Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | DINA MONTEIRO | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA IMOBILIÁRIA EXCLUSIVIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/12/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Estando um imóvel colocado em venda em várias imobiliárias, em regime de não exclusividade, e sem que o proprietário conheça os clientes de cada uma destas imobiliárias, é-lhe lícito que, no âmbito da sua liberdade contratual, realize o negócio com aquela cujo cliente angariado, globalmente, lhe oferecer melhores condições de negócio. II. Nessas circunstâncias, o facto de um mesmo cliente ter apresentado propostas diferentes em cada uma das imobiliárias, não pode ser oponível ao vendedor do imóvel, que desconhecia, sem culpa, esse facto. III. Tendo o proprietário tido conhecimento de tal realidade em momento posterior, e quando o cliente – potencial comprador -, tinha já desistido de prosseguir negociações na primeira das agências de angariação imobiliária, certo é que nada impede este cliente de apresentar proposta distinta em outra agência do mesmo ramo e, muito menos, de o proprietário aceitar esta segunda proposta. IV. Para se aferir a que agência de Mediação Imobiliária deve ser satisfeita a comissão devida pela venda do imóvel deve ser estabelecido o nexo causal determinante da realização daquela venda. V. No desenvolvimento da sua atividade comercial e para a satisfação dos interesses do cliente, deve a agência de Mediação Mobiliária desenvolver os esforços necessários para aproximar os valores para aquisição do imóvel, para que promitentes compradores e promitentes vendedores encontrem uma base de acordo comum. VI. Estabelecido esse item negocial, obtido o acordo final e realizado o negócio perspetivado, a agência de Mediação Imobiliária cumpre com o seu dever de satisfação do cliente e fica com o direito a receber o valor de angariação contratado. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO J. – Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda, instaurou ação declarativa, com processo comum contra, M. Pereira e Mariana J., pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia de € 55.000,00 de capital, acrescidos de € 446,18 de juros de mora vencidos até 12/10/2015 e nos vincendos desde então até pagamento integral. Para o efeito, invocou que no exercício da sua atividade celebrou com os RR. um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, pelo qual se obrigou a diligenciar encontrar interessados para a compra, pelo preço de € 1.750.000,00 de um imóvel sito no Estoril, que identifica, obrigando-se os RR. a pagarem a remuneração correspondente a 5% do valor da venda, acrescido de IVA. Referiu ainda que, por efeito da sua atividade, obteve interessados na compra do imóvel, no caso, TM. e JM., levando-os a visitar o imóvel em 19/04 e em 29/04, a segunda vez acompanhados por arquiteto. Entre 29 de Maio e 01 de Junho a A. e o Réu trocaram correspondência eletrónica com vista a fixar o valor de venda, sendo que em 02 de Junho o Réu informou a A. de que teria proposta, através da St, ligeiramente acima de € 1.100.000,00; em 02 de Junho os RR. acertaram a venda com a TM. e o JM., os interessados por si angariados, mas na escritura declararam que a venda foi com intermediação da “SA”. Citados, os RR. contestaram ali referindo, em súmula, que o contrato que celebraram com a A. não foi de exclusividade e que celebraram também contratos com outras mediadoras imobiliárias, entre as quais a St desde Abril de 2009; desconheciam a identidade dos potenciais interessados na compra; em 30/05/2015, a A. informou os RR. que os interessados haviam subido a proposta para € 1.100.000,00 condicionada à aprovação de crédito bancário, respondendo o Réu que pretendia uma proposta mais próxima de € 1.200.000,00 e aguardava por proposta da St; em 01/06/17, receberam proposta da St de € 1.110.000,00 reserva de € 10.000,00 e contrato promessa em 15 dias ou contrato definitivo em noventa dias; de imediato o Réu deu conhecimento dessa proposta à A., para que a melhorassem, o que não sucedeu. Afirmaram ainda que não podem ser responsabilizados pelo comportamento dos interessados de apresentarem propostas diferentes através de mediadoras diferentes. Limitaram-se a aderirem à proposta mais vantajosa, que estava apresentada por escrito, com valor de reserva, que lhe conferia maior firmeza. Os compradores estavam registados como tal na St desde 04/05/2015 e, quando em 28/05/2015 a St lhes enviou mensagem sobre a visita ao imóvel eles disseram que já conheciam a casa; foi a St quem conseguiu que os compradores aumentassem o valor do preço de compra e apresentassem proposta por escrito e com sinal de reserva. Requereram a intervenção acessória da SA, Lda (St), que foi deferida e que, tendo sido citada, apresentou contestação em que referem que os RR. celebraram com ela um contrato de mediação imobiliária, sem exclusividade, em 13/04/2009. Os compradores contactaram a SA, em Maio de 2015, manifestando interesse na aquisição de lote de terreno e, mais tarde, de moradia em Birre e, posteriormente, a técnica comercial indicou-lhes o imóvel dos RR. e eles, compradores, disseram que já conheciam, mas que acabaram por visitar em 27/06/2015 acompanhados pela comercial da SA; foi a técnica comercial da SA que ao saber que os compradores haviam apresentado proposta de compra através de outra agência imobiliária, os convenceu a aumentarem o valor e apresentarem proposta por escrito para submeter aos RR., o que estes fizeram. Na audiência prévia saneou-se o processo, fixou-se-lhe o valor, enunciaram-se o objeto do litígio e os temas de prova. Após a realização de Audiência de Julgamento foi proferida sentença que julgou a ação procedente condenando os RR. no pedido. Inconformados com o assim decidido, os RR. interpuseram recurso de Apelação no âmbito do qual formularam conclusões (...). Concluem, assim, pela procedência da apelação, com as consequências legais. Também a interveniente SA Mediação Imobiliária, Lda (St) interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou conclusões (...). Conclui pela procedência da apelação e, consequentemente, pela revogação da sentença, devendo ser proferida decisão a absolver RR. do pedido. A A./Apelada contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão proferida. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. FACTOS PROVADOS Por forma a não causar problemas de interpretação na análise da matéria de facto – e apesar de a mesma se encontrar dispersa -, este Tribunal de recurso irá respeitar a forma como foi apresentada pelo Tribunal de 1:ª Instância. Da Petição Inicial. 1. A autora tem por objeto, entre outros, o exercício de atividade de mediação imobiliária, sendo titular da licença n° x-AMI emitida pelo Instituto de Construção e do Imobiliário. 2. No exercício da sua atividade, a autora celebrou com os réus, em 24/01/2014, um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, nos termos do qual a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 1 750 000€, do prédio sito na Rua..., Estoril, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis. 3. Acordaram ainda as partes que qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora; e que os réus se obrigaram a pagar à autora, a título de remuneração, a quantia correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse concluído, acrescido de IVA à taxa legal; estipularam ainda que o pagamento da remuneração seria efetuado aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado; foi estipulado um prazo de seis meses renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado. 4. Foi na sequência de a autora ter referenciado e mostrado duas vezes o imóvel a TM e a JM que estes ficaram interessados na compra do imóvel. 5. Na segunda visita efetuada ao imóvel os referidos TM. e JM fizeram-se acompanhar por um arquiteto e ofereceram 1 100 000 como preço de aquisição do imóvel. 6. Nos dias 29 e 30 de Maio e 1 de Junho de 2015 entre os colaboradores da autora e o 1° réu foram trocadas mensagens de correio eletrónico em vista da fixação do preço final para a compra e venda do imóvel. 7. Em 02/06/2015 o 1° réu dirigiu à colaboradora da autora mensagem de correio eletrónico na qual escreveu “Recebemos, entretanto, a proposta que aguardávamos através da St a qual é em valor ligeiramente acima dos 1 100 000€ e não condicionada a financiamento bancário. Veja se os seus clientes têm interesse em melhorar a respetiva proposta, para podermos tomar uma decisão”. 8. Entre os dias 1 e 2 de Junho de 2015, nenhuns outros interessados apresentaram proposta de compra aos réus. 9. No dia 2 de Junho de 2015, os réus aceitaram a proposta feita por TM. e JM., por 1 110 000€, apresentada através da St, sabendo os réus que eram os mesmos interessados que haviam apresentado a proposta de 1 100 000€ dois dias antes através da autora. 10. Por escritura de 31/08/2015 foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel, entre os réus e TM e JM, crédito bancário concedido pela CGD e, nessa escritura os réus declararam que houve intermediação de mediador imobiliário SA, Lda, com a licença AMI x. Da Contestação dos réus. 11. Por contrato escrito datado de 13 de Abril de 2009 os réus celebraram com a “SA, Lda” (St) contrato de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, relativo ao imóvel sito na Rua..., Estoril, referido em 2º supra, pelo qual a “SA” (St) se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos, mediante o pagamento de remuneração correspondente a 5% sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado. 12. No dia 01/06/2015, os réus receberam uma proposta, por intermédio da St (SA) ainda sem identificação dos clientes, no montante de 1 110 000€, por escrito, e com sinalização de reserva de 10 000€ e com possibilidade de celebração do contrato-promessa em 15 dias ou escritura de compra e venda em 90 dias. 13. Logo no dia 02/06/2017, os réus deram conhecimento dessa proposta à autora e colocaram à consideração desta a possibilidade de os clientes melhorarem a proposta de 1 100 000€. 14. A SA (St) enviou um link da casa ao JM. e TM. e eles disseram que já conheciam a casa e não precisavam de a visitar. 15. Entre os dias 28 e 30 de Maio de 2015 o JM. informou a SA (St) que havia apresentado uma proposta de 1 100 000€ pela casa, através da autora (Remax) e que não havia sido aceita pelos réus. 16. Factos Não Provados – não foram apresentados 17. Fundamentação da decisão (...) III. FUNDAMENTAÇÃO O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto. O conteúdo de tais conclusões deve obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas objeto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas apenas aqueles que fazem parte do respetivo enquadramento legal, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 608.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil Revisto. Excluídas do conhecimento deste Tribunal de recurso encontram-se também as questões novas, assim se considerando todas aquelas que não foram objeto de anterior apreciação pelo Tribunal recorrido. A questão fulcral de Direito colocada pelos Apelantes à consideração deste Tribunal de recurso é a de saber qual das mediadoras imobiliárias desenvolveu a atividade fundamental para que o contrato de compra e venda do imóvel dos RR. fosse realizado, com êxito, ou seja, qual delas estabeleceu o nexo causal fundamental para que o negócio fosse realizado. Para além dessa questão de Direito suscitadas pelos A./Apelantes, os mesmos impugnaram ainda a matéria de facto dada como Provada e Não Provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, quanto a vários Pontos concretos que ali identificam. Sendo incontornável que o questionar da matéria de facto inscreve-se como uma prorrogativa de que as partes gozam, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil Revisto, deve a sua impugnação obedecer ao cumprimento de determinadas regras processuais, para que possa ser atendida. Assim, e como é pacífico, nestas situações estamos perante uma reapreciação da prova que tem por escopo permitir que o Tribunal de recurso emita um juízo crítico sobre a adequação entre a prova realizada em 1.ª Instância e a matéria de facto dada como provada, cumprindo à parte reclamante expor a sua discordância por referência aos termos daquela decisão e fundamentação nos temos do disposto nos artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil Revisto. E nessa reapreciação, tal como vem sendo pacificamente entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, deve atender-se ao que for expressamente alegado pelo impugnante e pela parte contrária entendendo-se, todavia, que “a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou debatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório (…)” também nada obstando a que “o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luza da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam a prova produzida, em termos de caraterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida” (Ac. do STJ de 07.Setembro.2017, Proc. 959/09.2TVLSB.L1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Tomé Gomes, in