Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23191/19.2T8LSB-P.L1-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
RESIDÊNCIA
CRIANÇA
URGÊNCIA
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):

I – A concessão de caráter urgente a incidente de  falta de acordo dos pais em questões de particular importância, previsto no artigo 44º R.G.P.T.C., embora implique a sua tramitação durante as férias judiciais, não pode determinar a supressão dos princípios do contraditório, da audição e participação da criança previamente a tomada de decisões que lhe digam respeito, ou da produção das provas consideradas necessárias.
II – A liberdade de escolha de residência, de deslocação e de fixação em qualquer parte do território nacional, e o direito de constituir família, previstos nos artigos 27º, nº 1, 44º, nº 1 e 36º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, de que os progenitores como qualquer cidadão beneficiam, apenas poderão ser limitados, no caso em apreço, em nome do superior interesse dos seus filhos.
III – As decisões proferidas no âmbito dos processos relativos a responsabilidades parentais devem revelar-se proporcionais aos direitos e interesses em conflito, e refletir as condições de vida dos menores no momento em que são tomadas.
IV – Deve ser autorizada a mudança da residência dos menores quando tal decisão permita manter e desenvolver os significativos laços afetivos e psicológicos que mantêm com a progenitora guardiã, e não comporte um sacrifício desproporcionado para o progenitor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO

1.1– (...), identificada nos autos, instaurou o presente incidente de desacordo dos progenitores relativamente a questões de particular importância, ao abrigo do disposto no artigo 44º R.G.P.T.C., contra (...), residente (…)a, em benefício dos filhos de ambos, (...), nascido a 05-08-2014, e (...), nascida a 13-02-2019, solicitando a alteração da residência e do estabelecimento escolar dos menores para (…)s, por forma a salvaguardar o seu superior interesse.
Alegou a requerente, no essencial, que a sua vida pessoal e laboral sofreu significativa alteração, que determinou a mudança da sua residência para a zona da cidade de Barcelos, o que inviabiliza manter a residência dos filhos na cidade de Lisboa. Acresce que em tal zona, os menores poderão beneficiar do apoio de familiares, designadamente da avó paterna e tios maternos. Considerando que, por forma a salvaguardar o interesse dos menores, estes deverão continuar a residir consigo, concluiu solicitando autorização para a alteração da respetiva residência.

1.2 - O requerido deduziu oposição ao pedido de alteração da residência, alegando, para tanto, que não pretende que os menores estabeleçam qualquer contacto com a avó paterna, atentos os problemas psiquiátricos e a personalidade violenta de que esta padece. Alegou ainda que há mais de seis meses que não tem contactos com os filhos, o que se deve a decisão unilateral da mãe. Por outro lado, desconhece em absoluto as condições da escola e habitacionais de que os menores poderão usufruir na cidade de Barcelos, além de que a pretendida alteração da residência irá acentuar o afastamento dos menores relativamente ao pai.

1.3 – Realizada uma conferência de pais, nos termos do disposto no artigo 35º, nº 1 R.G.P.T.C. ex vi artigo 44º, nº 2 do mesmo diploma, não foi possível obter acordo quanto à questão suscitada.

1.4 – Realizadas as diligências que o tribunal considerou necessárias, foi proferida sentença, na qual, além do mais, foi julgado improcedente o pedido de alteração de residência fiscal e de estabelecimento escolar dos menores (…). Não obstante, também aí ficou decidido que, logo no dia seguinte, deveriam ambos os menores apresentar-se na escola onde se encontram inscritos (na cidade de Barcelos), e que, no final do ano letivo 2023/2024, a progenitora deveria novamente alterar a sua residência para Lisboa (ou para localidade situada num raio de 50 quilómetros desta cidade), por forma a respeitar o estabelecido na decisão de regulação das responsabilidades parentais.

2 - Não se conformando com a decisão proferida nos autos principais, a requerente da mesma interpôs recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que autorize a por si pretendida alteração da residência, terminando as suas alegações com a seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. O presente Recurso é interposto de douta Sentença de fls…., que julgou improcedente o incidente para decisão de questão de particular importância, relativamente ao Desacordo Entre os Cônjuges, para autorização da alteração de residência fiscal e de estabelecimento escolar das crianças (…) e (...), filhos da Apelante e do Apelado.
2. Foi definida a Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais referente às crianças em apreço, no âmbito do Apenso A, tendo estabelecido um regime, no qual a residência das crianças ficou fixada junto da mãe e os convívios com o pai foram regulados de forma a progredirem gradualmente.
3. Sucede que, houve uma suspensão das visitas em 22 de dezembro de 2021, tendo os convívios das crianças com o pai a ser retomados rapidamente e de forma gradual até à sua normalidade, contudo e sempre com o cumprimento das indicações técnicas consideradas necessárias e relevantes pela USQAT, por parte do Apelado
4. O que raramente o Apelado cumpria.
5. A Sentença de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais tem valor imediato com força obrigatória, tendo inclusive sido confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, deve ser cumprida na sua integra e totalidade, bem como a sua progressão no tempo, com aplicação imediata, independentemente do recurso interposto, cfr. 619.º e ss. e 647.º, todos do C.P.C., o que não sucedeu.
6. A 17 de julho, data de aniversário do Apelado, apesar de constar da Sentença proferida, e resultante das últimas conferências, bem como dos contactos com a USQAT, que as pernoitas com o pai iniciar-se-iam a partir do mês de novembro de 2022, independentemente de ser o dia de aniversário do Pai ou o dia do Pai, a verdade é que a decisão efetivada não previa a pernoita ou sequer fins-de-semana alternados anteriores a novembro de 2022.
7. O que veio a suceder, apesar dos vários alertas ao Apelado, este não procedeu à entrega das crianças à mãe, tendo procedido a uma retenção indevida das crianças, sem aviso prévio, concordância da mãe ou vontade das crianças.
8. É consabido que todas as decisões têm que ser lidas como um todo e não apenas como uma parte, tornando-se irrefutável que as pernoitas previstas com o pai apenas se iriam iniciar em novembro, pelo que, qualquer pernoita anterior a tal data, seria um incumprimento à douta Sentença proferida e à gradual evolução dos convívios que se previa, o que veio, consequente e inevitavelmente abalar a frágil relação paterno-filial existente.
9. Denote-se ainda que, o Apelado, insistiu que a Apelante adotava uma conduta manipuladora que, por sua vez, originava as recusas das crianças em estarem com o Apelado, o que não retrata a verdade e a realidade dos factos, conforme se provou pelas diligencias efetuadas pela USQAT, assim como pelos episódios presenciados pelos Técnicos.
10. Tanto assim o é que, os indicadores observados do sistema familiar, concluíam que o (…) sentia “zanga e tristeza” relativamente ao Apelado, derivado de comportamentos e vivencias com o mesmo, relacionadas com a sua postura perante o filho.
11. Face ao exposto, é percetível que a relação paternal existente entre o Apelado e ambos, os seus filhos, se encontra muito reduzida, com uma recusa evidenciada pelas crianças em estarem com o Apelado, e contrariamente ao que este afirma, devido a comportamentos adotados por este e não por qualquer conduta exercida pela Apelante.
12. Porém, para que tal relação se torne mais próxima e se criem os laços imprescindíveis à vida e adequado desenvolvimento das crianças, com uma presença ativa e efetiva do Apelado nas suas vidas, é necessário que seja implementado um planeamento de desenvolvimento e evolução de convívios entre ambos, para que as crianças se sintam seguras e realizadas em estarem com o pai, o que atualmente não sucede devido a variados receios. E certo é que, principalmente o (...), tem certos traumas do passado, de vivencias com o Apelado, que é essencial ultrapassar com a devida ajuda psicológica.
13. Assim sendo, tal adaptação da vida das crianças ao Apelado, deverá decorrer de forma flexível e não automática sob pena das crianças tornarem a desenvolver crises de ansiedade e repulsa relativamente ao mesmo.
14. Acontece que, na origem dos presentes autos se encontra uma acentuada e importante alteração na vida da Apelante que veio alterar as circunstâncias em que douta Sentença relativa à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais veio a ser proferida.
15. A Apelante constituiu uma nova família, tendo contraído matrimónio com o seu novo marido, (…), tendo atualmente uma filha de cerca de 9 meses, (…), irmã mais nova do (…) e da (…).
16. Sendo certo que, a Apelante, tem direito a reconstruir a sua vida, apesar de ter dois filhos de outra relação, sendo um direito que é constitucionalmente consagrado, podendo e devendo para o efeito ter a sua vida pessoal, privada e profissional adequada às condições necessárias para a sua sobrevivência e bem-estar familiar, conforme artigos 36.º, n.º 1, 65.º e 67.º na íntegra, da Constituição da República Portuguesa (doravante C.R.P.).
17. Sucede que, em janeiro do presente ano cível o seu marido ganhou um concurso para trabalhar na Casa da Música do (…), o que implica a alteração de residência do mesmo para o Norte.
18. Acresce que, a Apelante, é violinista na banda (…), sedeada no (…), sendo gerente da sua empresa de agenciamento de artistas e produção de eventos – (…) -, sedeada em Barcelos, onde tem de efetuar a sua atividade laboral diariamente, tendo sido colocada como Professora em Barcelos.
19. Ora, tendo a Apelante toda a sua vida profissional, bem como o seu marido, na zona do Norte, seria impossível a mesma manter a sua residência e vida quotidiana em Lisboa, a menos que deixasse de ter condições económico-financeiras, bem como estabilidade emocional e familiar para manter os seus filhos consigo.
20. Contudo, certo é que a mãe não poderia perpetuar a sua ida, à vontade do Apelado, que nunca iria autorizar, relembre-se que o Apelado terá invocado ainda no presente ano civil ao atual marido da Apelante que esta iria ser sempre sua esposa.
21. Reitera-se que, na passada Conferência de Pais, realizada em 11 de janeiro de 2023, a Apelante referiu perante douto Tribunal, inclusive ao Apelado, que “Foi ganho um concurso na Casa da Música do (…). Em setembro tenciona mudar-se para o (…), por motivos profissionais”, conforme consta da Ata dessa Conferência.
22. O Tribunal a quo, pretende que a Apelante viva ad eternum vinculada a uma Sentença que não respeita a dignidade da pessoa humana da Apelante, retirando-lhe os seus direitos enquanto cidadã livre de alterar a sua residência, em conformidade com as suas necessidades, nomeadamente profissionais e familiares.
23. O que é descabido e altamente violador da sua vida.
24. Considera-se ainda, pouco preservador do superior interesse das crianças que, as mesmas que se recusam a estar e conviver com os pais, sejam obrigadas a permanecer noutra cidade, com menos oportunidades do que as que se encontram a receber em Barcelos, por falta de consentimento do Apelado.
25. Repare-se que, as crianças, devem manter-se à guarda da Apelante, sua mãe, com quem têm um elo de ligação extremamente elevado e significativo, não tendo a confiança e abertura necessárias para estarem com o Apelado, quanto mais viverem com o mesmo.
26. Veja-se que, é impossível para a Apelante manter os seus filhos a residir na cidade de Lisboa, sendo certo que a mudança de cidade se afigura benéfica para os filhos, uma vez que permitirá às crianças manterem a sua rotina, os seus cuidados e a residência com a mãe, que atualmente se afigura essencial para a vida dos menores.
27. A Apelante poderia enumerar os familiares e as presenças existentes no Norte que são imprescindíveis para a vida dos menores e que serão uma mais valia na vida diária dos menores, os quais abrange a família materna e paterna.
28. Mais, douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo descura e enferma de várias e gravíssimos erros, com lapsos de procedimentos adotados nos processos anteriores que inviabilizam os presentes autos.
29. Nomeadamente, na fundamentação de facto, como factos provados, designados pela Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal a quo, no qual determina como provado que os presentes autos não se encontram como tramitação urgente, o que inevitavelmente atrasou o processo, quando na verdade os mesmos são considerados urgentes no douto Despacho proferido no âmbito dos presentes autos, após ter sido intentada a presente ação, no passado dia 21 de julho de 2023.
30. Ora, o facto de ter sido conferida urgência aos presentes autos significa, de acordo com o artigo 13.º do RGPTC que mesmo corre em férias judiciais, uma vez que a demora poderá causar prejuízos aos interesses das crianças, o que, no caso em apreço, sucedeu.
31. Dita o artigo 156.º do C.P.C. que os magistrados têm um prazo de 10 dias para proferir despachos, sendo certo que, caso se trate, de “despachos ou promoções de mero expediente, bem como considerados urgentes, devem ser proferidos num prazo máximo de dois dias.”, o que, uma vez mais, não sucedeu e veio a prejudicar gravemente ambas as crianças e a sua mãe, consequentemente, que incumpriu em prol dos atrasos existentes na nossa Justiça.
32. Bem se sabe que os Tribunais se encontram com excesso de trabalho, bem como existem alterações de magistrados nos Juízos, contudo, há decisões que decidem vidas que não podem, nem devem ser adiadas e comprometidas!
33. Não se cingindo a Sentença apenas a esse erro, mas derivam da mesma outros tais como o facto de não estar provado que o Apelado opôs-se quanto à alteração de escola apenas para eternizar o conflito com a mãe, para mais tarde vir a concordar por ser o melhor para os seus filhos, quando já teria tal facto sido provado por douta Sentença proferida no âmbito do Apenso A.
34. Assim, como a recusa das crianças também se encontra devidamente provada, e confirmada por douta Sentença proferida no Apenso A.
35. Todos esses factos supra identificados, já foram devidamente julgados e considerados como provados, nos termos e para os efeitos do artigo 620.º, n.º 1 e 625.º, n.ºs 1 e 2, ambos do C.P.C.
36. Dando-se, igualmente, como não provado o âmbito da presente ação, quando esta é a sede legalmente admissível para discutir tais temas de questões de particular importância, quando estas não são decididas por acordo entre os progenitores, ao abrigo dos artigos 42.º, n.º 1 e 44.º ambos do RGPTC.
37. Bem como, não se poderá deixar de referir que o Tribunal a quo culpou a Apelante do (...) não se encontrar a frequentar a escola, quando houve um Despacho nesse Sentido, tendo a mãe realizado tudo ao seu alcance para que a criança não perdesse escolaridade, procurando uma professora que desse aulas em casa ao seu filho, até o Tribunal admitir a frequência na escola do mesmo.
38. Como é retratado, a Apelante, não tem qualquer alternativa, tendo direito, enquanto pessoa, a ter e viver a sua vida, desde que respeite e salvaguarde o superior interesse de todos os seus filhos, o que se encontra assegurado.
39. Em conformidade, não restam dúvidas que a sentença proferida pelo tribunal a quo não é proporcional às necessidades das crianças em apreço nos presentes autos, não salvaguarda os seus interesses e a sua segurança (…)”

