradais violada, de grave lesividade no caso da violação das regras inerentes à atenção na condução; considerando a elevada possibilidade de a condutora adoptar um comportamento lícito alternativo na aproximação ao peão; considerando que o comportamento do A. foi igualmente culposo, por violação do dever de vigilância que sobre si impendia, tendo com tal violação contribuído para a eclosão do acidente; considerando a gravidade das culpas da condutora do veículo SS e do A., bem como, as consequências delas resultantes, tudo sopesado, concluímos que a causalidade do acidente de viação (…) deve ser atribuída na proporção de 40% para o A. (pai) e de 60% para a condutora (…)».
Porém, embora seja correcto dizer que o pai não devia ter deixado a criança sozinha na berma da estrada, apenas seria de lhe atribuir responsabilidade pelo atropelamento da filha se esta tivesse atravessado a estrada em infracção das regras legais, o que não se provou.
Ora, o art. 491º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa sobre o obrigado a vigiar o incapaz, mas não estabelece uma presunção de que o incapaz praticou acto ilícito, pois prescreve apenas que «As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivesse, cumprido.».
Além disso, como explicado por Pires de Lima e Antunes Varela «A presunção de culpa (in vigilando) estabelecida no artigo 491º apenas se refere aos danos causados a terceiro, já não aos danos causados à pessoa que deve ser vigiada. Quanto a estes vigoram os princípios gerais.» (in Código Civil anotado, vol I, 4ª ed, pág. 493). E assim, como dito por estes autores em anotação ao art. 486º «Em relação às próprias pessoas obrigadas à vigilância de outrem, elas não são apenas responsáveis pelos danos causados a terceiro, nos termos do artigo 491º; respondem também, por força do disposto neste artigo 486º, pelos danos que as pessoas vigiadas sofram com a omissão do dever de vigilância (v,g, se elas se ferirem ou morrerem em consequência dessa omissão).» (ob cit pág. 488).
De sublinhar ainda, «é necessário também, nos termos do artigo 563º, que haja entre a omissão e o dano um nexo de causalidade: deve tratar-se de um dano que provavelmente se não teria verificado, se não fosse a omissão.» (ob cit, pág. 487), mas os factos provados não permitem estabelecer nexo de causalidade entre a omissão de vigilância por parte deste adulto e o atropelamento, nem mesmo por presunção judicial.
Na verdade, a ré alegou mas não provou que a criança surgiu rápida e inesperadamente à condutora, e provou-se que aquela já tinha atravessado a hemi-faixa de rodagem esquerda atento o sentido de circulação do veículo quando foi colhida. Ou seja, não tendo a ré logrado provar a sua alegação de que a criança atravessou a estrada em violação das regras estradais, não pode agora o tribunal tirar a ilação - ao abrigo do disposto nos art. 349º e 351º do Código Civil -, de que foi atropelada porque o pai a deixou sozinha na berma da estrada.
Ao invés, a única ilação que se impõe tirar, é que a condutora teria evitado o acidente se fosse atenta.
Por quanto se explanou, atribui-se à condutora responsabilidade exclusiva pelo sinistro.
Assim, no que a esta questão respeita, improcede a apelação da ré e procede a apelação dos autores.
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2. Se os autores têm direito a ser indemnizados e quais os valores a fixar
2.1. Estando fixada em 100% a responsabilidade da condutora, é inevitável concluir que sobre a ré impende a obrigação de indemnizar quer pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima mortal, quer pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos seus progenitores, aqui autores, em consequência do acidente (art. 483º nº 1, 495º, 496º, 562º, 563º e 566º do Código Civil).
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2.2. A 1ª instância fixou em 75.000 € a indemnização pelo dano «perda do direito à vida».
Discordam os autores, dizendo que o direito à vida de uma criança que tinha completado 7 anos de idade na véspera, saudável, alegre, cheia de energia, afável e muito sociável deve ser valorado em 100.000 €.
No ac do STJ de 03/12/2016 (P. 6/15.5T8VFR.P1.S1 - www.dgsi.pt) ponderou-se:
«A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em wwwdgsi.pt., onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre €40 000,00/8.000.000$00 e €50 000,00/10.000.000$00.
Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).
No caso vertente, o dano morte do falecido EE foi fixado em €60.000,00 €uros, valor esse situado claramente dentro das margens definidas em tais arestos e respeita o padrão referencial que vem sendo seguido pela jurisprudência deste Tribunal. Mais, em face dos 52 anos de idade do EE, esse valor é inteiramente razoável, adequado e plenamente justificado».
