Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32501/15.0T8LSB.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PARTICIPAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: 1 Por força do disposto no artigo 77º do CPT, as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de não serem conhecidas, por extemporâneas.

2No despacho saneador o juiz pode apreciar total ou parcialmente os pedidos deduzidos ou alguma excepção peremptória sempre que não haja necessidade de mais provas. Ou seja, se um olhar sobre o processo permitir concluir que este já contém todos os elementos que habilitam o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa sobre o mérito da causa, não apenas à luz do entendimento que perfilha, mas também de outras soluções plausíveis de direito, o juiz deve proferi-la.

(Elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Tendo-se frustrado a tentativa de conciliação, o Autor, AAA, residente (…), veio intentar contra BBB, S.A., com sede (…) Lisboa e CCC, com sede (…) Lisboa, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, pedindo que esta seja julgada procedente e, em consequência, o Autor seja ressarcido de todas as prestações em espécie e em dinheiro a que tenha direito, nos termos do artigo 23º e seguintes da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.

Invocou para tanto, em resumo, que:
- O Autor é, desde 16 de Agosto de 1990, trabalhador efectivo da Ré, CCC e tem a categoria profissional de técnico;
- Em finais de 2002, a empregadora determinou a realização de exames globais de vigilância de saúde de todos os trabalhadores;
- No dia 21 de Fevereiro de 2003, pelas 11horas, durante o período laboral, no Hospital (…), hora e local indicados pela empregadora, o sinistrado foi sujeito a  um exame denominado Sigmoidoscopia que foi custeado e supervisionado pela empregadora;
- O Autor apenas realizou o exame em causa porque a Ré determinou a sua realização no âmbito da sua política interna de prevenção de doenças;
- No decurso desse exame, o sinistrado sofreu uma perfuração intestinal iatrogénica, tendo, dois dias depois, sido operado com urgência a uma peritonite aguda;
- O Autor ficou ostomizado durante 3 meses e, no período pós operatório, teve intensas dores e infecções internas, durante 3 meses, tendo, no final desse período, sofrido novas intervenções cirúrgicas;
- Teve de suportar, pelo menos, 20% das despesas com os tratamentos cirúrgicos a que foi submetido e a empregadora nunca lhe pagou a totalidade das despesas médicas nem de transportes;
- Ainda não se encontra curado, sofrendo dores e desconforto, continuando a realizar exames médicos e tratamentos, sem ter tido alta clínica; e
- O acidente foi devidamente participado à sua empregadora, mas esta não o participou à Ré seguradora, ocultando o mesmo e a sua natureza.

Não se conformando com o resultado da perícia médica do GML, requereu a realização de perícia por junta médica, apresentando os seus quesitos.

A empregadora, regularmente citada para, querendo contestar, veio fazê-lo invocando a excepção da caducidade do direito de acção, posto que o Autor, só decorridos 12 anos sobre a data do acidente apresentou a participação nos serviços do Ministério Público, que não comunicou à seguradora nenhum sinistro laboral de que o Autor tivesse sido vítima porque este nunca lhe comunicou ter sofrido um acidente de trabalho, o exame feito pelo Autor era totalmente facultativo, não sendo exames solicitados pela Medicina do Trabalho, pelo que ao submeter-se a esse exame Autor não estava a realizar qualquer acto preparatório ou complementar da sua prestação laboral e o acidente dos autos não pode ser qualificado como de trabalho por não se verificarem os seus elementos constitutivos.

Conclui pedindo que a excepção da caducidade seja julgada procedente e que a Ré seja absolvida de todos os pedidos.

A Ré seguradora também contestou invocando a caducidade do direito do Autor intentar a presente acção e que face aos factos invocados pelo Autor na petição inicial este não terá sofrido qualquer acidente de trabalho, não vislumbrando factos que integrem o respectivo conceito legal.

Termina pedindo que a excepção seja julgada procedente e a Ré absolvida do pedido logo na fase do saneamento ou, assim não se entendendo, que a acção seja julgada improcedente com a sua consequente absolvição do pedido.

Requereu a realização de exame por junta médica e apresentou os seus quesitos.

O Instituto de Segurança Social, I.P. deduziu contra as Rés pedido de reembolso das prestações de Segurança Social, pedindo que as demandadas sejam condenadas a pagar à reclamante a quantia de € 8.950,92, acrescida de juros de mora legais, contados desde a data da notificação da reclamação.

O Autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção invocada, acrescentando que a Ré empregadora litiga com clara má-fé, conduta que deve ser judicialmente apreciada.

A Ré empregadora respondeu à alegada litigância de má fé concluindo que é falsa e sem qualquer fundamento.

As Rés contestaram o pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., pedindo que este seja julgado improcedente.

Em 03.05.2017 foi proferido despacho saneador que, além do mais, decidiu:
“ Não se verificam quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao prosseguimento dos autos  e que cumpra neste momento conhecer, relegando-se para final o conhecimento da invocada excepção de caducidade do direito de acção, visto que a sua apreciação está dependente de factos controvertidos.”

Foram fixados os factos assentes e organizada a base instrutória que sofreram reclamação, que foi deferida.

Foi ordenado o desdobramento do processo para efeitos de fixação da incapacidade do Autor para o trabalho.

Em 29.6.2017 realizou-se a junta médica vindo, posteriormente, a ser proferida sentença que considerou que o sinistrado está afectado de uma IPP de 20%.

Foi designada data para a realização da audiência de julgamento.

Em 21 de Março de 2018 foi proferido o seguinte despacho:
“ Melhor compulsados os autos na preparação para a realização da audiência de julgamento entende o Tribunal o seguinte:
Considerando a forma como foi configurada a presente acção e como já resulta da discussão ocorrida nos articulados dado o cumprimento do contraditório pelo Autor, o estado dos autos habilita-nos a conhecer das excepções e do pedido, nos termos do disposto no artigo 595º, nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, sem necessidade de prova a produzir, uma vez que o processo contém todos os elementos para uma decisão conscienciosa e a questão é meramente jurídica.”