3. Também o requerido (...) se pronunciou, pugnando pela rejeição do recurso por as alegações da recorrente não se relacionarem com a questão que suscitou quanto à alteração da residência dos menores, que deu origem ao apenso identificado pela letra K.
Para o caso de assim não se entender, considerou, no essencial, que a recorrente alterou a sua residência para Barcelos sem nunca ter informado o recorrido, nem diligenciado por colher o seu acordo. Acresce que tal alteração também ocorreu sem que a requerente tivesse diligenciado pela inscrição dos menores em estabelecimento de ensino, o que produziu impacto nos direitos fundamentais dos menores.
Concluiu o recorrido pugnando pela improcedência do recurso.

4.  O Ministério Público pronunciou-se pela manutenção da decisão recorrida, tendo aderido aos fundamentos enunciados na resposta apresentada pelo recorrido (...).

5. Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

6. Em 19-12-2023, no apenso de incumprimento das responsabilidades parentais identificado pela letra N destes autos, instaurado em 28-11-2023, foi decidido remeter os autos ao tribunal territorialmente competente, tendo por base a residência dos menores, desde julho de 2023, na cidade de Barcelos.

7. Em 19-12-2023, no apenso de incumprimento das responsabilidades parentais identificado pela letra O destes autos, instaurado em 14-12-2023, foi proferida a seguinte decisão:
1- Revoga-se a decisão proferida no apenso K no que respeita à residência destas crianças, não no que tange à residência fixada com a mãe, a qual se mantém, mas que passarão a viver em Barcelos desde meados de julho de 2023, com o acolhimento deste tribunal, e bem assim, devendo o (...) e a (...) continuarem na escola onde se encontram no presente, uma vez que o (...) manifestou expressamente gostar de residir naquela localidade e frequentar a escola onde atualmente se encontra, e ainda salientou, que, a pessoa que mais gosta é da avó paterna em primeiro lugar, e em segundo lugar, da irmã.
2 – Em conformidade e em face daquilo que no presente cabe avaliar e ante a postura deste pai preocupado com os seus direitos, em não os sacrificar, e desprezando totalmente os direitos, a vontade e a sensibilidade necessária para lidar com os seus filhos, e, sem prejuízo de se ter entendido, que, com certeza há probabilidade de existirem indícios  de alienação parental ou possibilidade , de tal existência, da parte da mãe, e bem assim, também fortes indícios e possibilidade daquilo que se vem designando de “autoalienação parental” por parte deste pai, impõe se que, em face do total desrespeito, desconsideração e atitude de confronto deste progenitor para com a última decisão judicial proferida  a 11-10-2023 (retendo a (...) vários dias ausente da mãe) que se dê voz também ao (...) em absoluto e completo detrimento da vontade do pai”.

8.  Remetidos os autos a este tribunal em 18-01-2024, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.

II – QUESTÃO PRÉVIA – Deverá o recurso ser rejeitado, como defende o recorrido (...)?

