Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14089/18.2T8LSB-A.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
CRITERIOS LEGAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A lei consagrou o critério do fluxo de caixa para avaliação da incapacidade/impossibilidade de cumprimento com que define a insolvência, pelo que, estão em situação de insolvência as entidades com fundo de maneio negativo e tesouraria negativa, mesmo que possuam ativos valiosos, mas não geradores de fluxos de caixa para honrar as suas obrigações contraídas.
2. A existência de ativo inferior ao passivo é legalmente apta a indiciar a situação de insolvência (cfr. art. 3º, nº 2 e 3 e 20º, nº 2, al. h), porém, o contrário já não sucede, ou seja, a existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade nem sequer indício como tal legalmente previsto pois que, ainda que assim suceda, a devedora é insolvente se, não obstante, estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

A…., com sede em …., instaurou a presente ação especial contra B…., Lda. - Em Liquidação, com sede na Rua ..., peticionado a declaração da insolvência desta.
Fundamentou o pedido alegando, em síntese, que é credora da requerida pelo montante de € 29.115,44 a título de contribuições condominiais referentes a várias fracções urbanas de que esta era proprietária e que não paga desde o ano de 2005, que não conseguiu obter qualquer pagamento nas duas execuções que para o efeito e a partir de 2008 instaurou contra a requerida para cobrança das quantias de € 20.706,79 e € 7.554,72, sendo provável que nelas não venha a auferir qualquer quantia porque o agente de execução concluiu pela ausência de bens penhoráveis, provavelmente face às inúmeras penhoras registadas nos imóveis.
Mais alegou que para além daquelas a requerida tem contra si pendentes mais duas execuções judiciais para cobrança das quantias de € 4.962,01 e € 5.742,23, e execuções fiscais para cobrança das quantias de € 4.852,98, €506,52 e € 1.872,51, no âmbito das quais vigoram penhoras registadas sobre as duas frações que permanecem no imobilizado da requerida, que em 29.11.2010 foi inscrita no registo a dissolução da requerida sem  que até hoje tenha sido encerrada a liquidação, e que a requerida não apresenta contas desde o ano de 2007. 
Concluiu que a requerida se encontra em situação de insolvência nos termos do disposto no art. 20º, n. 1, als. a), b), e), g) e h) do CIRE.
Citada a requerida deduziu oposição à ação por exceção pedindo seja absolvida da instância com fundamento em falta de personalidade jurídica que, conforme alega, decorre do facto de já ter sido dissolvida, e por impugnação, alegando que não deve à requerente o montante por esta indicado e que as deliberações dos condómino são inválidas, que os valores das execuções contra si instauradas e identificadas na petição são irrisórios no confronto com o valor superior dos ativos de que é proprietária que, entre fracções autónomas, bens móveis e créditos sobre clientes, totaliza cerca de € 999.000,00 (€ 400.000,00, € 237.000,00, e € 362.000,00, respetivamente), acrescentando que todos os créditos exequendos se encontram assegurados pelas penhoras registadas nas execuções, inexistindo fundamento para a declaração da insolvência.
Conclui pela improcedência do pedido.
Em sede de saneamento da ação foi julgada improcedente a exceção dilatória da falta de personalidade jurídica invocada pela requerida, e proferido despacho com enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova.
Realizada audiência de julgamento com produção da prova requerida, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, declarou a insolvência de B…., Lda. – Em liquidação, e fixou a residência de C…. na qualidade de gerente da requerida.
Inconformada com o sentido da decisão, a requerida dela interpôs o presente recurso requerendo a revogação da sentença recorrida e a declaração de que a requerida é detentora de um ativo superior ao passivo, encontrando-se dissolvida desde 29.11.2010.
Fundamente a instância recursória invocado erro de julgamento da matéria de facto descrita sob o ponto 3 e deficiente fundamentação da decisão, e sob a epígrafe ‘conclusões’ reproduz quase na integra o teor das alegações de recurso pelo que, suprindo nesta parte a referida deficiente prestação processual da apelante, sintetizam-se as conclusões do recurso no seguinte:
A) O tribunal errou no julgamento do ponto 3 dos factos provados, do qual consta que a gerência da requerida é exercida por C….., posto que a requerida foi dissolvida em 2010 e com a dissolução cessam todos os poderes dos gerentes da sociedade, requerendo a supressão daquela menção dos factos provados.
B) O tribunal fundamentou deficientemente a decisão porque:
i) no confronto entre o valor de mercado dos imóveis descritos na sentença, de € 250.000, e as dívidas identificadas nos autos, que o tribunal recorrido considerou não avultado, resulta manifesto que o ativo da requerida é muito superior ao seu passivo, elementos dos quais resulta demonstrada uma situação de solvência;
ii) consta consignado na sentença que desde 2007 que a requerida não regista nem deposita as suas contas, sendo que a sociedade não tem obrigação legal de as prestar por encontrar-se dissolvida, tendo apenas obrigação de proceder à liquidação do património e ao pagamento das suas dívidas no prazo legal, e de proceder ao registo do encerramento da liquidação;
iii) O tribunal recorrido concluiu na sentença que “está indiciada a insolvência da requerida”, sendo que a situação de solvência ou insolvência deve encontrar-se documentada e demonstrada de forma inabalável, e não apenas indiciada, cabendo ao requerente o ónus de demonstrar o seu crédito e a impossibilidade da requerida proceder ao seu pagamento, sendo que os autos demonstram que todos os débitos da requerida se encontram garantidos por penhoras sobre bens de valor venal muito superior ao somatório de todas as quantias exequendas e custas das execuções, concluindo-se por isso que a manutenção da situação de não pagamento de tais créditos se deve à inercia processual de tais execuções, pela qual a requerida não é responsável posto que sequer deduziu embargos.
