Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20854/16.8T8LSB.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
PROCEDIMENTO DE ARBITRAGEM
SEGURADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Convencionado no contrato de seguro que qualquer litígio daquele decorrente seria submetido a procedimento de arbitragem, nos termos aí estipulados, tem de se entender essa cláusula aplicável a quem, ainda que não sendo parte no contrato, do mesmo se pretenda fazer valer, na qualidade de segurado.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1.–  J... propôs, contra Z... e outras, acção com processo comum, distribuída à comarca de Lisboa - Juízo Central, pedindo a condenação das RR. no pagamento da quantia de € 71.340, acrescida de juros, alegadamente devida, por força de contrato de seguro do qual o A. é beneficiário.

Contestaram as RR., excepcionando, nomeadamente, a preterição de tribunal arbitral - concluindo pela improcedência da acção.

No despacho saneador, foi proferida decisão, na qual se considerou verificada a excepção invocada, absolvendo-se as RR. da instância.

Inconformado, veio o A. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
–  O Tribunal a quo deveria ter decidido no sentido da inaplicabilidade in casu da cláusula de arbitragem prevista no contrato objecto nos presentes autos, não só porque do contrato resulta a sua inaplicabilidade mas, também, porque caso fosse aplicável, deveria o aplicador da lei decidir pela sua não aplicação em virtude de criar uma situação injusta, desproporcional e desnecessária.
–  O contrato de seguro em causa dispõe, a páginas 5, que "Sem prejuízo das disposições relativas a arbitragem contidas no contrato (que prevalecem sobre estas disposições), as seguradoras e o segurado convencionam: i. Que todos e quaisquer litígios decorrentes ou relacionados com o presente contrato ficam sujeitos à jurisdição exclusiva dos tribunais portugueses (“o Foro Escolhido").
–  Decidir como o Tribunal a quo decidiu levaria à total inaplicabilidade desta disposição contratual feita entre tomador de seguro (E... e B... - não o ora apelante que é beneficiário) e seguradoras pois tudo deveria ser decidido por um tribunal arbitral, o que é errado.
–  No contrato de seguro existem, sim, duas - e apenas duas - disposições que prevêem o recurso a um tribunal arbitral - cláusulas 4.4. e 4.6 - se o entendimento fosse o que o Tribunal a quo preconiza (ou seja, que se aplicaria sempre a cláusula de arbitragem), não haveria qualquer razão de ser na previsão constante das cláusulas 4.4. e 4.6.
–  Por outro lado, se assim fosse (sempre e apenas recurso a tribunal arbitral em Londres), seria imperceptível, estranha e inútil a referência ao foro escolhido como sendo da exclusiva competência dos tribunais portugueses.
–  Também a informação prestada, pelo corretor A..., ao apelante foi de que os litígios entre beneficiários do seguro e seguradoras seriam decididos pelos tribunais portugueses e não por via de arbitragem (tendo sido prestada de forma verbal, requereu-se a inquirição do responsável da A..., o que não mereceu qualquer despacho).
–  De acordo com dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se aplicam, in totum, aos presentes autos, no proc. 3539/08.6TVLSB.LL.S1, de 8/9/2011 e no proc. 08B3522, de 27/11/2008, ambos em www.dgsi.pt, a cláusula de arbitragem, a ser aplicável - que não é nos termos em que foi decidido pelo Tribunal a quo - deveria ser afastada a sua aplicação por onerar de forma injusta e desproporcional uma das partes que se deveria beneficiar e a favor da qual se celebrou o seguro.
–  Por outro lado, a nova legislação - Lei 63/2011, de 14/12 - não contém qualquer preceito que estenda a terceiros os efeitos de convenção de arbitragem entre as partes : o art. 147° da LCS apenas se aplica aos contratos de seguro obrigatórios, o que não é o caso dos autos; o art. 48º, nº5, da LCS estatui que os meios podem - não que devem ou têm - ser oponíveis aos seguros "mas não aqueles que advenham de outras relações entre o segurador e o tomador do seguro", como é manifestamente o caso.
–  Todos estes argumentos deveriam ter levado o Tribunal a quo a decidir de forma diferente, estando todos eles identificados em requerimento apresentado após convite do Tribunal a quo para o efeito.
–  Assim, deveria o Tribunal a quo ter decidido no sentido de ser improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, uma vez que não tem nem a amplitude contratual interpretada, nem a leitura legal ou jurisprudencial sufragada na decisão que declarou a incompetência absoluta do Tribunal.
–  A decisão fez, pois, incorrecta aplicação do disposto nos arts. 96° al. b), e 95°, nº3, ambos do CPC; e ainda do art. 406° do C.Civil, dos arts. 45º e 48º da Lei do Contrato de Seguro - devendo ser revogada, determinando-se a competência dos  tribunais judiciais portugueses para julgar a acção.

Em contra-alegações, pronunciaram-se as apeladas pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.–  Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 

A questão a decidir resume-se, pois, à apreciação da declarada excepção de preterição de tribunal arbitral.

Mostra-se assente ter sido convencionado no contrato de seguro em causa (cfr. cláusula 10.13 da apólice) que qualquer litígio daquele decorrente seria submetido a procedimento de arbitragem, nos termos aí estipulados.

Sendo que, não oferecendo dúvida a validade dessa cláusula (art. 122º  do regime jurídico do contrato de seguro - Dec-Lei 72/2008, de 16/4), se tem de entender aquela aplicável a quem, como o A., ora apelante, ainda que não sendo parte no contrato, do mesmo se pretenda fazer valer, na qualidade de segurado.

Em conformidade com o disposto no art. 96º b) do C.P.Civil, a preterição de tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal.

Concluindo-se, como decidido, pela verificação da invocada excepção, terão, assim, de improceder as alegações do apelante.

3.–  Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.




Lisboa,7.6.2018



Ferreira de Almeida - relator
Catarina Manso - 1ª adjunta
Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta