Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO PRINCÍPIO DISPOSITIVO MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/19/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | SUMÁRIO (da relatora).
1. O âmbito do aperfeiçoamento do articulado, em regra, apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações impostas pelo nº 6 do artigo 590º do nCPC (artigo 508.º, nº 5 do CPC). 2. No cumprimento do despacho de aperfeiçoamento não pode a parte visada exceder os poderes que do artigo 265° do nCPC (artigo 273° do CPC) resultam para a modificação da causa de pedir, já que os factos alegados pela parte para o suprimento da deficiência ou irregularidade não podem implicar uma alteração unilateral da causa de pedir anteriormente apresentada. O princípio da estabilidade de instância e as modificações subjectivas da instância legalmente consagradas na lei processual civil (artigos 260º e 262º do nCPC) impedem que o autor aproveite o convite ao aperfeiçoamento, para apresentar nova petição inicial, alterando os sujeitos da relação processual constantes da primitiva petição inicial. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO R…., residente na Rua ….., intentou contra L…, residente na Rua ….. e A…., residente em …., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, através da qual pede que se: a) Declarem impugnados, para todos os efeitos legais, os factos descritos na escritura de compra e venda de ../../1995, por os réus não terem adquirido o prédio nela identificado por compra e venda; b) Declare ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de compra e venda e consequentemente, se ordene o cancelamento de quaisquer registos operados com base na escritura de ../../1995; c) Declare que o prédio identificado na petição inicial Prédio rústico composto de …… com a área total de …. m2, denominado “V….”, da freguesia de ……, concelho …….., descrito na Conservatória do Registo Predial de …… sob o número mil duzentos ….. da dita freguesia de …, a confrontar a Norte com via pública, a Sul e Nascente com …. e a Poente com …., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3…, Secção …, pertence à herança aberta por óbito dos inventariados J…… e M. …. Alegou a autora, o seguinte: 1. Na data de ../../2008 foi instaurado processo de inventário por óbito de J… e M… que corre seus termos com o n.º …. no Tribunal Judicial da ….., no qual são interessados a A. R.. e o primeiro R. L…. e ainda D…., todos filhos dos inventariados (auto e compromisso de honra e declarações de cabeça de casal que junta). Prédio composto de vinha (…), com a área total de …. m2, denominado “V…..”, da freguesia de ………., concelho de L…., descrito na Conservatória do Registo Predial de L… sob o número mil duzentos …… da dita freguesia de …, a confrontar a Norte com via pública, a Sul e Nascente com F… e a Poente com J…, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….. 1 - Uma garagem e uma casa de arrecadação de lenhas, em cuja construção gastaram o valor de 15.000,00€; 2 – Uma casa para animais, nomeadamente, criação de porcos em cuja construção gastaram o valor de 5.000,00€; 3 – Um furo de água em cuja construção gastaram o valor de e 2.000,00€; 4 – Um poço e uma eira em cuja construção gastaram o valor de 500,00€. Citados, os réus apresentaram contestação, na qual impugnaram os factos alegados pelos autores e, invocaram as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade activa. Alegaram, para tanto, que a autora, na sua petição inicial, invoca que os seus pais adquiriram o prédio rústico denominado “V….”, que aí realizaram várias benfeitorias e que, posteriormente, o seu irmão construiu uma moradia em parte do prédio. Que, entretanto, os pais faleceram sem ter realizado a respectiva escritura de compra e venda, o que só se veio a realizar, com o seu conhecimento, anos depois, pelo seu irmão, L…., à data casado com a ora R., na suposta condição deste vir a integrar o referido prédio no acervo hereditário dos pais. Mais, diz a autora que, por não ter sido cumprida a suposta condição, é falso o conteúdo da escritura pública e portanto esta será nula. Mas, sucede que, apesar do alegado, a autora não vem pedir que seja declarada a falsidade do documento autêntico, nem a nulidade do mesmo, mas, antes, que seja declarado o seguinte: a) que estão “impugnados, para todos os efeitos legais, os factos descritos na escritura de compra e venda de … de ….. de 1995, por os réus não terem adquirido o prédio nela identificado por compra e venda”; b) que é “ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de compra e venda e consequentemente, ordenar o cancelamento de quaisquer registos operados com base na escritura de .. de …. de 1995”; e, c) “que o prédio identificado na petição inicial (…) pertence à herança aberta por óbito dos inventariados J. e M.. Segundo os réus, a autora, na petição inicial levanta a hipótese da existência de vários vícios e vicissitudes do negócio jurídico, celebrado entre os aqui RR. e MM., mas que não concretiza especificadamente e que, no final, deduz um pedido que diverge, em absoluto, de tudo quanto alega anteriormente. Defenderam, assim, os réus, que a falta da causa de pedir, ou a sua deficiência, consubstancia um fundamento de ineptidão da petição inicial, que implica a nulidade de todo o processo. Alegaram, por outro lado, os réus, que a autora se