A tal propósito, considerou o recorrido não entender qual o enquadramento prévio das alegações apresentadas pela apelante, dado estar em causa a decisão proferida no âmbito de um incidente de desacordo dos cônjuges que em nada se relaciona com o alegado.
Porém, analisadas as alegações de recurso, verifica-se que nas mesmas se mostra cabalmente identificado o apenso a que respeitam (K), aí se referindo logo no seu corpo inicial:
O presente Recurso é interposto de douta Sentença de fls…., que julgou improcedente o incidente para decisão de questão de particular importância, relativamente ao Desacordo Entre os Cônjuges, para autorização da alteração de residência fiscal e de estabelecimento escolar das crianças (...) e (...), filhos da Apelante e do Apelado.”
Acresce que, ao longo de tais alegações, a recorrente enuncia os fundamentos que, na sua perspetiva, deverão ser considerados com vista à alteração da sentença recorrida, concluindo defendendo expressamente a procedência do recurso, por forma a que seja autorizada a alteração da residência e estabelecimento escolar dos menores para Barcelos.
Em face do exposto, é de concluir que as alegações de recurso esclarecem qual a decisão visada, bem como os fundamentos que, na tese da recorrente devem ser ponderados com vista à sua alteração, revelando-se inteligíveis nos seus próprios termos, e devidamente inseridas na tramitação processual.
Assim, inexistindo fundamento para tal, o recurso apresentado pela recorrente (...) não será rejeitado, procedendo-se, de seguida, à sua apreciação.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, são as seguintes as questões a decidir:
- Aos presentes autos foi atribuído caráter urgente, contrariamente ao que consta da sentença recorrida?
- Porém, os autos não foram tramitados de harmonia com o seu caráter urgente, o que gerou que a apelante incumprisse o acordo homologado no âmbito das responsabilidades parentais, designadamente quanto à alteração da residência dos menores (...) e (...)?
- Deveria constar dos factos provados que o apelado se opôs à alteração da escola dos menores apenas para eternizar o conflito com a mãe, e que os menores se recusam a conviver com o pai, por efeito da sentença proferida no apenso A?
- Foi proferido despacho no sentido de o menor (...) não frequentar a escola em Barcelos?
- A sentença recorrida não é proporcional às necessidades dos menores (...) e (...), não salvaguardando os seus interesses e a sua segurança, devendo ser alterada por forma a autorizar a pretendida mudança da residência dos menores para Barcelos?

B – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

B.1 – Foram os seguintes os factos que a decisão de primeira instância considerou provados:
1. A presente ação foi intentada em 17-07-2023;
2 – Os presentes autos não foram declarados urgentes conforme resolvido por d. despacho que antecede, datado de 20-07-2023, transitado em julgado;
3 – A mãe mudou a sua residência para o norte em julho do corrente ano de 2023;
4. No âmbito do apenso A atinente à regulação das responsabilidades parentais existe a cláusula consignada no ponto 2, a qual aqui se dá por assente e abaixo reproduzida:
“As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida dos menores, nomeadamente a escolha entre estabelecimento escolar público ou privado, intervenções de saúde que impliquem risco de vida, saídas para o estrangeiro mesmo que em férias e mudanças de residência para uma distância superior a 50 kms, serão exercidas por ambos os progenitores, sendo a troca de  informação sobre tais assuntos feita por email entre os progenitores, com resposta no prazo máximo de 72 horas, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informação ao outro logo que possível”;
5. No âmbito do apenso I foi despoletado pela mãe, referente a inibição/limitação do poder paternal, o mesmo está decidido, na sequência de desistência por parte da mãe e respetiva homologação subsequente;
6. No âmbito do apenso M cuja determinação oficiosa deste tribunal o despoletou, ação de incumprimento da respetiva cláusula 2 firmada no apenso A, em vigor, no âmbito deste apenso M, a mãe confessou integralmente e sem reservas, a violação de tal cláusula e em conformidade foi condenada e sancionada nos termos legais;
7. O facto nº 3 do requerimento inicial dá-se como assente/provado:
“entende a requerente que, os factos que vem submeter a tão douto tribunal, indiciam fortemente uma situação de grave risco para a vida e educação dos seus filhos, porquanto poderão perder as vagas nos novos estabelecimentos escolares”;
8. O facto alegado sob o nº 6 do requerimento inicial dá-se por assente/provado:
“No âmbito do processo nº 23191/19.2T8LSB-A, que corre termos neste tribunal, foi proferida sentença em 27 de abril de 2022 ref. Citius 415204355, a qual regulou as responsabilidades dos menores (...) e (...), de 7 (sete) e 4 (quatro) anos repetivamente”;
9. O facto alegado sob o nº 7 do requerimento inicial é considerado assente/provado:
“Na regulação ficou definido que:
1.O (...) e a (...) ficam a residir com a progenitora a qual em primeira linha tem a responsabilidade de zelar pela sua proteção e segurança, de definir a sua educação mais imediata e a regulação das suas relações com terceiros.
2. As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida dos menores, nomeadamente a escolha entre estabelecimento escolar público ou privado, intervenções de saúde que impliquem risco de vida, saídas para o estrangeiro mesmo que em férias e mudanças de residência para uma distância superior a 50 kms, serão exercidas por ambos os progenitores, sendo a troca de  informação sobre tais assuntos feita por email entre os progenitores, com resposta no prazo máximo de 72 horas, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informação ao outro logo que possível (…)”;
10. O facto alegado sob o nº 8 do requerimento inicial considera-se assente/provado:
“Assim a residência dos menores ficou fixada com a mãe”;
11. O facto alegado sob o nº 31 do requerimento inicial considera-se assente/provado;
“A requerente procurou obter o consentimento do requerido para a mudança de estabelecimento escolar e residência dos menores, ao que este se opôs, motivo pelo qual vem suscitar o presente incidente.”;
12. O facto alegado sob o nº 32 do requerimento inicial considera-se assente/provado:
“…a residência e estabelecimento escolar dos menores junto da mãe, nomeadamente a sua alteração para a cidade de Barcelos, bem como a alteração para os seguintes estabelecimentos educacionais, conforme pedido pela mãe, foram:
1) (...): Escola Básica de Negreiros, em Barcelos;
2) (...), Escola Básica de Chavão, em Barcelos;
13. O facto alegado sob o nº 2 da resposta considerado assente/provado:
“No âmbito do processo 23191/19.2T8LSB-A, foi proferida sentença, a qual regulou que as “responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida dos menores, nomeadamente a escolha entre estabelecimento escolar público ou privado, intervenções de saúde que impliquem risco de vida, saídas para o estrangeiro mesmo que em férias e mudanças de residência para uma distância superior a 50 kms, serão exercidas por ambos os progenitores, (…)”;
14 – O facto alegado sob o nº 4 da resposta considerado assente/provado:
“A aqui requerente apenas requereu ao tribunal a resolução deste diferendo após solicitar – à revelia – a transferência do filho menor de ambos para uma escola em Barcelos, conforme se verifica no email enviado ao processo número 23191/19.2T8LSB-F, a correr termos no presente tribunal, pelo Agrupamento de escolas Francisco de Arruda, no dia 11 de julho de 2023”;
15. O facto alegado sob o nº 5 da resposta considerado assente/provado:
“O mesmo aconteceu quanto à alteração da residência dos menores, pois a requerente já procedeu à alteração da morada dos menores para o norte – zona da cidade de Barcelos – conforme se vislumbra no artigo 13 do requerimento inicial do processo”;
16 – O facto alegado sob o n.º 6 da resposta considerado assente/provado:
“Dando, portanto, cumprimento ao requerimento que o aqui Requerido deu entrada no passado dia 16 de Junho de 2023., no âmbito do processo 23191/19.2T8LSB-F, a correr neste Tribunal.”;
17 – O facto alegado sob o n.º 7 da resposta considerado assente/provado:
O Pai manifestou “ab initio”, “… o total desacordo do Requerido quanto à alteração de residência dos menores para Barcelos, nomeadamente para casa da Avó Paterna.”;
18 – O facto alegado sob o n.º 8 da resposta considerado assente/provado:
Igualmente o Pai não concordou com, “E bem assim, quanto à alteração do estabelecimento de ensino dos menores, numa escola em Barcelos, até porque os menores já se encontram inscritos no mesmo Agrupamento Escolar…”, (conforme documento número 1., que ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos);
19 – O facto alegado na resposta sob o nº. 14, em parte, considerado assente/provado:
“… o Requerido (…) não vê a sua mãe como pessoa idónea para transportar os menores sozinha de veículo automóvel, ou mesmo através de transportes públicos.”;
20 - O facto alegado sob o n.º 15 da resposta considerado assente/provado:
“O Requerido não tem qualquer contacto com os menores há mais de seis meses – tendo inclusive apresentado uma queixa-crime a 19 de Julho de 2023, tendo os autos conhecimento a 27 de Julho de 2023 - e passando os menores a residir em Barcelos, a mais de 300km da residência do pai, vão ser quebrados os poucos “elos de ligação” que ainda existem.”;
21 – O facto sob o n.º 18 da resposta considerado assente/provado:
“Por sua vez, o Requerido não conhece as novas instalações da escola que os menores poderão frequentar, nem tão pouco é conhecedor das condições habitacionais que os mesmos vão ficar inseridos, (…), pelo que não pode se não discordar totalmente com este pedido da Requerente.”;
22 – O facto sob o n.º 19 da resposta considerado assente/provado:
“A escolha de um estabelecimento de ensino comporta muito mais que a mera alteração de residência da Requerente.”;
23 – O facto sob o n.º 20 da resposta considerado assente/provado:
“Pois deve o Requerido, pai, ter conhecimento da Localização, instalações, Segurança, atividades extracurriculares, Modelo Pedagógico, Alimentação, corpo docente e auxiliares, experiência e feedback, o que o mesmo desconhece.”;