Nessa sequência, foi proferido despacho saneador/sentença  que julgou procedente a excepção da caducidade do direito de acção do Autor e, em consequência, absolveu as Rés do pedido com os seguintes fundamentos:
Vieram ambas as Rés invocar a caducidade do direito de acção do Autor.
Alegam, em síntese, que decorreu mais de um ano entre o momento do acidente e a interposição desta acção.
Notificado, pugnou o Autor pela improcedência desta excepção.
Tudo visto, por ser este o momento, cumpre apreciar e decidir.
O Autor alega ter sofrido um acidente de trabalho a 21.02.2003. Aplica-se, pois, a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, não obstante ter entretanto sido revogada pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (REGULAMENTAÇÃO DO REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS), dado que esta só tem aplicação aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor (artigo 187.º, n.º 1), ou seja, a 01.01.2010 (artigo 188.º, n.º 1, da LAT/09).
Do disposto no n.º 2, do artigo 298.º do Código Civil, ao estabelecer que “Quando por força da lei (..) um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”, decorre que, em regra, os prazos de propositura de acção são de caducidade.
Dispõe o n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, sob a epígrafe "caducidade e prescrição" que "o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da alta clínica ou, se do evento resultar a morte, a contar desta".
Na caducidade, o prazo visa preestabelecer o lapso de tempo dentro do qual ou a partir do qual, há-de exercer-se o direito, por imposição da lei ou vontade negocial. O prazo, na caducidade, é condição de admissibilidade e procedibilidade, por ser elemento constitutivo do direito.
A caducidade encontra o seu fundamento específico no interesse público da paz familiar e segurança social da circulação, e no interesse da brevidade das relações jurídicas.
O prazo de caducidade é um prazo prefixo que, pressupondo o interesse na rápida definição do direito, não se compadece com dilações, não comportando a paralisação do direito.
Assim, por determinação legal expressa, excepto nos casos em que a lei o determine, os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem [artigo 328.º do Código Civil].
E, também por essa razão – o interesse na rápida definição do direito – são sempre mais curtos que os prazos de prescrição.
O decurso do prazo de caducidade provoca a extinção ou a perda da prerrogativa de realizá-lo. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (artigo 331.º, n.º 1 do Código Civil). Pelo que, a única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o acto que tenha efeito impeditivo.
Como regra, se a lei não fixar outra data, o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido (artigo 329.º do Código Civil).
E, se tal prazo respeita ao exercício de uma acção judicial, a única forma de evitar a caducidade é propor a mesma dentro do prazo (artigo 332.º n.º 1, do Código Civil), considerando-se a mesma proposta “(..) logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial (..)” (artigo 267.º n.º 1, do Código de Processo Civil).
No que respeita às acções emergentes de acidente de trabalho esta regra sofre um desvio, dado que nos termos do disposto nos artigos 26.º, n.º 4, e 99.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação do acidente.
Assim, a circunstância da participação do acidente marcar o início da instância significa que este é o acto impeditivo da caducidade do direito de acção respeitante às prestações fixadas na LAT.
Da conjugação dessas regras com o estabelecido no artigo 32.º n.º 1, da LAT, conclui-se que o referido prazo de caducidade começa a correr a partir da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do acidente resultar a morte, a partir da data desta.
Contudo, este raciocínio não é válido para todos os casos.
Sendo a participação do acidente a juízo o acto adequado a desencadear os procedimentos legais conducentes à obtenção pelo sinistrado/beneficiários legais das prestações devidas por acidente de trabalho, é esse o acto que exprime a intenção de exercer o direito de acção e, assim, o único acto com a virtualidade de impedir a caducidade (artigo 331.º, n.º 1 do Código Civil).
Ora, há casos em que a participação é devida aos sinistrados ou beneficiários, independentemente da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do acidente resultar a morte, a partir da data desta.
Como bem explica o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.11.2015 (Rel. Jerónimo Freitas, disponível in www.dgsi.pt) “O Decreto-Lei n.º 143/99, que regulamentou a LAT, no art.º 14.º, impõe diversos deveres de comunicação do acidente, que incidem sobre o sinistrado ou os beneficiários das pensões, como também sobre as entidades empregadoras, as empresas de seguros e ainda outras entidades que tenham tido conhecimento do acidente.
Nos termos do n.º1, sobre o sinistrado ou beneficiários do direito às prestações recai o dever de participarem o acidente, nas 48 horas seguintes, à própria entidade empregadora ou à pessoa que o represente na direcção do trabalho “salvo se estas o presenciarem ou dele vierem a ter conhecimento no mesmo período”.
Portanto, a comunicação de acidente de trabalho, ou o conhecimento dele, é condição para que a entidade empregadora dê início aos procedimentos a que está obrigada, desde logo a comunicação da sua ocorrência à entidade seguradora para quem tenham transferido a sua responsabilidade (art.º 15.º da LAT).
Caso a entidade empregadora não tenha a responsabilidade transferida para seguradora (art.º 16.º), deverá então “participar o acidente ao tribunal competente, por escrito, independentemente de qualquer apreciação das condições legais de reparação” (n.º 1) no prazo de oito dias a contar da data do acidente ou do seu conhecimento (n.º2) ou, caso se trate de um acidente mortal, de imediato, “por telecópia ou outra via com o mesmo efeito de registo escrito de mensagens” (n.º3).
Nestes casos, como flui do artigo, a participação pela entidade empregadora ao tribunal é obrigatória.
Havendo responsabilidade transferida e tendo a entidade empregadora cumprido o dever de informação da ocorrência do sinistro, passará a recair sobre esta a obrigação legal, logo, obrigatória, de participar ao tribunal a ocorrência de acidentes de trabalho, nos ternos prescritos no art.º 18.º, em suma:
- (n.º1) por escrito, no prazo de oito dias a contar da cura clínica, os acidentes de que tenha resultado incapacidade permanente;
- imediatamente e por telecópia ou outra via com o mesmo efeito de registo escrito de mensagens, aqueles de que tenha resultado a morte;
- (n.º 3) por escrito, no prazo de oito dias a contar da sua verificação, todos os casos de incapacidades temporárias que ultrapassem 12 meses.
Sobre a razão de ser deste regime, observa João Monteiro [Fase Conciliatória do Processo Para Efectivação de Direitos resultantes de Acidente de Trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, Coimbra Editora, n.º 87, Setembro – Dezembro de 2010, pp. 143], o seguinte:
- «Apesar de, em regra, os titulares dos direitos conferidos pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho serem os sinistrados/beneficiários legais, não recai, em primeira linha, sobre os mesmos o ónus de iniciativa processual, o que constitui também um desvio ao regime processual civil comum, na medida em que nesse regime esse ónus impende, em princípio, sobre os titulares dos direitos ou interesses legalmente protegidos que demandam tutela jurisdicional.
O ónus do impulso processual inicial nos processos para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, consubstanciado na participação do acidente ao tribunal, está cometido especialmente, entre outras pessoas e entidades, às empresas de seguros.
Com este regime, procurou-se, além do mais, salvaguardar a possibilidade dos sinistrados/beneficiários legais, "renunciarem" aos seus direitos de natureza indisponível por força de constrangimentos de terceiros, susceptíveis de conduzir à omissão (involuntária) do ónus de participação, sabendo-se como se sabe que a relação jurídico-laboral é uma relação assimétrica, de poder-sujeição, em que o trabalhador se encontra face ao empregador numa situação de desigualdade».
Contudo, a lei permite que a participação do acidente ao tribunal possa também ser feita facultativamente (art.º 19.º) pelo sinistrado, directamente ou por interposta pessoa [al.a)]; pelos seus familiares [al. b)]; por qualquer entidade com o direito a receber o valor de prestações [al. c)]; pela autoridade que tenha tomado conhecimento do acidente sendo o sinistrado um incapaz [al.d)]; e, pelo director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional onde o sinistrado esteja internado tendo o acidente ocorrido ao serviço de outra entidade [al. e)].
Pois bem, embora os sinistrados ou os respectivos familiares não estejam obrigados a participarem o sinistro, o certo é que a necessidade de proceder à participação acaba por se impor em todos os casos em que houve incumprimento do dever de participação por parte das pessoas e entidades ao mesmo legalmente adstritas, sob pena de caducidade do respectivo direito de acção [Cfr. João Monteiro, op. cit., p. 148].”
Revertendo ao caso, é controvertido se o Autor comunicou a ocorrência do alegado acidente de trabalho à entidade empregadora, ou se esta teve conhecimento dele. O Autor afirma-o, embora não arrole qualquer prova nesse sentido, mas a entidade empregadora nega-o peremptoriamente. Mas já não é controvertido, podendo até dizer-se ser certo e seguro porque tanto é afirmado pelo próprio Autor, como pela seguradora, que o Autor jamais contactou os serviços desta nem deles recebeu qualquer assistência médica ou clínica ou o pagamento de qualquer prestação. Portanto acaba por ser irrelevante saber se o Autor efectivamente comunicou à entidade empregadora ou se esta teve conhecimento do alegado acidente. Com efeito, mesmo que assim tenha acontecido, o certo é que o Autor nunca tomou qualquer iniciativa de participar o sinistro ao Tribunal competente, não obstante, conforme o próprio alega, manter lesões em permanência, carecer sucessivamente de apoio médico, realizar tratamentos e ser submetido a inúmeros exames e tratamentos, tudo isto ao longo de mais de doze anos.