O requerente da insolvência apresentou contra-alegações, pelas quais argumentou, em síntese, que:
A) A requerida alteração à matéria de facto é inócua porquanto, além de o indicado na sentença ter sido de facto e de direito gerente/administrador da recorrente, e apesar de após a dissolução da sociedade os membros da administração se transformarem em liquidatários, nos termos do disposto no art. 152° n° 1 do CSC, estes têm em geral, os deveres, poderes e a responsabilidade dos membros do órgão da administração da sociedade, in casu, o(s) gerente(s), pelo que, apesar de não se falar em gerente da sociedade porque a mesma está dissolvida, o respetivo liquidatário tem os mesmos poderes que o gerente.
B) No decurso da instância resultou provado e demonstrado documentalmente que um dos dois imóveis dos quais a requerida era proprietária e que identificou na petição foi vendido em 2018 em sede de execução fiscal, e que o outro detém ónus constituídos sobre o mesmo; os valores que peticiona não estão garantidos por penhoras porque, conforme consta dos factos provados descritos na sentença recorrida, o imóvel que garantia os créditos da respondente foi vendido em sede de execução fiscal, perdendo, pois, a apelada qualquer garantia sobre os créditos em apreço nos presentes autos; ao momento da prolação da decisão recorrida o ativo da sociedade já não era integrado pelos dois imóveis (no invocado valor de € 250. Euros) mas apenas um que permanece para responder pelos créditos que venham a ser reclamados e que, alguns, foram considerados na decisão recorrida; contrariamente ao invocado pela recorrente, do art. 155°, nº 1 e 2 do CSC resulta que os liquidatários devem prestar contas da liquidação nos três primeiros meses de cada ano civil nos termos prescritos para os documentos de prestação de contas da administração, com as necessárias adaptações; nos termos do art. 3° n° 1 do CIRE, não se encontra em situação de insolvência apenas aquele que tem um passivo superior ao ativo, mas aquele que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, sendo que ficou demonstrado que desde há muito anos que a insolvente não tem capacidade para pagar os créditos dos seus credores, concluindo pela demonstração da situação de insolvência da recorrente e pela improcedência da ação.
II – Objeto do recurso – Questões a apreciar:
É consensual que o objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, que delimitam o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), delimitação que, porém, opera sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha nos temos do arts. 608º, nº 2, ex vi art. 663º, nº 2, ambos do CPC.
De acordo com as conclusões da apelante supra sintetizadas, pelos presentes autos de recurso vêm submetidas a apreciação as seguintes questões:
1. Erro de julgamento do facto descrito sob o ponto 3 dos factos provados;
2. Deficiente fundamentação da decisão recorrida.
3. (In)suficiência da matéria de facto para concretização dos pressupostos da situação de insolvência.
III – Fundamentação
A - Consta da sentença recorrida:
A1 – Em sede de fundamentação de facto, os seguintes factos assentes e julgados provados:
1. A Requerida…, Lda. - Em liquidação, é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objecto social a compra, venda, revenda e administração de propriedades.
2. A Requerida possui um capital social de € 500.000,00, distribuído da seguinte forma:
a) O sócio C…. é titular de uma quota no valor de € 477.000,00;
b) O sócio C…é titular de uma quota no valor de € 23.000,00.
3. A gerência da Requerida é exercida por C….
4. Em 29.11.2010, pela AP. n.° 8, foi registada a dissolução da Requerida.
5. Até ao momento, ainda não se encontra registado o encerramento da liquidação da Requerida.
6. A Requerida é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao rés-do-chão, para comércio, serviços e similares de hotelaria, do prédio urbano …, sito na descrita na Conservatória….
7. Sobre o imóvel descrito em 6) estão registadas:
a) Pela AP. 1622 de 2011/12/28, penhora a favor de AP….., no âmbito do processo executivo n.° …… Juízo da Secretaria Geral de Execuções de L… em que é executada a Requerida, sendo a quantia exequenda de € 4.962,01;
b) Pela AP. 134 de 2012/11/27, penhora a favor do……, no âmbito do processo executivo n.° Juízos de Execução do Tribunal Judicial…, em que é executada a Requerida, sendo a quantia exequenda de € 5.742,23;
c) Pela AP. 5360 de 2014/06/19, penhora a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviço de Finanças de …, no âmbito do processo de execução fiscal n.° …. e apensos, em que é executada a Requerida, sendo a quantia exequenda de € 2.426,49;
d) Pela AP. 6539 de 2014/06/19, penhora a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, … no âmbito do processo de execução fiscal n.°, em que é executada a Requerida, sendo a quantia exequenda de € 506,52; e
e) Pela AP. 6758 de 2014/06/19, penhora a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira,  da execução fiscal e apensos, em que é executada a Requerida, sendo a quantia exequenda de € 2.426,49.
8. Pela AP. 21 de 2007/04/20, foi registada a favor da Requerida a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão, para comércio, serviços e similares de hotelaria, do prédio urbano ….sito em ….
9. Sucede que o imóvel descrito em 8) foi adquirido por I…no âmbito de compra em processo de execução movido contra a Requerida, sob o n.°… instaurado pelo Serviço de Finanças de … encontrando-se a respectiva aquisição registada a favor daquela sociedade pela AP. 4408 de 2018/06/15 (conversão em definitiva da AP. 2393 de 2018/05/17).