identifica na petição inicial como casada, sob o regime da comunhão de adquiridos e que, tendo a acção como objecto a apreciação da validade de um documento público, atinente à transmissão de um bem imóvel, que, na tese da A., deveria integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seus pais, porque parte daquele prédio poderá vir a constituir bem a integrar na esfera jurídica da autora, a acção deveria ter sido interposta, quer por ela, quer pelo seu marido, pois ainda que apenas reflexamente se discute neste processo a propriedade de um imóvel que integra a esfera jurídica dos réus ou, que, porventura, pode vir a fazer parte de uma herança, da qual a autora é uma das herdeiras, e, como tal, passará a constituir seu bem próprio, atento o regime de bens do seu casamento. Invocaram, por isso, os réus, que a falta do marido da autora, na presente acção, é causa de ilegitimidade activa, por falta de um dos interessados em demandar, nos termos conjugados dos artigos 26.º, 28.º, 28.º A e 494.º alínea e), todos do C.P.Civil, e que dará lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 493º, nº2 do citado diploma legal, o que os réus requereram. Invocaram também os réus que a autora, vem peticionar a declaração de nulidade da escritura de compra e venda, por alegada simulação. E, sendo o interesse da autora em invocar a nulidade do negócio, resultante da sua qualidade de herdeira de J.. e de M…. e, encontrando-se, como a própria autora admite, a decorrer o processo de Inventário, em que aqueles seus pais são inventariados, terá de se entender que o interesse em causa respeita à herança, e, não, à própria autora, pelo que a presente acção deveria ser intentada pela Cabeça de Casal da herança, enquanto representante legal daquela, e não pela autora, o que implica que a autora carece de legitimidade, por não ter um interesse directo na alegação da nulidade do negócio jurídico, requerendo, por isso, a sua absolvição da instância. Deduziram os réus, reconvenção, através da qual pediram: a) Seja considerado procedente, por provado, o incidente deduzido quanto ao valor da causa e, em consequência, b) Seja atribuído à causa o valor inicial de € … o equivalente a ….PTE, conforme consta da escritura de compra e venda de … de ….de 1995, exarada de fls. …. do Livro N.º …., lavrado no Cartório Notarial de …. c) Seja julgada procedente, por provada, a excepção de ineptidão da P.I., e, em consequência, d) Sejam os RR. absolvidos da Instância; e) Seja julgada procedente, por provada, a excepção de ilegitimidade activa da A., em qualquer das suas perspectivas invocadas acima e, em consequência, f) Sejam os RR. absolvidos da Instância; Caso assim se não entenda, requer-se a V. Ex.ª que, g) Seja a presente contestação julgada procedente, por provada e, em consequência, h) Seja a presente acção julgada improcedente, por não provada e os RR. absolvidos dos pedidos deduzidos pela A., mantendo-se válida e eficaz a escritura de compra e venda, outorgada a .. de …. de 1995, exarada de fls. ….. do Livro …., do Cartório Notarial de ….., bem assim como os competentes registos efectuados e dela dependentes e consequentes, (de registo de propriedade) do Art.º …. da Freguesia de ….., denominado “V…..”, descrito na Conservatória do Registo Predial da ….. sob o n.º ….. com a área total de …m2, composto de vinha, (…), a favor dos ora RR., e, em consequência, i) Seja a A. obrigada a: i.a) Reconhecer o direito de propriedade dos ora RR. sobre o Art.º …. da Freguesia …, denominado “V….”, descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º …. com a área total de ….m2, composto de vinha, …… i.b) Bem assim como a reconhecer, como válido e eficaz o registo de aquisição do direito de propriedade do prédio rústico Art.º denominado “V….”, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o n.º …. com a área total de ….m2, composto de vinha, (…), a favor dos ora RR. Caso assim não se entenda, requer-se que: j) Seja o pedido reconvencional deduzido pelos RR. julgado procedente por provado e, em consequência, Seja reconhecido e declarado o direito de propriedade dos RR. L. e A. sobre o prédio rústico Art.º…., denominado “V….”, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o (…), por usucapião, em razão do decurso temporal de mais de dez ano, calculado sobre a data do início da sua posse sobre o prédio rústico (…), adquirido – posse titulada – pela escritura de compra e venda, outorgada a …de …de 1995, exarada (…), que transmitiu a favor dos aqui RR. o prédio rústico acima identificado, sendo certo que, e, em simultâneo, aquela posse titulada sempre foi pública, pacífica, de boa-fé e ininterrupta, desde a data da outorga da supra referida escritura de compra e venda, mantendo-se válidos e eficazes os registos efectuados a favor dos aqui RR., em consequência daquela. Caso assim se não entenda, e, como pedido alternativo, requer-se que: k) Seja reconhecido, por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade dos ora RR. sobre a área de …. m2 do prédio rústico inicial onde o prédio urbano, que constituía a casa de morada de família dos aqui RR., …, Freguesia de … descrito sob o N.