No Ac do STJ de 22/02/2018 (P. 33/12.4GTSTB-EL.S1 - www.dgsi.pt), ponderou-se:
«A vida é o bem mais precioso, pelo que a sua perda é um dano da maior gravidade, que deve ser compensado em consonância. Na procura do valor dessa compensação não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional, etc.
No caso, a vítima era um jovem de 25 anos de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, sendo piloto aviador da Força Aérea, com a patente de alferes, competente, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira. Tinha, pois, toda uma vida pela frente e condições para dela tirar satisfação. A privação da vida da vítima constitui assim um dano situado no patamar superior da escala de gravidade configurável para este tipo de danos.
Além disso, o lesante agiu com elevado grau de culpa, na medida em que conduzia o seu veículo a uma velocidade que excedia “muito” o limite máximo e, à aproximação do motociclo conduzido pela vítima, não travou, não abrandou nem se desviou dele, embatendo-lhe por trás (facto nº 10).
Por outro lado, tendo em vista a necessidade de uniformização de critérios, que é uma decorrência do princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se como referência o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos comparáveis. Ora, pelo dano não patrimonial concretizado na privação da vida, o Supremo Tribunal de Justiça vem atribuindo indemnizações que, na maioria dos casos, oscilam entre 50 000,00 € e 100 000.00 €, como informam os seus acórdãos de 03/11/2016, proferido no processo nº 6/15.5T8VFR.P1.S1, e de 08/06/2017, proferido no processo nº 2104/4TBPVZ.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Tendo tudo isso presente, não se pode considerar fundada a pretensão da recorrente de fixação por este dano de um valor indemnizatório superior ao decidido pela Relação – 120 000,00 € –, que excede significativamente o mais elevado daqueles valores.».
No caso concreto, considerando a idade da vítima, ausência de problemas de saúde e temperamento alegre e dinâmico, era expectável ter uma vida longa e força para enfrentar os seus desafios e concretizar objectivos de realização pessoal. Por isso, mostra-se adequado elevar para 100.000 € - valor já actualizado à data de hoje em harmonia com o disposto no art. 566º nº 2 do Código Civil - a indemnização pela privação do seu direito à vida, procedendo também nesta parte o recurso dos autores.
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2.3. A 1ª instância fixou em 40.000 € a indemnização para cada um dos autores pelos danos não patrimoniais atinentes ao sofrimento com a perda da sua única filha.
Discorda a ré, sustentando que é um valor manifestamente desajustado/ exagerado/ desmedido/exorbitante/imoderado/desproporcional para o caso concreto, e que deve ser reduzido segundo juízos de equidade, embora não adiante qual o valor que entende correcto. Mais diz que a não serem reduzidas as indemnizações dos autores, deve ser efectuada uma «discriminação positiva», fixando-se indemnização inferior ao progenitor «dada a sua responsabilidade na produção de tal sinistro (atropelamento)».
Porém, os factos provados não permitem considerar justo um valor inferior ao arbitrado na sentença para compensação do sofrimento destes progenitores, sendo de acolher integralmente estas palavras da julgadora:
«(…) para os AA está em causa a perda da vida da filha única de ambos, à data com apenas 7 anos de idade.
O sofrimento dos AA está demonstrado em sede de factualidade: o amor que os unia à criança, o desgosto incomensurável por eles sofrido com a sua morte, os transtornos psíquicos que a ambos causou, com reflexos quer na sua alimentação, quer no seu descanso, quer ainda no seu relacionamento conjugal, tudo potenciado pelo falecimento da B ocorrer no dia imediatamente seguinte ao do seu aniversário e respectiva celebração».
De acrescentar que o progenitor assistiu ao atropelamento da filha, viu-a ser colhida pelo automóvel e arrastada por baixo deste ao longo de 32,8 metros sem nada conseguir fazer se não gritar e correr desesperadamente. Portanto, não se justifica que lhe seja indemnização em valor inferior ao da progenitora.
Improcede, pois, também este fundamento do recurso da ré.
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IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) julgar improcedente a apelação da ré;
b) julgar procedente a apelação dos autores, condenando-se a ré a pagar:
 b) 1. a ambos os autores a quantia de 100.000 € (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano morte de B…, acrescida dos juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data deste acórdão e vincendos até integral pagamento;
b) 2. a cada um dos autores a quantia de 40.000 € (quarenta mil euros) a título de indemnização pelos seus danos não patrimoniais causados pela morte da filha B...
c) 3. confirmar o demais do dispositivo da sentença recorrida
Custas das apelações pela ré.

Lisboa, 08 de Outubro de 2020
Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana de Azeredo Coelho