Alega ainda o Autor que sabia que o infortúnio laboral não havia sido reportado à Seguradora.
Não pode, lamentavelmente, o Tribunal conformar-se com este tipo de argumentos porquanto qualquer pessoa de normal diligência que efectivamente fosse vítima de um acidente de trabalho, mantendo lesões que atribui a consequência desse evento, caso necessitasse de apoio médico, medicamentos, tratamentos e de realizar exames de diagnóstico e tivesse comunicado à sua entidade empregadora, não teria deixado de reagir, pois como é óbvio, não tendo sido encaminhada para a seguradora para quem estivesse transferida a responsabilidade infortunística, logo perceberia, diremos até, forçosamente, que não fora feita qualquer comunicação aquela entidade nem qualquer participação ao tribunal. Ora, com toda a certeza que o Autor é uma pessoa de normal diligência, provavelmente até muito mais apta a reagir nessas circunstâncias do que a maioria dos trabalhadores sinistrados, pois não se pode esquecer que era técnico dos quadros da Ré.
A data “da cura clínica” é a atribuída pela seguradora e o “boletim de alta”, é o documento que os serviços médicos da seguradora devem entregar aos sinistrados “Quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo (..)”, nele declarando o médico assistente “a causa da cessação do tratamento ou o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem com as razões justificativas das suas conclusões”.
Portanto, como parece claro, para que se configure uma situação em que seja relevante a data da alta clínica e a entrega do boletim de alta - para se saber quando se inicia a contagem do prazo de caducidade - é necessário que o sinistro tenha sido levado ao conhecimento da seguradora e que tenha havido acompanhamento do sinistrado por parte dos serviços médicos daquela.
Situações existem, contudo, em que por lhe não ter sido participado o acidente de trabalho, a entidade responsável não conferiu ao sinistrado qualquer tipo de assistência médica e em que, consequentemente, nunca ao sinistrado foi conferida a alta clínica representativa do momento em que se considera terem consolidado as lesões determinantes daquela assistência.
Nesses casos, como bem se defende no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.05.2016 (Rel. Jorge Loureiro, disponível in www.dgsi.pt), “o termo inicial daquele prazo de caducidade não pode corresponder à data da alta clínica, sabido que essa alta só é atribuída em boletim que deve ser emitido quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, devendo colocar-se nesse boletim a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões (art. 32º/2 do DL 143/99, de 30/4 – RLAT/99). Nessas situações de ausência de tratamento médico por parte da entidade responsável decorrente do facto de lhe não ter sido participado o acidente, o termo inicial do prazo de caducidade deve fazer-se coincidir com o dia do próprio acidente de trabalho. Com efeito, o sinistrado ou beneficiários do direito devem de participar o acidente, nas 48 horas seguintes, à própria entidade empregadora ou à pessoa que o represente na direcção do trabalho “salvo se estas o presenciarem ou dele vierem a ter conhecimento no mesmo período” (art. 14º/1 do RLAT/99), equivalendo a participação ou o conhecimento do acidente à condição emergente para a empregadora, entre outros, do dever de participação obrigatória do acidente à entidade seguradora para quem tenha transferido a sua responsabilidade (art. 15º do RLAT/99) ou ao tribunal competente, no caso de ausência de transferência de responsabilidade (art. 16º do RLAT/99).
Por sua vez, recebida pela seguradora a participação do acidente, incumbe-lhe o dever de proceder à sua participação ao tribunal nas condições estabelecidas no art. 18º do RLAT/99. A par dos casos de participação obrigatória a que acaba de aludir-se, existem os casos de participação facultativa previstos no art. 19º do RLAT/99, designadamente pelo sinistrado (alínea a). Ora, embora os sinistrados não estejam normalmente obrigados à participação do acidente de trabalho, não pode deixar de reconhecer-se que essa obrigação existe nos casos em que houve incumprimento do dever de participação por parte das pessoas e entidades sujeitas desse dever, sob pena de caducidade do respectivo direito de acção – João Monteiro, Fase Conciliatória do Processo para a Efectivação de Direitos Resultantes de Acidente de Trabalho – Enquadramento e Tramitação, p. 17, consultável em http://www.tre.mj.pt/docs/ESTUDOS%20%20MAT%20SOCIAL/Direitos%20Resultantes_Acidente%20Trab.pdf.”
No caso em apreço, alegadamente, o Sinistrado alega que comunicou o acidente à sua empregadora e esta omitiu a subsequente participação a que estava obrigada, razão pela qual jamais a empregadora ou a seguradora de acidentes de trabalho prestaram assistência médica à sinistrada, no âmbito da existência de um acidente de trabalho e não por força da política social da Ré para com os seus trabalhadores.
Apesar disso, o sinistrado não reagiu contra essa situação e não apresentou, até ao momento em que deduziu a apresentação que deu origem a estes autos, a participação facultativa que podia ter apresentado ao abrigo do artigo 19.º, al. a) do RLAT/99, apesar de, como alega na participação de que emergiu este processo, ter carecido de assistência médica particular que procurou e cujos custos suportou, ainda que apenas em parte, e de ainda não se encontrar curado das lesões para si emergentes do aludido acidente.
Por outro lado, face à ausência de qualquer assistência médica por parte da seguradora de acidentes de trabalho, considerando que nenhuma prestação infortunística devida por acidente de trabalho lhe estava a ser concedida e atendendo a que só a segurança social subsidiou e apenas parcialmente os períodos de incapacidade para o trabalho em que se encontrou, facilmente se poderia o sinistrado ter consciencializado de que algo de irregular se estaria a passar relativamente ao acidente que o vitimara, em função do que poderia ter interpelado a empregadora sobre as causas dessa situação irregular e assim ter-se apercebido da ausência de participação.
Por isso, deveria o sinistrado ter apresentado a participação facultativa do acidente a que supra se aludiu, no ano subsequente à data em que o mesmo ocorreu.
Não o tendo feito nesse prazo, caducou manifestamente o direito de acção emergente daquele acidente.
É certo que, a ter-lhe sido comunicada a ocorrência do acidente, terá sido omitida pela empregadora a participação desse mesmo acidente.
Simplesmente, essa omissão não tem qualquer eficácia suspensiva ou interruptiva da prescrição.
As situações típicas, em que o sinistrado se vê compelido a participar o sinistro em juízo, sob penas de ver caducado o direito de acção que pretenda exercer, prendem-se com situações em que não é obrigatória a participação do sinistro a juízo pela seguradora e o sinistrado não se conforma com o resultado da alta atribuída pelos serviços clínicos daquela, como acontece, frequentemente, nas situações em que são considerados “curado sem desvalorização».
Não é esse manifestamente o caso dos autos. Neste caso, se porventura ocorreu o acidente de trabalho e desse facto foi feita comunicação à entidade empregadora ou esta dele teve conhecimento, como alegado na acção e aqui reafirmado, constatando o sinistrado que não era encaminhado para a seguradora e ocorrendo o quadro que descreveu e já referimos, deveria então ter participado o sinistro ao tribunal competente antes de decorrido um ano sobre a data do acidente.
Como não o fez, posto que só cerca de doze anos depois do acidente apresentou a participação nos serviços do Ministério Público, manifestamente caducou o direito de acção por decurso do prazo de um ano.
Neste sentido decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2005 (Rel. Fernandes da Silva, disponível in www.dgsi.pt), na consideração de que "(...) É ao sinistrado ou aos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei que incumbe o ónus de desencadear o efeito impeditivo da caducidade, visto que são eles os que directamente beneficiam dos efeitos indemnizatórios e têm interesse no exercício do direito de acção. Para o efeito de assegurarem o exercício tempestivo do direito de acção, o sinistrado e os beneficiários dispõem da faculdade de efectuarem, por sua própria iniciativa, a participação do acidente, que lhes é conferida pelo artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 143/99. (...)", para mais adiante se concluir: “É, assim, patente que a falta de cumprimento do dever de participar o acidente ao tribunal, por parte de uma entidade empregadora ou seguradora ou do director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional, nos casos em que esse dever de comunicação é obrigatório, pode determinar que se venha a verificar a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo de um ano a que se reporta o artigo 32º da Lei n.º 100/97, se entretanto tal participação não vier a ser feita por qualquer outra pessoa ou entidade que disponha dessa faculdade nos termos do artigo 19º”.
Há que interpretar a lei no sentido de dever o sinistrado comunicar à seguradora ou à sua entidade patronal o acidente de trabalho dentro do ano subsequente à sua ocorrência, ou então participa-lo directamente no tribunal do trabalho. Ou pelo menos dentro do ano em que tomou conhecimento do acidente.
Tendo o aqui Autor deixado correr os referidos 12 anos desde que sofreu o alegado acidente até que o participou à seguradora, sendo certo que, conforme flui do seu articulado, desde logo se apercebeu do mesmo, não pode agora vir pedir a reparação de supostas incapacidades dele emergentes.
Existe ainda uma outra razão para a existência deste prazo. É que esteve o Autor subtraído ao controlo clínico da seguradora, podendo esta agora validamente alegar que não se tratou convenientemente e, dessa forma, contribuiu para o agravamento das sequelas.
A caducidade é uma excepção peremptória, cuja verificação importa a absolvição do réu do pedido – artigo 576.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.
(…)”.