Cumpre ainda dar como provados para além dos factos articulados pelas partes, na sequência de toda a prova produzida, ainda o seguinte:
24 - Que, não obstante, a mãe referir que foi viver para Barcelos, a criança (...) ouvida em declarações por este Tribunal referiu que está a viver em Famalicão;
25 – A criança revelou laços afetivos mais apegados à mãe e ainda o manifesto receio e pânico de estar longe da mãe;
26 – A criança manifestou vontade de ir para a escola o quanto antes tendo pedido ao Tribunal que fosse, já amanhã (12.10.2023);
27 – A criança manifestou pretender ficar a viver no norte e a frequentar a escola no norte não porque conheça a escola, ou o local de residência, mas porque, manifestamente pretende ficar junto da mãe;
28 – A criança manifestou a este Tribunal que a pessoa que mais gosta da família é a mãe e em segundo lugar é a avó paterna. Tendo sido questionado quanto à irmã, lembrou-se da mesma e disse que a irmã ficava na segunda posição com a avó paterna;
29 – Esta criança manifestou-se traumatizada com total desapego ao pai, sem boas recordações da vivência com o pai, rejeitando de imediato e de forma muito segura e convicta os convívios/visitas e contactos com o pai;
30 – Esta criança verbalizou “o que o meu pai fez à minha mãe não se faz a ninguém”;
31 – Este progenitor não vê os filhos há cerca de um ano e quatro meses, no caso do (...) e cerca de um ano, no caso da (...);
32 – Esta criança, o (...), não obstante ter sido levada pela mãe para residir no norte encontra-se sem ir à escola desde o passado dia 15-09-2023, quando as aulas se iniciaram até ao dia de hoje 11-10-2023;
33 – A mãe não só alterou a residência da criança como também tentou a mudança da inscrição e como por sua vez, o pai tentou renovar a inscrição/matrícula do (...) na escola de Alcântara em Lisboa;
34 – A mãe, os filhos e o atual companheiro da mesma encontram-se a residir na casa da avó paterna.”

*

B.2 – Foram os seguintes os factos que a sentença da primeira instância considerou não provados:
Todos os demais factos articulados pelas partes, que aqui se vão dar por transcritos/reproduzidos, consideram-se não provados, designadamente os restantes factos acima não enunciados e constantes dos n.ºs 1, 2, 4, 5, 9 a 30 e 33 do requerimento inicial e ainda os factos n.ºs 1, 3, 9 a 14, 16 a 17 e 21 a 24 da resposta. Factos estes que não se provaram e/ou constituem matéria de direito, opinativa/conclusiva ou juízo de valor;
A - Resulta do disposto no artigo 13º do RGCP que, a atribuição da natureza urgente ao processo decorre do prejuízo que a eventual demora na sua tramitação possa causar ao superior interesse da criança;
B - Sendo tal urgência, declarada quando requerida ou mesmo oficiosamente, mediante a ponderação da situação factual concretamente alegada;
C - Feita a devida ponderação dos mesmos, desde já se requer que, ao abrigo do artigo 13º do RGPTC, seja declarada a natureza urgente do presente processo, sob pena das consequências serem catastróficas para os menores;
D - É importante referir que o Pai já terá entrado em desacordo com a mãe no passado por mero conflito a respeito da Escola, para que posteriormente concordasse por ser o melhor para os seus filhos;
E - Sendo o exercício das responsabilidades parentais, relativamente às questões de particular importância, atribuído a ambos os progenitores, que em consonância, deverão decidir o que será melhor para o superior interesse dos seus filhos, conforme o artigo 1906.º, n.º 1 do C.C.;
F - Ora, a verdade é que se encontrava fixado um regime de convívios com o Pai que não se tem
vindo a concretizar por diversas rejeições dos filhos, inclusive existem vários processos a correr que são o colmatar de todas as vivências problemáticas existentes na vida dos menores com o Pai;
G - Sucede que a profissão da Mãe, a aditar ao facto de ser Violinista e Professora, baseia-se muito na sua empresa de agenciamento de artistas e produção de eventos, que se encontra sediada em Barcelos;
H - Sendo certo que, a agência da sua Banda – (…) -, fica na cidade do Porto, no Norte de Portugal, onde a maioria dos concertos se realiza;
I - No seguimento das circunstâncias laborais da Requerente esta teve de alterar a sua residência para o Norte – zona da cidade do Barcelos -, onde se encontra atualmente a sua atividade profissional;
J - Tornando-se impossível para a Requerente manter os seus filhos a residir na cidade de Lisboa, sendo certo que a mudança de cidade se afigura benéfica para os filhos, uma vez que permitirá às crianças manterem a sua rotina, os seus cuidados e a residência com a mãe, que atualmente se afigura essencial para a vida dos menores;
L - No mais, é de importante relevância que informar que a alteração de residência seria para perto da avó paterna, cujo apoio e convívio é imprescindível na vida dos menores, sendo atualmente a maior ligação à família paterna, como é consabido pelo requerido;
M - Acrescenta-se que, a avó paterna é funcionária nos estabelecimentos escolares para onde a Mãe propõe que ambos os menores passem a frequentar;
N - Pelo que, a avó paterna terá um papel essencial na vida dos menores, sendo que será a responsável pelo transporte das crianças para as escolas em questão, bem como para as aulas extracurriculares de ambos;
O - Bem como ajudará a Requerente com a sua filha mais nova e irmã dos menores aqui em crise, pois no berçário da (…) também dá aulas de música para bebés;
P - Ademais, a zona para onde a Requerente se pretende mudar com os filhos, onde igualmente residem os tios maternos da menor, a irmã e o tio da Requerente;
Q - Certo é que, a Requerente poderia enumerar os familiares e as presenças existentes no Norte que são imprescindíveis para a vida dos menores e que serão uma mais valia na vida diária dos menores, os quais, abrange a família materna e paterna;
R - Veja-se, que, à contrário, a única alternativa seria a residência com o Pai, à qual os menores se opõem vivamente;
S - Acresce que seria prejudicial para a recuperação da relação paterna, uma vez que, os menores atualmente não pretendem estar com o Pai nos convívios, obriga-los a estarem com o Pai numa residência fixa seria catastrófico;
T - Recorde-se ainda que corre termos sob o apenso I um processo de Inibição do Poder Paternal relativamente ao Requerido, que tem vindo a causar vários episódios traumáticos na vida dos filhos, o que não corresponde, de todo, ao seu superior interesse e à salvaguarda da segurança de ambos;
U - Nesta senda, torna-se inevitável que os menores alterem a sua residência fiscal e o seu estabelecimento escolar;
V - Sendo absolutamente prejudicial esta oposição infundada do Pai, que apenas demonstra o seu desinteresse pelos interesses dos filhos, pelo que é melhor para ambos e sobretudo a sua insensibilidade para cuidar e tratar dos menores;
X - Certo é que a Requerente não pretende coartar qualquer direito dos filhos relativamente ao Pai, nem vice-versa, apenas pretende o que é melhor para os seus filhos e que atualmente não é uma residência alternada, por impossível, muito menos total – com o Pai;
Z - Pois isso causaria um tormento, uma ansiedade e um mal-estar enorme nas crianças prejudicando o seu desenvolvimento e crescimento;
AA - Não se devendo ignorar o que é melhor para os menores e, em parte mesmo que sem que seja a decisão destes, a sua opinião baseada nas suas vivências e nas suas emoções que muito explicam a relação atualmente existente com o Pai;
BB - Porventura, implicará – futuramente - pois a Mãe reitera que o Pai deverá ser inibido do exercício das responsabilidades parentais com suspensão das suas visitas aos menores, que os menores não estejam com o Pai semanalmente durante os períodos escolares;
O que não impede de que se programem fins-de-semana quando as relações estiverem estabilizadas, bem como férias;
CC - E, na eventualidade de não se lograr um acordo na conferência a convocar os Pais, que seja autorizado provisoriamente às mudanças supra devidamente identificadas até à prolação da decisão final, ao abrigo do artigo 38º ex vi artigo 44º. Nº 2 RGPTC;
DD - Vem a Requerente, (...), intentar incidente para decisão de questão de particular importância, nomeadamente a alteração de residência dos filhos menores de ambos e a alteração do estabelecimento de ensino, para Barcelos, nos termos e para os efeitos do artigo 44.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível;
EE - No âmbito do processo 23191/19.2T8LSB-A, foi proferida sentença, a qual regulou que as “responsabilidades quanto às questões de particular importância para a vida dos menores, nomeadamente a escolha entre estabelecimento escolar público ou privado dos menores, intervenção de saúde que implique risco para a vida, saídas para o estrangeiro, mesmo que em férias e mudanças de residência para uma distância superior a 50km, serão exercidas por ambos os progenitores, (...)”;
FF - O que não se verificou no caso em apreço;
GG - Como é consabido da Requerente, o pai não tem qualquer ligação com a mãe/avó paterna dos menores há vários anos, fruto do transtorno psicológico que a mesma padece.
HH - O Requerido e o seu irmão (tio dos menores), durante a infância foram maltratados pela mãe, psicologicamente e fisicamente, levando ao afastamento total dos filhos desta.
II - Bem como ao acompanhamento desta junto do Hospital Júlio de Matos.
JJ - A Avó Paterna dos menores, para além de sofrer de vários e diários ataques psicóticos e ataques suicidas, tem uma personalidade muitíssimo violenta.
LL - Pelo que, a mesma não terá, nem poderá ter, um papel essencial na vida dos menores,
MM - Nem tão pouco, poderá ser a mesma a pessoa responsável por ir levar e buscar as crianças ao estabelecimento de ensino, uma vez que o Requerido – face ao vivenciado durante a sua infância não vê a sua mãe como pessoa idónea para transportar os menores sozinha de veículo automóvel, ou mesmo através de transportes públicos.
NN - Salvo o devido respeito que é muito, é lamentável ver um pai a ser afastado dos filhos por decisão unilateral da mãe, conforme documento número 2., que ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
OO - O Requerido pai, fruto da sua infância é conhecedor da situação ora vivenciada pelos menores, ou seja, sair do Agrupamento de Escolas de (…) deslocando-se para uma Escola, em Barcelos, com a mãe (avó paterna dos menores), pelo que é conhecedor do sofrimento atroz que a Requerente está a proporcionar aos menores, outro motivo pelo qual não pode se não discordar do referido pedido de alteração de residência e estabelecimento de ensino;
PP - Salvo o devido respeito, a alteração abrupta do centro de vida dos menores viola inequivocamente o superior interesse das crianças, pois ocorre uma mudança do ambiente habitual dos mesmos, composto pela família alargada, a escola e os amigos, sendo necessário um processo de adaptação à cultura, ao ambiente, o qual poderá ser mais ou menos difícil, em função das circunstâncias, da personalidade dos menores;
QQ - A determinação da residência deve respeitar os princípios basilares a observar, nomeadamente o superior interesse da criança, a igualdade entre os progenitores e a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor, o que não se verifica no caso em apreço;
RR - A alteração de residência e de estabelecimento de ensino, ainda que a título provisório, não é decisão que melhor se conforma com os interesses dos menores, uma vez que se irá verificar um grande afastamento destes com o pai, família deste, bem como da escola onde já se encontram inseridos e lá têm amigos.