10. Sobre o imóvel descrito em 8) estavam registadas:
a) Pela AP. 42 de 2008/05/09, arresto a favor da Requerente, pela quantia de € 18.095,56, convertido em penhora pela AP. 13 de 2008/06/27;
b) Pela AP. 2531 de 2012/06/19, penhora a favor da Fazenda Nacional, Serviço de Finanças de …., no âmbito do processo de execução n.° .. e apenso, em que é executada a Requerida, sendo a quantia exequenda de € 1.872,51;
c) Pela AP. 134 de 2012/11/27, penhora a favor da C…., no âmbito do processo executivo n.° …, em que é executada a Requerida, sendo a quantia exequenda de € 5.742,23; e
d) Pela AP. 5537 de 2014/06/19, penhora a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, ….. no âmbito do processo de execução fiscal n.° ..e apensos, em que é executada a Requerida, sendo a quantia exequenda de € 2.435,73.
11. Os imóveis descritos em 6) e 8) têm um valor de mercado na ordem dos € 250.000,00.
12. Presentemente, a Requerida é devedora ao Requerente da quantia global de € 29.115,44, a título de contribuições de condomínio devidas desde o ano de 2005.
13. O Requerente intentou contra a Requerida as seguintes acções executivas:
a) Processo n.° 437/14.8T8SLV, a correr termos no Juízo de Execução de …., do Tribunal Judicial da Comarca de …., sendo o título executivo uma sentença judicial condenatória por dívidas do condomínio e a quantia exequenda no montante de € 20.706,79; e
b) Processo n.° 1639/16.8T8SLV, a correr termos no Juízo de Execução de …. do Tribunal Judicial da Comarca de…, sendo o título executivo uma acta da assembleia de condóminos e a quantia exequenda no montante de € 7.254,72.
14. No âmbito do processo executivo n.° 437/14.8T8LSV, a correr termos no Juízo de Execução de .., do Tribunal Judicial da Comarca de …, no apenso A, foi reconhecido à Requerente um crédito no montante da quantia exequenda, a graduar após o crédito reconhecido à Segurança Social e antes do crédito reconhecido ao credor "Condomínio do ….no montante de € 7.157,83, por sentença proferida em 03.04.2018 e registada em 10.04.2018.
15. No âmbito do processo executivo n.° …., foi o Requerente notificado, em 19.04.2018, pelo Agente de Execução de que “Não tendo sido possível determinar a existência de bens penhoráveis, deve proceder à sua indicação no prazo de dez dias, nos termos do artigo 750.° do Código do Processo Civil (CPC), requerendo o que tiver conveniente”.
16. Até à data, o Requerente não logrou receber quaisquer quantias provenientes de tais processos executivos.
17. Desde o ano de 2007, que a Requerida não regista nem deposita as suas contas.
18. A Requerida tem dívidas à Fazenda Nacional com mais de 6 meses de crédito vencido.
Em sede de motivação da decisão de facto, a Mmª Juiz a quo consignou que Os factos vertidos nos pontos 1), 2), 3), 4), 5) e 17) encontram-se plenamente provados, em face do teor da certidão permanente actualizada do registo comercial da Requerida, constante de fls. 55 a 57 dos autos.
A2 - Em sede de fundamentação de direito da decisão recorrida, o enquadramento jurídico dos factos foi materializado pela Mmª Juiz a quo nos termos que parcialmente se transcrevem:
Estão em causa os denominados factos-índices cuja alegação e prova competem ao requerente da insolvência, criando uma presunção de insolvência, que caberá ao devedor ilidir, de acordo com o n.° 4 do artigo 30.° do CIRE, do qual resulta que é ónus do devedor "provar a sua solvência”.
Neste sentido, "as diversas alíneas artigo 20°, n° 1, do CIRE estabelecem factos presuntivos da insolvência que tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efectiva de situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência...Compete ao devedor trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir, ilidindo a presunção emergente do facto-índice” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.04.2010, processo n.° 1577/08.8TBALQ-C.L1-8, disponível em www.dgsi.pt).
Exige-se, assim, ao requerente (quando não é o próprio devedor) somente a demonstração de que, com toda a probabilidade, os factos alegados estão ligados à incapacidade do devedor para solver pontualmente as suas obrigações.
Por sua vez, o devedor pode impedir a declaração de insolvência por uma de duas vias, a saber (i) demonstrando que não se verifica qualquer dos invocados "factos índice”, ou (ii) demonstrando que, não obstante a ocorrência desse(s) facto(s), não se verifica, no caso concreto, a situação de insolvência (artigo 30.°, n.° 3 do CIRE) (cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, I Volume, p. 133).
Posto isto, cumpre começar por averiguar se os factos dados como provados fazem presumir a insolvência da Requerida.
Ora, no caso dos autos, resulta do quadro factual traçado em juízo que o Requerente detém sobre a Requerida créditos emergentes de contribuições de condomínio devidas desde o ano de 2005 e que, presentemente, perfazem o montante global de € 29.115,44.
Mais se apurou que o Requerente intentou contra a Requerida duas acções executivas, que se encontram a correr termos sob n.° 437/14.8T8SLV, no Juízo de Execução de …, em que é título executivo uma sentença judicial condenatória por dívidas do condomínio e a quantia exequenda no montante de € 20.706,79 e bem assim sob o n.° 1639/16.8T8SLV, no Juízo de Execução de…, em que é título executivo uma acta da assembleia de condóminos e a quantia exequenda no montante de € 7.254,72.
Sucede que, conforme se apurou, até à data, o Requerente não logrou receber quaisquer quantias provenientes de tais processos executivos, tendo o Agente de Execução, no âmbito do processo executivo n.° 1639/16.8T8SLV, notificado o Requerente para a impossibilidade de determinar a existência de bens penhoráveis.