Foi dada sem efeito a audiência de julgamento anteriormente designada.

Inconformado, o Autor recorreu e formulou as seguintes conclusões:
“IProferido despacho saneador a determinar que a apreciação da excepção da caducidade apenas poderá ser apreciada após o julgamento, depois de marcado esse julgamento e antes da sua realização, não pode o douto Tribunal, sem qualquer razão, pronunciar-se de forma definitiva, sobre a mesma excepção.
IITal facto constitui uma nulidade da sentença.
IIIAlém disso, tal decisão, depois de marcada a data de julgamento e notificados todos os intervenientes do mesmo, consubstancia uma decisão surpresa.
IVNão estando determinada a data da alta clínica, nem tendo esta sido formalmente comunicada ao sinistrado, não pode concluir-se no sentido de que “caducou o direito de acção”.
VA caducidade só começa a correr a partir do momento da alta clínica, facto determinante a partir do qual pode ser exercido o direito, nos precisos termos estatuídos pela primeira parte do nº 1, do art. 32º, da LAT/97.
VIE sem essa determinação, pese embora o lapso de tempo decorrido entre a data do acidente e a sua participação ao Tribunal, terá que ser provado se o Autor ainda padece ou não de alguma lesão, se existe ou não cura clínica, resultante da assistência médica a que o Sinistrado foi submetido por sua iniciativa.
VIISó a alta clínica prevista na lei permite dar resposta a tais questões através da declaração médica correspondente.
VIIIA falta da alta clínica – mesmo em situações em que não haja incapacidade ou lesões – impede qualquer juízo jurídico valorativo sobre tal matéria.
IXPor conseguinte, a alta clínica do Autor ainda não ocorreu e, assim sendo, não se pode dar por iniciada a contagem do prazo de um ano estipulado no nº 1, do art. 32º, da LAT/97.
XEsta matéria encontra-se já, claramente, decidida pela mais recente jurisprudência, ver, pt: o Ac. do S.T.J. (P. 2325/15.1T8OAZ.P1.S1) de 22-02-2017.
XIA douta sentença violou o disposto no 6º, n.º 1, e 3º, n.º 3, 595º, nº 3 do artigo 613º e 615º do CPC, 20º da CRP e 32º da LAT.” 
   
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença e substituída por outra que determine não ter ocorrido a caducidade da acção ou que determine que tal matéria só a final pode ser decidida.