B.3 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A matéria de facto foi objeto de impugnação pela apelante (...), conforme conclusões já transcritas.

B.4 – Motivação do tribunal recorrido

O tribunal a quo, motivou a decisão de facto, em conjunto com a fundamentação de direito, nos seguintes termos:

“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO:
O Tribunal vai alicerçar a sua decisão, tendo formado a sua convicção, com base no exame crítico a realizar sobre toda a prova produzida, designadamente, nas declarações prestadas por ambos os progenitores em sede de conferência designada para o efeito, bem como, na inquirição das testemunhas que prestaram os seus depoimentos, não tendo sido prescindidas pelos Progenitores, (não só no âmbito do apenso K, mas também no âmbito dos apensos E e F), que, nessa qualidade foram ouvidas, nomeadamente, o companheiro da senhora Requerente (…) e também, as testemunhas do Requerido, (…). Para o Tribunal com peso redobrado e como prova determinante, atentou nas declarações prestadas pela criança (...) de 9 anos de idade que foi ouvida por este Tribunal por expressa vontade dos progenitores, com a não oposição da DMMP que também aceitou a audição do mesmo. Para além de se ter analisado e avaliado toda a prova documental junta aos autos e também as decisões judiciais anteriormente proferidas sobre estas Crianças.
Efetivamente a sentença principal e primeiramente proferida em 27-04-2022 fixou na clausula 2.ª uma determinação que vale para ambos os progenitores, de modo afrontoso e conforme ficou provado no apenso M esta mãe confessou que quase em simultâneo com a propositura da presente ação, apenso K, despoletou a questão em Tribunal, mas não aguardou pela decisão do Tribunal, e de imediato transferiu a sua residência para o norte do País, sabendo que tinha e tem os seus filhos com a residência fixada consigo em Lisboa, passando, como referiu, para Barcelos ou Porto, ou até Famalicão (uma vez referiu Barcelos outra vez referiu arredores de Barcelos/Porto, e hoje, o (...) referiu viver e residir em Famalicão).
A progenitora e ora requerente não cuidou de cumprir não só a primeira sentença proferida no âmbito do apenso A, que correu termos neste Tribunal, como também não cuidou de saber qual seria a decisão a proferir por este Tribunal no âmbito deste apenso K.
Apesar desta sua atitude e comportamento, que só consigo deveria implicar, e que só a sua vida poderia/deveria eventualmente prejudicar, a verdade é que, afastou mais do que aquilo que inicialmente ficou previsto em termos de distância (50Km) estes filhos, do pai. Mas mais, prejudicou também o seu filho (...), porque com a sua mudança em julho de 2023, alteração de residência imediata, em consequência, a questão da inscrição/matrícula da escola do (...) ficou por decidir, e portanto, esta criança há cerca de um mês que se encontra a faltar às aulas sem qualquer frequência escolar, ou seja, desde o passado dia 15-09-2023 até ao dia de hoje 11-10-2023, com as consequências que tal ato traz e reflete no superior interesse do (...), no seu desenvolvimento, crescimento e equilíbrio emocional, o qual, foi efetivamente beliscado, como foi patente pelas declarações prestadas pela criança, e até mesmo pela figura que a criança transmitiu e que todos pudemos visualizar e presenciar.
É certo que estes pais entraram em desacordo, a mãe sempre pugnou pela mudança da residência para o norte e o pai sempre pugnou pela manutenção da mesma na anterior residência em Lisboa e na escola frequentada anteriormente pelo (...), sucede que a motivação que a mãe aqui veio trazer a Tribunal para alterar a sua residência, efetivamente não foi minimamente comprovada, nem por documentos, nem por testemunhos, e em conformidade, não colheu, ficando-se apenas pelas suas próprias declarações, referindo que não tinha trabalho em Lisboa, que não conseguia qualquer colocação como professora nesta cidade de Lisboa, e que, por tal motivo se tinha mudado para o norte, porque lá é que tinha trabalho não tendo conseguido comprovar a sua não colocação em Lisboa, e muito menos, provou, como viveu nesta cidade com os filhos até ao passado mês de julho de 2023.
Em face do exemplo deste apenso K, retira-se o manifesto e gravíssimo litígio em que vivem estes progenitores, um com o outro, sendo que, infelizmente, estas crianças se encontram a ser efetivamente prejudicadas, porque, não deixa de ser saudável o laço afetivo forte que o (...) manifestou ter com a mãe, mas é por certo muito prejudicial, a ausência de recordações da vivência com o pai e o total desprendimento que, com 9 (nove) anos de idade manifesta em relação à pessoa do pai. Ora, não havendo à data quaisquer provas de que os eventuais traumas que se suspeita assombrem o (...), sejam imputáveis ao Pai, ou a quem quer que seja, não se pode concluir que a Avó Paterna, a Família Paterna e até a Família Materna tenham uma maior importância e mais relevo para a vida destas Crianças, que a própria e devida convivência destas Crianças com o seu Pai. Não existindo dúvidas de que a sã, habitual e rotinada convivência destas Crianças com ambos os Progenitores, é que contribuirá de modo decisivo para que cresçam e se desenvolvam de modo saudável e equilibrado.
Esta mãe apesar de progenitora guardiã não tem revelado comportamentos e capacidade para sustentar, motivar e reforçar os laços que os seus filhos devem ter com o pai, e, por outro lado, este pai apesar de muitas vezes lhe assistir razão, como é o caso desta mudança precipitada para o norte por parte da mãe, a verdade, é que, não tem conseguido afastar o sentimento de revolta e ira quanto aos atos da mãe e o sofrimento também da ausência e do desprezo dos filhos, em parte, mais do (...), e não sendo capaz de o suportar/aguentar não se tem revelado capaz e com a postura necessária para conseguir atrair as atenções e o interesse, pelo menos, do (...), para junto de si, de modo a que este impasse de não contactos, de inexistência de visitas e convívios, seja ultrapassado da melhor maneira e pela via mais desejável.
Esta mãe, ainda que tenha entendido inibir/limitar o pai do exercício das responsabilidades parentais atinentes aos filhos de ambos, com subsequente desistência homologada por este Tribunal recentemente, a verdade, é que, quis inibir o pai com a suspensão das visitas/convívios às Crianças, mas, apenas e tão somente nos períodos semanais, não englobando os fins de semana e períodos de férias, o que, não deixa de ser caricato, sem ter piada alguma, porque, não se entende porque razão existe motivo na opinião da mãe que justifique tais convívios durante a semana, mas que, já não seja sério e relevante, e inconveniente, para impedir o pai de conviver com os filhos aos fins de semana e períodos de férias. Simplesmente, é incompreensível!
Quer a alteração de residência, quer a mudança de escola destas Crianças, são matérias consideradas de especial importância para a vida destas Crianças e, como tal, carecem de ser decididas conjuntamente por ambos os progenitores cfr. nº. 1 do art.º 1906º do CC, e, quando assim não o consigam e não haja entendimento, cabe ao Tribunal como dispõe o art.º 44º do RGPTC, dirimir tal discordância.
Face ao exposto, do que acima se deixa escrito, não pode este Tribunal “fechar os olhos” ao apenso M onde nos termos do artigo 41.º n.ºs 1 e 8 do RGPTC, e ao abrigo de tal preceito, a mãe, tendo confessado, foi condenada e sancionada, ainda que consciente de que estava a incumprir em simultâneo à mudança de residência para muitos quilómetros acima de Lisboa, é ela própria, que vem despoletar a presente ação K, sem manifestar mínima preocupação com a decisão que este Tribunal pudesse vir a alcançar num futuro próximo, como está a suceder.
Efetivamente, o preceituado no artigo 44.º do RGPTC, determina para o pai e para a mãe que em desacordo sobre qualquer matéria, e não só, naquelas que são atinentes à especial importância para a vida dos filhos, como é o caso, que o comportamento a adotar por qualquer um dos progenitores é dirigir-se o quanto antes ao Tribunal e aguardar a decisão do mesmo em virtude de os pais não conseguirem acordo por si só.
Ora, esta mãe apesar de fazer uso de tal via judicial, escolheu-a, mas não a respeitou em momento ulterior e tomou ela própria a decisão impondo a primazia da sua decisão, em detrimento da decisão do pai, ainda que as suas vontades tenham exatamente a mesma força e peso na vida destas Crianças.
Sucede que, quer a residência quer a frequência da escola, atinentes à (...) e ao (...), são matérias de especial importância para a vida das crianças, nas quais, a lei determina que têm ambas que ser decididas conjuntamente por ambos os progenitores, ora, não o tendo sido, e havendo até a cláusula 2.ª fixada no apenso A, é por demais evidente que estes progenitores até ao presente não têm levado este Tribunal a sério, e que, a sua latente e grave conflitualidade tem passado muito para a vida destas duas crianças, seus filhos, e têm sido estes pais que os têm prejudicado fortemente na curta vida que ainda têm vivida”