º …, que constitui a parte urbana daquele prédio misto, predispondo-se os RR. a pagar à aquisição daquela área de terreno de … m2, pelo valor de € … calculados à razão de € ../m2, e ordenando-se em consequência, dos respectivos registos em conformidade com aquele acto. Notificada, a autora apresentou articulado de réplica, no qual respondeu às excepções invocadas, defendendo que a autora invoca no final da petição inicial, como consequência de todos os factos que alega, a nulidade do documento autêntico – escritura de compra e venda – que exibe e que sujeita à apreciação do tribunal, daí resultando com toda a evidência, que o que está em causa não é a autenticidade do documento no sentido formal de quem o elaborou (autoridade ou oficial público), ou das suas assinaturas, mas sim, todo o seu conteúdo e acto negocial em si, num sentido substantivo. Tal resume a pedir/ afirmar a falsidade do conteúdo do referido documento autêntico, e nesse sentido aliás, a invocada simulação e negócio simulado, não restando dúvidas que o referido documento não pode fazer prova porquanto falso o seu conteúdo/declarações. Concluiu, pois, a autora, ser a petição inicial, o seu pedido e a sua causa de pedir perfeitamente inteligíveis, nela não faltando qualquer facto essencial que permita a compreensão de todo o seu conteúdo, não se enquadrando em qualquer dos requisitos previstos no artigo 193.º do CPC. Por outro lado, e no que concerne à invocada ilegitimidade activa, refere que, não sendo o marido da autora herdeiro, na herança aberta por óbito de J… e M., não tem o mesmo que intervir na presente acção nos termos do disposto no artigo 28.º- A do CPC. E, ao contrário do alegado pelos réus, a autora é interessada no identificado processo de inventário, tem interesse processual em demandar, porquanto o resultado sendo favorável lhe aproveita, pelo que tem legitimidade para ela própria requerer a nulidade do negócio jurídico que afecte um bem que deveria integrar a herança aberta e ilíquida por morte dos seus pais. Mais invoca a autora que, os factos alegados pela autora na sua petição inicial e que fundamentam a sua pretensão. relacionam-se em exclusivo com bens da sua herança, e portanto seus bens próprios, e com o facto de estar a ser retirado ao acervo hereditário dos seus pais. Respondeu ainda, a autora, à matéria da reconvenção. Em 21 de Junho de 2013, foi proferido o seguinte despacho: Compulsados os autos constato que a A. intentou a presente acção desacompanhada do seu marido e, bem assim, da interessada e cabeça de casal da herança de J…. e M…... Ao exposto acresce que, e atento o pedido reconvencional deduzido pelos RR., para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, necessário é, também, que a aludida cabeça de casal seja chamada à demanda. Assim sendo, e sob pena de ilegitimidade activa (arts. 28.º n.º 2 e 28.º-A n.º 1 do C.P.C., e 2091.º do Código Civil) notifique a A. para, em 10 dias, diligenciar no sentido de suprir as apontadas ilegitimidades. * Mais deverá a A., naquele referido prazo, aperfeiçoar a petição inicial nos moldes indicados pelos RR. e por si reconhecidos na réplica. A autora, notificada do aludido despacho, apresentou, em ../../2013, novo articulado que referiu tratar-se de uma “petição inicial aperfeiçoada, na qual figuram com Autores R… e A., e como Réus L…., AM…e D…, conforme doutamente promovido no despacho proferido”. Notificados da “Petição Inicial Aperfeiçoada”, apresentada pela autora, na sequência do Despacho, proferido em ../../2013, os réus apresentaram contestação com reconvenção, invocando, no que aqui interessa, que a autora foi convidada, por despacho de --/--/2013, a suprir as apontadas ilegitimidades, sob pena de ilegitimidade activa. Mas, a autora, ao invés de deduzir incidente de intervenção principal provocada, nos termos dos artigos 235.º e seguintes do C. P. Civil (versão 1961), efectuou, apenas, e, só, a junção aos autos de nova P.I. aperfeiçoada, onde coloca o nome quer do seu marido, quer da dita D…, pelo que não cumpriu o dever legal de deduzir o citado incidente de intervenção principal provocada, actuando ao arrepio daquilo para que havia sido convidada, pelo citado despacho. Mais invocaram que o princípio da estabilidade da instância, consagrado no Art.º 268.º do C. P. Civil, determina que a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, salvo as possibilidades de modificação consagradas na Lei, consequentemente, a autora não cumpriu o determinado na Lei, que não se baste com a mera inserção dos nomes quer do seu marido, quer da dita D…, na P. I. aperfeiçoada, para assim poder haver lugar à modificação da instância quanto às pessoas. Invocaram, os réus, por outro lado, que na sua P.I., os AA., vêm peticionar a declaração de nulidade da escritura de compra e venda identificada nos autos, por alegada simulação. E, muito embora à simulação seja aplicado o regime geral da nulidade, previsto no art. 286º do Cód. Civil, que determina que a “nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado”, neste caso, o interesse dos AA., em invocarem a nulidade do negócio, é resultante da sua qualidade de herdeira da A. por morte de J…. e de M…... E, conforme os próprios autores admitem, encontra-se a decorrer o processo de Inventário neste Tribunal, em que aqueles seus pais são inventariados sob o N.