A Ré CCC contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões:
“1.Circunscreve o Recorrente o vertente recurso a: alegadas "nulidades da  sentença" por suposta violação do disposto nos artigos 6º/1 e 3º/3 do e da alínea d) do artigo 615º, todos do CPC, alegando que a douta decisão recorrida consubstancia uma decisão-surpresa, e que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia), tendo igualmente invocado que a alta clínica do Autor ainda não ocorreu e, assim sendo, não se poderia dar por iniciada a contagem do prazo de caducidade estipulado no artigo 32º/1 da LAT 97
2.A arguição das nulidades da sentença em sede de processo do trabalho  obedece a um regime diverso do que consta no artigo 615º/4 do novel CPC, na medida em que deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, e não nas Alegações, podendo o juiz "a quo" suprir as mesmas, pelo que, por violação do disposto no artigo 77º/1 do CPT, delas não se pode conhecer,
3.Qua tale perfilha o Conselheiro António Abrantes Geraldes, na sua obra,  Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, apêndice I, Recursos no Processo do Trabalho, página 540, "em especial, as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente no requerimento  de interposição do recurso, como o determina o artigo 77º,nºl, do CPT, exigência que vem sendo interpretada de forma rigorosa e cujo incumprimento determina o não conhecimento das mesmas" (negrito nosso) (Acs. do STJ, de 17-6-10, de 27-5-10, de 27/3/14, de 16-6-15, e de 1-10-15, todos disponíveis em www.dgsi.pt)
4.Nada há a apontar à douta sentença recorrida.
5.Impõe-se que, quando possível, o juiz conheça imediatamente do mérito  da causa, não deixando para mais tarde aquilo que pode resolver já, o que radica num critério de economia processual e de razoabilidade, já que toda a posterior actividade processual nada acrescentaria de pertinente à questão
6.No despacho de 3/5/ 2017 o Juiz a quo" referiu que a excepção da  caducidade só seria apreciada a final uma vez que a mesma estava dependente de factos controvertidos.
7.Todavia, posteriormente, e deferindo uma Reclamação deduzida pela  Recorrida, o Tribunal "a quo" acrescentou um facto essencial à matéria assente, a saber, que o Autor sabia que a sua entidade empregadora não havia feito qualquer participação do evento à seguradora.
8.Assim, a alínea F) dos Factos Assentes passou a ser aditada do modo que  segue: "A 2ª Ré nunca participou à 1ª Ré (seguradora) o evento em causa nestes autos, o que era do conhecimento do Autor".
9.Este Aditamento aos Factos Assentes veio a verificar-se importante para o  Tribunal ter decidido como decidiu
10.A excepção da caducidade invocada pelas RR encontra o seu fundamento na protecção de interesses vários: a negligência do titular no exercício do direito, a consolidação de situações de facto, a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e a necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos.
11.A extinção do direito na caducidade radica na inércia do titular do mesmo durante um certo período, tido em abstracto como razoável, em promover o seu exercício.
12.O aludido Aditamento aos Factos Assentes teve lugar em 11/12/2017, como se referiu, ie, 7 meses depois do pretérito Despacho de 3/5/2017.
13.Pelo que o Juiz a quo" veio mais tarde a concluir estar em condições de  apreciar a excepção da caducidade.
14.O Despacho de 3/5/2017, mesmo não tendo existido qualquer  aditamento aos factos assentes, como existiu, não vinculava o Juiz a quo.
15.Tratou-se de um Despacho Saneador genérico, vulgarmente designado por Despacho tabelar
16.Não havendo nele nenhuma decisão inequívoca ou apreciação concreta  sobre a questão da caducidade do direito de acção do Recorrente, excepção deduzida pela Recorrida.
17.O Despacho Saneador que se limitou a uma apreciação genérica, como foi o de 3/5/2017, não faz caso julgado, o que significa que nada obstará a que seja posteriormente apreciada qualquer nulidade ou excepção.
18.No despacho saneador não houve qualquer apreciação concreta e,  portanto, qualquer decisão sobre a tempestividade da propositura da presente acção, sabendo-se que dessa não tempestividade resulta desde logo a sua não procedência
19.Decidir da procedência de uma excepção peremptória é conhecer do  mérito da causa. E o conhecimento do mérito da causa é um conhecimento concreto, não pode ficar-se por uma declaração abstracta
20.Não se havendo no despacho saneador tomado conhecimento da  excepção peremptória da caducidade do direito de acção do Recorrente, nada no mesmo despacho se decidiu a seu respeito, com o que não há que falar de caso julgado que só poderia formar-se sobre esse conhecimento, o do próprio mérito da causa.
21.O Juiz “a quo" podia ter apreciado a excepção deduzida pelas RR na douta Sentença de 21/3/2018, como o fez e bem.
22.Nada impedia o Juiz “a quo" de conhecer a excepção em apreço no  próprio dia da Audiência de julgamento
23.Se o julgamento fosse feito o resultado seria o mesmo, porquanto o sentido da caducidade estava traçado
24.O Julgamento nada iria acrescentar ao entendimento perfilhado pela Meritíssima Juíza “a quo "em sede de caducidade. Se a Magistrada em causa tivesse realizado a audiência de julgamento teria praticado um acto inútil, o que é vedado face ao previsto no artigo 137º do cpc.
25.Pelo que a Juíza “a quo" estava obrigada a tratar deste tema na sentença, como veio a ocorrer.
26.O estado do processo permite conhecer imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, nos casos em que a questão suscitada é apenas de direito, como sucedeu no caso subjudice.
27.O Recorrente teve oportunidade de tentar infirmar o instituto da caducidade no seu articulado Superveniente, não constituindo, por conseguinte, a sentença recorrida uma decisão - surpresa, antes pelo contrário, pois sobre a excepção em causa ambas as partes tiveram ocasião de se pronunciar, havendo-se respeitado, assim, o princípio do contraditório (cfr. artigo 3º/3 do CPC).
28.Para além de a Digníssima jurisdição “a quo" ter feito respeitar o princípio do contraditório antes do proferimento da sentença, também o princípio da igualdade de armas encontrou no caso subjudice pleno agasalho legal, já que ambas as partes, no correspondente articulado (Contestação a Recorrida, e articulado Superveniente o Recorrente) se pronunciaram, de facto e de direito, sobre a excepção da caducidade.
29.Não foram, portanto, minimamente violados os artigos 6º/1 e 3º/3 do CPC, não consubstanciando a sentença em crise uma "decisão-surpresa"
30.A nulidade por excesso de pronúncia a que se reporta a alínea d) do 615Q do CPC reporta-se a questões que as partes não tenham submetido ao escrutínio do Tribunal, o que não é o caso.
31.A Meritíssima Juíza "a quo" não conheceu de algo que não tivesse sido expressamente alegado, pelo que não há excesso de pronúncia.
32.A douta sentença recorrida conheceu da excepção invocada pela Ré e ora Recorrida, pelo que nunca por nunca poderá ter existido a nulidade prevista na alínea d) do artigo 615º do cpc.
33.Nada existe que se possa apontar à douta sentença do tribunal  “a quo ",  não contendo a mesma quaisquer nulidades, nomeadamente a prevista na alínea d) do artigo 615º do CPC, bem como qualquer nulidade por desrespeito ao exarado nos artigos 6º/l e 3º/3 do mesmo Código, tendo a mesma apreciado a excepção de caducidade, de uma forma conscienciosa e fundamentada, sendo que toda a posterior actividade processual nada acrescentaria de pertinente à questão em análise.
34.A caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo.
35.Esta noção pode extrair-se do n.º 2 do artigo 298.º, do Código Civil.
36.O fundamento da caducidade aproxima-se, de algum modo, do da prescrição, pois em ambos os casos se leva em conta a inércia do titular do direito.
37.No caso da caducidade prevalecem sobretudo considerações de certeza e  de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública explica que o prazo de caducidade corra sem suspensão nem interrupção. E pela mesma ordem de razões só o exercício do direito dentro do prazo respectivo impede a sua caducidade .
38.Os factos em análise datam do pretérito ano de 2003, o que nos leva para o âmbito de aplicação da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, como se esclareceu na douta sentença recorrida.
39.E o artigo 331.º n.º 1 do Código Civil estabelece que só impede a  caducidade a prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribua efeito impeditivo.
40.Nos termos do artigo 99.º n.º 1 do C. P. do Trabalho (CPT), o processo  para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho inicia-se com a participação do acidente nos serviços do Ministério Público (artigos 26.º, n.º 4, e 99º/1 do CPT).
41.O que só ocorreu em 25/11/2015
42.O prazo, na caducidade, é condição de admissibilidade e procedibilidade,  por ser elemento constitutivo do direito.
43.O prazo de caducidade é um prazo prefixo que, pressupondo o interesse  na rápida definição do direito, não se compadece com dilações, não comportando a paralisação do direito.
44.Os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem [art.º  328.º do CC].
45.E, se tal prazo respeita ao exercício de uma acção judicial, a única forma  de evitar a caducidade é propor a mesma dentro do prazo [art.º 332º n.º1, do CCl, considerando-se a mesma proposta "( .. ) logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial ( .. )" [art. 259.º n.º1, do CPC].
46.No que respeita às acções emergentes de acidente de trabalho esta regra  sofre um desvio, dado que nos termos do disposto nos artºs 26º, nº 4, e 99º, nº 1 do CPT, a instância inicia-se com o recebimento da participação do acidente.
47.A participação do acidente a juízo é o acto adequado a desencadear os procedimentos legais conducentes à obtenção pelo sinistrado/beneficiários legais das prestações devidas por acidente de trabalho, sendo o único acto com a virtualidade de impedir a caducidade (art.s 331,º 1 do CC).
48.Há situações em que a participação é devida aos sinistrados ou  beneficiários, independentemente da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do acidente resultar a morte, a partir da data desta.
49.A lei permite que a participação do acidente ao tribunal possa também  ser feita facultativamente (art,º 19.2) pelo sinistrado, directamente ou por interposta pessoa [al.a)]; pelos seus familiares [aI. b)]; por qualquer entidade com o direito a receber o valor de prestações [aI. c)]; pela autoridade que tenha tomado conhecimento do acidente sendo o sinistrado um incapaz [al.d}]; e, pelo director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional onde o sinistrado esteja internado tendo o acidente ocorrido ao serviço de outra entidade [aI. e)]( Decreto -Lei nº 143/99, de 30 de Abril)
50.Embora os sinistrados ou os respectivos familiares não estejam obrigados  a participarem o sinistro, o certo é que a necessidade de proceder à participação acaba por se impor em todos os casos em que houve incumprimento do dever de participação por parte das pessoas e entidades  ao mesmo legalmente adstritas, sob pena de caducidade do respectivo direito de acção (Cfr. João Monteiro, op. cit., p. 148).
51.No caso em análise, alegadamente, o Recorrente comunicou o acidente à sua empregadora e esta omitiu a subsequente participação a que estava obrigada, razão pela qual jamais a seguradora de acidentes de trabalho prestou assistência médica ao mesmo.
52.Apesar disso, o Recorrente não reagiu contra essa situação e não apresentou, até ao momento que deu origem a estes autos, a participação facultativa que podia ter apresentado ao abrigo do art. 19º/a) do RLAT/97.
53.É patente que a falta de cumprimento do dever de participar o acidente ao tribunal, por parte de uma entidade empregadora ou seguradora ou do director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional, nos casos em que esse dever de comunicação é obrigatório, pode determinar que se venha a verificar a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo de um ano a que se reporta o artigo 32º da Lei n" 100/97, se entretanto tal participação não vier a ser feita por qualquer outra pessoa ou entidade que disponha dessa faculdade nos termos do artigo 19º ( Acórdão do STJ de 11/10/2005, proferido no processo 05S1695,Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt).
54.Assim, “caberá ao sinistrado ou aos seus familiares o cuidado de saber da tempestividade da participação de acidente de trabalho ao tribunal competente - Tribunal do Trabalho-, para colmatar eventual falta de quem devesse participar ", ex vi do estatuído pela Veneranda Relação do Porto, em Ac. de 29/5/2006, proferido no processo 0611023, disponível em www.dgsi.pt.
55.A falta de participação de acidente de trabalho por quem está obrigado a fazê-la, constitui apenas uma contra-ordenação punível com coima - artigo 67.º, n.? 2, da Lei n.º 143/99, de 30.04).
56.Decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no seu acórdão de 27/6/2011, proferido no processo 271/08.4TTLMG.P1, Relatora Maria Fernanda Pereira Soares, em termos perfeitamente transponíveis para o âmbito de vigência da LAT/97, que "admitindo a possibilidade do não cumprimento da obrigação de participação referida nos artigos 16º e sgs, o legislador veio permitir às pessoas indicadas no artigo 21º do Decreto 360/71 a possibilidade de participar o acidente (a vítima) por si ou por interposta pessoa; os familiares do sinistrado e outros aí indicados). Tal possibilidade de  participação prevista pelo artigo 21º do referido Decreto só pode ser entendida como o modo de fazer chegar ao Tribunal o conhecimento de evento que é susceptível de conduzir à atribuição das prestações/indemnizações previstas na Lei de Acidentes de Trabalho.
57.Por isso, se nem a seguradora ou a empregadora não tomam a iniciativa  de fazer a participação (por razões que aqui e agora não cumpre indicar ou analisar), então, deverão as pessoas referidas no citado artigo 21º tomar essa iniciativa se não querem ver caducado o direito de acção" (Ac citado).
58.O Autor/Recorrente soube que o evento não foi encaminhado para a Seguradora Fidelidade, sendo certo e seguro que nem a aqui Recorrida, nem o Autor e ora Recorrente, participaram à seguradora o que quer que fosse.
59.Soube igualmente que não recebeu desta qualquer tipo de assistência  médica,
60.E, nestas circunstâncias, levou 12 anos a reagir ...
61.Não tendo feito a participação facultativa que podia ter apresentado ao abrigo do art. 19º/a) do RLAT/97.
62.Na ausência de tratamento médico por parte da entidade responsável decorrente do facto de lhe não ter sido participado o acidente, o termo inicial do prazo de caducidade deve fazer-se coincidir com o dia do próprio acidente de trabalho.
63.Ora se, in casu, o "sinistro laboral" teve lugar no dia 21 de Fevereiro de 2003.
64.Logo caducou o direito de acção do Autor/Recorrente por decurso do prazo de um ano.
65.Já que só em 25-11-2015 o Autor/ Recorrente participou o "acidente de trabalho" ao Ministério Público, nos termos do disposto nos artºs 262, nº 4, e 99º, nº 1 do CPT.
66.A caducidade é uma excepção peremptória que implicou a absolvição da Recorrida do pedido, como bem sentenciou o tribunal a quo.
67.Pretende o Recorrente que o prazo de caducidade não se terá iniciado  pois a seguradora não atribuiu "alta clínica" ao suposto sinistrado.
68.A seguradora jamais poderia ter dado ao Recorrente "alta clínica ", na medida em que o evento não lhe foi participado, pelo que esta não deu ao "sinistrado" qualquer tipo de assistência médica.
69.A ser aceite a tese do Recorrente, passaram doze anos sobre o evento, mas poderiam passar 30 ou 40 anos (o Recorrente tem 57 anos e a esperança de vida actualmente tem vindo a subir manifestamente), sem que nunca o prazo de caducidade se iniciasse, já que a seguradora, desconhecendo o evento, estaria impossibilitada de lhe dar "alta clínica"
70.Não parece minimamente razoável e justificado como pretende o Recorrente - atendendo aos fundamentos do instituto da caducidade, mormente o da necessidade de ficar inalteravelmente definida a situação jurídica das partes ao fim de certo tempo- que o prazo de caducidade do direito de acção atinente às prestações infortunísticas previstas na LAT 97, fique ad eternum sem se iniciar, podendo qualquer trabalhador, mesmo sabendo que a seguradora desconhecia o evento, peticioná-las ao fim de dez, doze, ou vinte anos após "o sinistro", com o argumento de que aquela não lhe deu "alta clínica".
71.Tal tese do Recorrente contrariaria frontalmente o regime especial  previsto LAT 2007, bem como o seu desiderato legal, permitindo a manutenção de uma situação de insegurança e incerteza jurídicas que o legislador, manifestamente, não pretendeu que se mantivesse no âmbito das relações jurídico-laborais.
72.Fazemos nosso o douto entendimento proferido na sentença "a quo":
"A data "da cura clínica" é atribuída pela seguradora e o "boletim de alta", é o documento que os serviços médicos da seguradora devem entregar aos sinistrados "Quando terminar o tratamento sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo ( .. )") nele declarando o médico assistente "a causa da cessação do tratamento ou o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem com as razões justificativas das suas conclusões".
73.Portanto, como parece claro, para que se configure uma situação em que seja relevante a data da alta clínica e a entrega do boletim de alta - para se saber quando se inicia a contagem do prazo de caducidade - é necessário  que o sinistro tenha sido levado ao conhecimento da seguradora e que tenha havido acompanhamento do sinistrado por parte dos serviços médicos daquela
74.Não é esse manifestamente o caso dos autos. Neste caso, se porventura  ocorreu o acidente de trabalho e desse facto foi feita comunicação à entidade empregadora ou esta dele teve conhecimento, como alegado na acção, constatando o sinistrado que não era encaminhado para a seguradora, deveria então ter participado o sinistro ao tribunal competente antes de decorrido um ano sobre a data do acidente. Como não o fez, posto que só cerca de doze anos depois do acidente apresentou a participação nos serviços do Ministério Publico, manifestamente caducou o direito de acção por decurso do prazo de um ano.
75.Existe ainda outra razão para a existência deste prazo. É que esteve o  Autor subtraído ao controlo clínico da seguradora, podendo esta agora validamente alegar que não se tratou convenientemente e, dessa forma, contribuiu para o agravamento das sequelas.
76.A caducidade é uma excepção peremptória, cuja verificação importa a absolvição do réu do pedido - artigo 576º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil. “
Finaliza pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