No segmento decisório da sentença recorrida ficou a constar:

Face ao exposto e de acordo com os preceitos legais invocados, passa-se a decidir:
1 – Improcede totalmente o presente pedido de autorização para alteração de residência fiscal e do estabelecimento escolar dos menores (...) e (...), mais se ordenando que, a sentença proferida no âmbito do apenso A, a 27-04-2022 seja integralmente cumprida, até porque, recorrida à data, e inteiramente confirmada pelo douto tribunal superior;
2 – Sem prejuízo, a alteração de residência fiscal e a mudança de estabelecimento escolar dos menores poderá ser mudada, desde que, previamente estes progenitores, assim alcancem essa mudança por acordo/consenso;
3 – Sem prejuízo, estas crianças, (...) e (...) deverão apresentar-se na escola onde estão inscritos e a aguardar confirmação de matrícula no norte, já no dia de amanhã (12.10.2023), mais se ordenando que a escola oficie a este Tribunal, emitindo declaração a atestar que as crianças frequentaram as aulas no horário e período escolar determinado para a turma que devem integrar;
4 – Considerando o superior interesse da (...) e do (...), mais até, na presente data do (...) que já frequenta a escola, a mãe para não prejudicar o (...), e a (...), o qual, já no corrente ano letivo que agora se iniciou já faltou praticamente um mês à escola e para não causar mais transtorno no percurso escolar desta criança, a mãe tem até ao final do ano letivo 2023/2024 que será em junho de 2024, para novamente alterar a sua residência/morada fiscal para a cidade de Lisboa ou para morada que integre um raio de distância de 50Km da cidade, como se encontra firmado e decidido na cláusula 2.ª da douta decisão proferida a 27-04-2022, a qual, foi confirmada pelo Venerando Tribunal Superior a Relação de Lisboa;
5 – Considerando o estado do (...) cuja avaliação não foi especializada, mas foi por este tribunal conjuntamente, com a DMMP e aval dos Ils. Advogados, e uma vez que a posição de todos foi unânime, determino que se articule por via da Segurança Social da área da residência/escola destas Crianças, que uma vez que a criança se encontra no presente a residir no norte à equipa técnica competente, por forma a que seja feita uma avaliação completa às crianças (...) e (...), a nível da sua saúde psicológica, física, mental, emocional (tendo os progenitores sido chamados à sala de audiências, e, interpelados para o efeito, dado as autorizações respetivas e expressas para tal avaliação, não só às Crianças, mas também a si, por via dos exames periciais de competências parentais, de ordem psicológica, e de eventuais sinais de existência ou não de suposta alienação parental);
6 – Existindo apenso de inibição/limitação, apenso I, foi decidido por desistência da própria progenitora requerente, pelo que, neste momento, inexiste qualquer decisão judicial e ou facto apurado que determine o afastamento ou a inexistência de contactos/convívios entre o pai e as crianças e nada há que justifique a ausência de visitas e convívios e contactos das crianças com o pai, pelo que, em conformidade, e reiterando aquilo que agora se decide determino o restabelecimento das visitas/contactos e convívios das crianças com o pai, sendo aqui com a concordância de todos os Ils. Advogados presentes e o aval da Digna Magistrada do Ministério Público, fixando como o primeiro fim-de-semana com o pai, o próximo dos dias 28 e 29 de outubro, o seguinte da mãe e o outro do pai, e assim, alternada e sucessivamente de modo que se possam organizar nas suas vidas e fazer esforços no restabelecimento da vida normal dos convívios com as crianças, sendo que o pai vai levar e buscar os menores à escola ou a casa da mãe;
7 – Considerando a douta decisão já proferida na data de 27-04-2022 designadamente a fls. 9 no ponto 11 e dando-lhe integral e superveniente cumprimento, determino a condenação em conformidade da requerente progenitora em 3 (três) UC’s por cada uma das crianças, num total de 6 (seis) UC’s por ter incumprido, não quanto à residência alterada, porquanto matéria já julgada e decidida no âmbito do apenso M, mas sim, por alteração da escola das crianças em violação do que estava fixado por este Tribunal”.

C – Fundamentação de Direito

Iniciando o recurso pela impugnação da matéria de facto, cumpre agora decidir se aos presentes autos foi atribuído caráter urgente, contrariamente ao que consta da sentença recorrida.
E o certo é que compulsado o despacho proferido em 21-07-2023 (referência 427656880), e não 20-07-2023 como se refere na sentença recorrida, constata-se que na sua parte final é expressamente referido “confiro natureza urgente aos presentes autos”. Tal despacho corresponde efetivamente ao que foi proferido neste apenso K, instaurado pela apelante em 17-07-2023, pelo que o facto provado sob o nº 2 da sentença recorrida com a seguinte redação: “os presentes autos não foram declarados urgentes conforme resolvido por d. despacho que antecede, datado de 21.07.2023, transitado em julgado”, apenas por lapso ali foi incluído, impondo-se a sua retificação.
A este propósito, sempre se dirá que de acordo com o disposto no artigo 662º, nº 1, CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Tal significa que a decisão da matéria de facto apenas deve ser alterada se o Tribunal da Relação, depois de analisada a prova produzida, conclua, com segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente à factualidade objeto da impugnação – neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 21-06-2021[1].
Em face do exposto concluindo-se que apenas por errada perceção do despacho proferido neste apenso K em 21-07-2023 se terá exarado que aos presentes autos não foi conferido caráter urgente, julga-se procedente nesta parte, o recurso, alterando o artigo 2º dos factos provados constantes da sentença recorrida, por forma a que passe a ter a seguinte redação:
Aos presentes autos foi conferida natureza urgente, conforme despacho de 21-07-2023, transitado em julgado”.
*
Prosseguindo a apreciação do recurso, interessa agora definir se, não obstante o despacho que lhes atribuiu caráter urgente, os presentes autos não foram tramitados em conformidade, o que gerou que a apelante incumprisse o acordo homologado no âmbito das responsabilidades parentais, designadamente quanto à alteração da residência dos menores (...) e (...).
Sob a epígrafe “Processos urgentes”, dispõe o artigo 13º RGPTC que:
Correm durante as férias judiciais os processos tutelares cíveis cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da criança”.
Nessa hipótese, em que ao processo seja atribuído caráter urgente: “Os despachos ou promoções de mero expediente, bem como os considerados urgentes, devem ser proferidos no prazo máximo de dois dias” – cfr. artigo 14º, nº 2 RGPTC.
Analisando pormenorizadamente a tramitação processual deste apenso, verifica-se que:
- foi instaurado por petição inicial que deu entrada em juízo em 17-07-2023 (referência 46156501), tendo sido aberta conclusão para despacho ao juiz de turno no dia 19-07-2023, vindo a ser proferido o primeiro despacho em 21-07-2023 (referência 427656880);
- em tal despacho inicial (no qual foi concedido caráter urgente aos autos) foi ordenada a citação do requerido, a qual foi efetivada mediante carta registada com aviso de receção enviada nessa mesma data, tendo-lhe sido concedido um prazo de 10 dias para se pronunciar, acrescido de uma dilação de cinco dias;
- o requerido apresentou a sua resposta ao pedido de alteração da residência dos menores em 10-08-2023;
- concedida vista ao Ministério Publico em 21-08-2023, a magistrada promoveu a realização de uma conferência, nos termos do artigo 44º, nº 2 e 3 RGPTC (referência 428109006), a qual veio a ser agendada para 19-09-2023, por despacho proferido em 24-08-2023 (referência 42811878),
- tal despacho deu origem ao requerimento apresentado pela apelante em 29-08-2023, com a referência 46374975, pelo qual requereu a antecipação da conferência para 13-09-2023 (data para a qual se encontravam designadas outras diligências nos processos apensos), por forma a viabilizar o ingresso dos menores na escola, no primeiro dia de aulas;
- porém, tal requerimento relativo à antecipação da data foi indeferido em 07-09-2023 (referência 428335621);
- realizada a conferência na qual não foi possível obter acordo foi, de seguida agendado o dia 19-09-2023 para a audição do menor (...), a qual veio a ser alterada por requerimento da sua defensora e reagendada para 11-10-2023 (referência 429082662);
- tomadas declarações ao menor na referida data foi, de seguida proferida a sentença recorrida, conforme consta da respetiva ata.