Acresce que os únicos bens conhecidos à Requerida eram as duas fracções autónomas designadas pelas letras “B” e “C”, do prédio urbano "E….”, imóveis melhor identificados nos pontos 6) e 8) dos factos provados.
Porém, sobre tais imóveis incidem um conjunto de penhoras, a favor de diversas entidades, entre elas, a Fazenda Nacional, penhoras essas que já se encontram registadas desde os anos de 2008, 2011, 2012 e2014.
Ademais, apurou-se que a fracção autónoma designada pela letra “B” foi entretanto alienada a outra sociedade, no âmbito de um processo de execução fiscal movido contra a Requerida, instaurado pelo Serviço de Finanças.
Pelo que, actualmente, o único bem conhecido da Requerida é a fracção autónoma designada pela letra “C”, sobre a qual recaem as penhoras já referidas e melhor identificadas no ponto 7) dos factos provados.
Assim, pese embora o valor das dívidas apuradas da Requerida não ser avultado, a verdade, é que atendendo ao número de penhoras e à data de registo das mesmas, constata-se que a Requerida vem arrastando a situação de incumprimento para com os seus credores, incluindo a Fazenda Nacional.
Acresce que ainda se apurou a existência sobre a Requerida de um crédito da Segurança Social reconhecido por sentença judicial proferida no âmbito do processo n.° …..
Também está provado que a Requerida desde o ano de 2007 não regista nem deposita as suas contas, sendo que o registo da sua dissolução é de Novembro de 2010.
Finalmente, desde 2010 que a Requerida está em situação de dissolução e, até ao momento, decorridos cerca de nove anos, ainda não se demonstra registado o encerramento dessa dissolução.
De tudo o exposto conclui-se que está indiciada a insolvência da Requerida nos termos das alíneas a), c), e) do n.° 1 do artigo 20.° do CIRE.
Cabia, pois, à Requerida demonstrar a sua situação de solvência, justificando de forma séria e razoável os apontados incumprimentos, ou seja, ilidindo a presunção emergente dos factos-índice (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.05.2012, processo n.° 716/11.6TBVIS.CA, disponível em www.dgsi.pt).
Porém, não logrou a Requerida fazer tal prova.
Pelo que, ponderando a natureza, a data de vencimento e o montante da dívida da Requerida para com o Requerente; a existência de processos executivos instaurados contra a Requerida pelo Requerente, sem que, até ao momento, fosse obtido qualquer valor, tendo o Requerente sido notificado para a indeterminação de bens penhoráveis; a existência de outras dívidas, nomeadamente junto das Finanças e da Segurança Social e, ainda, a exiguidade do património da Requerida, sobre o qual recaem um conjunto de penhoras registadas já antigas, e bem assim a circunstância da Requerida se manter em situação de dissolução desde 2010 sem que se mostre ainda registado o encerramento da liquidação, julgamos ser inequívoca a verificação dos factos presuntivos da insolvência enunciados no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a), b), e e) do CIRE, que não foram infirmados, encontrando-se a Requerida em situação de manifesta impossibilidade de cumprimento generalizado das suas obrigações já vencidas.
Está, assim, verificada a situação de insolvência da Requerida.
Por último, deve notar-se que a Requerida é uma pessoa colectiva que se encontra dissolvida. É certo que, nos termos do artigo 146.° do Código das Sociedades Comerciais ("CSC”), uma sociedade dissolvida entra de imediato em liquidação. Todavia, enquanto perdurar a liquidação, a sociedade mantém a sua personalidade jurídica e, consequentemente judiciária, que só finda com a sua extinção, o que ocorre com o registo de encerramento da liquidação (cfr. artigos 146.°, n.° 2 e 160.°, n.° 2 CSC). Por conseguinte, uma sociedade comercial dissolvida, até ao registo do encerramento da respectiva liquidação, pode ser objecto de processo de insolvência.
Ora, no caso em apreço, conforme resulta da factualidade dada como provada, até ao momento, ainda não se encontra registado o encerramento da liquidação da Requerida, pelo que o facto de estar em situação de dissolução não é impedimento para a declaração de insolvente.
B) Do erro de julgamento do facto descrito sob o ponto 3 da matéria de facto
Dispõe o art. 607º, 4 do CPC que Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Acrescenta o nº 5 que O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, prevê o art. 662º, nº 1 do CPC que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Conforme consta exarado em sede de fundamentação de facto da sentença recorrida, o facto ali descrito sob o ponto 3 - A gerência da Requerida é exercida por Carlos Alberto de Brito Paixão – teve como (única) fonte probatória a certidão permanente atualizada do registo comercial da requerida/apelante (junta em 10.05.2019 pela requerente dos autos).
A apelante requer a supressão de tal facto alegando que com a dissolução da sociedade cessam todos os poderes dos gerentes da sociedade, ao que o apelado contrapõe o art. 151º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, nos termos do qual Salvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida.
De realçar antes de mais a irrelevância do facto em questão na apreciação do pedido de insolvência, e, consequentemente, no sentido da decisão que sobre o mesmo recaiu, posto que a identificação do gerente, por si só, não integra um qualquer elemento de facto concretizador de um qualquer pressuposto ou facto-índice da situação de insolvência previstos pelos arts. 3º e 20º do CIRE. Assim sendo, a constatada irrelevância deixaria prejudicado o pedido de reapreciação de facto por conduzir a um resultado inútil (nesse sentido, acórdão da Relação de Guimarães de 28.06.2018, proferido no   proc. 2476/16.5T8BRG.G1, relatado Maria João Matos: Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).
Não obstante, ainda que não constitua elemento relevante para a apreciação de mérito do pedido, a identificação do administrador da insolvente constitui elemento devido inscrever na sentença que declara a insolvência, conforme o prevê o art. 36º, nº 1, al. c) do CIRE. Por isso, e considerando a panóplia de implicações processuais e materiais que daquela qualidade de administrador/gerente emergem para o próprio no âmbito do processo, não se poderá afirmar como absolutamente irrelevante a apreciação da impugnação da matéria de facto deduzida pela apelante.
Conforme arts. 14º e 17º, nº 2 da Portaria nº 1416-A/2006, de 19.12, diploma que criou a certidão permanente, esta corresponde a disponibilização, em suporte eletrónico e permanentemente atualizado, da reprodução dos registos em vigor respeitantes a uma sociedade ou outra entidade sujeita a registo, e equivale, para todos os efeitos, à entrega de uma certidão do registo comercial. Trata-se assim de documento com valor probatório pleno relativamente aos factos que deles constam, conforme arts. 369º e 371º, nº 1 do Código Civil, e que, correspondendo a prova legal por vinculativo para o julgador o teor que dele consta, constitui exceção ao princípio da livre apreciação da prova.
Consta da certidão permanente do registo comercial da apelante que em 27.01.2010 foi requerida a inscrição no registo da deliberação de 30.12.2009 pela qual foi transformada de sociedade anónima para sociedade por quotas, tendo sido nomeado gerente, Carlos Alberto de Brito Paixão, que ali consta inscrito como sócio maioritário, e que até àquela data constava inscrito como membro do conselho de administração.
Considerando que o ponto 3 dos factos provados tem como fonte única e exclusivamente o teor da referida certidão, deveria então cingir-se aos elementos objetivos que dela constam, nos termos supra descritos, posto que, para além de consubstanciar um juízo conclusivo, a semântica da expressão utilizada na formulação do facto provado - A gerência da Requerida é exercida – tem como ideia associada o exercício de facto de uma atividade social, sendo certo que a sociedade encontra-se dissolvida, que juridicamente tal situação pressupõe cessação da atividade (exceto  a atividade de liquidação e de prestação de contas), e que as partes não alegam que a mesma se mantém de facto em exercício de atividade, facto que não surge controvertido nem foi equacionado nos autos.
Assim, dando parcial provimento ao recurso para impugnação da matéria de facto, reformula-se o ponto 3 dos factos provados, que passará a constar com a seguinte redação:
 3. Do registo comercial da requerida consta inscrito como único gerente da insolvente Carlos Alberto de Brito Paixão, nomeado por deliberação de 30.12.2009.
C) Da deficiente fundamentação da sentença recorrida
Em concretização do princípio geral do dever de fundamentação previsto pelo art. 154º do CPC, chamando de novo à colação o art. 607º do citado diploma, prevê-se nos seus nº 2 e 3 que, após a identificação das partes, do objeto do litígio e das questões que cumpre solucionar, o juiz deve fundamentar a sentença através da discriminação dos factos que considera provados e da indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, concluindo pela decisão final.
É consensual na doutrina e na jurisprudência superior que as nulidades taxativamente previstas pelo art. 615º do CPC reportam à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronuncia do julgador e assim, a vícios formais de construção da própria sentença relativamente ao caso concreto submetido a apreciação e decisão. Vícios que se distinguem dos vícios materiais, correspondentes a erros de julgamento, quer na apreciação da matéria de facto quer na atividade silogística de aplicação do direito (vd. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., p. 684 e ss.). Os primeiros dão lugar à anulação da sentença. Os segundos, passíveis apenas de censura por via de recurso, determinam a revogação da decisão. Em qualquer caso, salvo situações de falta de elementos que o permitam, suscitam a função de substituição do tribunal recorrido pela Relação, conhecendo este do mérito da apelação (Abrantes Geraldes, Recurso no Novo Código de Processo Cível, 2ª ed., p. 276 e ss.).
No contexto da referida dicotomia, cabe então distinguir entre a falta de fundamentação e a fundamentação deficiente, insuficiente ou errada, posto que, cfr. Alberto dos Reis, (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140) O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Nesse sentido, Ac. Relação de Coimbra de 14.11.2017, proc. nº 3309/16.8T8VIS-A.C1 e, mais recentemente, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/5/2019, proc. n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1,  no qual se consignou que A sentença ou o acórdão pode ser mais prolixo ou mais sintético. Mister é que contenha os elementos de facto e de direito necessários e suficientes para fundamentar a decisão.
Revertendo ao caso concreto, quer do confronto das conclusões da apelante com o teor da sentença, quer desde logo do teor das primeiras,  resulta que não vem apontada uma qualquer deficiente fundamentação da decisão de facto, e que o vício que a apelante epigrafou de deficiente fundamentação da sentença recorrida mais não corresponde materialmente do que a interpretação ou valoração jurídica distinta daquela que a apelante formula ou preconiza, discordando, em suma, da subsunção jurídica dos factos realizada pela Mmª Juiz a quo e da conclusão que deles retirou com fundamento nas normas legais aplicáveis.
Assim equacionada, a imputada deficiente fundamentação que pela apelante vem imputada à sentença recorrida mais não corresponde do que a imputação de erro de julgamento de direito. Com efeito, da mera leitura da sentença resulta que a mesma se mostra cabalmente fundamentada através da fixação dos factos e do subsequente enquadramento legal que aos mesmos o tribunal recorrido entendeu aplicável, sob a égide do pedido que vinha deduzido, de declaração da insolvência da apelante, concluindo em conformidade lógica com o que previamente consta consignado e exposto em sede de fundamentos de facto e de direito, relacionados entre si através de raciocínio silogístico de subsunção da matéria de facto à previsão abstrata dos preceitos normativos que dela constam, definindo no confronto com os factos o sentido decisivo dos mesmos. Tal fundamentação é a necessária e a suficiente para que se conclua pela ausência da apontada deficiência de fundamentação, e o que surge evidenciado pelas conclusões de recurso da apelante, que logicamente pressupõem que alcançou o sentido, fundamentação e conteúdo da decisão que censura.