www.dgsi.jstj.pt). E isto porquê, como também ali se sustenta, “o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure” – Ac. do STJ acima identificado. No presente caso, o ónus de impugnação da matéria de facto por parte de todos os aqui Apelantes mostra-se corretamente cumprido, compreendendo-se perfeitamente as razões de facto das discordâncias apresentadas, uma vez que as mesmas foram acompanhadas da indicação dos concretos meios de prova realizados no processo que, nas suas óticas, impunham distinta valoração, desde logo, em termos lógicos. Assim, este Tribunal irá iniciar a apreciação das questões colocadas, em primeiro lugar, pela reapreciação da matéria de facto e, decidida a mesma, procederá a análise das questões jurídicas que lhe sobrevenham - artigos 607.º e 608.º do Código de Processo Civil Revisto. Nesta ordem de prioridades, vamos iniciar a análise da factualidade dada como provada e não provada pelo Tribunal de 1.ª Instância procedendo, para o efeito, à análise da prova documental existente nos autos, à audição dos depoimentos de parte e da prova testemunhal produzida em Audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 607.º e 663.º do Código de Processo Civil Revisto. Os Apelantes [RR. e interveniente acessória), insurgem-se contra a matéria de Facto Provada, Não Provada e quanto aos termos em que a primeira delas foi fixação, por conter matéria insuscetível de concretização. No geral, as Apelantes estão de acordo sobre os Pontos de facto em desacordo, pelo que a sua apreciação não justifica uma análise distinta, devendo ser será realizada em conjunto por questões de economia processual. (...) Deve, assim, a redação do Ponto 6 dos Factos Provados ser alterada, o que se determinada, passando a ter o seguinte teor: “Nos dias 29 e 30 de Maio e 01 de Junho de 2015 entre os colaboradores da autora e o 1° réu foram trocadas mensagens de correio eletrónico a respeito do valor de aquisição do imóvel proposto por TM. e José Melo”. (...) Determina-se a retificação do Ponto 9 dos Factos Provados, que deve passar a integrar aquela realidade, passando, assim, a ter o seguinte teor: “No dia 02 de Junho de 2015, os RR. aceitaram a proposta feita por TM. e JM., por € 1.110000,00, apresentada através da St, tendo os RR., nessa data, tomado conhecimento que eram os mesmos interessados que haviam apresentado a proposta de € 1.000.000,00 dois dias antes através da A.”. (...) Já em relação ao Ponto 23 da Contestação dos RR. a sua importância é de realçar estando ainda alicerçada no documento n.º 1 junto com a contestação daqueles RR. e que não foi objeto de contestação devendo, nessa conformidade, passar a integrar os Factos Provados, como Ponto 15-A, retiradas que sejam as expressões conclusivas que ali se encontram, passando, assim, a ter o seguinte teor: “A proposta apresentada pela “SA Mediação Imobiliária, Lda” encontrava-se reduzida a escrito e assinada pelo potencial comprador, vindo acompanhada de uma reserva e início de pagamento de € 10.000,00 (dez mil euros), prevendo ainda um prazo de realização da escritura de 90 dias”. Os Pontos 32 a 37 da contestação dos RR., cuja veracidade está mais que comprovada pelo teor das testemunhas acima referidas e pelos documentos juntos ao processo, nomeadamente o doc. 2 junto com a contestação destes RR., podem ser resumidos a três Pontos da matéria de Facto Provada – Ponto 14-B, 14-C e 14-D -, com o seguinte teor, respetivamente: “O comprador José Melo estava inscrito como cliente da SA desde 04 de Maio de 2015”. “Após a SA ter mostrado ao JM. a casa aqui em causa nos autos, este informou-a que já conhecida aquela casa através de uma outra imobiliária e que da mesma tinha desistido uma vez que os vendedores não baixavam o preço de € 1.200.000,00”. “A partir desta informação a SA desenvolveu as diligências mencionadas no Ponto 15-A, com vista à respetiva aquisição”. (...) Esclarecido esta questão de facto, impõem-se o conhecimento da única questão de Direito colocada e que cumpre analisar - no caso, saber qual das intermediárias com quem os aqui RR. celebraram os respetivos contratos de mediação imobiliária é que desenvolveu a atividade essencial/causal para a conclusão do negócio de compra e venda do imóvel identificado nos autos. Desde já podemos afirmar que concordamos integralmente com a parte inicial da fundamentação de Direito apresentada pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância [parte teórica], apenas não concordando com a sua aplicação a este caso, em concreto. Para uma melhor compreensão desta afirmação, passamos a transcrever a parte inicial daquela fundamentação de Direito, com a qual concordamos: “A questão essencial que se coloca nos autos é a de saber se a autora tem direito a receber dos réus a remuneração correspondente a 5% do valor da venda do imóvel dos réus no âmbito do contrato de mediação imobiliária que com eles celebrou. A autora afirma que sim argumentando ter sido ela a encontrar os interessados na compra. Os réus defendem que não podem ser responsabilizados pelo comportamento dos interessados/compradores que apresentaram propostas diferentes através de mediadoras diferentes e que eles se limitaram-se a aderir à proposta mais vantajosa. Vejamos então quem tem razão. Está fora de dúvida que entre a autora e os réus foi celebrado um contrato de mediação imobiliária. É igualmente pacífico que o contrato foi celebrado em regime de não exclusividade. Pois bem, como é sabido, a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição de direitos reais sobre imóveis, ou a permuta, ou trespasse ou arrendamento ou a cessão de posições em contratos relativos a bens imóveis (art° 2° n° 1 da Lei 15/2013, de 08/02). Nem sempre o legislador colocou o enfoque do contrato de mediação imobiliária na actividade do mediador. Com efeito, no regime legal do contrato de mediação imobiliária que resultava do DL 285/92 estabelecia-se que a mediadora se obrigava a conseguir interessados, portanto, tratava-se de uma obrigação de resultado. Com os DL 77/99 e com o DL 211/2004, passou a descrever-se a actuação de mediação imobiliária como aquela em que a mediadora se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização dos negócios. Na jurisprudência anterior, discutia-se se em face dos referidos regimes legais, a obrigação contratual do mediador imobiliário deveria ser qualificada como uma obrigação de meios – Cf., neste sentido, entre outros, o Ac. TRC, de 23/04/2002, CJ, II, 30; TRE de 03/012/2008, CJ V, 254; e STJ de 28/04/2009, TRP de 02/11/2009, TRE de 17/03/2010, TRL de 14/10/2011, estes últimos em www.dgsi.pt – ou como obrigação de resultado – Cf., neste sentido, entre outros, Acs. TRC, de 16/10/2007, TRP, de 03/03/2009 e de 15/07/2009, TRE de 15/09/2010, TRL de 14/04/2011 e TRP de 02/06/2011, todos em www.dgsi.pt.). Com a Lei 15/2013, o legislador abandonou a referência a uma obrigação do mediador de efectuar diligências e descreve simplesmente a actividade na perspectiva da sua execução fáctica, como a procura de destinatários, sem fazer corresponder essa procura a uma obrigação contratual. (Cf. Higina Castelo, Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária anotado, 2015, pág. 35). Quer dizer, “...no contrato de mediação simples, desprovido de cláusulas especiais nomeadamente da que lhe conceda exclusividade, o mediador desenvolverá a actividade pretendida pelo seu cliente, no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado...” (Cf. Higina Castelo, Regime Jurídico..., cit., pág. 36). Por outro lado, estabelece o art° 19° n° 1 da Lei 15/2013: “A remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação...”. Pois bem, em primeiro lugar importa esclarecer que a expressão perfeição quer significar eficácia e reporta-se ao contrato final; isto é, tem-se entendido que o direito à remuneração apenas nasce se, e quando, o contrato final celebrado for eficaz. (Cf. Higina Castelo, Regime Jurídico...cit., pág. 129). Afastam-se assim do direito à remuneração situações em que o negócio final é inválido por nulidade absoluta, ou quando não se verifica a condição suspensiva a que o contrato final estava sujeito. Por outro lado, resulta do referido art° 19° n° 1 da Lei 15/2013 que para haver direito à remuneração é necessário existir um nexo causal entre a actividade de mediação e o contrato final celebrado. Ou seja, não basta que o cliente celebre o contrato visado. É também necessário que a actividade do mediador tenha contribuído para essa celebração, que se verifique um nexo entre a sua actividade e o contrato celebrado, aferindo-se o cumprimento do mediador pela existência desse nexo. (Cf. Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. I, pág. 203; Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Scientia Iuridica, Jan.