Em face da pretensão formulada, forçosa é a conclusão de que nos autos, está em causa a alteração da residência GEOGRÁFICA dos menores, dado que a requerente/apelante alegou que estes deveriam manter-se a residir consigo, embora em cidade diversa, para onde se deslocou por questões profissionais e pessoais.
Consequentemente, não poderiam os autos deixar de configurar uma providência tutelar cível, à qual se aplica o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.), por estar em causa o conhecimento de questão respeitante às responsabilidades parentais – cfr. artigo 3º, alínea c) R.G.P.T.C. E, assim sendo, sempre a decisão deveria ser precedida da audição do requerido, da realização de conferência de pais e ainda da produção das diligências consideradas necessárias, como resulta do disposto no artigo 44º R.G.P.T.C.
Ou seja, o caráter urgente do processo (que justificou a sua tramitação em período de férias judiciais), não poderia justificar a supressão do princípio do contraditório do requerido, da audição do menor Salvador, da produção de depoimentos testemunhais, ou da realização de conferência de pais– cfr. artigos 25º, 5º e 35º, nº 3, ex vi artigo 44º RGPTC. E assim é porquanto se trata de pretensão que, processualmente, se mostra regulada quer por disposição específica – o artigo 44º R.G.P.T.C. – quer pela remissão para a estrutura processual da ação de regulação das responsabilidades parentais.
Assim sendo, instaurado o presente incidente em 17-07-2023 dificilmente seria viável a sua decisão previamente à entrada dos menores nos estabelecimentos escolares de Barcelos, em meados do mês de setembro. Desde logo, em função de uma tramitação processual que, embora urgente, por imposição legal, não pode deixar de assegurar princípios básicos como o do contraditório, de audição e participação da criança previamente a decisões que lhe dizem respeito, de nomeação de advogado, de produção das provas consideradas necessárias– cfr. artigos 4º, nº 1, alínea c), 5º, 18º, nº 2, 25º, 44º, nº 3, R.G.P.T.C. Por outro lado, basta consultar o processo principal e os seus inúmeros apensos para concluir que a grave conflitualidade entre os progenitores dos menores (...) e (...) tem produzido claros reflexos processuais, mostrando-se impeditiva dos valores da simplificação e da celeridade.
É certo que não foi requerida (nem oficiosamente ponderada) a produção de decisão provisória, nos termos do disposto no artigo 28º R.G.P.T.C., que, de todo o modo, sempre se revelava dificultada pelo grave conflito manifestado pelos progenitores.
No entanto, em face tramitação legal já analisada, afigura-se não poder, de forma fundamentada, ser imputado ao tribunal o facto de a decisão do incidente ter sido proferida em 11-10-2023, e não um mês antes como pretendia a recorrente.
Reafirma-se por isso que, em face do exposto, atenta a data da sua instauração e os reflexos processuais do grave conflito que opõe os progenitores dos menores, dificilmente seria viável a decisão do incidente previamente à entrada dos menores nos estabelecimentos escolares de Barcelos, em meados do mês de setembro, sendo de realçar o referido, a tal propósito, no despacho de 21-07-2023, no qual a Mmª juíza afirma “(…) temos, também, que considerar ousada a apresentação do presente requerimento em férias judicias com vista à prolação de decisão urgente para que, em tempo útil, possam ser resolvidas todas as questões que lhe subjazem (…)”. Na realidade estando em causa, como refere a recorrente, um propósito já manifestado em conferência realizada em janeiro de 2023, a questão deveria e poderia ter sido suscitada mais cedo, por forma a conferir ao tribunal condições para a sua decisão no tempo pretendido.
Improcede, pois, nesta parte o recurso, não podendo concluir-se que os autos não foram tramitados de harmonia com o seu caráter urgente.
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Na perspetiva da recorrente, por efeito da sentença que foi proferida no apenso A, não poderiam deixar de constar dos factos provados, os factos por si alegados de que o requerido se opôs à alteração da residência apenas para eternizar o conflito com a mãe, e que os menores se recusam a conviver com o pai.
Desde já se adianta que a recusa do menor (...) relativamente aos convívios com o seu pai resulta de forma clara dos factos provados da sentença recorrida. Efetivamente, aí se refere, sob o facto provado nº 29: “Esta criança manifestou-se traumatizada com total desapego ao pai, sem boas recordações da vivência com o pai, rejeitando de imediato e de forma muito segura e convicta os convívios/visitas e contactos com o pai”. No artigo 31 dos factos provados refere-se ainda que: “Este progenitor não vê os filhos há cerca de um ano e quatro meses, no caso do (...) e cerca de um ano, no caso da (...)”.
Por outro lado, procedeu-se à análise dos factos provados constantes da sentença proferida no apenso A e não foi possível daí extrair que o recorrido se tenha oposto à alteração da residência apenas para eternizar o conflito com a recorrente.
Acresce que relativamente à eficácia a atribuir à sentença proferida em 27-04-2022, no apenso A, não pode afirmar-se que reflita com atualidade a situação atualmente vivenciada pelos menores e os seus progenitores. Na realidade, volvidos quase dois anos desde que tal decisão foi proferida, alteraram-se as respetivas condições de vida, como bem evidencia a interposição do presente incidente de desacordo dos pais em matéria da residência dos menores.
Julgamos, por isso desadequado impor nestes autos o ali decidido dado que já não reflete a situação atual dos menores (...) e (...), nem dos seus progenitores.
Acresce que no presente apenso se pretende decidir da adequação da mudança da residência dos menores para a cidade de Barcelos, situação que não estava em debate no apenso A (relativo à regulação das responsabilidades parentais dos menores (...) e (...)). Conclui-se que o ali decidido, relativamente à apontada factualidade, não releva na solução do caso presente. Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 15-09-2015[2]:“Não há lugar à reapreciação da matéria de facto, quando o facto concreto objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente
Improcedente se revela, pois, o recurso nesta parte.
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Alegou ainda a apelante que, contrariamente ao que consta dos factos provados, foi proferido despacho no sentido de o menor (...) não frequentar a escola em Barcelos.
Compulsado o apenso F verifica-se que em 11-07-2023, foi remetido àqueles autos um email pelo agrupamento de escolas (…) com o seguinte teor:
“A encarregada de educação do menor (...) solicitou a transferência do seu filho para uma escola em Barcelos, comprovativo em anexo. Para a transferência prosseguir teremos que validar, mas o pai enviou um Comunicado em junho onde não autoriza a transferência dos filhos, comunicado em anexo. Solicito o vosso apoio nesta situação.
A matrícula da (...) não necessita de ser validada por nós, a mãe pode requerer automaticamente, visto ser da Pré Escola”
Tal email deu origem ao seguinte despacho (referência 427539482):
“Notifique o Agrupamento de Escolas (…) que a progenitora não está autorizada a efetuar a transferência sem o consentimento do progenitor, pelo que não deve validar a transferência pedida”.
Mais tarde, a apelante apresentou em 8-09-2023 requerimento, com a referência 46450407, a comunicar que já alterara a residência para Barcelos, solicitando a sua audição à distância, o que deu origem ao seguinte despacho: “Sem prejuízo, e quanto à alteração da residência, remete-se para a RPP fixada e em vigor” (referência 428430365).
Ora, em rigor, em nenhum destes despachos se afirma que o menor (...) não pode frequentar a escola em Barcelos. O que resulta de ambos os despachos é que, de harmonia com a decisão proferida no âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, a alteração da residência para a cidade de Barcelos não se encontrava validada no processo, por não ter sido consensualizada com o progenitor, ou decidida em incidente próprio.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.
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Considera a apelante que a sentença recorrida não é proporcional às necessidades dos menores (...) e (...), não salvaguardando os seus interesses e a sua segurança, pugnando pela sua alteração por forma a que seja autorizada a mudança de residência dos menores para Barcelos.
A questão ora em análise inscreve-se no domínio das responsabilidades parentais, manifestando a recorrente e o recorrido divergência quanto à fixação da residência dos menores (...) e (...) na referida cidade.
A regulação das responsabilidades parentais deverá ser enquadrada, desde logo na Constituição da República Portuguesa, designadamente no disposto nos artigos 36º, nºs 3 e 5 que consagram o princípio da igualdade dos cônjuges, nos direitos e deveres, designadamente quanto à educação dos filhos. Por outro lado, o artigo 1878º, nº 1, do Código Civil, concretizando o conteúdo das responsabilidades parentais, estabelece que: “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bem”.
Na relação com os pais,  tem vindo a acentuar-se o entendimento de que “a criança deixa de estar sujeita ao poder paternal, como um conjunto de direitos e deveres, em que a componente dos direitos era acentuada, para ser uma pessoa numa posição de igual dignidade à dos pais, pela qual estes assumem responsabilidades e deveres (...), respeitando as suas aptidões físicas e intelectuais, assim como os seus afetos” – Maria Clara Sottomayor[3].
Assim, as responsabilidades parentais, em que se transmudou o antigo “poder paternal” por via da Lei 61/2008, de 31 de outubro, são enformadas pelo princípio consagrado no artigo 1906º, nº 1, Código Civil, segundo o qual: “As questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em conjunto por ambos os progenitores”. Trata-se, na realidade, de fazer atuar o princípio constitucional da igualdade dos pais na educação dos filhos, consagrado no artigo 36º, nºs 3 e 5, CRP. Igualdade esta que, em caso em caso de separação dos pais, pode resultar mitigada e dar origem a conflitos que o tribunal é convocado a dirimir. E é precisamente neste campo que se inscreve o litígio ora em apreciação, visto que os progenitores se mostram em desacordo quanto à fixação/alteração da residência dos menores. Critério de decisão não poderá deixar de ser o consagrado no nº 8 do artigo 1906º, CC, segundo o qual: “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
Certo é que da leitura das conclusões recursórias apresentadas por ambos os progenitores e já transcritas, verifica-se que a divergência quanto à residência é meramente geográfica, não colocando nenhum dos progenitores em causa o decidido no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, designadamente que “1. O (...) e a (...) ficam a residir com a progenitora (…)”.
Tal residência com a progenitora não se mostra, pois, colocada em causa com a instauração do presente incidente, ao abrigo do disposto no artigo 44º R.G.P.T.C. aplicável aos litígios em que se verifique “Falta de acordo dos pais em questões de particular importância”.
Ora, atentas as coordenadas do caso presente, discordando da decisão proferida pelo tribunal recorrido, temos como certo que o litígio não poderá deixar de ser dirimido pela autorização da alteração – geográfica – da residência dos menores.
Desde logo, da factualidade apurada, extrai-se que, atualmente, não existe uma relação presente e positiva entre o recorrido e os seus filhos. Efetivamente, à data da decisão, mostravam-se suprimidos os convívios entre o pai e o (...) há cerca de um ano e quatro meses, e há cerca de um ano com a (...) (facto nº 31). Também se apurou que o (…) manifestou-se traumatizado, com total desapego ao pai, rejeitando os convívios com ele (facto nº 29). Ou seja, atualmente o (...) e a (...) mantêm laços afetivos estruturantes com a sua mãe, afigurando-se que a intervenção do tribunal não poderá deixar de dar continuidade a essa relação positiva com a progenitora, devendo ainda acautelar a necessidade de não agravar as manifestas dificuldades na relação entre os menores e o pai.
Porém, na decisão deste conflito, constitui facto incontornável o de a mãe ter operacionalizado a alteração da sua residência e a dos menores para Barcelos, desde julho de 2023. Para tanto invocou razões familiares e profissionais, agindo no exercício da liberdade de escolher domicílio, de se deslocar e se fixar livremente em qualquer parte do território nacional (artigos 27º, nº1, e 44º, nº 1, da C.R.P.), e ainda do direito de constituir (nova) família (artigo 36º, nº1, da CRP).
Não sendo estes direitos da mãe absolutos, poderão ser objeto de limitações, mas “devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (artigos 17º e 18º, nº 2, da CRP).
Designadamente, os interesses dos menores (...) e (...) poderão limitar esses direitos da mãe, mas sempre em obediência aos princípios da necessidade e proporcionalidade, por forma a que se garanta que as restrições sejam razoáveis e justas. Ou seja, a restrição “deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes”, nas palavras de Gomes Canotilho[4], para que exista uma “correspondência de meios a fins” (Jorge Miranda)[5]. Além disso, o princípio da proporcionalidade garante ao cidadão com os direitos limitados “a menor desvantagem possível”, e exige um juízo de “justa medida” entre o meio (restritivo) utilizado e o fim visado (Gomes Canotilho[6]).
Porém, dos autos não   resultou demonstrado qualquer facto que demonstre que os menores (...) e (...), com, respetivamente, nove e cinco anos de idade, manifestem qualquer dificuldade na adaptação ao atual projeto de vida da progenitora guardiã. Ao invés, a mudança para uma nova cidade e para outras escolas poderá até constituir um fator de superação das memórias negativas que, decerto, guardarão dos conflitos que já viveram em função do exercício das responsabilidades parentais por parte dos seus progenitores. Aliás, procedeu-se à audição integral das declarações prestadas pelo menor (...) em Tribunal, constatando-se ser total a sua adesão à alteração da residência nos termos requeridos pela mãe, pretendendo que a mesma se consolide.
Não se duvida que na decisão da regulação das responsabilidades parentais destes menores ficou estabelecido que: “as responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida dos menores, nomeadamente a escolha entre estabelecimento escolar público ou privado, intervenções de saúde que impliquem risco de vida, saídas para o estrangeiro, mesmo que em férias e mudanças de residência para uma distância superior a 50km, serão exercidas por ambos os progenitores”.
E, embora seja inequívoco que a alteração da residência dos menores ocorreu com oposição do recorrido e antes da decisão do presente incidente, julgamos que não é legítimo, em face das coordenadas do caso e da compatibilização dos direitos em causa, determinar à progenitora, que, no final do ano letivo, altere a sua residência e a dos filhos novamente para Lisboa. Tal decisão, além de profundamente limitadora dos direitos da mãe, constitui, essencialmente, um foco de instabilidade para os menores (...) e (...) que, pelo menos desde julho de 2023, residem na zona de Barcelos, ali tendo iniciado uma nova etapa nas suas vidas e estabelecido rotinas que não devem ser quebradas sem fundamentos sérios e consistentes que o aconselhem. E ali residem com a progenitora, com quem mantêm laços psicológicos significativos e profundos, o que, infelizmente, não sucede, atualmente, com o progenitor.
Afigura-se, por isso, que a decisão a proferir não deve enveredar pela via da culpabilização da progenitora (por ter alterado a residência dos menores previamente à autorização do tribunal e com oposição do pai), mas sim pela ponderação dos interesses dos menores (...) e (...), devendo constatar-se que não se apurou qualquer facto que desaconselhe a alteração da residência.
 Além disso, a autorização da mudança da residência também não comporta necessariamente um maior afastamento do progenitor que, apesar de viver na mesma cidade, passou longos períodos sem conviver com os menores, como resulta dos factos apurados. Na realidade, a distância entre o local da residência do pai e a cidade de Barcelos é compatível com um regime de convívios a efetivar no fim de semana e, em si, não constitui um obstáculo à aproximação entre o recorrido e os seus filhos.
Por outro lado, desejando salvaguardar-se, mais do que o direito do progenitor às visitas, o interesse dos menores a com ele estabelecerem uma relação afetiva e familiar, beneficiando do desejável contacto com ambos os progenitores, julgamos que existirão outros meios menos restritivos dos referidos direitos fundamentais da progenitora (que se mostravam, na prática, e na sequência da decisão ora posta em crise, quase totalmente suprimidos) – por exemplo, dividindo os encargos com as deslocações, prevendo períodos de mais longa permanência com o pai quando possível, etc. Ou seja, superado o grave conflito que opõe os progenitores, e não obstante a maior distância geográfica que passa a separar o pai dos menores (...) e (...), poderá ser possível estabelecer um regime de convívios efetivo e satisfatório, que lhes permita desenvolver o afeto próprio das relações de paternidade.
Concluindo, é nosso entendimento que o superior interesse dos menores não justifica, no caso em apreço, a decisão proferida pela primeira instância, com as inerentes limitações dos direitos fundamentais da apelante.
Afigura-se, pois, que a procedência do presente incidente é a solução que melhor se adequa ao superior interesse do (...) e da (...), refletindo a melhor ponderação das suas atuais condições. E, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 15-09-2022[7]: “As decisões proferidas em processos de regulação das responsabilidades parentais não são imutáveis, devendo levar em conta as realidades vividas e resolver as situações presentes, no interesse dos menores, perpassando, pois, por elas, uma perspetiva de atualidade”.
Por fim, foram ponderadas as vicissitudes processuais ocorridas nos apensos de incumprimento entretanto instaurados (apensos O e N), conforme referido nos pontos 6 e 7 do relatório, designadamente a declaração da incompetência territorial do tribunal com a consequente remessa dos autos ao tribunal de família e menores da área de Barcelos, e a “revogação” da decisão recorrida.
Embora não incumba a este tribunal de recurso apreciar os efeitos de tal “revogação”, não poderá deixar de ponderar-se que, dois meses volvidos após a prolação da decisão recorrida, o tribunal a quo considerou que a mesma não deveria persistir na ordem jurídica. Tal vicissitude processual também não poderia deixar de ser ponderada no sentido de evidenciar que não deve subsistir a determinação de impor à apelante o regresso à cidade de Lisboa, sob pena de gerar enorme instabilidade na vida dos menores (...) e (...).