A Ré seguradora também contra-alegou concluindo que “configurando o objecto do recurso apenas matéria que o recorrente invoca como fundamento de pretensa nulidade da sentença, tal matéria não pode ser apreciada uma vez que a arguição de [aliás, inexistente] nulidade da sentença não foi efectuada em requerimento dirigido à Mma. Juiz a quo, conforme o impõe o artº 77º do CPT; assim, não podendo ser conhecida tal arguição, o mesmo é dizer que não pode ser apreciado o presente recurso, sendo que, em todo o caso, a douta sentença está devidamente fundamentada, de facto e de direito, e merece ser confirmada, pelo que, sempre com o devido e indispensável suprimento de V.Exas. Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, deverá ser negado provimento, como é de JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido na forma, modo de subida e efeito adequados.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e de ser confirmada  a sentença recorrida.

Notificadas as partes do parecer não responderam.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso.

Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar as seguintes questões:
- Se deve ser conhecida a alegada nulidade do despacho saneador/sentença e, em caso afirmativo, se este é nulo.
- Se a decisão proferida pelo tribunal a quo consubstancia uma decisão surpresa, com a consequente nulidade do processado.           
- Se o Tribunal a quo errou ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito do Autor intentar a acção.

Fundamentação de facto.
No despacho saneador foram considerados assentes os seguintes factos:
A)O autor é, desde 16 de Agosto de 1990, trabalhador efectivo da 2ª ré e tem a categoria profissional de técnico.
B)Em Fevereiro de 2003 o autor tinha a mesma categoria profissional e auferia a remuneração mensal de € 3.142,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 5,00 e ainda a quantia de € 26,65 a título de subsídio de transporte.
C)O autor nasceu em 25 de Março de 1961.
D)A 2.ª ré nunca pagou ao autor a totalidade das despesas médicas nem de transportes.
E)A 2.ª ré tinha a sua responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho em relação ao autor transferida para a 1ª ré em função da totalidade da retribuição.
F)A 2.ª ré nunca participou à 1.ª ré o evento em causa nestes autos.
G)O autor participou ao Ministério Público junto deste tribunal a ocorrência do acidente de trabalho em 25/11/2015.
H)Nenhuma das rés pagou ao autor qualquer quantia a título de indemnização por incapacidades temporárias.
I)Entre 23/02/2003 e 4/07/2003 o Instituto da Segurança Social, IP pagou ao autor a quantia de € 8.9509923 a título de subsídio de doença.
*

Na sequência da reclamação que foi apresentada pela Ré CCC foi alterada a redacção da al.F) dos factos assentes que passou a ser a seguinte:
“A 2ª Ré nunca participou à 1ª Ré o evento em causa nestes autos, o que era do conhecimento do Autor.”
*

Fundamentação de Direito.

Apreciemos, então, a primeira questão suscitada no recurso e que consiste em saber se deve ser conhecida a alegada nulidade do despacho saneador/sentença e, em caso afirmativo, se este é nulo.
Nas alegações e conclusões que foram dirigidas a este Tribunal, o Recorrente invoca, em resumo, que no dia 3 de Maio de 2017, neste processo, foi proferido um despacho saneador que decidiu que o conhecimento da invocada excepção de caducidade do direito de acção só o seria a final uma vez que a sua apreciação estava dependente de factos controvertidos e, nessa sequência, foram apresentados requerimentos probatórios sobre os quais incidiram vários despachos e designada a audiência de julgamento para dia 16 de Abril de 2018 da qual foram as partes e as testemunhas notificadas. Sucede que, em 23 de Março de 2018, sem realização do julgamento e sem conhecer os factos controvertidos, o Tribunal veio a conhecer de tal excepção, julgando-a procedente, o que lhe estava vedado dado que já não podia alterar o despacho antes proferido, conforme o disposto no artigo 613º nº 3 do CPC.

Consequentemente está a sentença ferida da causa e nulidade prevista na al.d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

Ora, como é sabido, no regime processual laboral existe uma norma especial que regula a arguição das nulidades da sentença e dos despachos - o artigo 77º do CPT.

De  acordo com o nº 1 do referido artigo, “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

Visa tal norma possibilitar ao juiz que proferiu a sentença que se aperceba, de imediato, que foi suscitada a sua nulidade e para que, se for o caso, a possa suprir.

E como escreve o Sr. Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes na obra  “Recursos no Processo do Trabalho Novo Regime”, pag.61 “, Em especial, as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente, como  determina o art.77.º, n.º 1 do CPT, exigência que vem sendo interpretada de forma rigorosa e cujo incumprimento determina o não conhecimento das mesmas”.

Ora, constata-se, em primeiro lugar, que o requerimento de interposição do recurso, contrariando o disposto no artigo 637º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 1º nº 2 al.a) do CPT,  foi dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, quando deveria ter sido dirigido ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida.

Em segundo lugar, verifica-se que o requerimento de interposição do recurso e as alegações constituem um único corpo que se inicia do seguinte modo:
“Exmos. Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa
AAA, A. já identificado nos autos, não se conformando com a douta sentença, vem interpor recurso da mesma, recurso esse que é de apelação junto do Tribunal da Relação de Lisboa e apresenta a suas alegações o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:”
Seguindo-se de forma destacada, sob  o título A possibilidade e oportunidade para se proferir esta sentença e a sua natureza:”, 9 artigos no âmbito dos quais o Recorrente  expõe, sumariamente, os actos praticados pelo Tribunal a quo desde o 1º despacho saneador até que é proferida a decisão recorrida, concluindo no artigo 9º que nos termos do disposto no nº 3 do artigo 613º do CPC aquele Tribunal já não podia alterar o despacho antes proferido, ficando-lhe vedado apreciar este mesmo assunto antes da produção de prova e para concluir, já no artigo 10º, que a sentença está ferida de nulidade, face ao disposto na al. d) do número 1 do artigo 615º do CPC.

Ora, na declaração de interposição do recurso o Recorrente não anuncia que argui nulidades da sentença, arguição que omite em absoluto, nem nas alegações argui a nulidade da sentença de modo destacado por forma a permitir que o Tribunal a quo se tivesse apercebido que estava a ser invocado o dito vício da sentença.

Consequentemente, entendemos que o Recorrente não observou o disposto no artigo 77º do CPT, razão pela qual não pode este Tribunal conhecer da arguida nulidade da sentença, por extemporânea.

Sucede, porém, que, da análise dos fundamentos invocados pelo Recorrente para concluir que a sentença é nula, ressalta que aponta à sentença a violação do disposto no artigo 613º nº 3 do CPC, o que só pode significar que entendeu que o poder jurisdicional já se tinha esgotado aquando da prolação do despacho saneador que conheceu da excepção da caducidade (cfr. conclusão I), realidade que é distinta da mencionada nulidade da sentença.

Ora, uma vez que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º nº 3 do CPC), então cabe apreciar se, como parece pretender o Recorrente, à data da prolação do despacho saneador/sentença, estava esgotado o poder jurisdicional quanto à possibilidade de conhecer-se da alegada excepção de caducidade sem que antes se produzisse prova.

Dispõe o  artigo 613º do CPC:
“1- Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2- É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3- O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”

Sobre o princípio da extinção do poder jurisdicional ensina o Professor Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil Anotado”, Vol.V, pag.126 e 127: “ Qual o alcance e a justificação do princípio?
O alcance é o seguinte: O juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.
Ainda que, logo a seguir, ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.
Convém atentar nas palavras «quanto à matéria em causa», Estas palavras marcam o sentido do princípio referido. Relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se. Mas isso não obsta é claro que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para  tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida. O juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu; cumpre-lhe, por exemplo, prover a todos os actos relativos à interposição e expedição do recurso oposto à sua decisão.
A justificação do princípio a que nos referimos, é fácil de descobrir. O princípio justifica-se cabalmente por uma razão de ordem doutrinal e por uma razão de ordem pragmática.
Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever - o dever jurisdicional- que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento  da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta extinguiu-se pela decisão. E, como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o dever extingue-se e esgota-se.
A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.
Claro que, em julgamentos futuros, o magistrado pode sustentar e adoptar doutrina jurídica diferente da que tenha estabelecido. Mas no mesmo processo a decisão que proferiu vincula-o.
O princípio sofre as limitações a que aludem os artigos 667 a 670º; mas, além destas limitações, há que ter em conta a inflexão ou o desvivo consignado no art.744º, isto é, a faculdade atribuída ao juiz de reparar o agravo. (…)”.

Ora, no caso, o juiz não decidiu no despacho saneador a matéria em causa,  qual seja a da excepção da caducidade do direito do Autor intentar a acção. O que sucedeu é que considerou que tal matéria deveria ser conhecida a final, após produção de prova, por se mostrar controvertida.

Consequentemente e salvo o devido respeito, não vislumbramos que no momento em que foi proferida a decisão recorrida estivesse esgotado o poder jurisdicional quanto a esta matéria, tanto mais que foi deferida a reclamação que foi apresentada aos factos assentes e à base instrutória, do que resulta que os factos já não eram os mesmos  nos dois momentos em causa.

Mas ainda alega o Recorrente que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 595º nº 3 do CPC (conclusão XI).

De acordo com a mencionada norma “ No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na al.b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.”

E o nº 1 als.a) e b) dispõem:
1 O despacho saneador destina-se a:
a)- conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.
b)- Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção peremptória.”

Ora, a excepção da caducidade não foi apreciada em concreto; aliás, o seu conhecimento foi relegado para momento posterior. Donde não é possível afirmar a existência de caso julgado na situação em apreço.
É certo que o nº 4 do artigo 595º do CPC refere que “ Não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer”.