-Abr. 2013, 77-106, pág. 100; Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Colecção Teses, Almedina, pág. 410). A necessidade de um tal nexo causal decorre dos compromissos assumidos pelas partes no âmbito da relação contratual de mediação imobiliária e tem por função afastar a retribuição quando o nexo causal não se estabelece, mas também mantê-la quando, após o seu estabelecimento, actos alheios ao comportamento do mediador conduzem à sua aparente quebra (Cf. Higina Castelo, O Contrato de Mediação, cit., pág. 410). Ou seja, a retribuição é devida quando a actividade do mediador se apresente como causa adequada do fecho do contrato, quando o fecho do contrato for alcançado por efeito da intervenção do mediador, isto é, se a actuação do mediador tiver contribuído para o êxito final (Cf. Ac. TRC, de 17/01/12, www.dgsi.pt). O direito à remuneração pressupõe que o mediador cumpra a sua prestação contratual e pratique actos de mediação e promoção adequados e suficientes à conclusão do negócio. (Cf. Ac. TRL, de 14/06/2012, www.dgsi.pt). No caso de não haver exclusividade, sendo encarregados vários mediadores, o direito à remuneração vai depender do estabelecimento do mencionado nexo causal entre a actividade de cada um e o resultado alcançado de que depende a remuneração (Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, cit., pág. 206). Por outro lado ainda, para que o mediador adquira o direito à remuneração, o contrato que venha a ser celebrado pelo cliente e pelo terceiro angariado pelo mediador não tem de ser exactamente o mesmo que foi ab initio idealizado, mas tem de ter uma correspondência económica com ele: conseguido um interessado, se o cliente vem a celebrar com ele o contrato por valor diferente do perspectivado no contrato de mediação, em princípio, não poderá usar essa diferença para se escusar ao pagamento da remuneração do mediador (Cf. Higina Castelo, O Contrato..., cit., pág. 302). Se o preço fixado pelo mandante não foi considerado condição sine qua non da atribuição a percentagem ou remuneração do mediador, é seguro que a conclusão do negócio por preço inferior não faz perder àquele o seu direito (Manuel Salvador, apud Higina Castelo, Contrato..., cit., pág. 303)”. Ora, perante esta apreciação jurídica e face à prova que integra os Factos provados desta ação – com as alterações acima especificadas -, podemos afirmar que a pretensão da aqui A./Apelada, não pode proceder. Com efeito, parecendo-nos inquestionável que foi a A. aquela que primeiro mostrou o imóvel dos RR., identificado nos autos, ao casal que o veio a adquirir, certo é também que tal facto não s mostrou essencial para que aquela venda se efetivasse. Bem pelo contrário, a venda deste concreto imóvel tinha-se já frustrado – uma vez que os compradores não admitiam proceder à sua aquisição pelo pretendido valor de € 1.200.00,00 que lhes tinha sido apresentado pela A. e referido como sendo o seu preço final -, tendo estes compradores procurado já em outras agências, nomeadamente junto da SA, outros imóveis que pudessem satisfazer as suas necessidades e possibilidades económicas. Repare-se que este casal de compradores (TM. e JM.) estava verdadeira e seriamente interessado em adquirir um imóvel, como vieram a adquirir. O valor de aquisição que tinham apresentado para este imóvel em particular foi de € 1.100.000,00 e, apenas perante a irredutibilidade para baixar o seu valor – facto que lhes foi comunicado pela A. -, é que foram procurar outros imóveis. Por outro lado, este imóvel estava em “carteira” nestas duas agências imobiliárias, em cada uma delas em regime de não exclusividade, há já muito tempo: na A. desde 24 de janeiro de 2014 e na SA desde 13 de Abril de 2009 pelo que, como é normal nestas situações, cada uma das agências procure finalizar o negócio, contrapartida que é da respetiva comissão. É neste contexto que, procurando o casal de compradores um outro imóvel, acabe por o voltar a encontrar na SA que, entre outros, também lhe mostrou este, através de um link da casa (Ponto 14 dos factos provados). Provado está também que os compradores desde logo informaram a SA que, muito embora tivessem gostado desse imóvel, este estava fora das suas disponibilidades económicas dado que os vendedores não aceitavam baixar o seu preço para montante inferior a € 1.200.000,00. E é aqui que intervém o trabalho realizado pela colaboradora da SA e em relação ao qual não