Procede, pois, o recurso, determinando-se a substituição da decisão recorrida por outra que julgue procedente o presente incidente de desacordo dos progenitores quanto a questões de particular importância, autorizando-se a requerida alteração da residência dos menores (...) e (...) para a cidade de Barcelos.

As custas, quer do incidente, quer do recurso, serão integralmente suportadas pelo apelado, atenta a decisão de procedência do pedido da alteração de residência formulado pela apelante– cfr. artigos 527º e 529º, CPC
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª Secção Cível:
- Julgar procedente o recurso interposto pela apelante (...) contra o apelado (...), autorizando a alteração da residência escolar e fiscal dos menores (...) e (...) para a cidade de Barcelos, como requerido, no mais confirmando a decisão recorrida.

Custas do incidente e do recurso pelo apelado – cfr. artigo 527º, nºs 1, CPC.

D.N.

Lisboa, 22-02-2024
Rute Sobral
Orlando Nascimento
Laurinda Gemas
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[1] proferido no processo nº 2479/18.5T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt
[2] proferido no processo nº 6871/14.6T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt 
[3] Temas de Direitos das Crianças, edição Almedina, pág. 142.
[4] “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina, 1999, p. 264.
[5] “Manual de Direito Constitucional”, IV, Coimbra Editora, 2000, p. 207.
[6] Obra citada, p. 264.
[7] proferido no processo 1758/11.9T8SXL.L1