Cumpre então apreciar se ocorre erro de julgamento, no caso, e conforme sentido que se extrai das conclusões do recurso, se o substrato fatual apurado é ou não suficiente para que seja decretada a insolvência da apelante.
Nos termos do art. 3º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, sendo que, nos termos do nº 2, as pessoas colectivas são também consideradas insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis, excluindo-se da valorização do ativo a rubrica do trespasse do estabelecimento. Este último critério legal, que funciona como um critério acessório de definição de insolvência restrito às pessoas colectivas, tem subjacente o seguinte raciocínio: não existindo, nestes casos, grande possibilidade de “crédito pessoal”, a superioridade manifesta do passivo sobre o activo coincide, em regra, com a impossibilidade de estas entidades cumprirem as suas dívidas (Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma introdução, Almedina, 4ª ed., p. 26).
Por sua vez, qualquer credor, em relação a empresa ou devedor não titular de empresa que considere insolvente pode requerer em juízo seja o mesmo declarado insolvente verificando-se alguns dos factos indícios de insolvência previstos pelo art. 20º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, designadamente, e fazendo referência aos invocados na sentença recorrida: a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas,
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, e e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor, relevando ainda para o caso a prevista na segunda parte da al. h), atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado. Assim designados – indícios da situação de insolvência – não por referência a um qualquer juízo probatório sumário dos factos em que se suporta a verificação da situação da insolvência, mas por referência ao valor presuntivo da situação de insolvência que o legislador atribuiu e/ou reconheceu a esses mesmos factos que, a título de exemplo padrão expressamente previu, conforme consta expressamente abordado na sentença recorrido, e o que é unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência. A título de exemplo, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação ao art. 20º do CIRE, referindo estarem em causa o […] que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto. (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, reimpressão, Lisboa, 2006, p. 131).], Ac. da Relação de Coimbra de 20.11.2007, relatado por Teles Pereira, e Ac. da Relação de Lisboa, de 22.04.2010 citado na sentença recorrida.
De acordo com o supra citado art. 3º, o que essencialmente releva na caracterização da insolvência é a impossibilidade de cumprimento pontual das dívidas que surgem regularmente na atividade do devedor, impossibilidade essa que é apreciada objetivamente, designada e principalmente por falta de liquidez e/ou de crédito, independentemente do conjunto das causas que, uma vez reunidas, determinaram essa situação. Efetivamente, ainda que no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o legislador tenha omitido a referência à pontualidade como característica essencial do cumprimento das obrigações vencidas, tal não pode ser entendido com o alcance de implicar o abandono do entendimento da inerência à ideia de cumprimento, da realização atempada das obrigações a cumprir. É que só dessa forma se satisfaz, na plenitude, o interesse do credor, e se concretiza integralmente o plano vinculativo a que o devedor está adstrito. Neste sentido não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, Quid Juris, 2005, pág. 69, nota 3; no mesmo sentido vd. Ac. RL de 19.06.2008, disponível no site da dgsi).
Com efeito, para além de a lei não exigir que o montante em dívida ou as circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade, definitiva e em absoluto, de o devedor satisfazer a totalidade da suas obrigações, pois é suficiente que os factos indiciadores revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer tais obrigações pontualmente, isto é, ponto por ponto, conforme o acordado com os credores, no tempo e lugar próprios (art. 406º do Código Civil), a lei basta-se com uma situação de mora/atraso no cumprimento desde que, pelo seu montante, no conjunto do passivo do devedor e quaisquer outras circunstâncias (atinente com a concreta atividade, resultados de exercício, valores de ativo corrente, disponibilidade de crédito, etc), tal evidencie a impossibilidade de continuar a satisfazer os seus compromissos. Não exige também que tal situação se verifique com todas as obrigações assumidas/contraídas pelo devedor, mas tão somente com a generalidade das mesmas. Por outro lado, em insolvência estão as entidades com fundo de maneio negativo e tesouraria negativa, mesmo que possuam ativos valiosos mas não geradores de fluxos de caixa para honrar as suas obrigações contraídas. A lei consagrou assim o critério do fluxo de caixa para avaliação da incapacidade/impossibilidade de cumprimento com que define a insolvência.
Conforme preâmbulo do Decreto Lei nº 53/2004 de 18.03, A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais. Daí que o objetivo legal da declaração e processo de insolvência seja o de recuperar ou, se for o caso, de expurgar do giro económico-comercial os incumpridores geradores do chamado efeito bola de neve, sabido como é que a solvabilidade no mundo empresarial depende do cumprimento, em tempo útil, dos créditos e débitos comerciais gerados pela atividade dos vários parceiros comerciais.
Nesta tarefa, é sobre o requerente da insolvência que antes de mais recai o ónus de alegar e demonstrar algum dos factos indiciadores da situação de insolvência enunciados nas diversas alíneas do art. 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dos quais resultam presunção legal de insolvência, sendo este o sentido que ostensivamente se extrai do segmento De tudo o exposto conclui-se que está indiciada a insolvência da Requerida consignado pela Mmª Juiz a quo na sentença recorrida. É que, conforme dado longinquamente adquirido nestas lides, Com efeito, o legislador, através da enumeração desses factos-índice, pretendeu enunciar os critérios indispensáveis à identificação da insolvência e, por isso, o credor interessado na declaração da insolvência tem que demonstrar que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações, provando que tal impossibilidade se manifesta através de sintomas inequívocos que o legislador descreve. (Ac. Relação de Coimbra de 14.12.2005, proc.nº 2956/05, disponível no site da dgsi).