º …., razão pela qual o interesse em causa respeita à herança, e, não, aos próprios autores, pelo que deveria a presente acção ser intentada pela Cabeça de Casal da Herança, enquanto representante legal daquela, e não pelos autores, tendo sido por este motivo que, no Despacho que ordenou o Aperfeiçoamento da Petição Inicial, foi ordenado que a autora, se fizesse acompanhar nos presentes autos pela Cabeça de Casal da Herança. E, não obstante o ordenado no despacho em causa, vieram os autores, ao invés, demandar a Cabeça de Casal da Herança. Defenderam, por isso, os réus, que se mantém a ilegitimidade activa dos autores, porquanto os autores carecem de legitimidade, por não terem um interesse directo na alegação da nulidade do negócio jurídico. Daí que, sendo a falta do marido da autora e da sua irmã Deolinda, na presente acção, causa de ilegitimidade activa, por falta de um dos interessados em demandar, e de um dos interessados em contraditar, nos termos conjugados dos Artigos 26.º, 28.º, 28.º a e 494.º, alínea e), todos do C. P. Civil (versão 1961 aplicável aos presentes autos), tratando-se de excepção dilatória, dá lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 493.º, n.º 2 do citado diploma legal, o que os réus requereram. R…. E A……, identificando-se como autores, apresentaram réplica, respondendo às excepções e à reconvenção deduzidas pelos réus. Invocam, no que aqui interessa, que: § Quanto à Ré, D…, aproveitou a ora A. o aperfeiçoamento da petição inicial para suprir a falta desta na demanda. § A A. justificou na sua petição inicial aperfeiçoada a legitimidade passiva da Ré D….. decorrente do despacho com a referência n.º …. que se juntou como doc. n.º 5, o qual remeteu a interessada R. e a cabeça de casal D. para os meios comuns, ou seja, deste se concluindo que a A. intervirá na qualidade de autora e a cabeça de casal na qualidade de Ré. § Cuja fundamentação, da legitimidade passiva da Ré D…, se remete para o já exposto na petição inicial aperfeiçoada. § Mais não fez a A., ao aproveitar a petição inicial aperfeiçoada para chamar à demanda a Ré, que observar o princípio da limitação dos actos, evitando actos inúteis no processo com mais um incidente. § E, desta forma, suprir todas as exceções invocadas. § Acresce dizer, ao contrário do alegado pelos RR., que a A. é interessada no processo de inventário supra referido, tem interesse processual em demandar, porquanto o resultado sendo favorável lhe aproveita, pelo que, tem legitimidade para ela própria requerer a nulidade do negócio jurídico que afete um bem que deveria integrar a herança aberta e ilíquida por morte dos seus pais. § Ainda para mais, os factos alegados pela autora na sua p. i., e que fundamentam a sua pretensão, relacionam-se em exclusivo com bens da sua herança, portanto seus bens próprios, e com o facto de estar a ser retirado ao acervo hereditário dos seus pais. Em …de …. de 2013, foi proferida a seguinte decisão: Por despacho de fls. … foi a A. notificada para suprir a sua ilegitimidade activa, por ter intentado a presente acção desacompanhada do seu marido e da cabeça-de-casal da herança de Januário Matos e Maria Joaquina Neto, e, bem assim, aperfeiçoar a petição inicial. Ora a A., em vez de deduzir incidente de intervenção provocada da referida cabeça-de-casal, considerou que tal consubstanciava um acto inútil (cfr. art.º 21.º de fls. ….), apresentou nova petição inicial acompanhada do seu marido, e demandou, além dos primitivos RR., a referida cabeça-de-casal. Conforme já anteriormente havia consignado e bem referem os RR. a fls. …. e ss., que aqui dou por reproduzidas, a A. deveria ter intentado a presente acção juntamente com aquela cabeça-de-casal, e, não o tendo feito, aproveitado a oportunidade que lhe foi concedida para deduzir incidente de intervenção provocada desta mesma cabeça-de-casal, e não demandá-la, como fez na sequência do referido despacho. Nestes termos, não tendo a A. suprido a sua ilegitimidade no prazo que lhe foi concedido para o efeito, impõe-se declarar verificada a excepção dilatória de ilegitimidade da A., absolver os RR. da instância e, consequentemente, julgá-la extinta (arts. 576.º n.ºs 1 e 2, 577.º al. e) e 578.º, todos do C.P.C.). A A. deverá suportar as custas devidas. É, pois, o que se vai decidir. Por todo o exposto, julgo verificada a excepção dilatória de ilegitimidade da A., absolvo os RR. da instância e, consequentemente, julgo-a extinta. Custas pela A. – art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – fixando-se à causa o valor de € 48.391,92. Registe e notifique. Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à proferida decisão. São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i. A Autora e ora recorrente não concorda com a douta sentença proferida, a qual decidiu pela sua ilegitimidade, por não ter deduzido incidente de intervenção provocada como autora de D…. sua irmã e cabeça de casal da herança de J. e M., declarando verificada a excepção dilatória de ilegitimidade da A., e absolvendo os RR. da instância. Pede, por isso, a apelante, que seja revogada a sentença proferida e aqui recorrida, e ser substituída por outra que declare a ora recorrente parte legítima na acção, seguindo-se os seus ulteriores termos. Os réus apresentaram contra-alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES: i. Em suma, a Recorrente interpôs o presente Recurso de Apelação, imputando à douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial …., em ordem ao seu sancionamento, através da respectiva revogação, alicerçando a sua motivação recursória, tendo por base a ideia que a A. e ora Recorrente é parte legítima na presente acção, e que, cabeça de casal deve intervir na presente acção na posição de Ré, juntamente com o herdeiro L…. e a R. e ora Recorrida A…., como consta na petição inicial aperfeiçoada – tudo como sufraga a Recorrente. Requerem, assim, os réus/apelados, que o recurso de Apelação seja julgado improcedente; e, em consequência, mantida a decisão recorrida nos precisos e exactos termos em que foi exarada, com todas as consequências legais. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i) DO DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL E A VERIFICAÇÃO DE ILEGITIMIDADE ACTIVA DA AUTORA; ii) DAS LEGAIS LIMITAÇÕES DA MODIFICAÇÃO SUBJECTIVA DA INSTÂNCIA. ** III . FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido. *** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO i) DO DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL E DA VERIFICAÇÃO DE ILEGITIMIDADE ACTIVA DA AUTORA Em conformidade com o princípio do dispositivo, consagrado nos artigos 3.º, n.º 1 e 264.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, na versão anterior à do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (aqui ainda aplicável), compete às partes definir os contornos fácticos do litígio, o que significa que sobre elas recaí o ónus de carrear para os autos os factos em que o tribunal se pode basear para decidir. Ao autor incumbe alegar os factos que consubstanciam a pretensão por si formulada e ao réu incumbe alegar a factualidade que sustenta a sua defesa. Acresce que o julgador só pode fundar a decisão nos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 264.º do CPC, ou seja, com excepção dos factos notórios, dos factos de conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas funções (artigo 514ºCPC) e dos factos indiciadores de uso anormal do processo (artigo 665ºCPC), bem como dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa e dos factos essenciais que sejam “complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório”. Por outro lado, dispõe o artigo 508.º do C.P.C.: 1. Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 265º; b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes. 2. O juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. 3. Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido. 4. Se a parte corresponder ao convite a que se refere o número anterior, os factos objecto de esclarecimento, aditamento ou correcção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova. 5. As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos nºs. 3 e 4, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 273º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 489 o e 490º, quando o sejam pelo réu. 6. Não cabe recurso do despacho que convide a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados. Resulta inequivocamente do disposto nos nºs 2 e 3 do citado normativo que o convite do juiz para as partes aperfeiçoarem os articulados se desdobra num despacho de aperfeiçoamento vinculado (nº 2) e num despacho de aperfeiçoamento não vinculado (nº 3), tendo a omissão desse despacho consequências diferentes consoante a sua natureza for vinculada ou não vinculada (situação que já não se mostra coincidente no artigo 590º, nº 2 a 4 do NCPC). O citado artigo 508º, nº 1, alínea b) e nº 3 do CPC, confere, portanto, ao juiz, a possibilidade de elaborar um despacho de aperfeiçoamento, formulando convite, nomeadamente ao autor, para suprir as insuficiências ou imprecisões da matéria de facto, por forma a precisar os pontos concretos da matéria de facto já alegada na petição inicial. Assim, podem ser superadas, por iniciativa do julgador, as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada ou o seu esclarecimento, aditamento ou correcção, o que significa que só faz sentido o convite ao aperfeiçoamento de uma petição inicial se tiver sido alegada matéria de facto, ainda que de forma imperfeita, mas que, desde logo permita a individualização da causa de pedir, e nunca quando a petição inicial padeça do vício de ineptidão, motivada pela ausência de causa de pedir, pela sua ininteligibilidade, ou contradição entre causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido. No caso dos autos, visa a autora com a presente acção, impugnar os factos descritos na escritura de compra e venda celebrada, em --/../1995, entre MM… e os réus e incidente sobre o prédio denominado “V……” e que se declare a ineficácia dessa escritura, reconhecendo-se que tal prédio pertence à herança aberta por óbito de J…. e M…. e da qual é cabeça-de-casal no inventário que se encontra pendente, D…... O âmbito do convite formulado no Tribunal a quo, mediante o despacho de --/--/2013, foi, portanto, o aperfeiçoamento da petição inicial, para adequação dos pedidos formulados ao alegado na p.i. Em regra, o âmbito do aperfeiçoamento do articulado apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações impostas pelo n.º 5 do artigo 508.º do CPC – v. neste sentido Ac.STJ, de 3.02.2009 (Pº 08A3887), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt. É certo que as acções se identificam e individualizam através dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir e que, segundo o disposto no artigo 268º do CPC, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas, obviamente, as possibilidades de modificação que a lei processual civil permite. Ora, como ficou assinalado supra, o n.º 5 do artigo 508º do CPC estabelece que: As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos números 3 e 4, devem conformar-se com os limites estabelecidos no art. 273º, se forem introduzidas pelo autor, e nos arts. 489º e 490º, quando o sejam pelo réu. Com efeito, no cumprimento do despacho de aperfeiçoamento não pode a parte visada exceder os poderes que do artigo 273° do CPC resultam para a modificação da causa de pedir, do mesmo modo que não pode a resposta traduzir-se na renovação do prazo para dedução de novas excepções ou impugnação de factos anteriormente não impugnados já que, decorre das disposições citadas que os factos alegados pela parte para o suprimento da deficiência ou irregularidade não podem implicar uma alteração da causa de pedir ou da defesa anteriormente apresentadas. Como salienta LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2004, Vol. I, 431, ../../../../Documents and Settings/antonio cruz/Os meus documentos/Trabalho - Base de Dados/cível/2ª Sec/Dr. Carlos Querido/Proc 50609 CARLOS QUERIDO.doc - _ftn1o n.º 5 do artigo 508.º do CPC estabelece claramente os limites ao aperfeiçoamento “substancial” da matéria de facto alegada, não podendo o autor, na resposta ao despacho de aperfeiçoamento, apresentar um aditamento ou correcção do seu articulado inicial, que conduza a uma “alteração unilateral” do pedido ou da causa de pedir, em colisão com o preceituado no artigo 273.º, que apenas a admite na réplica, e não em fases ulteriores do processo. Constatou também o Tribunal a quo, no aludido despacho de --/--/2013 que, pretendendo, a autora, como esta defende, que se declare a ineficácia da identificada escritura pública e se reconheça o direito da herança por óbito de J… e M…., quanto à propriedade do imóvel alvo da aludida escritura pública, ocorreria uma situação de ilegitimidade activa, devido ao facto de a autora se encontrar desacompanhada do respectivo cônjuge e de D…., cabeça-de-casal no processo de inventário pendente, por óbito de J…. e M….. Como é sabido, o requisito da legitimidade é entre nós, um pressuposto processual e exprime a posição pessoal do sujeito em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que aquele sujeito possa ocupar-se em juízo desse objecto do processo – v. neste sentido CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II, 153. Também MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, 82, explica que a legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes, «mas uma certa posição delas face à relação material que se traduz no poder legal de dispor dessa relação, por via processual» Com o requisito da legitimidade tem‑se em vista que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, apresentando-se, por isso, como refere CASTRO MENDES, como um reflexo do princípio da autonomia da vontade, já que é o titular do interesse o único que pode prossegui-lo, em juízo ou fora dele, salvo quando a lei disponha diversamente – v. ob. cit., II, 157. Para que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, necessário se torna que estejam em juízo, como autor e réu, as pessoas que são titulares da relação jurídica em causa. Nos termos do artigo 26º, nº 1 do C.P.C., na versão anterior à do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, mas aqui aplicável, autor e réu são partes legítimas quando têm interesse directo, respectivamente, em demandar e em contradizer, interesse esse que se afere, de acordo com o nº 2 daquele mesmo preceito legal, pela utilidade derivada da procedência da acção ou pelo prejuízo que daí advém. Mas, como o critério assente no interesse directo em demandar e em contradizer presta-se a dificuldades no âmbito da sua aplicação prática, a lei fixou no n.º 3 do art.º 26.º do CPC uma regra supletiva na determinação da legitimidade, aí se estatuindo que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo Autor”. Têm, pois, legitimidade para a acção os sujeitos da pretensa relação jurídica controvertida. No caso vertente, visa a autora, em suma, na sequência do convite formulado pela Exma. Juíza de 1ª instância e aceite por aquela, obter a declaração de falsidade da escritura de compra e venda, o cancelamento do respectivo registo e a declaração de que o prédio, objecto da aludida escritura, pertencia aos falecidos, J…. e M…., logo, à herança por óbito destes. Ao apuramento da legitimidade interessa ter em consideração o pedido e a causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram essa causa de pedir, visto que legitimidade ad causam, como pressuposto processual que é, não se prende com o mérito do pedido formulado na acção com base em determinada causa de pedir, pois quando se decide da questão da legitimidade, não tem o julgador - nem deve fazer - um julgamento antecipado da questão substancial que lhe é submetida. A questão que se coloca é a de saber se a acção aqui em causa, tal como foi configurada pela autora pressupõe e exige uma situação listisconsorcial. Com efeito, o litisconsórcio exige uma pluralidade de sujeitos e também, segundo uns, uma única relação jurídica material (v. artigo 27º do CPC) ou, segundo outros, uma unidade de pedidos (v. artigo 30º do CPC), neste ponto residindo o critério de distinção da figura jurídica da coligação e, sendo certo que a lei processual civil utiliza indistintamente, nos citados artigos 27º e 30º do CPC, estes dois critérios. O facto de a relação jurídica material controvertida afectar directamente os interesses de várias pessoas não determina, só por si, a necessidade de intervenção de todos os interessados. A regra é a do litisconsórcio voluntário em que os sujeitos da relação podem intervir ou não em conjunto, tendo carácter excepcional o litisconsórcio necessário, dados os graves embaraços que para a parte representa a sua imposição. E, assim, apenas se exigirá a presença de todos os interessados nos casos em que a lei colocou acima dos interesses das partes e dos respectivos custos, a unidade da decisão - v. ANSELMO DE CASTRO, Dir. Proc. Civil Declaratório, II, 199. O litisconsórcio é necessário, segundo dispõe o nº 1 do artigo 28º do C.P.C., quando a lei ou o contrato o impuserem ou quando resultar da própria natureza da relação jurídica. No caso concreto, não existe convenção que imponha a intervenção do cônjuge da autora, nem a cabeça-de-casal da herança por óbito de J…. e M……. E será que tal intervenção está imposta por lei (caso do cônjuge da autora) e pela própria natureza da relação jurídica, por forma a que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal. Decorre do nº 2 do art.º 28.º do Código de Processo Civil, que "é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal", esclarecendo o mesmo preceito que "a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado". Prevê o artigo 28º, nº 2 do CPC o chamado litisconsórcio natural, ao expressar ser necessária a intervenção de todos os interessados para que a decisão produza o seu efeito útil normal. O efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material - ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, I, p. 111. Esclarece ANSELMO DE CASTRO, ob. cit., 203, que “ a sentença produzirá o seu efeito normal quando defina uma situação jurídica que não só não poderá mais ser contestada por qualquer das partes, como ainda seja de molde a poder subsistir inalterada não obstante ser ineficaz em confronto dos outros co-interessados, como quer que uma nova sentença venha a definir a posição ou situação destes últimos”. Refere ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117, p. 383, que, a parte final do n.º 2 do art.º 28.º “admite claramente a possibilidade de, nas relações plurais, a acção ser instaurada apenas por algum ou alguns dos seus titulares, ou contra algum ou alguns deles. Essencial é que a decisão a proferir em tais circunstâncias possa regular definitivamente as pretensões formuladas pelas partes» Para entender o sentido do conceito de «efeito útil normal» que o artigo 28.º, n.º 2 do Código de Processo Civil convoca, existem duas orientações doutrinárias. Uma tese ampla, que afere o efeito útil normal pela insusceptibilidade de contradição lógica, teórica ou técnica de julgados. E, ao invés, uma tese mais restrita, defendida por MANUEL DE ANDRADE, Scientia Juridica, VII, n.º 34, 186, que afere o efeito útil à insusceptibilidade de contradição apenas prática entre julgados, em termos de obstar a decisões que não possam definir estavelmente a situação jurídica sem atingir os diversos interessados na decisão – cfr. também neste sentido ANSELMO DE CASTRO, ob. cit., 204. O nº 2 do art.º 28.º do CPC parece adoptar pela noção mais restrita de efeito útil normal, já que o instituto do litisconsórcio necessário natural visa evitar decisões inconciliáveis sob o ponto de vista prático e, consequentemente, obter segurança e certeza na definição das situações jurídicas. Como esclarece ANSELMO DE CASTRO, o facto de a lei se limitar a facultar, e não a impor, o litisconsórcio nas relações com pluralidade de interessados, como unidade de causa de pedir (artº 27º, nº 1, 1ª parte do CPC) leva a concluir que lhe é indiferente a coexistência de decisões divergentes e logicamente contraditórias e, portanto, que a situação a evitar pela obrigatoriedade do litisconsórcio é tão só a de decisões, além de divergentes, praticamente inconciliáveis – ob. cit., loc. cit. Sempre que inexista a incompatibilidade dos efeitos produzidos – critério consagrado no nº 2 do artigo 28º do CPC – a decisão produz o seu efeito útil normal, sendo irrelevante a possibilidade de superveniente antagonismo ou conflito teórico de decisões resultantes de os interessados não vinculados ao caso julgado serem partes noutra acção com solução diversa. Seguindo ainda ANSELMO DE CASTRO, ob.ci., 208, há que compatibilizar entre o princípio da liberdade – cada um tem o direito de propor a acção, sem ser forçado a tal e contra quem quiser – com o princípio da utilidade – a demanda há-de ter utilidade prática, para se concluir que nas relações com pluralidade de sujeitos, se a lei nada disser, é sempre lícito accionar isoladamente ou demandar só um dos interessados, desde que a acção, pelo facto de ser proposta só por um ou apenas contra um, não perca a utilidade prática. No caso vertente, estamos perante uma acção que se terá de reconduzir à declaração de nulidade de um contrato de compra e venda incidente sobre um imóvel, por alegada simulação, e o reconhecimento de que tal identificado imóvel pertence à herança por óbito de J….. e M….., sendo certo que se encontra pendente inventário para partilha dos bens destes, e no qual D…… exerce as funções de cabeça-de-casal. Face ao pedido e à causa de pedir, a intervenção do cônjuge da autora, é imposta por lei, pois resulta das disposições conjugadas do artigo 28º-A do CPC (artº 34º, nº 1 do nCPC) e do artigo 1682º-A, nº 1, alínea a) do Código Civil. Acresce que, tendo em consideração os contornos da lide aqui em causa, é manifesto que a intervenção de todos os interessados é exigível para que a decisão produza o seu efeito útil normal. Mostra-se, portanto, correcto o despacho de aperfeiçoamento, convidando a autora a proceder às necessárias rectificações das insuficiências detectadas na petição inicial, bem como o convite para a autora proceder à adequada intervenção dos terceiros interessados. E, na verdade, a autora, aparentemente, visou acatar o convite que lhe foi formulado (embora na alegação de recurso, em manifesta contrariedade de posições, já rejeite a adequação do aludido convite), pelo que cumpre analisar se o fez com a observância dos requisitos legais. ** ii) DAS LEGAIS LIMITAÇÕES DA MODIFICAÇÃO SUBJECTIVA DA INSTÂNCIA A autora, acolhendo, tanto quanto se supõe, o convite formulado pela Exma. Juíza do Tribunal a quo, apresentou, em ---/--/2013, “nova petição inicial aperfeiçoada”, na qual passou a constar, do lado activo, a autora e seu respectivo cônjuge e, do lado passivo, os anteriores réus, bem como a cabeça-de-casal, por óbito de J… e M….., D…… Vejamos se tal é admissível. Como já acima ficou dito, no artigo 268º do Cód. do Proc. Civil (artigo 260º do nCPC) consagra-se o chamado princípio da estabilidade da instância ao estatuir-se que «citado o réu a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.» Prevê a lei que tais modificações podem ocorrer quanto ao pedido e à causa de pedir (modificações objectivas) e quanto às pessoas (modificações subjectivas). As modificações subjectivas da instância só podem ocorrer por substituição das partes – por sucessão ou por acto entre vivos - ou pelos incidentes de intervenção de terceiros - artigo 270º, alíneas a) e b) do Cód. do Proc. Civil (artigo 262º, alíneas a) e b) do nCPC). O conceito de “terceiros”, como é consabido, contrapõe-se ao conceito de “parte” e insere a ideia de alguém por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito. E, os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas. Os incidentes de intervenção de terceiros encontram-se previstos nos artigos 320º a 359º do Código de Processo Civil em vigor à data da prolação do despacho de 21.06.2013, agrupando-se em três modalidades distintas: intervenção principal, intervenção acessória e oposição. A intervenção principal, por seu turno, pode ser espontânea (artigos 320º a 324º) ou provocada (artigos 325º a 329º). O pedido de intervenção que aqui nos interessa situa-se no âmbito da intervenção principal provocada. A intervenção principal provocada consubstancia-se no chamamento ao processo, por qualquer das partes, dos terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária (artigo 325º, nº 1). Qualquer das partes pode, assim, chamar a intervir alguém, do lado activo ou do lado passivo, desde que os chamados, nos termos do artigo 320º, pudessem intervir espontaneamente ao lado do autor ou ao lado do réu. Sucede, porém, que no caso em apreço, e na sequência do despacho de aperfeiçoamento, a autora veio apresentar nova petição reformulada com nova factualidade que, embora não se limite a concretizar o invocado convite ao aperfeiçoamento, também ele vago e pouco concretizador (alega e expõe agora a autora com maior clareza o procedimento ocorrido no Inventário e a decisão ali proferida de remeter os interessados para os meios comuns), não parece enfermar de manifesta violação dos parâmetros imperativos enunciados no nº 5 do artigo 508º do CPC (artigo 590º, nº 6 do nCPC). Ora, a autora, não apenas procedeu, em moldes ampliados, à concretização da factualidade em que assentou a sua causa de pedir, mas veio apresentar nova petição inicial, procedendo nela a uma modificação subjectiva da instância, com manifesta violação do disposto nos artigos 268º e 270º, alínea b) do CPC (artigos 260º e 262º, alínea b) do nCPC), o que é legalmente inadmissível. São, pois, despiciendas todas as conclusões expressas pela autora/apelante no recurso interposto, quanto à desnecessidade de proceder a uma intervenção litisconsorcial provocada ou se a identificada D…. deverá ser chamada a intervir pelo lado activo ou, ao invés, pelo lado passivo, pois tal terá de depender da forma como foi delineada a acção, por banda da autora, a quem compete definir os contornos fácticos do litígio, ou seja, alegar os factos que dão consistência à pretensão por si formulada e nos quais o Tribunal se poderá basear para decidir. O que está expressamente vedado à autora é proceder, na sequência do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, à apresentação de nova petição inicial, ampliando os contornos fácticos do litígio e, como sucedeu no caso vertente, aproveitar para alterar os sujeitos da relação processual constantes da primitiva petição inicial, procedendo, ao cabo e ao resto, a uma modificação subjectiva da instância com manifesta violação das normas processuais aplicáveis. Destarte, soçobra a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. * A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo. ** IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 19 de Junho de 2014 Ondina Carmo Alves - Relatora Eduardo José Oliveira Azevedo Olindo dos Santos Geraldes |