encontramos qualquer nota para reprovação. Na verdade, estamos a falar de uma aquisição que tinha já sido posta de parte pelos compradores e que só renasce pela intervenção da SA que, concretamente, desenvolve uma série de diligências com vista à venda do imóvel e à satisfação de ambos os seus clientes: dos vendedores e dos compradores. E é no âmbito do conceito de satisfação da vontade dos seus clientes que a SA, desde logo, procura encontrar um caminho negocial que mantenha o interesse dos compradores naquele imóvel, sugerindo-lhes uma possibilidade de realização daquela aquisição. Começam, desde logo, por realizar uma nova visita ao imóvel (a terceira), na companhia dos pais dos compradores. Depois, embora mantendo o preço que estes se dispunham a pagar [€ 1.100.000,00], procede a um pequeno aumento daquele valor, com a introdução de uma sinalização de € 10.000,00 for forma a demonstrar perante os compradores uma vontade séria de contratar; reduz esta proposta a escrito, por forma a desencadear uma sua análise por parte dos vendedores, ali indicando a “possibilidade de celebração de contrato-promessa em 15 dias ou escritura de compra e venda em 90 dias” – (Ponto 12 dos Factos Provados). Trata-se de técnicas de venda que, salvo sempre o devido respeito, não nos merecem qualquer censura. Certo é que nos parece incontornável que só pela intervenção da SA, com as diligências desenvolvidas e com as propostas concretas que apresentou para este negócio, é que foi possível chegar a bom porto e concretizar esta aquisição, com o que podemos afirmar que se estabeleceu o nexo causal entre a atividade do mediador e a perfeição do negócio celebrado. Em conformidade com esta atuação, a SA consta na escritura de compra e venda desse imóvel como a mediadora imobiliária que teve intervenção nesta transação, tendo-lhe sido paga a respetiva comissão em conformidade com o disposto no artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro (RJAMI). No mais, o que temos é a A. sem qualquer atividade mediadora a partir do momento que comunicam aos compradores o preço final de € 1.200.000,00 por este imóvel e que apenas intervém quando o negócio através da SA está já em desenvolvimento e após a comunicação que os aqui RR./Apelados lhe dirigem, em 02 de Junho de 2015, comunicando a proposta recebida por clientes da SA. Apenas nesse dia 02 de Junho de 2015 é que a A. desenvolve uma série de trocas de e-mails que, salvo sempre o devido respeito, não nos aprecem ser de grande lisura uma vez que, para impedir o negócio com a SA, chegam a baixar o preço da sua comissão por forma a igualar a proposta da concorrente, alterando, assim, os termos negociais estabelecidos á partida, no meio de um processo negocial – docs 20 a 23 juntos com a petição inicial. Recorde-se que os RR. desconheciam quem era os potenciais compradores do seu imóvel, quer na Agência da A., quer na Agência da SA, apenas o tendo vindo a saber pela própria A., no dia 02 de Junho de 2015 (Pontos 9 e 12 dos Factos Provados). Trata-se, no entanto, de um facto inócuo uma vez que os vendedores – aqui RR. -, apenas queriam vender o seu imóvel o mais depressa possível (note-se que estava já em venda desde 13 de Abril de 2009) e nas melhores condições possíveis como, aliás, qualquer vendedor, nada havendo a apontar em desabono sobre este ponto. Trata-se de regras de mercado que, respeitados que sejam os direitos de terceiros, nada têm de irregular. Na realização deste negócio, com a intervenção da mediadora SA, nada há apontar em desabono na atuação dos aqui RR./Apelantes que deram conhecimento, por escrito, da proposta aqui em causa nos autos à A./Apelante e, como tal, não há qualquer responsabilidade a assacar-lhes. Perante duas propostas legítimas, os RR. optaram por aquela que, globalmente, lhes pareceu ser aquela que melhor servia os seus interesses cumprindo, pois, neste contexto, proceder à revogação da sentença proferida e absolver os RR. do pedido. IV. DECISÃO Face ao exposto, procedendo-se à alteração parcial da matéria de facto nos termos que acima se deixam consignados, juga-se procedente a Apelação e revoga-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, absolvendo-se os RR. do pedido. Custas pela A./Apelante. Lisboa, 12 de Junho de 2018 Dina Monteiro Luís Espírito Santo Maria da Conceição Saavedra | ||
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Decisão Texto Integral: |