Revertendo aos factos, resulta do acervo adquirido nos autos que:
1. A requerida/apelada tem por objeto social a compra, venda, revenda e administração de propriedades, e capital social de € 500.000,00.
 2. Em 29.11.2010 foi registada a dissolução da requerida, e não se encontra registado o encerramento da liquidação.
3. A requerida é proprietária de fracção autónoma correspondente a rés-do-chão para comércio, serviços e similares de hotelaria sita n….., inscrita no registo em seu benefício em 20.04.2007, com um valor estimado de cerca de €125.000,00 (considerando o valor de € 250.000,00 atribuído ao conjunto desta e de outra fração de igual natureza e integrada no mesmo prédio).
4. Sobre a fração de que é (permanece) proprietária constam os seguintes ónus:
i) Penhora inscrita em 2011.12.28 no âmbito do processo de execução nº 38505/11.5YLSB instaurado por APL - Administração do Porto de Lisboa, S.A. contra a requerida/apelada para cobrança da quantia de € 4.962,01;
ii) Penhora inscrita em 2012.11.27 no âmbito do processo de execução nº 9153/10.9TBOER instaurado por C… contra a requerida/apelada para cobrança da quantia de € 5.742,23;
iii) Penhora inscrita em 2014.06.19 no âmbito da execução fiscal n° 3166201101224450 instaurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviço de Finanças … contra a requerida/apelada para cobrança da quantia de € 2.426,49;
iv) Penhora inscrita em 2014.06.19 no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3522201201152254 instaurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviço de … contra a requerida/apelada para cobrança da quantia € 506,52; e
5. No âmbito do processo de execução fiscal n.° 3239200091023438 e apenso que Serviço de Finanças de .. instaurou contra a requerida/apelada foi vendida fracção autónoma que constava inscrita no registo em benefício da insolvente desde 20.04.2007, correspondente a rés-do-chão, para comércio, serviços e similares de hotelaria sita na P…, tendo o adquirente inscrito a respetiva aquisição no registo em 17.05.2018, convertido em definitivo em 15.06.2018.
6. Sobre o imóvel referido em 5. constavam os seguintes ónus:
i) Arresto inscrito em 09.05.2008 decretado a pedido da aqui requerente/apelada para garantia da quantia de € 18.095,56, e convertido em penhora em 27.06.2008;
ii) Penhora inscrita em 16.09. 2012 no âmbito do processo de execução n.° 3239200091023438 e apenso instaurado pela Fazenda Nacional, Serviço de Finanças de … contra a requerida/apelante para cobrança da quantia de € 1.872,51;
iii) Penhora supra descrita em 4, ii); e
iv) Penhora supra descrita em 4, iii).
7. A requerida deve ao requerente a quantia global de € 29.115,44, a título de contribuições de condomínio devidas desde o ano de 2005.
8. Para cobrança de parte daquele valor a requerente/apelada instaurou contra a requerida/apelante a execução n.° 437/14.8T8SLV, apresentando como título executivo sentença judicial condenatória por dívidas do condomínio e a quantia exequenda no montante de € 20.706,79, e a execução n° 1639/16.8T8SLV, ambas do Juízo de Execução de …….,sendo o título executivo uma acta da assembleia de condóminos e a quantia exequenda no montante de € 7.254,72.
9. No âmbito do processo executivo n.° 437/14.8T8LSV foi proferida sentença de graduação de créditos em 03.04.2018, pela qual foi reconhecido crédito da Segurança Social e crédito do "C…” este no montante de € 7.157,83.
10. No âmbito do processo executivo n.° 1639/16.8T8SLV, o requerente foi notificado em 19.04.2018 pelo Agente de Execução para, “Não tendo sido possível determinar a existência de bens penhoráveis, deve proceder à sua indicação no prazo de dez dias, nos termos do artigo 750.° do Código do Processo Civil (CPC), requerendo o que tiver conveniente”.
11. Até à data, o requerente não logrou receber quaisquer quantias provenientes de tais processos executivos.
12. As ultimas contas da requerida registadas ou depositadas no registo reportam ao exercício do ano de 2007.
13. A requerida tem dívidas à Fazenda Nacional com mais de 6 meses de crédito vencido.
Os factos descritos, por referência aos montantes e antiguidade das dívidas da apelante, vencidas há mais de 14, 9, 7 e 5 anos, nas quais se incluem dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, no seu conjunto e por referência à ausência de atividade geradora de rendimentos da requerida desde 2010 por força da respetiva dissolução, subsumem-se sem qualquer dificuldade de integração na previsão das als. a) e b) do art. 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por revelarem falta de cumprimento de dívidas vencidas por ausência de liquidez para o fazer (própria ou por recurso a financiamento).
Neste contexto, cabia à requerida ilidir a presunção que daqueles factos derivam fazendo prova da respetiva solvabilidade, da inexistência da referida impossibilidade generalizada de cumprir, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, conforme previsto pelo art. 30º, nº 4 do CIRE. Como defendem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação ao art. 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (…). Caberá então ao devedor (…) trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do “facto-índice”, solução esta aliás expressamente consagrada no nº 3 do art.º 30º.