Mas tal não significa que essa decisão formou caso julgado formal. Só adquirem esse estatuto as referidas no nº 3 do artigo 595º do CPC e as que alude o artigo 620º do CPC.

Mas a decisão em causa não cabe no nº 1 do artigo 620º do CPC, sendo que dessa previsão também estão excluídos os despachos de mero expediente e os proferidos no uso legal de um poder discricionário (cfr. artigo 639º nº1 do CC), o que será o caso do despacho em causa.

Em conclusão, podemos afirmar que não há caso julgado posto que a decisão anterior nada decidiu,  pelo que  a decisão recorrida não viola o disposto no nº 3 do artigo 595º do CPC, termos em que, nesta parte, improcede o recurso.
*

Apreciemos, agora, se a decisão recorrida consubstancia uma decisão surpresa, com a consequente nulidade do processado.       
A este propósito invoca o Recorrente, em resumo, que, de qualquer forma, o Tribunal a quo, tendo decidido do mérito no momento em que o fez, depois da prolação do despacho saneador e antes da audiência de julgamento, cometeu uma nulidade processual já que, tendo actuado como actuou, ou seja, não tendo previamente ouvido as partes nos termos e para os efeitos dos artigos 6º, n.º 1, e 3º, n.º 3, ambos do CPC, a sentença assim proferida constituiu uma verdadeira decisão-surpresa, pelo que ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo preteriu o cumprimento de uma formalidade essencial omissão que determina a nulidade de todo o processado, em especial, a nulidade do decidido em 23.03.2018.

Vejamos:

A propósito das nulidades processuais escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Edição, pag. 387 “a nulidade do processo consiste sempre num vício de carácter formal, traduzido num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas (art.201º, 1).
Pode assim dizer-se, com M. Andrade, que a nulidade processual consiste sempre num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos.”

Como se sabe, a lei consagra duas modalidades de nulidades processuais: as nulidades principais e as nulidades secundárias.

As nulidades principais são as que se encontram especificamente previstas na lei e às quais se refere a 1ª parte do nº 1 do artigo 195º, remetendo para as respectivas disposições legais - ineptidão da petição inicial (artº 186º), a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando este deva intervir como parte principal (artº 187º als. a) e b), a preterição de formalidades essenciais à citação (artº 191º), o erro na forma de processo ou no meio processual (artº 193º) e a falta de vista ou exame ao Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º).

Por seu turno, as nulidades secundárias são aquelas a que, genericamente, alude o nº 1 do art.º 195º do CPC onde se dispõe:
“ Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”

Assim, face ao invocado pelo Recorrente, a existir a invocada nulidade processual, estaríamos perante uma nulidade processual secundária.
As nulidades processuais secundárias devem ser arguidas no prazo a que se refere o nº 1 do artigo 199º do CPC, isto é: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.

E a tais nulidades é aplicável a regra geral sobre o prazo prevista no artigo 149º do CPC (10 dias).

Mas se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição (art.199º nº 3 do CPC).

Sucede, por outro lado, que tratando-se de nulidades processuais devem estas ser reclamadas perante o juiz que proferiu a decisão.

Na verdade, as nulidades processuais devem ser arguidas perante o tribunal onde ocorreram e só no caso do reclamante se não conformar com a decisão proferida sobre a arguição de nulidade, então, desta caberá recurso, nos termos gerais e sem prejuízo do disposto no artigo 630º nº 2 do CPC.

E como já afirmava o Professor Alberto dos Reis in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. II, pag.507, “ Dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.

Mas como escrevem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, na obra acima citada, pag. 393, “ (…) se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”, o que, manifestamente, não é o caso.

Regressando ao caso, constata-se que o recurso foi interposto antes de decorrido o prazo de 10 dias, que o processo não foi expedido em recurso antes de findar o prazo de 10 dias e que o Recorrente não reclamou perante o Tribunal a quo, como deveria, do cometimento da alegada nulidade processual.

Sendo assim, resta concluir que, a ter-se verificado a referida nulidade (que não se verificou, posto que a questão da excepção da caducidade foi suscitada por ambas as Rés nas respectivas contestações e o Autor respondeu a ela, não existindo, assim qualquer decisão surpresa) esta já estaria sanada.

Questão diversa será a de saber se existiam elementos suficientes no processo que permitissem que a decisão recorrida pudesse ser proferida no momento em que o foi, o que não cabe apreciar nesta sede.
Concluindo, também nesta parte não procede o recurso.
*

Vejamos, por fim, se o Tribunal a quo errou ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito do Autor intentar a acção.

A este propósito invocou o Recorrente, sem síntese, que não estando determinada a data da alta clínica, nem tendo esta sido formalmente comunicada ao sinistrado, não pode concluir-se no sentido de que “caducou o direito de acção”, que a falta da alta clínica – mesmo em situações em que não haja incapacidade ou lesões – impede qualquer juízo jurídico valorativo sobre tal matéria e, assim sendo, não se pode dar por iniciada a contagem do prazo de um ano estipulado no nº 1, do art. 32º, da LAT/97, matéria que já se encontra claramente, decidida pela mais recente jurisprudência, no Acórdão do S.T.J. (P. 2325/15.1T8OAZ.P1.S1) de 22-02-2017.

Mas previamente, o Recorrente ainda alegou que não estavam verificados os pressupostos para que o Tribunal a quo pudesse ter proferido despacho sentença, o que, para além de constituir uma violação do artigo 595º, n.º 1, alínea b), segunda parte do CPC, impediu que o Recorrente pudesse fazer prova dos factos constitutivos do direito por si alegado, no que radica a violação do direito previsto no artigo 20º da CRP (cfr.conclusão XI).

Vejamos:

Conforme decorre da decisão recorrida esta foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 595.º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil.
O artigo 595º do CPC sob a epígrafe “ Despacho saneador” dispõe na al.a) do nº 1 o seguinte:
O despacho saneador destina-se a:
a)-Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.”

Ora, a caducidade do direito de acção, tal como se afirma no despacho saneador sentença, é uma excepção peremptória cuja verificação importa, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 576º do CPC, a absolvição do réu do pedido.

E sendo assim, a referência ao disposto na al.a) do nº 1 do artigo 595º do CPC só pode resultar de manifesto lapso.

Com efeito, de acordo com a al. b) do nº 1 do artigo 595º do CPC O despacho saneador destina-se a:
b)- Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção peremptória.”

E nos termos da parte final do nº 3 do artigo 595º do CPC, o despacho saneador que conheça de excepção peremptória fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.

A propósito do conhecimento do mérito da causa escreve José Lebre de Freitas na obra “Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, pag.183 a 185: “ O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo.
Tal pode acontecer:
a)- Dos factos alegados pelo Autor (na petição, na eventual réplica e em articulado complementar ou superveniente que porventura tenha tido lugar), ou pelo reconvinte, não se pode retirar o efeito jurídico pretendido (inconcludência do pedido). Em tal situação, é inútil produzir prova para a procedência do pedido. O réu é absolvido do pedido.
b)- Todos os factos em que se funda uma exceção peremptória estão já provados, com força obrigatória plena, por confissão ou documento. Da procedência da exceção resulta a absolvição do Réu do pedido.
c)- Os factos em que se funda a exceção peremptória são inconcludentes, ou estão provados com força obrigatória plena, factos contrários a esses. Da improcedência da exceção peremptória resulta que a ação só prosseguirá para apuramento dos factos que integram a causa de pedir.
d)- Não havendo exceções perentórias, sendo os factos em que estas se fundam inconcludentes ou estando provada, com força probatória plena a inocorrência de alguns desses factos que lhes são contrários), todos os que integram a causa de pedir estão provados, com força probatória plena procedência do pedido). O réu é condenado no pedido.
e)- Está provado, com força probatória plena, que não se verificaram todos ou alguns dos factos que integram a causa de pedir, sendo, no segundo caso, os restantes insuficientes para a procedência do pedido, pelo que é inútil fazer prova sobre eles (improcedência do pedido). O réu é absolvido do pedido.”

Em suma,  no despacho saneador, o juiz pode apreciar total ou parcialmente os pedidos deduzidos ou alguma excepção peremptória sempre que não haja necessidade de mais provas. Ou seja, se um olhar sobre o processo permitir concluir que este já contém todos os elementos que habilitam o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa sobre o mérito da causa, não apenas à luz do entendimento que perfilha, mas também de outras soluções plausíveis de direito, o juiz deve proferi-la.

Com efeito, tal como anteriormente se previa para o questionário, “ Se a questão de direito suscitada entre as partes admitir na doutrina, ou na jurisprudência, mais de uma solução (v.g., porque em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes), o questionário deve adaptar-se às necessidades de todas elas quanto à matéria de facto, em lugar de se cingir apenas à solução eventualmente perfilhada pelo juiz da causa.”- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, na obra acima citada, pag.417, entendemos que esta orientação deve ser transposta para o caso de se considerar que já é possível conhecer do mérito da causa.

Ora, o Tribunal a quo entendeu que os autos já comportavam todos os elementos necessários ao conhecimento da excepção de caducidade do direito de interpor a acção.

Tal decisão fundamentou-se, essencialmente, no entendimento preconizado:
No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.3.2015, no qual a ora relatora interveio como 2ª adjunta e em cujo sumário se escreve: I.- Qualquer pessoa de normal diligência que efectivamente fosse vítima de um acidente de trabalho, mantendo lesões que atribui a consequência desse evento, caso necessitasse de apoio médico, medicamentos, tratamentos e de realizar exames de diagnóstico e tivesse comunicado à sua entidade empregadora, não teria deixado de reagir, pois como é óbvio, não tendo sido encaminhada para a seguradora para quem estivesse transferida a responsabilidade infortunística, logo perceberia, diremos até, forçosamente, que não fora feita qualquer comunicação aquela entidade nem qualquer participação ao tribunal. II.- A A. é uma pessoa de normal diligência, provavelmente até muito mais apta a reagir nessas circunstâncias do que a maioria dos trabalhadores sinistrados, pois não se pode esquecer que era directora financeira da R. III.- A data “da cura clínica” é a atribuída pela seguradora e a o “boletim de alta”, é o documento que os serviços médicos da seguradora devem entregar aos sinistrados “Quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo (..)”, nele declarando o médico assistente “a causa da cessação do tratamento ou o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem com as razões justificativas das suas conclusões”. IV.- Para que se configure uma situação em que seja relevante a data da alta clínica e a entrega do boletim de alta - para se saber quando se inicia a contagem do prazo de caducidade - é necessário que o sinistro tenha sido levado ao conhecimento da seguradora e que tenha havido acompanhamento do sinistrado por parte dos serviços médicos daquela. V.- Não é esse manifestamente o caso dos autos. Neste caso, se porventura ocorreu o acidente de trabalho e desse facto foi feita comunicação à entidade empregadora ou esta dele teve conhecimento, como alegado na acção e aqui reafirmado, constatando a sinistrada que não era encaminhada para a seguradora e ocorrendo o quadro que descreveu e já referimos, deveria então ter participado o sinistro ao tribunal competente antes de decorrido um ano sobre a data do acidente. VI.- Como não o fez, posto que só cerca de sete anos depois do acidente apresentou a participação nos serviços do Ministério Público, manifestamente caducou o direito de acção por decurso do prazo de um ano;
No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.5.2016, em cujo sumário se escreve “I- O direito de acção emergente de acidente de trabalho caduca no prazo de um ano, a contar da data da alta clínica ou, se do evento resultar a morte, a contar desta. II- Porém, a data da alta clínica e da entrega do correspondente boletim de alta só releva para efeitos de fazer coincidir com a mesma o termo inicial do prazo de caducidade nos casos em que se levou o acidente de trabalho ao conhecimento da seguradora de acidentes dessa natureza e em que subsequentemente a mesma seguradora tenha prestado ao sinistrado acompanhamento clínico. III- Naqueles casos em que à seguradora não foi participado o acidente e em que por isso a mesma não conferiu ao sinistrado qualquer tipo de assistência médica, nem alta clínica, o termo inicial do prazo de caducidade deve fazer-se coincidir com o dia do próprio acidente de trabalho. IV- A falta de participação obrigatória do acidente de trabalho não suspende nem interrompe o prazo de caducidade.
Este Acórdão contém um voto de vencido do seguinte teor: “Daria provimento ao recurso. Considero que a expressa previsão legal do início da contagem do prazo de caducidade, a partir do dia seguinte ao da comunicação do boletim de alta, não só exclui a aplicação da lei geral, como não autoriza a interpretação restritiva aos casos em que tenha sido emitido boletim de alta pela seguradora, por lhe ter sido devidamente participado o acidente pelo empregador.
Com efeito, não só o intérprete não está autorizado a distinguir onde a lei não distingue, como tal interpretação viola, em última análise, o direito constitucionalmente garantido da justa reparação infortunística laboral, como além do mais introduz uma aplicação casuística da lei.
Por outro lado, ao retirar da faculdade de participação do próprio sinistrado o argumento de que este deve presumir, na passagem do tempo, que o empregador não cumpriu o seu dever de participar obrigatoriamente, e através dessa presunção onerar o sinistrado com as consequências do omissão do comportamento devido do empregador - ou seja, com a preclusão do seu direito à reparação das consequências do acidente sofrido - viola o equilíbrio de interesses plasmado pelo legislador ordinário e constitucional, acarretando um ónus injusto e excessivo sobre o sinistrado, pois a solução adoptada nem sequer obedece ao princípio geral da contagem do prazo de caducidade - exercício do direito a partir do momento em que ele é possível - e pelo contrário, acaba a redundar na criação de uma outra norma: contagem do prazo de caducidade a partir da data do acidente. Ora, como a caducidade não se suspende nem interrompe, a norma assim criada não acautela a posição dos sinistrados que hajam, a partir do dia do acidente, sofrido períodos, mais ou menos longos, de incapacidade temporária absoluta, onerando-os, mesmo nessa condição de impossibilidade, com o dever de participarem eles mesmos o acidente, quando, voltamos a repetir, a participação prevista na lei é meramente facultativa”.

Deste Acórdão foi interposta revista, tendo o STJ, no seu Acórdão de 22.2.2017, in www.dgsi.pt, citado pelo Recorrente, julgado procedente a revista e revogado a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.
No Acórdão do STJ de 11.10.2005 em cujo sumário lemos: I- A caducidade do direito de acção respeitante às prestações indemnizatórias por acidente de trabalho, a que se refere a Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, interrompe-se com a participação do acidente ao tribunal, sendo irrelevante, para o efeito, que a entidade seguradora tenha incumprido o dever de comunicação que lhe é imposto pelo artigo 18º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril;II- É ao sinistrado ou aos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei que incumbe o ónus de desencadear o efeito impeditivo da caducidade, visto que são eles os que directamente beneficiam dos efeitos indemnizatórios e têm interesse no exercício do direito de acção. III- Para o efeito de assegurarem o exercício tempestivo do direito de acção, o sinistrado e os beneficiários dispõem da faculdade de efectuarem, por sua própria iniciativa, a participação do acidente, que lhes é conferida pelo artigo 19º do Decreto-Lei nº 143/99.”

Do exposto, decorre que o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo não é pacífico, nem configura  a única solução plausível de direito no que se refere à caducidade do direito de interpor a acção.

Com efeito, para além dos arestos citados, mais recentemente e não obstante versar sobre a Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, mas cujo entendimento se pode transpor para as equivalentes normas da Lei nº 100/97, escreve-se no sumário do Acórdão deste Tribunal de 23.5.2018, in www.dgsi.p.” I– A LAT/2009 estabelece nos arts. 86º a 92º um compreensivo sistema de participações obrigatórias e facultativas do sinistro laboral em que cada interveniente tem obrigações/deveres específicos e próprios. II– Participado o acidente pelo sinistrado ao empregador, este, caso tenha transferido a sua responsabilidade para uma seguradora e sob pena de responsabilidade por perdas e danos, tem de participar a esta última a ocorrência do acidente no prazo de 24 horas. III– Se o sinistrado cumprir a sua obrigação de participar tempestivamente o acidente ao empregador, enquanto a seguradora não lhe comunicar a sua alta clínica (ou que não lhe reconhece quaisquer lesões incapacitantes), o prazo de caducidade de um ano não começa a correr, tenha o empregador participado o acidente à seguradora, ou não.”

Ou seja, de acordo com este entendimento, a pedra de toque situa-se no facto do sinistrado ter participado ao empregador, ou não, o acidente.

Com efeito, como se refere neste aresto, “Se o autor/sinistrado fez a participação  à ré/empregadora, esta tinha a obrigação de participar à ré/seguradora (art. 87º-1-da LAT/2009) e a seguradora a obrigação de participar ao tribunal em caso de IPP (art. 90º da LAT/2009) e, portanto, a caducidade prevista no art. 179º da LAT/2009 não será aplicável ao autor/sinistrado.
Mister é saber-se se o autor/sinistrado, efectivamente, cumpriu a sua obrigação legal e comunicou o acidente de trabalho à ré/empregadora.”

Ora, no caso dos autos, o Autor alegou que participou o acidente à sua entidade empregadora, o que esta nega, pelo que esta factualidade está controvertida e, por isso, na base instrutória questionou-se sob os pontos 14 e 15 se  “14.O autor comunicou à 2.ª ré o evento descrito supra imediatamente após o mesmo ter ocorrido?15. Apenas em 11 de Março de 2015, através de mensagem via correio electrónico, junta a fls. 305 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o autor participa à ré ter sofrido um acidente de trabalho em 2003?

Assim, tratando-se de matéria que está controvertida e sendo certo que o conhecimento do mérito da causa só pode ter lugar quando o processo contenha todos os elementos que permitam o seu conhecimento e que possam suportar  as várias soluções que se lhe apresentam e não apenas a que o juiz perfilha, sendo claro que, como já afirmámos, o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo não é o único possível, então, não podia o Tribunal a quo ter decidido da alegada excepção com base nos elementos que então possuía, na medida em que estes se revelavam insuficientes face às demais soluções plausíveis de direito.

Em consequência, impõe-se a revogação da decisão recorrida.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando que os autos prossigam os seus ulteriores termos.
Custas da apelação pelas Rés.



Lisboa, 11 de Julho de 2018



Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
José Feteira