Prova que não foi produzida e, diga-se, dificilmente o seria considerando que desde 2010 que a apelada não exerce a sua atividade social posto que a única que decorre da situação de dissolução é precisamente a de liquidação do ativo e do passivo, que até à data não foi cumprida. Acresce que o único bem conhecido na esfera patrimonial da requerida corresponde a fração para comércio sobre o qual incidem penhoras inscritas em 2011, 2012 e 2014, sendo que era proprietária de outra de igual natureza que foi objeto de venda em 2018 no âmbito de processo de execução fiscal.
O conjunto dos montantes em dívida e das descritas circunstâncias preenchem assim os factos índice da situação de insolvência da apelada por constituírem presunção de penúria e de impossibilidade, atual, de pagamento da generalidade das suas dívidas vencidas. Com efeito, enquanto elemento de presunção da situação de insolvência, a referida falta de pagamento de dívidas vencidas ilustra uma situação de inviabilidade financeira pela incapacidade de produzir e gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento. Em reforço, a situação de dissolução ilustra uma situação de inviabilidade económica da empresa, esta estritamente atinente com a capacidade produtiva, com o negócio em si mesmo. O que tudo desemboca em ausência de tesouraria por ausência de fluxos de caixa e, em suma, ausência de liquidez necessária para honrar as suas obrigações contraídas.
Invoca a requerida ativo de valor superior ao passivo no pressuposto, erróneo, de que com tal facto não só ilide a presunção de insolvência, como também demonstra a sua solvência.
Ora, se nos termos já expostos se impõe concluir pela atual ausência de liquidez da requerida para proceder ao cumprimento pontual das obrigações que gerou, e das que continua a gerar, mormente a título de prestações de condomínio e de IMI decorrente da sua qualidade de proprietária de imóvel, igual conclusão se extrai a respeito da respetiva insolvabilidade revelada pelo valor estimado dos seus capitais próprios (correspondendo estes à diferença entre os ativos e passivos da empresa, ou seja, à diferença entre o que a empresa possui, que no caso corresponde a imóvel no valor estimado de € 125.000,00, e o que deve a terceiros, que de acordo com os factos provados ascenderá a pelo menos cerca de € 44.500,00, a que acresce o montante da dívida à Segurança Social por não constar dos factos provados), posto que dele decorre que mais de metade do capital social, senão na sua quase totalidade, se encontra perdido, a designada insolvência técnica (cfr. art. 35º, nº 2 do CSC), com o consequente dever de a requerida promover a respetiva dissolução que, considerando o passivo que detém, sempre se impunha através da apresentação à insolvência) (cfr. nº 3 do citado art. 35º).
Do exposto resulta que, no estado em que se encontra, a apelante não só se encontra em atual situação de insolvência como sequer reúne condições para se auto-reabilitar financeiramente em termos que lhe permitam cumprir todo o passivo que continua a gerar, cumulativamente com o passivo consolidado, pelo que a manutenção deste status quo apenas vai contribuir para o avolumar do seu passivo sem proporcional contrapartida no valor do ativo e, assim, para o agravamento da situação de insolvência em que se encontra.
Finalmente, e considerando que a apelada coloca o acento tónico da sua pretensão recursória no facto de o seu passivo ser inferior ao valor do ativo, acresce apenas referir que os factos índices da insolvabilidade não resultam infirmados pela existência, de per si, de bens na titularidade da requerida ainda que o seu valor seja superior ao passivo pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, tal fator (relação ativo/passivo) só releva se ilustrar uma situação de viabilidade financeira, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, o que já resultou afastado.
Sem prejuízo, e para além da relação de alternatividade prevista pelos nº1 e 2 do art. 3º do CIRE, conforme sobejamente explanado, sempre acrescentamos que a existência de ativo inferior ao passivo é legalmente apta a indiciar a situação de insolvência (cfr. art. 3º, nº 2 e 20º, nº 2, al. h), porém, o contrário já não sucede, ou seja, a existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade nem sequer indício como tal legalmente previsto pois que, ainda que assim suceda, a devedora é insolvente se, não obstante, estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, como urge ser o caso.
Não obstante o já exposto, sempre se impõe acrescentar que é a própria requerida quem desde logo admite que só pela via da liquidação do seu património (correspondente a um imóvel) tem possibilidade de liquidar o seu passivo. Ora, concluindo os credores pela inviabilidade económica da devedora, qual a finalidade legal do processo de insolvência senão essa?
Quer seja voluntária quer seja administrativa, à dissolução segue-se a liquidação, com a finalidade de apurar o ativo, pagar o passivo e apurar o saldo (cfr. art. 149º e 152º a 154º do CSC e art. 19º do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais aprovado pelo Dec. Lei nº 76-A/2006 de 29.03). Ora, o processo de insolvência é precisamente um processo de liquidação universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência (cfr. artº 1º do CIRE).     Mantendo, como mantém, a sua personalidade e a sua capacidade judiciárias, a sociedade dissolvida e em liquidação pode e deve ser demandada no processo de insolvência, representada pelo liquidatário(s) nomeado(s). Assim o prevê expressamente o art. 3º do supra citado regime administrativo, votando à ineficácia os atos de liquidação praticados ao abrigo dos procedimentos para a ela proceder se durante os mesmos for pedida a declaração de insolvência da entidade em liquidação. E o que bem e muito bem se compreende, desde logo, para salvaguarda dos interesses dos credores que, através do processo de insolvência e do administrador da insolvência nele nomeado, passam a ‘controlar’ ou ao menos a fiscalizar a actividade de liquidação e, mais importante, o destino do produto com ela obtido e os termos em que o mesmo é distribuído, retirando-o assim da disponibilidade da devedora insolvente.
IV - DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.
Lisboa, 12.11.2019
Amélia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas